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*DEEP ECOLOGY - NOTE-BOOK OF HOPE - HIGH TIME *ECOLOGIA EM DIÁLOGO - DOSSIÊS DO SILÊNCIO - ALTERNATIVAS DE VIDA - ECOLOGIA HUMANA - ECO-ENERGIAS - NOTÍCIAS DA FRENTE ECOLÓGICA - DOCUMENTOS DO MEP

2006-07-07

AMBIENTE 1992

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7-7-1992

# O D. das S.
# M. do G.

[ECOS AC 1985 PUBLICADOS (?)]-S/ POLÍTICOS INOCENTES E AS CAMPANHAS DOS «LOBBIES»-
[REPESCAGENS EM 1990]

TUDO ESTAVA ESCRITO POR JEAN MARIE DOMENACH

Será possível que não se veja o elo de ligação e o «continuum» que existe nas campanhas de imprensa contra Macário Correia, contra Leonor Beleza e, mais recuadamente, a que foi também levada a efeito contra Francisco Sousa Tavares, quando era ministro da Qualidade de Vida?
Lembro, a propósito, um texto de 1985, em que essa campanha estava no auge, simultaneamente com a agitação da opinião pública por outro bode expiatório e propiciatório, a célebre personagem «D. Branca», «self made woman» que se fez à imagem e semelhança do sistema, tal e qual como ele e de acordo com a moral que ele arvora mas, repentinamente, vítima dos porta-vozes e ideólogos desse sistema, seus truques e traques.
Era assim, mais ou menos, o texto que deve ter ficado, obviamente, inédito:
«Aí estão os profissionais da instabilidade, os fautores e autores da crise - à direita, à esquerda, ao centro - ladrando contra as consequências da crise.
Aí estão julgando, condenando, abatendo os bodes expiatórios necessários para que os mesmos fautores da crise continuem fomentando a crise a gritando que são os outros.
Aí está, portanto, uma velha senhora que emprestava a juros altos e até o fazia com objectivos altruístas, aí está um ministro finalmente do incómodo ambiente, enredado nas malhas que diligentes agentes dos «lobbies» lhe montam, quiçá os próprios amigos do partido, quiçá outros agentes mais diligentes e secretos.
Só que...amigos, amigos, poluições à parte. E quando se trata de fazer alianças com a destruição, o biocídio, o crime organizado contra a Natureza e o Ambiente, as cumplicidades são outras, as redes transcendem em muito o esquema de solidariedade partidária ou mesmo familiar. Nem o pai se respeita, quando se trata de «lobbies» e de abrir caminho à sua arbitrária intromissão no meio ambiente.
Ao lado destas campanhas contra as figuras ministeriais incómodas, é preciso arranjar outros culpados, ainda que menores, e atirá-los à opinião pública, para que os verdadeiros culpados da crise, da corrupção, da porcaria continuem na doce paz do senhor, repousando e roncando, roubando e poluindo, destruindo e matando. Discretamente, diz-se.
Depois de amarrá-los ao pelourinho é só regá-los de gasolina e, à boa maneira dos sempre lusos inquisidores, reduzir a cisco os bodes expiatórios, queimá-los sob os uivos ululantes da multidão, graças a deus e à democracia. «Agarra que é ladrão»- gritam os verdadeiros ladrões e o povinho cai no prato do logro que lhe armam, gritando também «é ladrão».
À esquerda, à direita, ao centro, a metodologia é a mesma. E os profissionais da instabilidade também. Como há muito ficou demonstrado numa obra clássica, « A Propaganda Política», escrita por Jean Marie Domenach, um dos homens mais inteligentes deste século.
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NUCLEARISTAS 1990

ecolog1-tentei estupidamente publicar este texto no semanário «expresso»: felizmente, não consegui - gulag 1990

