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*DEEP ECOLOGY - NOTE-BOOK OF HOPE - HIGH TIME *ECOLOGIA EM DIÁLOGO - DOSSIÊS DO SILÊNCIO - ALTERNATIVAS DE VIDA - ECOLOGIA HUMANA - ECO-ENERGIAS - NOTÍCIAS DA FRENTE ECOLÓGICA - DOCUMENTOS DO MEP

2006-04-09

NATURISMO 1973

1-4 - 73-02-10-IE> = ideia ecológica - quinta-feira, 5 de Dezembro de 2002-scan

O NATURISMO PRECURSOR(*)

[(*) Este texto de Afonso Cautela, a que não retiro hoje uma vírgula, foi publicado no livro edição do autor, «Contributo à Revolução Ecológica», Paço de Arcos, 1976 ]

10/Fevereiro/1973 - Creio que, sem falsa modéstia, todos os naturistas, de longa ou de fresca data, se podem felicitar por serem os precursores da ciência que no entender de muitos (e no meu também) é a mais importante ciência do nosso tempo, aquela de que todas as outras (tudo e todos) dependem: a Ecologia.
Os naturistas previram (ou profetizaram) o tempo em que o ambiente se tornaria um problema de escala planetária, tão importante como a fome, o desarmamento e a guerra da Indochina.
Os naturistas previram, primeiro do que ninguém, as agressões cada vez mais frequentes e intensas que viriam a perpetrar-se contra o ambiente e sentiram essas agressões como verdadeiros crimes que os códigos estão em vias de sancionar.
Para os naturistas, tal como hoje para toda a gente, a conservação da Natureza foi sempre um caso de vida ou de morte para o próprio homem, lei fundamental da Ecologia.
Os naturistas foram e são os verdadeiros precursores do movimento ecológico que tem vindo a intensificar-se em progressão geométrica. Todos falam de poluição, agora. Mas, sem falar dela, era dela que os naturistas sempre falavam.
Alguns jornais, puxando ao sensacionalismo do tema que até se pode tornar inócuo - tudo está na habilidade sofística do jornalista - procuram apenas a superfície, em vez de se lhe dedicarem em profundidade. A poluição tanto serve para discursos demagógicos de candidatos a eleições como para alarmes apocalípticos dos que se encontram desejosos de acabar com o resto de fé, de esperança e de caridade que teima em existir no coração dos homens e que liga a humanidade a si própria.
Claro que nem todos os naturistas se aperceberam do alcance que a sua doutrina pode ter, quando enquadrada numa perspectiva ecológica e a necessidade que há desse enquadramento para que o naturismo seja efectivamente uma posição capaz de se apresentar em qualquer circunstância sem vergonha nem medo de paralelos. As terapêuticas naturais obtêm o seu mais sólido apoio teórico numa visão causal do meio ambiente e só essa visão as torna indiscutíveis.
Não é raro ouvir naturistas raciocinar ainda em termos de Sintomatologia que são, exactamente, o contrário da visão ecológica.

O EXEMPLO DA ARGILA

Não há dúvida que a argila, por exemplo, concorre para curas interessantes, como adjuvante de outras terapêuticas, alimentares e de agentes físicos, conduz a resultados positivos, se fizer parte de uma cadeia causal a que todo o processo de terapêutica natural tem que estar submetido.
Há, porém, quem "receite" a argila com a mesma mentalidade com que a alopatia receita medicamentos. Completamente desligada do conjunto a que toda a naturopatia tem de referir-se continuamente, eu diria, tentando a síntese, que a perspectiva ecológica é o esforço constante de referir sempre tudo a tudo, as partes à totalidade, o particular ao geral, o local ao universal. A Ecologia, com efeito, reafirma e parafraseia em termos modernos aquele axioma da sabedoria tradicional esotérica que diz: "tudo se liga a tudo". Ou o que está em baixo é igual ao que está em cima, o microcosmos é o espelho do macrocosmos. Já alguém disse que a Ecologia é apenas a versão moderna da Astrologia. Sou dos que aceitam essa definição.
Mas voltando ao equívoco da argila. Se não se mudam os hábitos do doente, nem o seu ambiente, nem as relações recíprocas entre eles, a argila aplica-se pura e simplesmente como panaceia. Como tratamento e não como cura. Medicamento e não terapêutica. Se as causas profundas permanecem sem alteração, é porque falta uma visão científica, ecológica, não sintomatológica a essa terapêutica, falsamente então assim designada.
Com este exemplo da argila queria sublinhar que a Ecologia é o fundamento teórico e prático do naturismo. A ciência que autoriza qualquer de nós a ocupar-se e a preocupar-se com a sua própria saúde. A base factual que racionaliza uma doutrina porventura pouco racional em certos dos seus representantes, em alguns mística e em outros zoófila, mesmo espiritista.

