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*DEEP ECOLOGY - NOTE-BOOK OF HOPE - HIGH TIME *ECOLOGIA EM DIÁLOGO - DOSSIÊS DO SILÊNCIO - ALTERNATIVAS DE VIDA - ECOLOGIA HUMANA - ECO-ENERGIAS - NOTÍCIAS DA FRENTE ECOLÓGICA - DOCUMENTOS DO MEP

2005-12-15

DEEP ECOLOGY 1980

80-12-15-dm-ac>=diário de um militante frustrado–tese de 5 estrelas–os dossiês do silêncio

COM OU SEM PILHAS SOLARES,QUE SOCIEDADE QUEREMOS?(*)

15/12/1980 - As aparelhagens para exploração da energia solar, directa ou indirectamente, dependem, enquanto tecnologias, inteira e absolutamente da estratégia global em que ficarem inseridas.
Será diferente, por exemplo, utilizar eco-energias, conforme se trate de casa já instalada ou de casa que se planeia instalar.
Inventados para se "adaptar" às estruturas actuais das habitações, os colectores solares planos passam a lugar secundaríssimo, se se planeia uma arquitectura de raiz que já seja, na concepção, uma eco-arquitectura.
Varia conforme o caso: se é para aproveitar estruturas instaladas, antes da Era Ecológica , usa-se uma determinada linha de tecnologias de transição ou adaptação;
Se é para pensar, desde os fundamentos, uma eco-arquitectura que leve já em conta todas as eco-energias inseridas por sua vez numa estratégia de ecodesenvolvimento económico, eis que as prioridades são alteradas: e pode ser que à cabeça não venha o colector solar mas o moinho eólico, a barragem hídrica, o transformador ondomotriz, o digestor de biogás, passando o solar em geral e o colector em particular a terceiro ou quarto plano.
Claro que esta elasticidade na concepção, não a tem o técnico (pelas suas próprias limitações de campo) , nem lhe convém ter: porque ao jogar o jogo dúplice pró e contra o solar, tipo "duche escocês”, elogiando agora para a seguir lhe pôr mil defeitos, interessa-lhe que as tecnologias disponíveis neste momento não se democratizem nem funcionem ainda num sistema global integrado para que ele possa, sempre que necessário à classe no poder, invocar o argumento da "contra-indicação" ou do "ainda é cedo" ou do "ainda não é rentável."
Colocar dez painéis negros no telhado de uma casa que é toda ela, como estrutura e concepção arquitectónica, um disparate energético, pode evidentemente vir a mostrar-se um negócio pouco rentável.
Sabendo que a "climatização" das casas é exactamente concebida não para as manter termicamente reguladas mas para que os inquilinos venham a gastar o máximo de combustível da rede, não é com engenhocas solares que se vai corrigir este desequilíbrio energético de fundo, propositadamente deficitário e concebido para o desperdício.
Esquecer que as actuais construções foram feitas por técnicos à ordem da ideologia energívora dos lucros dos empórios, eis outra inocência destes discursos. Se o fundamento da economia do crescimento é o desperdício ( fundamentalmente de energia) não será com remendos de colectores que se colmata esse fundo permanente de desperdício.
A questão é outra, que não a meramente técnica.
Mais importante do que modelos de fornos, colectores, estufas, termo-sifões, acumuladores, transformadores, etc. - são questões de fundo e de estrutura as que interessam um ecologista.
Com ou sem solar, fundamental é que se planifique e definam estratégias que obedeçam não já aos megalómanos propósitos do energivorismo dos bons tempos e do desperdício energético sistemático em que nos "educaram" mas que fatalmente terão que obedecer a uma futurologia necessariamente guiada por uma natural austeridade nos gastos.
Fiados de que o povo não pensa nem lê ecologistas, eis os técnicos usando e abusando de mais este sofisma. As tecnologias solares são citadas sempre em função das chamadas "estimativas" de consumos usadas ontem e anteontem para o tempo da Ideologia do Desperdício (quando até a Europa dos Nove já está adoptando uma estratégia de Reciclagem), o tempo do petróleo abundante e barato, o tempo do nuclear seguro (coisa em que, depois de Three Mile Island, já ninguém acredita), para o tempo das ilusões e fantasmas do crescimento infinito que a realidade dos factos - e das crises - tem brutalmente posto em causa.
Com ou sem pilhas, com ou sem colectores, a bipolarização de fundo é entre os que querem uma sociedade solar, baseada numa filosofia, numa ética, numa fé, numa política e numa dialéctica que têm no Sol o símbolo e a força motriz e os que querem a sociedade do Plutónio com flores solares no tecto... e na campa.
A grande linha de clivagem é entre Eco-Desenvolvimento e Economia do Plutónio,
E deixem-se de silícios.
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(*) Provavelmente publicado no «Jornal da Província» que se publicava, creio, na Anadia
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IDEOLOGIA 1978

ideologia-1-di>=diário de ideias–a ideia ecológica-a manipulação do homem pelo homem e seus filósofos