Cautela com as perestroikas

7/7/1990 - Ser militante antinuclear depois de Three Mile Island e Chernobyl, não é ecologismo mas oportunismo.
A intuição, espécie de instinto animal, faz parte intrínseca da consciência ecológica: são indesligáveis. E não existe ecologismo sem esta dialéctica da parte e do Todo.
Quando o marechal Francisco Costa Gomes, que foi presidente da República e activista de um movimento pacifista , escreve, em 1990, no livro «Ecosocialismo-Uma Alternativa Verde para a Europa», recentemente editado pela Divergência, que só «despertou» para a consciência ecológica depois de Three Mile Island e Chernobyl, está apenas a confirmar o que alguns de nós já sabíamos, com saber de experiência feito. É que, relativamente às ideias de contra-corrente, há os que apostam tudo nelas antes de serem rentáveis, e há outros que só nelas se deitam quando estão seguros do seu êxito e  da sua popularidade.
O fenómeno não ocorre apenas na área ecologista, mas onde quer que está em jogo ou em questão a dificuldade de ser, viver e pensar diferente.
Se nada mudar, portanto, nesta regra de três simples, a História continuará a ser um paraíso para uns - os que estão sempre na mó de cima, quer quando a vaga está alta, quer na ressaca - e um calvário para os outros, os que apostaram antes no cavalo certo.


Se há já ferrenhos prónuclearistas de ontem a confessar-se hoje convictos antinuclearistas, ainda não há um só desses autoproclamados ecologistas  a denunciar, por exemplo, o vírus da SIDA que não existe.
Só aderir às teses difíceis e antipopulares, quando elas se tornam óbvias e quando aparece um Gorbachev a dizer que Estaline foi um tirano , é tardio e crepuscular. É feio.
Também se escreve nesse volume que o ecologismo não é exclusivo de alguns pioneiros que se bateram pela ideia ecologista quando era  heresia fazê-lo e se atiravam os militantes para a fogueira . Recordo-me como se fosse hoje, quando o então jornalista José Saramago, pontificando no «Diário de Lisboa», o menos que me considerava era reaccionário porque eu me interessava pelos estudos epidemiológicos e porque esses estudos epidemiológicos denunciavam não apenas a sociedade capitalista mas toda a sociedade industrial.

De facto, a ideia ecológica não é privilégio de nenhum grupo, como o ideal socialista não o é. Mas o socialismo enquanto movimento ideológico é de uns e não é de outros. Se aparecer um democrata cristão a inscrever-se nas fileiras do socialismo, ou vice-versa, pergunto-me como reagirão os adeptos de um e outro credo político.
Saber se há ou não legitimidade na passagem instantânea ao pudim ecologista, por parte de quem estava até então navegando em águas não só alheias mas até adversas, é uma questão, portanto, que se deverá colocar, caso a deontologia ainda exista na gaveta da cómoda dos nossos heróis da política.
Isto relaciona-se, como acima foi dito, com a questão mais geral das perestroikas que, quando chegam , pretendem fazer esquecer, e automaticamente absolver, os gulags, regimes repressivos e manobras persecutórias contra os que sempre estiveram na linha da permanente perestroika.