CEREAIS COMPLETOS

Há outro aspecto em que o naturismo não pode desligar-se da Ecologia e dos problemas de Ambiente.
Recomenda-se, por exemplo, o consumo de cereais completos. Mas o naturista logo verifica, na prática, que está cercado por todos os lados de cereais incompletos e que muito terá de andar para os conseguir em termos. Quando o consegue, verifica ainda que esses cereais, contra o principio básico do naturismo, foram cultivados com produtos químicos. Verifica, aliás, que a maior parte dos alimentos à venda no mercado são contra as leis básicas do naturismo. Ou porque estão refinados e deveriam ser integrais, ou porque recorrem a aditivos e conservantes, e deveriam ser puramente biológicos. Ou porque resultam de ambientes contaminados sistematicamente (DDT) ou por acidente (águas de rios poluídas por fábricas).
Quer dizer: o naturista preconiza os alimentos em termos, mas não os tem. E para os ter, é necessário modificar todo o ambiente onde se cultivam ou manipulam.

Momentaneamente, porém, vamos supor que, por um milagre, o naturista consegue os seus cereais por cultura biológica. Ele tem, no entanto, que continuar a respirar o ar da Rua do Alecrim (que decididamente não cheira nada a alecrim), ele tem que beber água verdunizada no seu chá de hipericão, ele tem que descascar peros carregados de pesticidas, ele tem que consumir nata ou derivados do leite com percentagens de DDT bastante inquietantes, ele tem que passar os dias alarmado à espera que um sismo abane Lisboa, porque as experiências nucleares francesas não cessam e não cessa o crime universal que dessas e doutras resulta para o equilíbrio geofísico do planeta, ele tem que suportar, em casa, na rua, no trabalho, todos os ruídos de aviões, cães, escapes, claxons, construção civil que todos quiserem fazer à sua volta, no ambiente que é propriedade colectiva mas de que apenas alguns tomam o monopólio, não se importando nesga com o vizinho, ele tem que suportar, numa sala de congressos, num transporte público, no local de trabalho, o ambiente viciado pelas chaminés fumegantes dos cigarros dos outros.
Quer dizer: não basta ser naturista, nem basta ao naturista dizer que come a sua couvinha (porque a couvinha pode vir de uma terra queimada de DDT) ou comer a sua fruta, ou cozinhar o seu spaguetti: imediatamente se choca com os problemas de ambiente e é a partir destes que tudo o mais tem que ser formulado. Inexoravelmente.
Eis, pois, em resumo: o naturista é, por visão profética, um precursor da Ecologia Humana; mas, às vezes, tal como outros sectores reaccionários da sociedade, ele assume visões anti-ambiente que não abonam em nada os seus princípios.
Agora que os técnicos e especialistas, depois de poluírem o Mundo até à garganta, são os únicos a julgarem-se com direito a falar do Meio Ambiente, o naturista deve reivindicar o seu papel de precursor e o título de amigo (o mais consciente) do ambiente, e seu intransigente defensor.
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(*) Este texto de Afonso Cautela, a que não retiro hoje uma vírgula, foi publicado no livro edição do autor, «Contributo à Revolução Ecológica», Paço de Arcos, 1976
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PSICANÁLISE 1991

psicanal>-1216 caracteres - 91-04-09-cm-mf> = consumidor de medicinas - medicina funcional - 1200 caracteres

