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*DEEP ECOLOGY - NOTE-BOOK OF HOPE - HIGH TIME *ECOLOGIA EM DIÁLOGO - DOSSIÊS DO SILÊNCIO - ALTERNATIVAS DE VIDA - ECOLOGIA HUMANA - ECO-ENERGIAS - NOTÍCIAS DA FRENTE ECOLÓGICA - DOCUMENTOS DO MEP

2006-04-08

MODERNIDADE 1971

1-2 - 91-04-08-ls> = leituras selectas – 5 estrelas - bernhard>livros>emcurso>-6572 caracteres

8/Abril/1991

[CUIDADO COM A PALAVRA «EXAME»][A EMENDAR, ESTÁ NA FASE DE BORRÃO, NEM AS GRALHAS FORAM CAÇADAS]

Se a ideia de Modernidade significa alguma coisa, na música ou na literatura, então terá que levar às últimas consequências as consequências da sua própria lógica aberta. Se a Modernidade existe, teremos, por exemplo, que reabilitar Teófilo Braga que Antero zurziu na célebre polémica coimbrã, ou o Júlio Dantas, vítima do impiedoso manifesto antidantas com que Almada Negreiros demarcava as águas entre modernidade e acedemismo.
O imperativo categórico da Modernidade - embora mal aceite pelos modernistas - é ter que abraçar a «parte maldita», é ter que compreender sem termo antagónico o academismo, é ter de aceitar a relatividade de tudo, não só dos cânones clássicos mas dos anticânones modernistas, transformados em neo-academismos.
Este desafio ainda não foi digerido pela crítica institucional e por isso me parece que a modernidade ainda não começou. Talvez por isso se fale tanto em pós-modernidade.

O ideal de beleza proposto pelos cânones estáticos serve de prototipo ao que acaba por ser o paradigma da sociedade competitiva, que se inspira em ideais (de beleza, de bem, disto e daquilo) para atingir metas (da cee, disto e daquilo).
Com estes estes pressupostos de luta pela vida, confirmada por darwin e darwinistas, a vida neste contexto de competição é remetida para o território da barberia, transforma-se em «corrida de obstáculos». A começar na vida prática e a acabar na arte, na vida ou criação artística. A Arte -- mergulhando no mesmo paradigma -- não está isenta desta perversão, antes pelo contrário, reforça-a persegue metas, orienta-se por ideais, regula-se por regulamentos ou cânones, salta obstáculos como se fosse um concurso , um match. O texto de Bernhard é, mal disfarçado de ficção, uma revolta contra a abjecção.

Se a Modernidade, afinal, ainda não inventou nem pôs à venda um «competentómetro», o mais e o menos que um crítico, um professor da teoria literária pode fazer é aceitar tudo o que lê sem o olho vesgo dos preconceitos. Ler não é dividir o mundo entre o inferno dos maus e o paraíso dos bons. Todos os discursos -- mas todos --têm direito a existir. Findou para sempre a ideia de que o crítico é o juiz que classifica um livro de mau a óptimo, e isto foi o que de mais interessante a Modernidade trouxe. Em todos os domínios, a perspectiva de escala. A relatividade. O relativismo. O melhor contributo que a modernidade trouxe para atenuar o orgulho e arrogância do umbilicalismo ocidental.
O paradoxo da arte, hoje, é este e está contido, em termos quase didácticos, no romance alegórico de Thomas Bernhard, «O Náufrago», editado pela editora Relógio d'Água. O que a Modernidade nos ensinou de melhor foi a relatividade dos juízos humanos e, nomeadamente, das classificações críticas, das hierarquias, do valor atribuído a uma obra. Os génios que, como Pessoa, morrem praticamente desconhecidos e só tardiamente começam a entrar nos circuitos da análise literária, ilustram o principal paradoxo da Modernidade, num tempo tão antimoderno -- porque bárbaro -- como este tempo e mundo (leia-se «tempo imundo») em que um texto, uma criação, uma ideia é coada através dos vários dispositivos ideológicos e burocráticos chamados júris - de exames, antologias, prémios e best-sellers (a engrenagem ainda mais pesada e tétrica que é essa abstracta e fantasmagórica entidade chamada opinião pública)