Há 2O anos, quando a escolha decisiva tinha de fazer-se ( o slogan era então « ecologia, caso de vida ou de morte» ) nunca lá vi nenhum destes verdes pré-fabricados que agora estão na moda. Há vinte anos é que a opção tinha de ser feita - quando havia tempo, ainda, de inflectir a marcha de estupidez em que o Mundo industrializado - com todos os desenvolvimentistas aos gritos, a Leste e a Oeste - se embrenhava.
Agora é tarde. Todos os que vieram depois, todos os que chegaram ontem à noite, no SudExpress ou no avião de Bruxelas, vieram um pouco tarde e são hoje, mesmo, os responsáveis por todas as actuais calamidades, que há vinte anos já se tinham começado a incubar:pelos petróleos derramados e buracos de ozono na estratosfera, por todo o cáos urbano, pelo pesadelo do Ruído, pelo Cancro generalizado como doença da civilização, pela escalada da imunodeficiência, por toda a abjecção tecno-burocrática, pelo tecno-terror, pela alteração drástica dos climas, pela destruição irreversível da Amazónia, pelos sismos fabricados por bombas termo-nucleares, por Three Mile Island e pela existência de quatrocentas centrais nucleares no Planeta Terra, do qual fizeram ( eles) nosso sarcófago.
É tarde. É tardíssimo. A crise planetária aberta pelos desenvolvimentistas tornou-se irreversível, exactamente pela covardia daqueles que só vinte anos depois decidiram tomar posição, e mesmo assim só sectorialmente, e mesmo assim apenas movidos por objectivos eleiçoeiros.
É tarde. É tardíssimo. E não adiantam partidos verdes, agora que já não é possível deter a marcha para o abismo que os seus militantes de hoje também ajudaram a precipitar.
A história repete-se, mas pouco e cada vez menos. E hoje a resistência (ecologista ou outra qualquer) à Estupidez ( tecnocrática ou outra qualquer) apenas mudou aparentemente de campo. Se a luta antinuclear já foi adoptada, embora à «contre coeur» até pelos nuclearistas de ontem, restam campos que esses mesmos «ecologistas » de última hora e terceira extracção a frio ainda hoje rejeitam- em nome ainda da ciência, em nome sempre do  progresso - como ontem rejeitavam a luta antinuclear.
Não é difícil apontar quais são hoje os redutos da resistência ecologista ainda não aceites pelos eternos e servis servidores das instituições .
Campo intocável, como ontem era o da instituição nuclear, é ainda hoje, por exemplo, o da instituição científica. Religiosamente, curvam-se hoje, em nome do progresso, aos mitos, dogmas e crimes da ciência biológica, como ontem, religiosamente, se curvavam aos mitos, crimes e dogmas da ciência e da tecnologia nuclear.
Assim sendo, jorraram os capitais para que os laboratórios «científicos» inventassem um vírus, o que foi rapidamente conseguido. Colocada a responsabilidade da epidemia num vírus e não no sistema de vida que arrasa o sistema imunitário das pessoas, matavam-se dois coelhos com uma cajadada: inocentava-se o sistema ( que vive de ir matando os ecossistemas) e promovia-se o lucro dos fabricantes de «preservativos», enquanto não se industrializa a...vacina.
Os vírus vêm depois e, se é de supor que proliferem num terreno orgânico podre ou quase, eles estão principalmente na cabeça dos cientistas, sempre neutrais em relação às armas de extermínio que ajudam a fabricar.
Cientistas que são cúmplices não só de todo o sistema, como os usufrutuários e algozes das vítimas que eles, racisticamente, rotulam e depois mandam encarcerar.
Ser ecologista, hoje, é denunciar esta quintessência da perversão. Trabalho de resistência ecologista, hoje como ontem,é denunciar os sintomas da Abjecção, antes que os factos ( novos Chernobyl, novos Seveso, novos Amoco Cadiz), acabem com o que resta de uma humanidade agonizante no meio de pestes medievais chamadas progresso.
A luta antinuclear, hoje, depois de Three Mile Island e Chernobyl, tornou-se perfeitamente obsoleta e desnecessária.
Ecologismo, ontem como hoje, é dizer antes do tempo aquilo que o tempo vai dizer. .
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C. HUMANAS 1990

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O CASO CLÍNICO DAS CIÊNCIAS HUMANAS(SOCIOLOGIA E PSIQUIATRIA, NOMEADAMENTE)