9-4-1991

A PSICANÁLISE

Exemplo de um ramo que nasceu da medicina perene de raiz hipocrática é a Psicanálise.
Tal como a Homeopatia, é de formação recente e a sua descoberta pode localizar-se num homem que, para o caso, até era praticante da medicina hoje considerada ortodoxa.
Apesar de contestada, mais pelos seus princípios filosóficos do que pelas técnicas a que recorre, a Psicanálise acabou por ser reconhecida no «meio» e hoje pode figurar, está autorizada a figurar, entre as medicinas oficiais.
No entanto e por natureza, ela inclui-se logicamente entre as terapêuticas suaves, não-violentas, globais ou holísticas.
O que une a Psicanálise ao tronco comum da medicina de sempre e automaticamente a separa da ortodoxia vigente é o seu atributo fundamental de não utilizar a química.
Estranho, portanto, que a psicanálise não figure em assembleias e conjuntos da Medicina Alternativa, ou não seja considerada uma componente da naturopsicoterapia moderna onde é, aliás, o seu lugar lógico. E mais estranho ainda que não seja alvo da sanha inquisitorial com que os representantes da quimioterapia alopática costumam afrontar tudo o que lhes cheira a alternativas ecológicas.
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ALTERNATIVOS 1991

1-1 < 91-04-09-ll> ideia ecológica – ecoalter - listas>-432 caracteres

9-4-1991

MOVIMENTO ECOALTERNATIVO - NOMENCLATURA DE BASE

Movimento antiautoritário
Movimento ecolibertário
A ideologia do week-end
Movimento operário-cidadão
Projecto revolucionário de autoorganização (autoemancipação)
Movimento radical autogestionário
Eles vivem de outra maneira
Projectos alternativos
Cena alternativa
Movimento ecolo-alternativo
Fenómeno alternativo
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DESPERDÍCIO 1991

recursos>-1369 caracteres - intuição AC - inéditos - propostas ecorealistas

9-4-1991

Desperdício, principal fonte energética

Sem ordenamento do território, sem uma carta ecológica de Portugal, sem o estudo sistemático de peculiaridades, potencialides e recursos regionais, sem a desmistificação dos mitos que empórios e monopólios atiçam para submeter e vergar a vontade dos cidadãos - crescimento, desenvolvimento, industrialização, modernização, entrada na CEE, etc - sem uma decidida estratégia radical-reformista no fomento da práticas, tecnologias e energias alternativas, sem o pluriaproveitamento máximo de recursos nacionais (nomeadamente energéticos, incluindo entre estes o «desperdício» como fonte energética principal), dispensando cada vez mais as importações,
Sem algumas das medidas (ou todas) propostas pelo realismo ecológico, todo o discurso sobre a crise é falso e demagógico.
Porque é falso e demagógico proclamar a crise (financeira, económica), o desemprego, a inflação, e não fazer nada - dos pequenos grandes nadas que é possível fazer já - para planear o máximo aproveitamento de recursos nacionais (nomeadamente os desperdícios, nosso principal recurso), para pôr em prática uma política de reciclagem sistemática que permita aproveitar ao máximo o que se deita fóra.
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AMBIENTOPATOLOGIA 1991

5 estrelas - 1-2 -91-04-09-ie-eh> = ideia ecológica = ecologia humana - patoamb> - 1353 caracteres

9-4-1991

AMBIENTOPATOLOGIA - PARA UMA CLASSIFICAÇÃO DAS PATOLOGIAS

As doenças do Ambiente aparecem como se não tivessem causa.
São, por isso, também «indicadores» de que alguma coisa corre mal no Ambiente.
Nesse sentido, os seres humanos são sempre cobaias de mil e uma poluições, de mil e um produtos, de mil e um consumos, alimentares e de uso, que infestam o ambiente sem previamente se terem testado quanto às consequências sobre a fisiologia humana.

REPERTÓRIO DAS DOENÇAS DA CIVILIZAÇÃO:
Sida
Cancro
Stress
Neurose
Morte rodoviária
Depressão

-DOENÇAS DA CIVILIZAÇÃO, DOENÇAS DO AMBIENTE:
Despistagem ambiental no diagnóstico clínico
Desnutrição entre os factores causais da doença
Alteração do metabolismo (intoxicação)
Mistério da lepra: hábitos predominantes de comer salgados, pista epidemiológica possível

-DOENÇAS DO SUBDESENVOLVIMENTO
Fome e pobreza
Cólera
Raiva
Sezões
Cegueira
Gastroenterite
Hepatite
Cólera
Intoxicações alimentares

-DOENÇAS DA POLUIÇÃO ALIMENTAR
Brucelose
Gastroenterite
Hepatite
Cólera
Intoxicações alimentares