O PAPEL DA IDEOLOGIA NO ECOCIDIO EM LIBERDADE

(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado na colecção «Mini-ecologia», das edições «Frente Ecológica», num caderno com 100 exemplares de tiragem

15/12/1978 - Desde que se considere o que é o ramo principal da questão de fundo: o imperialismo ideológico dominante e a descolonização cultural como revolução, eis que a manipulação do homem pelo homem constitui o tema central da Ecopolítica, como o tema central da política é a exploração do homem pelo homem.
Embora o tema da alienação tenha sido deitado borda fora pelos ideólogos de um meio-marxismo táctico, eis que ele - tema - volta a galope às preocupações dos marxistas que, independentes, podem e querem discutir os problemas impopulares que são os problemas radicais da alienação, da manipulação do homem pelo homem e dos imperialismos ideológicos que colonizam indivíduos, povos, espécies, etnias, civilizações, grupos, etc
Um modesto caderno da Colecção Mini-Ecologia, o número 8 - Movimento ecológico e descolonização cultural, Paço de Arcos, 1975 - permitiu-se dar algumas achegas ao grande tema. Tema que ninguém discute nem gosta de ver discutido. Um dos muitos tabus que inundam a nossa sociedade sem preconceitos...
Se é verdade, como afirma o autor de Politic of Ecology , Peter Weissberg, que não é a ideologia (e a manipulação ideológica) que derrama o petróleo nos oceanos ou extermina espécies animais e vegetais, é verdade que começa e acaba sempre por ser a ideologia que permite, desculpa, justifica, cobre, minimiza, manipula a opinião pública e a torna dócil, em suma, moraliza esse ou qualquer outro crime de Ecocídio.
Não é a ideologia que directamente mata ou pratica os Ecocídios.
Mas é a ideologia que os justifica, prepara ou, inclusive, lhes chama benefícios para a humanidade e bênçãos divinas, se isso for necessário. Há sempre um ideólogo de serviço à ilharga de um tecnocrata.
As formas mais grosseiras de manipulação do homem pelo homem - o terrorismo em estado puro - não conseguem os resultados que conseguem as formas mais subtis. Mais científicas. Mais sofisticadas. Mais filosóficas.
Os ideólogos da manipulação perfeita começam, exactamente, por abordar cara corajosamente o tema e por afirmar uma posição crítica (?) em relação aos abusos da manipulação.
Konrad Lorenz é um dos filósofos e cientistas mais argutos da nossa época. Deram-lhe por isso o Prémio Nobel. Subtilmente, ele foi dizendo, escudado na sua reputação de Etólogo, que os homens são animais... E que a agressividade humana é inata, de constituição biofísica, estrutural: pouco ou nada tem a ver com a luta de classes e suas contradições. Com o ambiente violentógeno.
Ainda hoje não nos apercebemos do alcance e consequências que uma filosofia (tão óbvia) contém. E que serviço ideológico esta ciência presta. E que ilações psicopolíticas se podem ir retirando à medida que forem fazendo falta. Deram-lhe logo o Nobel.
Ao deificar os "mas media" e a manipulação de espírito que eles operam, Marshall Mac Luhan foi muito menos fino e subtil: e por isso a sua estrela de profeta do nosso tempo tem ido declinando, enquanto outras sobem.
Herbert Marcuse, por exemplo, prestou muito melhor e mais duradouro serviço ao imperialismo ideológico quando fingiu - sem parecer que fingia - denunciá-lo criticamente, quando entronizou a tese do fatalismo totalitário das democracias, o ciclo fechado do "homem unidimensional», da sociedade totalitária, contrapondo esse fatalismo a um impossibilismo - a Utopia.
Dizendo ao homem que ele estava encerrado, mais fechado ainda o deixava entre o fatalismo e o ímpossibilismo: Marcuse é afinal o verdadeiro Sade.
Além disso - e já num plano mais visível a olho nu - esgueira-se, subtilmente, da tese marcusiana a variante subtil do que é e não é totalitário, contrapondo-lhe a noção de liberal, democrático.
Enfiando o barrete da tese marcusiana, eis que há o mundo totalitário das hediondas ditaduras e o "mundo livre" das democracias como a americana que, apesar de "fechadas", sempre vão dando uns baldes de plástico nos concursos da TV.
Adolf Portmann vem também, como Konrad Lorenz, da Zoologia e avalia os hábitos humanos observando o comportamento dos animais: Que mal há nisso? Não é afinal e Etologia uma novel ciência, prometedora como todas as novas ciências quando as velhas já estão caducas?
Citando um caso verdadeiramente aberrante de "tecnologias educativas hoje em voga", Adolf Portmann desviando vai do centro a verdadeira questão de fundo.
Escreve ele:
«As concepções unilaterais do nosso processo evolutivo conduzem por vezes a perigosas aberrações da manipulação inicial. Assim, vários adeptos das mais recentes invenções técnicas descobriram que o emprego de aparelhagem moderna permite à criança aprender a ler muito antes do que é habitual. Segundo esta concepção, nunca é demasiado cedo para iniciar a criança no domínio da técnica cultural necessária: a aquisição da cultura. Leio em prospectos que na idade pré-escolar o "programa preparatório da aprendizagem da leitura" por volta dos três a quatro anos, se tornou, uma excelente credencial de capacidade intelectual para o ingresso na escola primária. A aparelhagem era atraente, de modo que os pais não deviam hesitar em enviar os filhos. Eu aconselhá-los-ia antes a hesitar: A técnica cultural atrás referida vai ao encontro da criança muito cedo – quantas vezes demasiado cedo.»