Lisboa, 7/7/1990 - A ciência ordinária, que tanto arrota objectividade e neutralidade, seria provavelmente mais simpática aos olhos das massas, se não fosse tão covarde. Quer dizer: se os cientistas levassem as premissas da sua própria ciência até às últimas consequências, talvez se tornassem mais credores do nosso respeito.
Assim, colaborando fiel e religiosamente na lama das instituições que nos atascam (com a agravante de o fazer consciente e deliberadamente), o sociólogo, tal como o psiquiatra, tem toda a probabilidade de se incluir na Trampa comum.
Em «Confissões de uma Máscara», relato autobiográfico da infância, Yukio Mishima pinta em tintas dramáticas um caso de «sensibilidade particular», caso que seria rotina sem história numa sociedade aberta, numa cultura que não estivesse totalmente dominada por comportamentos estereotipados, por tabus primitivos e ideias feitas.
O que torna Mishima um caso-padrão - para lá do talento literário de um grande escritor - é a sociedade onde deflagrou. O caso Mishima não existiria, sequer, em uma sociedade minimamente civilizada. Tornou-se dramático ( e mesmo trágico) porque a sociedade onde germinou o quis.
Os comportamentos «irregulares» são, regra geral, função dos padrões que determinam a «regularidade» dentro de uma determinada tribo primitiva. Ver a sociedade japonesa do princípio do século como uma tribo é, portanto, o primeiro e mais elementar dever de uma atitude que se pretende científica relativamente ao fenómeno Mishima - que se torna assim, e por isso mesmo, arquetípico.
A ciência deverá, no mínimo, fazer-se objecto de estudo dela própria, submetendo-se, como um caso clínico, às mesmas regras drásticas a que submete os outros(indivíduos, povos e culturas). Um sociólogo deve ser objecto de estudo da Sociologia, um Psiquiatra deve fazer-se objecto de estudo da Psiquiatria, etc. Ou há moralidade, ou comem todos.
A obrigação número 1 das ciências humanas, relativamente ao que se passa nas altas civilizações tecnológicas, é ter a mesma atitude neutral que tem, ou que diz ter, relativamente às civilizações que classifica, sectariamente, de primitivas. À partida, a ciência não deveria ter preconceitos e não deveria classificar, hierarquizando - «primitivo» para um lado e «civilizado» para outro - os grupos sociais sobre os quais exerce a sua «isenta» análise.
É assim que, não cumprindo a ciência a sua obrigação mínima, lá têm os escritores e outros fora da lei que se bater para que a liberdade e a pessoa humana - enquanto rosto da divindade - não sejam totalmente despojados.
Yuki Mishimma, que qualquer Hirschfeld classificaria de «aberração», ultrapassa totalmente sózinho os tabus de uma sociedade feroz e primitiva. O seu «caso clínico» é bem representativo do papel que deveria incumbir à ciência sociológica mas de que esta se demite à partida, por simples e pura ignorância do essencial.
O caso de Mishima só se torna significativo e só se agiganta em função da sociedade e do padrão «civilizacional» (entre aspas) que o tornou paradigmático.
E a verdade é que esse tipo de sociedade que gerou o fenómeno Mishima não está classificada pelos sociólogos como sociedade «primitiva». Aliás, em muitas sociedades ditas primitivas, a sensibilidade peculiar de Mishima não só estaria longe de merecer o epíteto e o anátema de «anormal», «aberrante» ou «perversa», como seria mesmo o inverso, seria a normalidade instituída dentro do grupo.
Quer dizer: o conteúdo moral (judicativo) de um comportamento é função da sociedade, da cultura (mais ou menos entre aspas) ou do padrão civilizacional onde decorre, e postular esta relatividade ou diversidade das culturas deveria ser a primeira obrigação de um cientista que se diz sociólogo.
Mas se o sociólogo não assume a mais elementar das suas obrigações do sociólogo, que diremos, por exemplo, do médico, particularmente do psiquiatra, que é sempre, de urgência, o especialista chamado para diagnosticar os «casos clínicos» que perturbam a sociedade, os poetas e escritores fora da marca, fora do padrão, fora dos tabus convencionados em determinado tempo e determinado lugar da história e do mundo?
O psiquiatra é ainda mais drástico do que o sociólogo, pois não age, como este, por pura e simples omissão, por pura a simples abstenção. O psiquiatra intervém, rotula, classifica, pesa, ajuíza, condena e, às vezes, executa ( terapia dos choques eléctricos) ou entrega ao político, ao juiz, ao polícia ou ao carrasco para que executem.
O que as tribos modernas, as sociedades tecnologicamente muito «avançadas», têm que decidir, através dos seus gestores de almas, dos seus políticos, pedagogos, juizes, polícias e carrascos propriamente ditos de estimação, é o que vão fazer dos «casos clínicos» que são (quase) todos os seus escritores, pintores, músicos e outros decoradores que lhes adornam o ambiente e lhes dão obras para eles irem leiloar.
De duas, uma: ou, decididamente, os governos deixam de celebrar os «génios» que foram apenas deploráveis «casos clínicos» que só uma imensa tolerância cristã dos tolerantes cientistas impediu de internar em hospícios psiquiátricos, ou deixam de lhes chular a obra, cem anos depois da morte e do nascimento, e de rentabilizar em milhares de dólares os girassóis desse caso clínico agravado que foi Van Gogh.
De duas, uma.
De contrário terão de incluir nos respectivos Gulags os sociólogos e psiquiatras como fabricantes privilegiados de rótulos clínicos.
De facto, esta promiscuidade entre gente sadia cheirando a mula e a virilidade - os psiquiatras e sociólogos de estimação - e gente ordinária, de sensibilidade feminina e cheirando a remédios, doentia, não pode nem deve continuar, em nome dos bons e sãos costumes, da integridade da Pátria, da perenidade da Família e para maior glória de Deus.
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XILOFENE 1992