-EFEITOS COM CAUSA DESCONHECIDA
(indicadores)
Prostituição infantil
Delinquência infantil
Cancro infantil
Suicídio infantil
Reumático infantil
Divórcio
Toxicomanias
Alcoolismo

-CAUSAS DE EFEITOS DESCONHECIDOS
Fogões de coser pão a óleo
Ozono na alta atmosfera
Gado com hormonas
Aviários
Gelados
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BIOCÍDIO 1989

moda-> = diário de ideias

CAUSAS "NOBRES" OU "PERDIDAS"

9/Maio/1989 - Certas ideias, certas causas "nobres" ou "perdidas", não valem por si mas pela notoriedade das figuras que as defendem.
O cantor Sting, ao adoptar a defesa da causa amazónica, tornou-se matéria obrigatória, em reportagens a cores, dos magazines semanais.
Enquanto a causa do povo amazónico, vítima de Biocídio, foi perfilhada por anónimos ecologistas franco-atiradores, nunca conseguiu vencer a barreira dos 100 exemplares de tiragem, a que normalmente se reduzem os “fanzines'' subversivos, das lutas "underground" pela verdade.
A Medicina homeopática só deixou de ser uma forma empírica ou charlatanesca de curar (na acepção dos doutores alopáticos), quando se soube que Madre Teresa de Calcutá, Prémio Nobel da Paz, frequentou os remédios homeopáticos (pois se ela anda na Índia, onde a medicina ayurvédica nasceu), e que o Príncipe Carlos, marido da Lady Di, era adepto da homeopatia desde há muitos anos, embora na semi-clandestinidade, não fossem os diários sensacionalistas irem surpreendê-lo, um dia, com a boca na botija (quer dizer, com as gotas homeopáticas na algibeira do fraque).
Os produtos naturais deixam de ser uma mania de atrasados mentais, como o autor destas crónicas, só quando um semanário de grande circulação e credibilidade como o "Tal & Qual" lhe dedica sete páginas, sete, "sem gorduras, corantes e conservantes", em estilo descontraído de "blue-jeans", com o charme de um manequim de 20 anos, a Elisabete Bengo, a abençoar o discurso sobre macrobiótica, preferências alimentares mais naturais, formas vegetarianas de emagrecer e combater a celulite, etc
Os que, sempre com o ar de quem tem sempre razão, costumam troçar dos roedores de cenouras, só agora verificam, pela reportagem do “Tal & Qual" , como são "in" os hábitos até agora atribuídos a fanáticos dementes, atrasados mentais e maníacos praticantes da vida sã.
Brigitte Bardot deu um élan diferente à campanha conservacionista, em defesa das focas-bébé e dos ursos brancos, um crime Biocídio que, a seco e antes dos cabelos louros da Bardot, não colhia a indignação de grandes maiorias, nem sequer, quase, de minorias activistas.
A "má fama" da Macrobiótica é atenuada quando revistas ''up to date" como a "Cláudia" (Brasileira) anunciam que grandes artistas da telenovela se aguentam em forma, mediante uma prática que se "assemelha" àquele sistema alimentar, outrora condenado pela "Time" porque... provoca graves anemias, e anomalias no feto.
Quando se soube que Boy George "virava" budista da corrente tibetana, a juventude passou a olhar o "misticismo oriental" com olhos menos trocistas, aceitando, com menos desconfiança, certas caturrices do pai, que nos anos sessenta e setenta, no auge do rock duro, se convertera às altitudes geladas do Himalaia.
Jane Fonda prestigiou as "causas perdidas" em duas frentes: quando protagonizou o filme "O Síndroma da China" na sequência de posições públicas já assumidas de comprometimento no movimento antinuclear, e quando criou um método de exercício ginástico para manter a forma fisica.
Menos sorte teve a campanha sobre o método de emagrecimento Demy Roussos, que apanhou o cantor já no declive da decadência e sem jamais ter ficado provado, à opinião pública, como se emagrece daquela maneira... Nem sequer ficou provado se se tratava, neste caso, de uma "causa nobre".