Ainda que por um processo de translação alegórica mas toda a narrativa de Bernhard é uma autobiografia (principalmente mental) na medida em que evidencia manias, dúvidas, inquietações, medos, desesperos que o obcecam.
O irrisório de todos os actos humanos, a ausência de regras que estipulam onde está o virtuose e o virtuosismo, a cilindragem dos discípulos pelos mestres-galinha (que o romance de Bernhard contempla de vários adjectivos pejorativos) é o que Thomas Bernhard pensava de si próprio e dos seus problemas de escritor.
No fundo e levando às últimas consequências esta sua lógica, o livro leva-nos à questão: onde está a linha demarcatória entre o bom e o mau. Entre o bom e o mau romance, o bom e o mau escritor?
Não existe. E não existindo, a sociedade perde o suporte e o autor também. Desabam ambos. E ele atira-se da ponte abaixo.
Ao transferir a história para uma comunidade de músicos, é por demais evidente que Bernhard quer contar-nos as vicissitudes estruturais do escritor e sua vulnerabilidade. Afinal, vivendo na Áustria, pátria da música (?) podia dar melhor a arquétipo do artista que ele pretendia.
Se o suicídio (ou seus sucedâneos) aparece como pano de fundo permanente das situações contadas por Bernhard -- cujo fascínio narrativo não se compreende muito bem de onde emana -- se um ténue fio de humor negro e de ironia transparece de uma espessa angústia, o autor está sempre omnipresente nessas páginas aparentemente supérfluas.
A excessiva e transbordante modernidade deste autor vem principalmente de um facto: em cada página, em cada linha, ele retorna à estaca zero. A criação artística tal como aqui é retratada, é esse processo de sísifo, esse rochedo indefinidamente carregado, essa falta de regras, de hierarquias e de pontos de referência.
No entanto, a criação artística para chegar ao público, passa por um processo de contaminação e de triagem, tal como o aluno diligente que se deixa (de)formar, examinar, classificar, para poder ocupar o lugar social com que sonha.
Que a arte tenha de passar por toda esta (incrível) escola de menorização mental., que tenha de fazer exames, que o artista leve um rótulo de péssimo, mau, medíocre, sofrível, suficiente, bom e muito bom, óptimo, tal como o aluno na escola os recebe do professor, eis o que está latente, como perversão suprema, e constantemente segredado, aos ouvidos destes personagens músicos de profissão - o anátema de traidores. Ao ser examinado por um professor, o músico criador transforma-se num examinado obediente: não será nunca o que é e o que tem de ser, mas o que tem de fingir para passar a prova e conseguir o diploma.

Só por engano se pode considerar este percurso de «exame» e «prova» como o rito de passagem de antigas iniciações, para, como dizia Nietzsche, ser o que se é. O exame é mesmo a caricatura da iniciação. E daí, talvez, o mais óbvio: a sociedade que tem o «exame» como estrutura-pivô das várias hierarquias, estratificaçõpes e rótulos, é a caricatura de uma comunidade de rosto humano.
***

J. MADDOX 1973

1-3- 73-04-08-ls-ie> = leituras selectas = ideia ecológica - terça-feira, 24 de Dezembro de 2002-scan

JOHN MADDOX CONTRA-ATACA(*)

(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado, com o pseudónimo de A. Mendes Pereira, no livro «Os Últimos Dias da Terra», Nº 2 da colecção Dossiê Zero, Ed. Arcádia, Lisboa e faz parte do conjunto que passei no scan com o título 73-05-16-IE-ET> - Leva a data em que foi escrito, indicada no manuscrito dactilografado que ainda consegui encontrar: 8-4-1973 – O original manuscrito, classificado de «antológico», chamava-se «As Tripas do Sistema – Uma opinião sobre o famoso relatório do M.I.T.».