xilofene>diario>problemas da «saúde pública» - mein kampf 92

PRODUTOS PERIGOSOS NA CEE - O CASO PARTICULAR DO XILOFENE

+14 PONTOS

7/7/1992 - «Os países membros da OCDE estão entre os principais produtores, exportadores e importadores de produtos químicos», gabava-se um relatório da O.C.D.E. (Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico), adoptado em 4 de Abril de 1984, que recomenda, portanto, cuidado aos países membros, considerando que «aos países importadores incumbe a responsabilidade da protecção do homem e do ambiente contra os riscos ligados às importações de produtos químicos nos seus territórios.»
A recomendação vai, pois, no sentido de preparar países subdesenvolvidos como o nosso para poderem vir a receber ainda mais produtos químicos, incumbindo-nos a nós tomar precauções.
[Este elucidativo relatório foi um dos documentos difundidos no «seminário sobre responsabilidade pelos produtos e segurança de produtos, realizado em Lisboa em------- de---------. ]
2 - «Vamos viver com os venenos que temos» passa a ser, assim, a palavra de ordem nos países industriais, onde os imperativos de ordem económica acabam sempre por prevalecer sobre os de segurança e saúde do cidadão.
«Viver com os venenos que temos» é o axioma indiscutível que se pode concluir da legislação em curso no âmbito dos organismos europeus, quer da CEE, quer da OCDE, que não existem para evitar ou expulsar os riscos mas para nos acostumar a coexistir com eles: ao preço, evidentemente, daquilo a que se chama «saúde pública».
Salta à vista do cidadão comum, primeira e última vítima dos produtos perigosos à solta no Ambiente, que a chamada política de prevenção se destina apenas a «conformar» as vítimas com a sorte que têm e a manter sem sobressaltos a engrenagem instalada, sem que se coloque jamais a hipótese de reduzir riscos e eliminar fontes de sinistralidade ou patologia.
A política reformista do Ambiente existe para nos «resignar» e para amortecer alguma veleidade de revolta que ainda pudesse persistir nos nossos corações cansados de violência química. Salta à vista do mais desatento observador que os esforços da CEE para «regulamentar a catástrofe» e «gerir a morte e a doença» são incapazes de minimizar, o mínimo que seja, riscos, perigos e problemas dos numerosos produtos tóxicos que às centenas se fabricaram, fabricam e continuam fabricando, sem que ninguém de ordem de «stop».
Ainda que o combate contra produtos perigosos registasse alguns êxitos(o que não é o caso), ainda que a legislação se cumprisse ( o que não é literalmente o caso em países de proverbial bandalheira legislativa como Portugal), seria impossível à chamada «protecção civil» travar o ritmo alucinante a que se desenvolve a catástrofe na sociedade industrial, que, por isso mesmo, depois de «sociedade do luxo e do lixo» foi também cognominada como «sociedade da catástrofe»
Cada vez o desfasamento entre o perigo conhecido e o perigo imprevisto é maior. Cada vez é maior também o desfasamento entre o perigo controlável e o que completamente escapa a qualquer medida ou capacidade humana de controle. Se todos os anos, sem que ninguém diga «basta», entram no mercado novos produtos químicos, tão desconhecidos como os que já cá estão( no que respeita aos seus efeitos fisiológicos e metabólicos), a política de segurança perseguirá a sua própria sombra sem nunca a alcançar e de política de saúde nem vale a pena falar: porque não há diagnóstico possível de novas doenças, quando estas surgem num ambiente contaminado por agentes químicos susceptíveis de provocar, nunca se sabe onde e quando, as mais estranhas e inesperadas doenças.