AS MINORIAS EM MINORIA

Em teoria, as "minorias" têm os seus defensores nos humanitarismos religiosos: só alguns fanáticos estão sempre a ver "seitas" em tudo o que mexe.
Mas, na realidade, as "minorias" são sempre e à partida, suspeitas, para as instituições que temem a concorrência.
Na realidade e abstraindo as proclamações teóricas feitas em momentos solenes, as minorias étnicas, religiosas ou ideológicas, não têm uma vida pacífica e sempre que as instituições podem lançar sobre essas "minorias" o labéu ou anátema de "seita", fazem-no com peculiar ferocidade.
A obsequiosa atenção ao "natural" no semanário "Tal & Qual" ( ) , compreende-se melhor quando sabemos, pelo artigo publicado, que as lojas tipo "Nature" ou "Boticário" já conquistaram não só as Amoreiras (cúmulo do chiquérrimo), o que as promove ao nível de consideração que devem merecer-nos, mas clientes famosos como : Leonor Beleza, Nuno Abecassis Raul Solnado, Maria de Lurdes Pintasilgo, Ana Bola (nomes citados pelo "Tal & Qual").
Questão de moda, a causa das eco-alternativas é perfeitamente aceitável, desde que liofilizada do seu carácter subversivo da sociedade de consumo.
Mas mais nada do que uma moda para gente da moda! A sério e como ideologia, nunca! O edifício das Amoreiras vinha abaixo.
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SISTEMA 1991

abusos-1> -2889 caracteres = ecos de eh

COM O ACIDENTAL SE OCULTA O SISTEMÁTICO - ATRASAR OU ACELERAR A QUEDA DO SISTEMA?

[91-04-09] - Não devemos deixar-nos impressionar com os «arrependimentos» e os «mea culpa» a que as indústrias poluentes se entregam, em momentos críticos, quando o escândalo rebenta e os jornais falam, escândalos suficientemente assinalados no calendário negro da desastrosa engrenagem industrial.
A Talidomida foi um desses casos, históricos, em que a habitual conspiração do silêncio não funcionou: por isso e como contra-ofensiva, teve que funcionar em pleno a demagogia, com o objectivo de, confundindo o sistemático e o acidental, absolver o sistema a pretexto de um horrendo acidente (a talidomida).
Em tais casos, a demagogia actua com o objectivo de pintar o sistema de cores aceitáveis, a pretexto de que foi acidental, meramente fortuito e não estrutural, o que porventura terá provocado mortos e feridos.
Anos e anos se passam, sem que a indústria modifique um milímetro a sua inflexível lógica de extermínio, subordinando, como sempre tem feito, o homem à economia.
É caso para desconfiar, pois, se as indústrias ou os serviços oficiais que as apoiam, se lembram de adoptar algumas críticas a posições transitoriamente coincidentes com as ambientalistas.
No caso da Talidomida, se as autoridades sanitárias deram o alarme foi quando o escândalo já era irreversível e, por outro lado, porque a grande indústria farmacêutica podia ganhar na luta de concorrência com a mais pequena, «isolando» este caso e pondo a ferros esta firma prevaricadora num conjunto - a Indústria Farmacêutica - imaculado de empresas.
Quando as autoridades sanitárias dão o alarme sobre o acidental, é porque estão a salvar o essencial do sistema.
Quando a OMS lança críticas ao abuso dos medicamentos, está indirectamente a defender o uso: a crítica aos medicamentos não é para prevenir contra eles o doente mas para evitar que escândalos como o da Talidomida ponham todo o sistema em causa.
Quando o advogado Ralph Nader, nos EUA, entra em luta contra empórios da indústria automóvel e da indústria alimentar, o sistema no seu conjunto devia agradecer-lhe.
Ao denunciar escândalos, o advogado militante do consumidor, prorroga, voluntaria ou involuntariamente, o consumismo como ideologia que convém manter impoluta e acima de toda a suspeita.
O [realismo ecologista, projecto ecologista] entende que nos faziam falta muitos Ralph Nader já que, apesar de tudo e enquanto não temos uma sociedade habitável, melhor será o menos mau. Mas também não esquece que ecotácticas, ecoreformas, ecoproteccionismos e ecorevisionismos - desde que desinseridos de uma estratégia radical - podem perigosamente estar a prorrogar sine dia o sistema que, quanto mais desastres e escândalos e tragédias e mortos e feridos provocar, mais se revela aos olhos da humanidade na sua verdadeira hediondez.
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ABJECÇÃO 1970