Não direi que Adolf Portmann está a manipular o leitor mas está com certeza a desviá-lo da questão central.
Aberrante não é só - não é principalmente - que tecnocratas da Educação queiram acelerar o ensino da leitura às crianças, servindo-se delas para bater recordes estatísticos.
As tecnologias educativas estão por toda a parte e desde que vários técnicos, revistas, escolas manipularam suficientemente a opinião pública, os audio-visuais (como os testes psicotécnicos) reinam nas escolas. São rotina, voga, moda, progresso. A questão de fundo é porquê o progresso e porque correm todos para ele?
No fundo, o que Portmann critica está conforme esta lógica do progresso: atingir metas, ganhar etapas, conquistar recordes, atingir alvos.
Um filósofo como Portmann está manipulando, na medida em que desfoca o essencial – a questão de fundo – e sobrevaloriza o acessório.
Mas nem só.
Os casos reais de manipulação discricionária - mesmo torcionária - são por Adolf Portmann subtilmente esbatidos fazendo-se crer de que a criança está sujeita - até morrer - ao processo manipulatório que é o processo educativo... Mais uma vez o fatalismo marcusiano como técnica de manipulação filosófica...
As linhas caricaturais com que Aldous Huxley descreve no seu New Brave World totalitário as manipulações genéticas e cerebrais, resultam num certo descanso para as manipulações suaves operadas nas nossas democráticas sociedades de bons e brandos costumes.
Até a caricatura serve a ideologia. E serve bem.
F.B. Skinner foi mais explícito e coerente (menos subtil): ele não critica a manipulação, fazendo demagogia com a liberdade. Faz antes, com realismo, da liberdade o mito que ela é, estabelecendo a manipulação como "técnica ao serviço da evolução humana."
Perfeito: é um caso de franqueza filosófica que devemos agradecer. Nem sempre os ideólogos do imperialismo espiritual se comportam de maneira tão evidente, nem mostram tão completamente o jogo.
Nem sequer falta a Skinner o fim de festa funambulesco, o show de toda a boa revista de bulevar.
A Terra da Utopia é para F.B. Skinner o terreno ideal onde vicejará - onde vicejará jamais entenda-se... - a total, totalitária manipulação de muitos por alguns homens-máquinas: os tecnocratas da ideologia (filosofia) manipulatória da manipulação.
Círculo fechado, todos contentes.
Ao lado desta subtil e nobilíssima manipulação de alto nível filosófico- cientifista, positivista, neo-positivista, evolucionista, etc. - bem poucos cuidados já nos deverá dar a - por exemplo - manipulação partidária ou publicitária, de tão grosseiras ambas.
0 futuro é dos subtis.

