SESTA 1988
1-2- trabalho-2> os dossiês do silêncio – ideias para o novo milénio – ecologia e trabalho – II
DIREITO À SESTA (*)
3/9/1988 - Em nome das metas europeias, que é preciso atingir a 130 quilómetros à hora, o País que trabalha será submetido a redobrado "stress". Já está sendo e vai ser cada vez mais.
Neste contexto, o caso do "expresso" que, em 1 de Agosto de 1988, se esmagou na auto-estrada do Norte, servirá de aviso e símbolo, já referido nesta crónica, em sábado anterior (13/Agosto/88).
Símbolo até nas reacções a que deu lugar: um inquérito-relâmpago do Governo, que deixou tudo na mesma e um comunicado dos sindicatos agrupados na FESTRU.
Com efeito, os sindicatos vieram a terreiro explicar à opinião pública as várias diligências que têm efectuado junto dos vários poderes, sem sequer receberem resposta, diligências no sentido de denunciarem situações irregulares, injustiças e opressões.
Os que advogam as metas europeias e são muito loquazes nas futurologias abstractas, fecham-se no entanto em copas, cerram portas e ouvidos às queixas que a marcha acelerada para essas metas podem naturalmente provocar.
Claro: as miríficas metas europeias só servem os interesses que servem e as vozes da rua, mesmo as vozes reformistas dos sindicatos, são silenciadas por incómodas.
Ninguém as ouve, ninguém os ouve.
A opressão que se desenha, baseada numa política de silêncio e silenciamento das vozes e dos protestos, dos mais eco-radicais aos mais reformistas, ficou bem exemplificada no caso do acidente com o "expresso", no concelho de Vila da Feira, dia 1 de Agosto de 1988, em que o balanço foi de nove mortos e meia centena de feridos.
Todo o país que trabalha está a ser submetido e cada vez mais a um redobrado stress.
Em nome das metas europeias, a Grécia aboliu o hábito ancestral da sesta , quando entrou para a Europa (então) dos Onze. O direito à sesta seria uma das coisas que as metas europeias aboliram na Grécia. O direito à sesta seria, em Portugal, uma reivindicação prioritária (porque simbólica) se houvesse coragem dos sindicatos, se houvesse a coragem de pensar os problemas da economia em termos sociais e humanos.
Se não forem os sindicatos a exigir a "sesta", lá terão os franco-atiradores que cair no ridículo de requisitar um direito que é tradicional e ancestralmente reconhecido como um direito fundamental do homem...
Por enquanto, vamos tendo exigências de velocidade, os "managers" deste rectângulo têm pressa de recolher o (salário) deles e não perdoam atrasos, nem sequer um minuto.
A gestão do tempo mede a humanidade ou desumanidade de uma política, de uma situação. O tempo e o que ele significa como densificação da personalidade individual, é o factor soberano da Ecologia Humana.
Portugal, onde o tempo se torna , por hábito, factor predominante de opressão e tirania, onde protagoniza o nosso "suspense" diário, onde os "cronóvoros" estão por toda a parte devorando-nos as entranhas, é país candidato a laboratório da violência europeia instaurada no quotidiano do cidadão, laboratório onde se testará os limites da resistência humana .
A entrada de Portugal na CEE, como sempre o escrevemos nesta crónica, é a entrada (violenta) da CEE em Portugal, sem qualquer tipo de contra-partidas.
Em nome do "mercado livre" e da "livre concorrência", todos vão puxar os tendões ao trabalhador, até este ranger, até este se espatifar na auto-estrada do Norte a 130 quilómetros à hora.
Como nos quadros medievais, o suplício da roda: eles vão puxar, puxar, puxar...
O progresso mede-se assim pelas técnicas medievais de tortura que se tornam modernas.
A isto chamam eles - claro - modernizar o País: quer dizer, submeter quem trabalha às torturas da masmorra mais medieval.
Viva a inquisição: quer dizer, viva a modernização.