1-3- 70-04-09-di = diário de ideias - 10-12-2002-scan

DEFINIÇÃO DE UM CRÍTICO ABJECCIONISTA 
OU A CRÍTICA DEFINIDA COMO CONTESTAÇÃO(*)


9-4-1970 - Na tentativa de tudo compreender e sem tomar posição definitiva, o crítico abjeccionista procura esboçar algumas formas assumidas pela abjecção e as formas de resistência que se lhe opõem: a resistência crítica, a resistência das culturas não ocidentais, a resistência do homem isolado ou franco-atirador, a resistência anarquista, a resistência surrealista dadaísta, a resistência das minorias étnicas ou psico-patológicas (o negro, o diminuído mental e físico), a resistência de grupos juvenis (provos, hippies), a resistência dos escritores-corpo ou escritores anti-literários (Caryl Chessman, Jean Genet, Violette Leduc, Panait Istrati, Máximo Gorki, Franz Kafka, Antonin Artaud), a resistência da poesia polémica, etc.

Para o crítico que a si mesmo se considera e intitula de abjeccionista, todas ao formas de revolta e denúncia padecem de um defeito comum: não apontam a totalidade do que ele, crítico, designará de Abjecção.
No seu entender,  a crítica à Abjecção não pode omitir nenhum átomo dela, sob qualquer pretexto ou alibi, inclusive o da especialização técnica e profissional (alibi muito usado pelos críticas de artes e letras em exercício).
Urge - diz ele - delimitar o campo da Abjecção e, se for necessário, ir até onde os outros não vão; não recuará mesmo perante a incurabilidade da espécie humana, se tiver de reconhecer que a origem dos males radica no homem enquanto espécie e não em formas da sua arrumação social.
Os que se apresentam como descontentes são, muitas vezes, apenas inconformados com um estado de coisas bastante local.
O observador abjeccionista caracteriza-se pela extensão do seu inconformismo: para já, ele encontra-se irreconciliado não só com o capitalismo e o neo-capitalismo, não só com a civilização industrial-urbana, mas também (à maneira da Beckett, detractor último da condição humana, como Desmond Morris e Arthur Koestler) com o homem na sua fase actual de macaco nu.
O crítico abjeccionista diz: a crítica marxista critica a sociedade capitalista. Sim, muito bem, e depois? O resto da Abjecção que ultrapassa esse âmbito? Porque se poupa? Porque não se prossegue a crítica iniciada ao capitalismo e às suas formas de opressão, repressão, violência, exploração, com a crítica às outras formas de opres-ão, às outras contradições e alienações?
Porque não se há-de ir mesmo à crítica do inevitável?

COMO DISTINGUIR SE UMA OBRA SERVE

No entender do crítico abjeccionista, basta ter uma noção clara da totalidade para encontrar, em matéria de teorização estética, as linhas de força, o sentido que hoje importa definir dentro de uma concepção progressiva, prospectiva  da História, do Mundo, da Condição Humana.
Se se definir o espaço ou habitat psicológico (o sistema de mitos, pois claro!) em que radica a existência quotidiana do consumidor (assim mesmo, consumidor, ainda sem estatuto de indivíduo e, muito menos, de pessoa humana) fácil é definir na arte a função criadora de mitos positivos e à crítica atribuições rigorosamente precisas: a destrinça entre esses mitos negativos (os que se fabricam para consumo, para entorpecer e alienar ainda mais) e os mitos positivos que só o esforço do artista, do escritor, do poeta para superar a sua própria escravidão-alienação e a dos seus compatriotas, e a dos seus contemporâneos, a da sua classe e a da sua profissão, a da sua nacionalidade e a da sua etnia, pode criar.
O mérito de um poema como de um filme, define-o o crítico abjeccionista por essa superação dos condicionalismos e opressões que limitam o artista enquanto homem e a sua matéria-prima de trabalho. Por isso a crítica abjeccionista, embora parta do particular aponta sempre o universal e embora arranque da parcela se dirige sempre ao todo do processo humano.
Não interessam ao crítico abjeccionista (ou só interessam subsidiariamente) as proezas da "oficina", o estilo, a luta com a matéria-prima, porque entende o crítico tal luta uma coisa pessoal e intransmissível, insusceptível de crítica. Nessa luta, o artista, de duas, uma: ou sai vencido, ou sai vencedor, e qualquer das soluções só interessa ao crítico na medida em que uma realização estética quanto mais perfeita mais amplia a comunicabilidade da obra, logo o seu alcance "pedagógico" junto de uma maior, mais lata camada de "consumidores".
Quando um crítico abjeccionista se refere a uma obra ou a um autor, não é um técnico que está em funções especializadas - analisar, minudenciar, escalpelizar - mas um homem total que põe e repõe, que formula e reformula, em cada obra ou autor observado, a totalidade, a máxima totalidade no momento possível, as mil e uma caras da Abjecção, os problemas nela implícitos.
No mais exacto sentido, o crítico abjeccionista quando critica, filosofa: põe em questão tudo aquilo que no seu entender importa (nada do que é humano lhe pode ser indiferente...) à luz de um movimento histórico mais ou menos cego, mais ou menos lúcido.
Mas nunca por nunca ele se cantona - a pretexto de especialização - na desmontagem das técnicas, das proezas, das habilidades realizadas pelo autor, que essas - frisa ele - só ao autor dizem respeito na solidão que cada qual tem o dever de resolver e assumir por si.
No meio português, tal concepção de crítica equivale quase a um suicídio de quem a pratica e basta olhar em torno para o moral de qualquer um, por mais animoso, se abater e fraquejar. Do formalismo das direitas ao formalismo das esquerdas, a crítica mexe-se no pantanoso charco das influências, dos estilos, das técnicas oficinais, das terminologias pseudo-técnicas, das nomenclaturas esotéricas, das hiper-sapiências e das hiper-suficiências.