COMO SAIR DO PESADELO

Se, no conceito de Adolf Portmann, a manipulação é tudo o que condiciona e envolve o indivíduo, então a questão principal não é de minimizar ou subestimar esse condicionamento - inevitável -, esse constrangimento - necessário - mas que meios são colocados à disposição do sujeito para:
compreender até onde e por quem é manipulado;
responder à manipulação;
encontrar os métodos justos de resposta à manipulação, saindo vitorioso dos múltiplos mas ...inevitáveis condicionamentos. Tudo nos condiciona, diria La Palice.
Se o condicionalismo determinante é o sistema cultural - o sistema ideológico ou mitológico - logo se vê que a melhor pedagogia libertadora será a que possibilite uma distanciação possível desses mitos que incorporam a ideologia dominante.
Daí que muitos pensem hoje - e as novas gerações não só o pensaram como o praticaram - que a melhor pedagogia vem de culturas exógenas.
Expondo a cultura vigente a uma contra-prova de culturas exógenas - eis o método higiénico
Cultura hindú, chinesa, japonesa, budista são algumas das pedagogias que permitem, enquanto termos de comparação, ângulos de análise e visão crítica.
De contrário, as lavagens ao cérebro sucedem-se em cadeia.
E é ver quem mais manipula o outro e pelo outro é manipulado.
Há um ponto decisivo: é o da conversão a um padrão cultural - mitológico - radicalmente diferente.

(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado na colecção «Mini-ecologia», das edições «Frente Ecológica», num caderno com 100 exemplares de tiragem

CIÊNCIA 1978

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PSICO & BIO:A VIDA E A ALMA EM LABORATÓRIO(*)