Como se pode falar hoje de saúde, esquecendo este factor ( do meio) ambiente? Como se pode falar de saúde, ignorando aquilo que fundamentalmente a está condicionando? Trazer, a propósito de tudo e de nada, vírus desconhecidos ao barulho, começa a constituir uma desculpa esfarrapada que a sociedade industrial encontra para justificar os seus crimes e que a opinião pública começa a ter dificuldade em aceitar.
3 - Juristas deitam as mãos à cabeça e proclamam-se impotentes para definir esta nova tipologia de «crimes contra a saúde e a segurança pública».
Carlos Ferreira de Almeida, advogado, especialista em direito do consumidor e assistente jurídico da Associação Portuguesa de Defesa dos Consumidores (DECO), confessa que «estamos no ponto zero em matéria de protecção contra riscos, responsabilidade de produtos e segurança contra produtos perigosos.»
[Interpelou os representantes das confederações presentes, a da Indústria e a do Comércio, que se manifestaram «sensibilizados» para o assunto mas ainda sem posição tomada.]
4 - A julgar pelos escassos progressos verificados no combate aos «produtos perigosos», há ainda poucos organismos em Portugal vocacionados para combater riscos, produtos, venenos e fraudes.
O Gabinete de Defesa do Consumidor e o Instituto Nacional de Defesa do Consumidor são manifestamente poucos, a julgar pelo que está por fazer e pelo andamento que tem tido a política do sector.
Como diria um ilustre médico, é querer curar cancro com aspirina ou matar mosquito com canhão.
Por mais organismos que se desunhem a lutar contra riscos, poluições, explosões, tóxicos, venenos, produtos perigosos que infestam o ambiente e atacam o consumidor, nunca serão suficientes e a sua ingente luta nunca conseguirá evitar que a desastrosa sociedade industrial vá semeando doentes e cadáveres pelo caminho.
Entre as profissões, aliás, que não podem viver sem doentes nem mortes, a de jornalista é uma delas.
Mas quantas outras profissões não estão também dependentes desse contingente de catástrofe?
A CEE preocupa-se, mas pouco mais pode fazer do que preocupar-se e emitir directrizes dos seus comités científicos aos países membros. Directrizes que não impediram que Seveso transbordasse dioxina para a eternidade, que na Espanha a chamada «pneumonia atípica» tivesse constituído um dos maiores genocídios em tempo de «paz», que outros pequenos nadas do quotidiano do consumidor continuem a proliferar e a matar.
5 - [As listas negras, quando são elaboradas(e raramente o são), não há espaço que chegue nos jornais para as publicar, de tão extensas...
Da lista negra de acidentes que foram objecto de uma troca rápida de informações, desde Setembro de 1979, no âmbito da Comissão das Comunidades Europeias, limitamo-nos a escolher apenas algumas, as que também já têm ou podem vir a ter expressão no nosso país. ]
6 - Há a contar com um certo fundo sadomasoquista dos povos latinos, nomeadamente o português. Não só suportam, calados, todas as agressões da classe dominante, como ainda pedem mais.