8-4-1973 - As acusações ao famoso relatório do M. I. T. e, de uma maneira geral, a todos os que, pelo número ou pela profecia, pela teoria ou pela prática, pela intuição ou pela dedução, pela imaginação ou pela inteligência, anunciam o Apocalipse e a catástrofe, têm pelo menos uma virtude: obrigam a definir-se os verdadeiros inimigos da humanidade, aqueles que a humanidade deve pôr definitivamente no tribunal da história.
O Apocalipse foi profetizado em todas as épocas por quantos perceberam no «sistema que rege a economia mundial» a sua raiz fundamentalmente homicida e violenta, suicida o autodestrutiva. Nada de humano e de capaz poderia criar-se num ambiente definido pelo gosto sádico da (auto-)destruição. Não faltaram os poetas, que ao longo dos séculos representaram a Resistência ao Sistema, anunciando o fim da história e do mundo.
A novidade consiste só em que hoje os profetas do Apocalipse e da Utopia se servem dos computadores para comprovar com números os factos e pressentimentos de até agora. Isto tem o condão de impressionar os funcionários do Sistema, para quem a linguagem do Número é sagrada e de cujo prestígio vivem, em grande parte, seus negócios.
Num dos órgãos mais distintos da cerebração mundial - Selecções do Reader's Digest, na sua edição em língua portuguesa de Abril de 1973 pode ler-se o artigo onde John Maddox retoma o freio nos dentes para contra-atacar as profecias do Apocalipse.
Os argumentos são conhecidos; em todo o caso, vale a pena analisá-los, trabalho que permite uma retrospectiva útil do nosso trabalho, marcar o ponto em que se encontra a resistência ao ecocídio e tomar o pulso aos porta-vozes mundiais da Reacção, aos panglosses dos anos setenta.
Antes do famoso relatório do M. I. T., um senhor chamado Louis Pauwels causou surpresa aos seus admiradores, proclamando um «optimismo» que, como todos os optimismos sem consciência ecológica, sem noção da catástrofe, sem dimensão abjeccionista, é uma razão mais, e a mais forte, para o pessimismo dos resistentes, que em princípio não são nem uma nem outra coisa, nem optimistas nem pessimistas.
Por muito que se acredite numa viragem de última hora, numa mutação brusca, é desencorajante ver os que, como Louis Pauwels, John Maddox, Norman Borlaug, Suvana Puma e alguns outros ilustres ideólogos, em nome do optimismo o que apenas pretendem é deitar poeira nos olhos da humanidade e obrigá-la a manter, como eles, o pescoço debaixo da areia, à espera que a tormenta passe.
Quem ilude, quem pretende iludir o povo e a humanidade não são os que, conscientes do ecocídio, profetas do Apocalipse, construtores da utopia como única alternativa para a catástrofe, cumprem o estrito dever de humanidade, pensando.
Feita a síntese de factos, movimentos e fluxos contraditórios do nosso tempo, a evidência manifesta-se aos olhos de todos. Delinquentes de delito comum contra a humanidade são os que se voltam contra os profetas do novo Apocalipse, como faz John Maddox no artigo já referido, com argumentos ainda por cima suspeitos, o que só nos obriga a acreditar que o fazem não por exigência intelectual e de coerência ideológica, não por disponibilidade e honestidade de carácter e por um propósito crítico límpido, isento, mas obedecendo a inconfessáveis interesses.
Analisemos esta 1ª parte. Até que ponto e a quem servem os artigos como o do sr. Maddox? Ricardo G. Zaldivar, na revista espanhola Triunfo ( 11 de Novembro de 1972 ) tentava provar ( e não serei eu a contestar a tese), todo apoiado em números, que a campanha contra a poluição comandada pelo capitalismo vai redundar a favor dos grandes monopólios e acelerar a tendência para a concentração, visto que só os colossos da indústria estão aptos a investir em antipoluentes. E visto que os fabricantes de antipoluentes são eles próprios, através de sucursais, filiadas ou associadas, os maiores poluidores mundiais do planeta.
É uma tese.
Porque surge então, em artigo de fundo dum órgão defensor de capitais como é o Reader's Digest, um senhor John Maddox nada interessado em fazer o jogo dos antipoluentes e do relatório do M. I. T. que é deles a cobertura pseudocientífica, estatística, informática?
O artigo do Reader's Digest - eis a hipótese de trabalho que proponho - serve um capitalismo (ainda) não monopolista, serve os milhares de empresas que não têm dimensão, ainda, nem lucros para entrar na maratona dos antipoluentes, para aceitar o desafio da concentração. Agrada, portanto, aos menos poderosos mas a maior número deles.