A ARTE COMO COMBATE

Exactamente porque tem da crítica esta concepção "ambiciosa", o abjeccionista considera a sua acção, enquanto escreve, não uma renda frívola, não uma variante extra-profissional de ocupar o tempo e de se fazer notado, não uma ocupação mais ou menos, mas como uma acção, tensão ou luta ou resistência onde se empenha todo (e a isso chama "engagement") de alcance eminentemente político, sempre.
Porque tem da literatura e da arte uma tão ambiciosa concepção é que pode reclamar, para a literatura e para a arte, não funções decorativas mas a capital função da Crítica, da Denúncia, da Revolta e, depois, da Prospectiva.


NO PARTICULAR DOS FILMES

No caso particular do cinema, o crítico terá a seu cargo avaliar: o filme como factor educativo, quer dizer aquilo em que, como arma de uma Indústria, o filme molda e agride a consciência do espectador e tenciona fazer dele, não um homem consciente e desperto, mas um consumidor cada vez maus assíduo, obediente e subserviente, um animal movido por reflexos condicionados dentro do exclusivo circuito do consumo.
No caso particular do cinema, o crítico terá a seu cargo avaliar o filme como etapa, vitoriosa ou frustrada, de um artista e de uma equipa, sobre as forças de conformismo que o subjugam.
Enfim: o filme como integrante cultural que se insere num processo de esclarecimento ou de mistificação do espectador; o filme como factor de elucidação ou de mentira; o filme como exercício para as meninges do espectador ou como factor de esvaziamento mental; o filme como descrição ou ilustração de uma ideia-chave que pode ser justa ou injusta; o filme como fonte de alegria ou como distracção inconsequente que não se destina a criar alegria (a alegria é revolucionária!) mas a fazer perder tempo, a adiar, a esquecer; o filme como despertador ou como suporífero e ópio; o filme como ilustração de mitos positivos ou como veículo publicitário de mitos negativos, os que interessa ao Negócio propagar, instintivar, subconsciencializar no real e potencial homem-consumidor, homem-objecto, homem-abjecto.
Mais do que ocupar-se e preocupar-se com enquadramentos, qualidade de fotografia e som, desempenhos, o crítico abjeccionista faz ao filme este tipo de perguntas:
- Critica a Abjecção, algumas das mil caras da Abjecção?
- Informa e discute?
- Suscita controvérsia?
- Analisa ou acumula eventos?

- Que sinais de revolta, insubmissão aos status quo, de individualização, de heresia e subversão?
- O seu autor é contemporâneo do futuro? Ou nem pensa nisso? Ou ri-se disso?
- Sentido lírico, trágico ou descritivo da existência?
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(*) Este texto de Afonso Cautela, algo tolinho graças a Deus, ficou com certeza inédito e ainda bem : inédito deverá continuar ...
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