No caso dos consumos patogénicos, desde que a televisão diga que dão mais vida, nada feito: nem médicos, nem nutricionistas, nem ecologistas, nem higienistas conseguem desconvencer as massas das virtudes que margarinas, bebidas, «sprays», cosméticos, conservantes de madeiras têm para os telespectadores absolutamente convencidos de tanta virtude e prazer.
O secretismo de organismos, direcções gerais, secretarias de Estado, agudiza-se, à medida que as firmas «culpadas» intensificam as suas manobras de pressão para se ilibarem de tudo o que de cancerígeno, patogénico, perigoso, tóxico lançam no mercado.
7 - Se o assunto dos «produtos perigosos» não é para tratar nos jornais, talvez porque desgraças já a gente tem muitas, a verdade é que a informação entre organismos oficiais também não circula.
Como referiu a Drª Arlinda Borges, médica do Centro de Informação Anti-Venenos, o inventário de produtos, só por si, não chega, é preciso saber os casos que assumem maior relevo, gravidade e frequência (incidência estatística).
Há, segundo disse, «uma percentagem baixa de acidentes por afogamento ou electrocussão mas a percentagem de «intoxicações acidentais» por produtos químicos em casas e campos é muito elevada».
«Seria aconselhável - acrescentou - a prevenção primária desses casos.»
8 - Duas operárias, pelo menos, já morreram em Portugal em condições trágicas quando manuseavam, em fábrica do norte do País, um produto designado comercialmente «Xilofene».
Relatórios do Instituto de Medicina Legal a que tivemos acesso, concluem que a relação causa-efeito é iniludível mas que (pasme-se) nada se pode provar contra o produto.
Este continua a vender-se no mercado com um rótulo em que remete para o utente todas as responsabilidades e riscos decorrentes do seu manuseio. De vez em quando, o produto é publicitado na RTP.
São dois mundos paralelos que nunca se encontram: o mundo do negócio está sob jurisdição diferente do mundo do consumidor.
[Em matéria de jurisdições, a semana foi elucidativa: enquanto pela banda do Ministério da Qualidade de Vida (Gabinete de Defesa do Consumidor e Instituto Nacional de Defesa do Consumidor), se convidavam especialistas da CEE (Taschner, Sheen, Kramer), eis que o Instituto de Qualidade Alimentar convidava um especialista da CEE.
Graças a esta intensa actividade de importação e adequação à legislação comunitária, pode o consumidor português dormir mais descansado.]
9 - Na melhor das hipóteses, a política de segurança ambiental joga no adiamento. Mas se já existe uma lei de bases ou lei-quadro de defesa do consumidor, e se já não se pode distrair nem adiar, clamando que «falta uma lei», usa-se então uma ligeira variante:«Temos que esperar agora que saia a regulamentação», será então o discurso na voz dos dirigentes responsáveis[como referiu a drª Helena Quelhas, economista da Confedereção da Indústria Portuguesa.]
10 - Data de 27 de Janeiro de 1977, a Convenção Europeia sobre a responsabilidade quanto a produtos em caso de lesões corporais ou morte, aprovado pelo Conselho da Europa.
Sublinhe-se, como curiosidade deliciosa, que o artigo 9 da referida Convenção «não se aplica - textual - aos prejuízos nucleares.»
O nuclear está sempre para lá do bem e do mal, da lei e das Convenções.
Tratando-se de produtos perigosos, é evidente que o nuclear não deve figurar na lista negra.
Tenebroso e superperigoso é, sim, o ginseng da Coreia e os produtos fitofarmacêuticos ou dietéticos que continuam a assolar os mercados, sem legislação nem fiscalização, nem controle.