15/12/1978 - A análise dos sintomas paroxísticos que hoje se tornaram sensíveis e espectaculares leva-nos, pelo avesso, a conhecer por dentro o sistema ideológico que nos governa. Nos adoece. Nos mata. Nos aliena. Nos corrompe. Nos condena.
É, no fim de contas, a única utilidade dos sintomas: levar-nos às causas, sabendo então nós de que doença sofre o sistema e como nos tortura dizendo que salva.
Não fora os extremos patológicos a que o sistema fez chegar os ecossistemas e ainda hoje continuaríamos a considerar, como estupendos progressos da ciência, os mais nefandos e negregados crimes.
Graças à poluição, podemos (se quisermos) acordar. E se não for suficiente, outros empurrões receberemos para aprender a (con)viver neste ecossistema Terra.
Nem sempre, porém, a análise dos sintomas nos leva directamente ao conhecimento das causas.
À causa.
Por exemplo: até que ponto uma teoria cientifica (inocente e de bata branca) poderá ser responsável pela tortura, pela manipulação, pela violência, pela mais atroz patologia mental?
Que papel nos crimes de Biocídio podem ter teorias tão inocentes e tão aparentemente desligadas de toda uma praxis violenta e terrorista, teorias como a que compara o cérebro a um computador, o corpo a uma máquina e o homem a um animal?
Ou a teoria (o mito) das vitaminas?
Ou a teoria (a lenda) de que é possível reproduzir vida num laboratório?
Até que ponto é polìticamente responsável por boa parte da Alienação contemporânea ter-se considerado o homem Rei da Natureza e seu Déspota Absoluto?
Até que ponto a "alma no laboratório" de tão ilustres psico-experimentalistas, não conduz directamente à miséria de todas as lavagens ao cérebro?
Até que ponto os testes psico-técnicos não são, na origem e nos resultados, uma forma de controle mental generalizado?
Até que ponto os exames escolares não partem de premissas aleatórias e alienatórias estabelecidas por "modernas escolas psico-experimentalistas, mais medievais do que as medievais?
Até que ponto é deseducativo o conceito de Q.I. (quociente de inteligência)?
Até que ponto é deseducativa uma hierarquização da "inteligência" e o espírito humano reduzido ao cérebro calculador?
Até que ponto é desumano utilizar em experiências ratos ou macacos, retirando daí ilações para o homem?
Historicamente, pelo menos, há uma indiscutível proximidade: toda essa manipulação psico e bïocrática teve o auge na ciência nazi e a maior parte dos"grandes avanços" no campo da engenharia cerebral e afins. Se não vieram de lá, devem-se aos "sábios" que de lá emigraram para os Estados Unidos.
Os nazis tinham a grande vantagem de pôr mais a claro os seus processos: realizavam sempre a experiência em seres humanos sem o eufemismo dos ratos e macacos.
Pode lá haver teoria mais isenta do que a reflexologia de Pavlov?
Mas a que manipulações já conduziu e conduzirá sempre que for preciso?
(" A publicidade é fascista" - Jean Luc Godard )
A injecção de produtos químicos e a transformação do comportamento - até que ponto, tão interessantes experiências, são ou não são desinteressadas?
No fundo é só a curiosidade humana que move esses cientistas misto de poetas: é o espírito da aventura e do desconhecido que os move.
No fundo, trata-se só de matar esta sede, esta fome, esta ansiedade de saber - neutral e objectivamente - que (por exemplo) ratos machos começam, após uma injecção de testosterona no hipotálamo, a ter comportamento de fêmeas e a construir ninhos de papel... (Allan E. Fischer, da Universidade de Pittsburg).
No fundo, haverá alguém mais bem intencionado do que o Prof. Delgado, da Universidade de Yale, quando estimula uma mulher com eléctrodos no lóbulo temporal direito até ao ponto em que a mulher, de tão estimulada, acaba por pedir ao ilustre terapeuta que vá para a cama com ela, tão excitada - estimulada - estava pelo Delgado?
Injectando certos produtos químicos no cérebro, um casal de macacos pode ter 81 relações sexuais em 90 minutos: a experiência é ainda do Prof. Delgado, que nada tem, evidentemente, de tarado sexual, fazendo tudo isso no seu laboratório de bata branca e por amor à arte.
No fundo, trata-se só de saber - como a ciência é desinteressada e curiosa! - que a memória do rato A para o rato B pode ser transplantada por uma operação cirúrgica.
Trata-se só de saber que a memória pode ser estimulada electricamente.
A Ciência é boa, a ciência é neutra, a ciência não é moral nem imoral. Investiga. Se vai ou que vá parar às mãos de torcionários, isso já não é com ela. Nem com a alma branca da bata branca.
Alguma vez a cirurgia do cérebro poderá ser mais do que ciência pura merecedora do Prémio Nobel?
Não será a cirurgia das transplantações, ciência pura, neutra, objectiva, para lá de toda a suspeita e de toda e classificação judicativa e de todo o colaboracionismo?
Dizem outros, desconfiados, que não.
A ciência investiga porque lhe interessa dominar processos ou mecanismos (psíquicos) e pô-los depois, manipulando-os, ao serviço de uma finalidade, de uma ideologia, de uma política, de uma moral, de um objectivo.
É sempre astuta e falsa a pretensa neutralidade da ciência.
Quando, com afinco, se procura o mecanismo da fotossíntese, evidentemente que se poderá considerar objectivo e ideologicamente neutro o conhecimento desse mecanismo. Mas o facto de se ter investigado esse e não outro, o facto de se investigar com persistência, o facto de se orientar para aí a investigação e de haver dinheiro para investigar isso e não outra coisa, esse facto é absolutamente político. Depende de toda uma política da ciência que aí se leva a efeito.
Porque, uma vez conhecido o mecanismo da clorofila, esse conhecimento será posto totalmente ao serviço de uma - por exemplo - política de maior produção de plantas!
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Em 10 de Março de 1970, iniciaram-se dezenas de experiências no Instituto Max Plank de Munique para saber se o homem era um torturador nato...
Dir-se-á: ciência pura. Neutral. Nenhuma ideologia embacia a experiência.
Mas o facto de se escolher esse tema - e não outro - já é indicativo de uma política.
Aliás, toda a metodologia das experiências é a priori discutível. Nada tem de objectivo. Escolhe-se, entre várias, uma metodologia. Essa escolha obedece e envolve, evidentemente, normativos de vária ordem. Até que ponto todas as experiências não viciam na origem as conclusões a que se pretende chegar?
Há uma pergunta que se pode fazer para todas as experiências realizadas em sociologia, biologia e psicologia.
Como pode ser reproduzido em laboratório o ambiente real do mundo real?
Que poder probatório têm afinal testes de laboratório?
Provará um teste psicotécnico a inteligência de alguém?
Tudo isso, no entanto, que provoca à partida as mais sérias dúvidas e reservas é usado como dogma indiscutível pela famigerada ciência da bata branca.