À parte os argumentos anémicos de certa esquerda academizada, cuja esclerose se irmana na necrose dos seus métodos e da sua problemática ( essa esquerda domina ainda o panorama português da «crítica» à Ecologia), à parte os franco-atiradores, demasiado líricos para poderem ser críticos e que, sem se darem conta, alinham (por essa ausência crítica) na mesma
esclerose pseudo-esquerdizante (profundamente reaccionária), as únicas acusações que aparecem no mercado contra as preocupações do ecologista, cifram-se nessa guerra civil entre capitalismos: a pequena burguesia arrivista, liberalesca e do médio capital não gosta quando lhe anunciam o apocalipse ecológico, a catástrofe, o fim do ciclo e a explosiva madrugada da Utopia, mas os porta-vozes ou ideólogos do grande capital, no fundo, também não, porque sabem que a ecologia é problema bem mais duro de resolver do que as poluições e respectivos slogans; simplesmente finge ignorar e procura recuperar, no que pode, a acção do verdadeiro ecologista para servir os seus propósitos exclusivos de vendas de antipoluentes ao mundo.
No fundo, necrose esquerdista, reacção direitista, ou ingenuidade, ignorância, bluff lírico do centro, encontram-se todos num ponto: a recusa de radicalizar a situação mundial em termos de utopia revolucionária. Unem-se todos no reformismo: quer o dos antipoluentes, quer o reformismo que pura e simplesmente recusa o facto ecológico e julga poder ir melhorando o mal.
A recusa a radicalizar o sistema é que os distingue ( optimistas e pessimistas num molho só) dos que, nem optimistas nem pessimistas, são apenas lúcidos e conscientes. Todos os reformistas preconizam, como o sr. Maddox, o mesmo tipo de remendagem in extremis: «estes problemas» (refere-se Maddox à poluição, claro), «são passíveis de solução, num futuro previsível, se forem gastos com eles tempo e dinheiro suficientes.»
«O perigo», mastiga ainda Maddox - «é que o síndroma do Dia do Juízo provoque o contrário das suas intenções. Em vez de nos alertar para os problemas, ele dispersa a nossa atenção do trabalho que poderia ser realizado agora.»
O perigo que o sr. Maddox não diz mas em que está a pensar é que o síndroma do juízo final radicalize as atitudes e os comportamentos, é que faça desencadear uma greve geral ao sistema, é que os grupos minoritários deixem de ir ao super-mercado e num relâmpago se tornem maioritários nessa atitude de irrespeito básico contra a segurança do Sistema...
O perigo é que as alternativas ao totalitarismo do sistema abram, neste, brechas insanáveis de contestação.
O perigo é que a civilização plural dê lugar ao monopólio da verdade única.
O perigo é que a qualidade da existência seja reivindicada e que o Sistema - todo ele baseado no aviltamento quantitativo da existência humana - fique denunciado e de tripas à mostra.
O perigo de radicalizar, de insistir no Apocalipse é, de facto, que as indústrias fiquem um bocado às moscas porque as pessoas decidiram ir viver um bocadinho a ver como era e gostaram e decidem abandonar as cidades e decidem emigrar desses lugares comuns do suplício colectivista, ideais para concentrar a repressão de toda a ordem e voltam às comunas rurais, à experiência do individualismo comunitário, às soluções da variedade e da metamorfose, à agricultura biológica porque a química matou os solos e ameaça matar-nos a todos. Esse o perigo que o sr. Maddox teme e não explicita.
De notar em cientistas tão solenes é como rapidamente perdem a compostura e entram no palavrão.
Ficou famosa a intervenção do sr. Borlaug, prémio Nobel da «Revolução» verde, quando chamou histéricos aos defensores da Natureza e aos que defendem a humanização do ambiente contra a histeria dos DDT. O sr. Maddox não é menos delicado de gesto.
Referindo-se a Paul Ehrlich, considera-lhe a obra «The Population Bomb» uma «retórico furiosa». Nem mais nem menos.
Aliás, os Ehrlich não deixam de servir também ao primeiro tipo de propaganda (pró antipoluente e pró grande capital) a que aludi acima. São aliás os desta facção - meia dúzia de guardas do mundo - os mais interessados no neo-maltusianismo de que Ehrlich é expressão bastante conveniente. Para cada General Motors ou cada ITT há sempre um Ehrlich de serviço.
Lisboa, Maio/1973
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(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado, com o pseudónimo de A. Mendes Pereira, no livro «Os Últimos Dias da Terra», Nº 2 da colecção Dossiê Zero, Ed. Arcádia, Lisboa e faz parte do conjunto que passei no scan com o título 73-05-16-IE-ET> - Leva a data em que foi escrito, indicada no manuscrito dactilografado que ainda consegui encontrar: 8-4-1973 – O original manuscrito, classificado de «antológico», chamava-se «As Tripas do Sistema – Uma opinião sobre o famoso relatório do M.I.T.».