Quando a enciclopédia britânica já não tem folhas que cheguem para lá figurar toda a lista negra de pesticidas, antibióticos, cortisonas, vacinas, etc., quando o ritmo de produção de novas substâncias químicas aumenta todos os anos a um ritmo tal que já ninguém o consegue apanhar, eis que o perigo número 1 vem afinal do ginseng ou dos produtos dietéticos. Eis que o seminário se preocupa em pedir a repressão fiscalizadora dos «dietéticos».
Onde está, afinal, o perigo e o inimigo principal do consumidor, quando o nuclear está fora das leis e das convenções, não devendo por isso preocupar-nos?
11 - Segundo se depreende de uma recomendação do Conselho da OCDE, adoptada em 28 de Abril de 1981, é muito difícil retirar do mercado um produto.
Caso se verifique perigo, ele terá que ser suficientemente provado e comprovado para levar a firma a retirar o produto.
Quer dizer: enquanto não se verificarem casos de escândalo público, mortos e feridos, de preferência crianças, é difícil agir.
O consumidor tem por isso e pelo menos, uma certeza: servirá de cobaia até que haja suficientes vítimas juncando o terreno. Em nome do progresso tecnológico, evidentemente.
Só quando «os riscos se revelarem substanciais e graves, os fabricantes e/ ou fornecedores deverão retirar o produto do mercado, modificá-lo ou substituí-lo por um produto idêntico ou similar...»
12- Como referiu Miguel Marañon Barrio, secretário geral para o consumo de Espanha, foi «devido aos trágicos acontecimentos provocados pela intoxicação com óleo de colza», que se verifica uma «lei de reforma urgente do Código Penal» para, a posteriori, regulamentar o «crime» praticado.
Em virtude dessa «lei de reforma urgente», estipulou-se que o produtor, distribuidor ou comerciante que ofereça no mercado produtos alimentares (omitindo ou modificando as formalidades estabelecidas) e que põe em perigo a saúde dos consumidores será punido com a pena de prisão entre seis meses a seis anos e a multa de 750 mil pesetas até 3 milhões.»
É um caso típico de experiência laboratorial «in vitru» e «post-mortem».
O homem cobaia dos consumos.
13 - Se a corrida na Europa da CEE para ultrapassar o camião-cisterna dos produtos perigosos acusa poucos progressos legislativos, em Portugal o desfasamento é ainda maior, conforme se deduz das directrizes e proposta de directrizes que a CEE já conseguiu publicar, no âmbito dos cinco direitos fundamentais que a CEE definiu:
a) direito à protecção da saúde e segurança
b) direito à protecção dos interesses económicos
c) direito à reparação dos prejuízos
d) direito à informação e à educação
e) direito à representação (a ser ouvido).
14 - O carácter de proliferação cancerígena que torna os chamados produtos perigosos um caso de vida ou de morte, um caso de ecologia humana, que só pode colocar-se em termos de civilização que se afunda nos seus próprios excrementos.
Tudo o que se fizer, ao nível reformista e do remendo, não altera o ritmo deste apocalipse químico.
Para todos os apocalipses, a única resposta de esperança são duas letras: T.A.'s, que se podem traduzir por Tecnologias Apropriadas ou Alternativas.
Reconhecido o carácter circular da contaminação química e adjacentes, o redemoínho tende a crescer e a nunca mais parar.
Medidas reformistas e legalistas, que adiantam?
A única certeza a retirar desta morte em autogestão é uma lição de ecologia humana.
Ou mudamos, ou perecemos num chavascal chamado progresso químico.
***