A PACÍFICA CIÊNCIA NASCE DA GUERRA

Quando se refere a impoluta ciência, a sua santa objectividade ou neutralidade, é quase sempre esquecida a proveniência bélica da maior parte das grandes invenções da ciência, não só moderna.
Artimanhas investigadas com verbas militares - para fins altamente (i)morais como matar o inimigo -eis que passam depois para isentas, impolutas, santas, objectivas e neutrais experiências no melhor espírito da bata branca laboratorial.
A energia nuclear deve-se à guerra e na guerra, pela guerra, fomentando a guerra foi testada.
Mas - terminada (?) a guerra - tinham que se inventar as aplicações "pacíficas" do átomo bélico.
A penicilina foi aplicada na guerra e o calculador electrónico também, para resolver problemas de balística; o transistor tinha, na origem, o objectivo de reduzir o complexo de matérias electrónicas do exército.
Há uma pergunta que se pode fazer para todas as experiências realizadas em sociologia, biologia e psicologia.
Como pode ser reproduzido em laboratório o ambiente real do mundo real?
Que poder probatório têm afinal testes de laboratório?
Provará um teste psicotécnico a inteligência de alguém?
Quando a bomba Goyave explode, trezentas bolinhas de aço, de meio centímetro de diâmetro, são projectadas em todas as direcções. À velocidade inicial de 1000 metros por segundo, a coisa magoa.
Os sábios americanos que haviam realizado esta bomba para a guerra do Vietname, verificaram depois que ela fazia belíssimos ferimentos. Estudaram então pequenas flechas que substituíram as bolinhas.
As flechas destruíam os tecidos e não podiam sair. Era melhor, embora ainda não fosse perfeito.
Continuava a haver um problema. O inimigo tinha cirurgiões, médicos, que apesar de tudo conseguiam extrair os projécteis, tratar os ferimentos, curar, por vezes, alguns feridos. Não podia ser. Os sábios produziram então uma matéria plástica, tão dura como o aço, e que tem a vantagem de ser transparente aos raios X. Impossível, portanto, ver através da rádio, onde se encontram os estilhaços, impossível operar. 0 progresso não pára.
(GÉRARD BONNOT, cronista de ciência no semanário «L’Express»)
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BATA BRANCA SUJA DE SANGUE,PSIQUIATRIA SERVE DE AVISO

Se o escândalo no campo (nos asilos...) da Psiquiatria deu raia mais cedo e abriu, mais tarde, a dissidência chamada Anti-Psiquiatria
Se, portanto, o regime policial da ordem psiquiátrica passou a ser policiado, agora e por sua vez, por David Cooper e seus discípulos, Ronald Laing e seus alunos, etc
significa o facto três coisas:
que outros campos, asilos e ciências (de bata branca) continuam à espera do seu David Cooper;
que a ciência, pelo facto de vestir bata branca, não está limpa das mortes e do sangue que continue fazendo;
que é preciso desconfiar hoje dos que, reformistas, aconselham alguns remendos na bata (e na fachada) dos respectivos templos para que os corpos de polícia que lá moram continuem mais à vontade a sua acção, evitando roturas subversivas à Cooper-Laing-Anti-Psiquiatria.
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FINGEM IGNORAR QUANDO LHES CONVÉM

Um dos fenómenos mais folclóricos é a falta de memória dos cientistas encartados.
Desmemória ou falta de atenção, de facto, é a melhor explicação para o que poderá ser má fé e voluntária obstrução de dados conhecidos.
Exemplo desse desfazamento entre os que proclamam uma coisa e os que proclamam outra, é o diagnóstico da asma: reconhecido centenas de vezes o papel dos antibióticos nas alergias e aparecendo a asma, normalmente, sob a forma de espasmos alérgicos, curioso e folclórico é quando vem outro cientista anunciar que as crises de asma são condicionadas por factores psíquicos: os doentes asmáticos - segundo estes - seriam muito nervosos e sensíveis ao ruído.
Mais uma vez a ciência confunde.
Confunde causa desencadeante ou causa intermédia com causa das causas ou causa rerum.
Se o sistema nervoso manifesta desequilíbrio ou carência, é por causa de uma causa intermédia que, por isso mesmo, só actua se tiver a provocá-la causa mais forte: os tecidos impregnados de produtos químicos tóxicos, e em particular de antibióticos reconhecidamente alergenos.
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(*) Este texto foi publicado na colecção «Mini-Ecologia» (qual número? Qual título?)
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DEEP ECOLOGY 1979

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CARICATURAS DO ECOLOGISMO E CRISE DO AMBIENTE(*)