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(*) Publicado no jornal «A Capital» (Crónica do Planeta Terra), 3/9/1988
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DIREITO À SESTA (*)
3/9/1988 - Em nome das metas europeias, que é preciso atingir a 130 quilómetros à hora, o País que trabalha será submetido a redobrado "stress". Já está sendo e vai ser cada vez mais.
Neste contexto, o caso do "expresso" que, em 1 de Agosto de 1988, se esmagou na auto-estrada do Norte, servirá de aviso e símbolo, já referido nesta crónica, em sábado anterior (13/Agosto/88).
Símbolo até nas reacções a que deu lugar: um inquérito-relâmpago do Governo, que deixou tudo na mesma e um comunicado dos sindicatos agrupados na FESTRU.
Com efeito, os sindicatos vieram a terreiro explicar à opinião pública as várias diligências que têm efectuado junto dos vários poderes, sem sequer receberem resposta, diligências no sentido de denunciarem situações irregulares, injustiças e opressões.
Os que advogam as metas europeias e são muito loquazes nas futurologias abstractas, fecham-se no entanto em copas, cerram portas e ouvidos às queixas que a marcha acelerada para essas metas podem naturalmente provocar.
Claro: as miríficas metas europeias só servem os interesses que servem e as vozes da rua, mesmo as vozes reformistas dos sindicatos, são silenciadas por incómodas.
Ninguém as ouve, ninguém os ouve.
A opressão que se desenha, baseada numa política de silêncio e silenciamento das vozes e dos protestos, dos mais eco-radicais aos mais reformistas, ficou bem exemplificada no caso do acidente com o "expresso", no concelho de Vila da Feira, dia 1 de Agosto de 1988, em que o balanço foi de nove mortos e meia centena de feridos.
Todo o país que trabalha está a ser submetido e cada vez mais a um redobrado stress.
Em nome das metas europeias, a Grécia aboliu o hábito ancestral da sesta , quando entrou para a Europa (então) dos Onze. O direito à sesta seria uma das coisas que as metas europeias aboliram na Grécia. O direito à sesta seria, em Portugal, uma reivindicação prioritária (porque simbólica) se houvesse coragem dos sindicatos, se houvesse a coragem de pensar os problemas da economia em termos sociais e humanos.
Se não forem os sindicatos a exigir a "sesta", lá terão os franco-atiradores que cair no ridículo de requisitar um direito que é tradicional e ancestralmente reconhecido como um direito fundamental do homem...
Por enquanto, vamos tendo exigências de velocidade, os "managers" deste rectângulo têm pressa de recolher o (salário) deles e não perdoam atrasos, nem sequer um minuto.
A gestão do tempo mede a humanidade ou desumanidade de uma política, de uma situação. O tempo e o que ele significa como densificação da personalidade individual, é o factor soberano da Ecologia Humana.
Portugal, onde o tempo se torna , por hábito, factor predominante de opressão e tirania, onde protagoniza o nosso "suspense" diário, onde os "cronóvoros" estão por toda a parte devorando-nos as entranhas, é país candidato a laboratório da violência europeia instaurada no quotidiano do cidadão, laboratório onde se testará os limites da resistência humana .
A entrada de Portugal na CEE, como sempre o escrevemos nesta crónica, é a entrada (violenta) da CEE em Portugal, sem qualquer tipo de contra-partidas.
Em nome do "mercado livre" e da "livre concorrência", todos vão puxar os tendões ao trabalhador, até este ranger, até este se espatifar na auto-estrada do Norte a 130 quilómetros à hora.
Como nos quadros medievais, o suplício da roda: eles vão puxar, puxar, puxar...
O progresso mede-se assim pelas técnicas medievais de tortura que se tornam modernas.
A isto chamam eles - claro - modernizar o País: quer dizer, submeter quem trabalha às torturas da masmorra mais medieval.
Viva a inquisição: quer dizer, viva a modernização.
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(*) Publicado no jornal «A Capital» (Crónica do Planeta Terra), 3/9/1988
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