[(*) Este texto de Afonso Cautela, de que peço muita desculpa, foi publicado no jornal «A Capital», «Crónica do Planeta Terra», 15-12-1979]

As tentativas de caricaturar o ecologismo não têm obtido grande êxito intelectual: pelo menos entre artistas e pessoas de sensibilidade ou imaginação, as teses «caricatas» que o tecnocrata (quer de esquerda, quer de direita) insiste em manter sobre o ecologista, não logram grande audiência, talvez pela deformante grosseria do traço.
Acusar, como fazem certos tecno-primatas, o ecologista de querer «regressar às cavernas» só porque rejeita ou analisa criticamente a barbárie do crescimento económico infinito, só porque denuncia mitos, sofismas, crimes da ciência, da tecnologia e da indústria coligadas, é uma dessas caricaturas só possíveis de circular nos meios ordinários da tecno-pornografia.
Outra caricatura com grande chance de convencer pessoas inteligentes e com alguma sensibilidade artística, é a que traça o ecologisamo inserido em correntes anacrónicas e recuadas da sensibilidade humana: «utopia romântica» seria um dos slogans acusatórios postos a circular pela absoluta falta de imaginação tecnocrática. Sempre acompanhada à guitarra da má fé.
Rousseau e o mito do bom selvage servem então de paradigma para crucificar o ecologista a todos os séculos XVIII dos obscurantismos pré e pós medievais. Um ver se te avias.
Não notam estes moedeiros falsos que é demasiado carregado o traço da caricatura e que a natureza romântica de Goethe, Garrett ou Rousseau tem pouco a ver com a Natureza massacrada e em agonia dos posteriores «séculos das luzes».
É que a exaltação romântica da Natureza tem mais a ver, hoje, com um elegia de Pascoaes do que com um Hino ao Sol de S. Francisco de Assis. E que a Joaninha dos Olhos Verdes já foi nas enxurradas diluvianas de um Ribatejo inundado pelos crassos erros ecológicos perpetrados sobre todo o território português em geral e sobre as bacias hidrográficas em particular.
A floresta negra dos contos hoffmanianos é hoje uma monocultura industrial de eucaliptos, esse pepino celulósico , esse «fascista dos campos» como me dizia um camponês em Casebres (Alcácer do Sal).

«CIVILIZAÇÃO» OU BARBÁRIE TECNOLÓGICA?

A fraternidade universal com laivos de promiscuidade comunitária ( quiçá comunista) é outra caricatura tentada pelos artistas da tecno-asneira.
Nós, ecologistas, seríamos (a esta lupa) os monges trapistas do século XX, coisa que a mim não me ofende nada, antes pelo contrário, que historicamente é uma fantasia ou falsidade mas que na boca deles significa um escarro de insulto mortal.
Se a Ordem dos Mateiros sonhada por Antero de Quental veio a ter expressão no moderno comunitarismo da não violência gandhiana e se muito tem o ecologismo a aprender (cozinha e nem só) com os monges zen budistas e das ordens iniciáticas tibetanas, ou mesmo com os monges das mais austeras ordens religiosas da Europa, é porque o neo-tribalismo da ecologia pobre, hoje, aponta para uma arte de viver comunitária, de austeridade ecológica é certo mas que por isso mesmo desmente os arrobos românticos, utopistas e anarco-individualistas com que nos querem rotular.
Se tecnocrata soubesse ler, aconselhava-o a que se informasse junto do filósofo Gary Snider a sua interessante tese sobre neo-tribalismo. Mas creio mais acertado aconselhar-lhe alcagoita e futebol ao domingo.

Por mais caricaturas , portanto, ora a carvão ora a nuclear, que eles pintem por essas paredes, não há hipótese de colocar o ecologismo , enquanto corrente de sensibilidade, enquanto dialéctica, enquanto movimento de opinião, enquanto diástese de infinitas reacções em cadeia, fora do seu lugar historicamente irreversível na evolução cósmica do homem e da terra, lugar que é o de vanguarda , coração e motor daquela evolução.
Chopin, tossindo, queixar-se-ia em dó menor dos seus males de amor. A queixa, hoje, é pela Terra que spofre. A doença, o absinto, o vício, o desregramento dos instintos (Rimbaud) e outras marcas da sensibilidasde decadentista, podem surghir hoje entre alguns ecologistas, ainda confusos (alienados?) entre a doença do Ego e a Doença da Natureza.
Ao marcar posição face às hecatombes modernas ( indústria nuclear, apocalipse climático, toxicomania generalizada crónica, endemias sócio-psíquicas, guerra de nervos a cargo das multinacionais, férreas escravaturas a tecno-estruturas ou burocracias kafkianas, mistificação sistemática do facto em vez de informação pedagógica, lavagens gigantescas ao cérebro com todos os detergente da publicidade comercial e partidária, etc.) o ecologista não recua para nenhuma etapa histórica da sensibilidade estética ou do pensamento, da tecnologia, da indústria ou da ciência. Exige e preconiza, face à tecno-barbárie, as tecnologias civilizadas, evoluídas, alternativas e solares da próxima idade do Aquário.

NA LINHAGEM DOS PROFETAS

Traçar da evolução humana uma linha recta linear de zero a infinito e fazer do homem europeu o umbigo do Universo é que é de macaco darwiniano. Todos sabem, hoje, que as civilizações nascem e morrem, tem havido muitas, há subida , apogeu e declínio, enfim, a imagem é de linhas sinusoidais e não de curva exponencial única.
Que totalitarismo este do europocêntrico. E aviado estava o Mundo se só tivesse havido Europa e seus colonizadores. Grande chatice seria esta vida.

O ECOLOGISTA SENTE A DOENÇA DA MÃE TERRA COMO SE SUA FOSSE

Se a decadentistas, niilistas, existencialistas – e outras portas que o ateísmo positivista fechou na nossa cara – era a doença individual que os obcecava e se disso fizeram as suas obras mais ou menos primas , muitas épocas das artes e das letras, o ecologista vibra com a doença , a crise de toda a natureza.
E esse diagnóstico não nasceu do nada (embora ao Nada tivesse conduzido quase todas as correntes estéticas, que no último século se foram sucessivamente auto-suicidando com grande gáudio das plateias...) .
Convulsões estéticas do dadaísmo ao futurismo, do surrealismo ao realismo fantástico, do cubismo ao abstracto são peças do mesmo puzzle auto-crítico, proeza com que André Malraux se excitava muito, ao afirmar que só a cultura europeia tinha esse mérito de se auto (corroer) criticar.
Sintomas da mesma doença, sinais da mesma crise, desembocam todos no estuário podre, poluído, eutrofizado e pantanoso do mundo industrial actual. Mas há uma linha ininterrupta que, na história estética do pensamento, liga pré-socráticos, heresias, feiticeiros da Idade Média, alquimistas, românticos, decadentistas, surrealistas, existencialistas, realismo fantástico, contra-cultura juvenil, contestação estudantil, Maio 68, ovnilogismo...
Se tentarmos um denominador comum na linha da heresia, talvez seja este: o sistema mais ou menos em choque com os ecossistemas.
Para lá das manifestações sectoriais, das lutas e polémicas, dos casos específicos ou regionais, dos micro-climas virados do avesso, dos lagos eutrofizados e dos rios-cloaca, para lá do litoral ameaçado pela invasão oceânica das marés negras e do interior colonizado por monoculturas gigantescas de eucalipto, cártamo, girassol, tomate e (agora também) tabaco ou (daqui a nada) beterraba e algodão, para lá da água que falta (e do ciclo hídrico baldeado) ou da que por estar a mais provoca enxurrada, erosão e assoreamento numa soma de factores que nos pode levar ao dilúvio em dois minutos, para lá da poluição alimentar e da doce demagogia anti-poluição ou defesa do consumidor que engordam (ainda mais) os poluidores, para lá da recuperação, em forma, que o capitalismo está fazendo das tecnologias solares e das eco-alternativas energéticas em geral (porque o socialismo dorme a sono solto quanto a alternativas) para lá dos equívocos ambientalistas, conservacionistas, proteccionistas, etc.
Para lá da má fé deliberada ou da ignorância fanfarrona (que mete os ecologistas na pia do regressismo passadista) , a corrente ecologista é, enquanto vaga de fundo da evolução cósmica, essa herdeira recente de uma linhagem (nobre) de profetas, alquimistas, feiticeiros, iniciados, místicos e monges, artistas e filósofos panteístas.
«Prever as grandes linhas do futuro na leitura dos factos do presente à luz das profecias do passado.”
Não há outra maneira de definir ecologismo, por mais caricaturas que eles pintem, por esses tecno-bordéis fora...
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(*) Este texto de Afonso Cautela, de que peço muita desculpa, foi publicado no jornal «A Capital», «Crónica do Planeta Terra», 15-12-1979
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