1-3 - 79-08-04-ie> = ideia ecológica -espaço-2> os dossiês do silêncioO QUE PENSA DAS LUAS,UM AMIGO DA TERRA(*)
(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado no jornal «A Capital» (Crónica do Planeta Terra), 4/8/19794/8/1979 - A propósito do aniversário que recentemente se festejou - há 10 anos a Apolo 11 chegava à Lua -, com o fracasso Skylab poucos dias antes, escreve-nos um leitor, apresentando razões críticas sobre a mania (das grandezas) espacial dos dois blocos hegemónicos, que só em correrias e solturas destas, gastam energia que daria para resolver todas as «crises» do mundo rico e transformar em países habitáveis todos os pobres do mundo pobre.
Sem mais comentários, eis o que escreve o leitor:
Serei retrógrado e muito conservador, mas continua a espantar-me e a comover-me muito mais ver grelar e crescer, na janela da minha cozinha, um grão-de-bico, do que assistir na televisão à pisadela do primeiro homem na Lua.
Só vejo, portanto, qualquer vantagem em participar nesta polémica, no papel de cardeal-diabo. Para falar de vantagens, benefícios, glórias e grandezas da maratona espacial, haverá certamente quem, pelo saber e pelo entusiasmo, se avantaje à minha deliberada Ignorância de pormenor sobre o assunto. Sobre qualquer assunto técnico e desde que técnico.
A corrida espacial não me move nem comove mais do que qualquer outra tecnologia, pesada ou de precisão, electrónica ou cibernética. Se nunca nutri grande simpatia pelos progressos da técnica, a perspectiva mais moderna de tecnocratizar a biosfera, transformando-a em tecnosfera, antes de desalienar e humanizar o homem, parece-me uma manobra de substituição pouco honesta.
Daí resulta que a única tecnologia a interessar um partidário da ecologia radical é, pelos seus aspectos negativos, aquela que directamente pretende bulir com a vida, com a biosfera do planeta: ou seja, a tecnologia biocrática, a dos transplantes, congelamentos, pesticidas, medicamentos, tóxicos, revolução verde, robôs, bebés-proveta, célula viva feita em laboratório, etc., etc.
Em que medida - pergunto- afecta a tecnologia espacial a biosfera? Em que medida se pode traçar, ensaiar, esboçar uma ecologia da competição espacial?
Em que medida concorre esta tecnologia especial, peculiar, para o biocídio sistemático perpetrado pela tecnologia em geral?
Tentarei resumir em que pontos a monomania espacial toca tangencialmente a biosfera:
1 - Manobra de coexistência pacífica, os foguetões servem, à maravilha, para pôr os povos de nariz no ar, enquanto na Terra os mesmos povos são convidados a digladiar-se até ao extermínio. O que é, desde logo, um trabalhinho sujo, de que alegremente se incumbe a indústria espacial.
2 - Não é tanto o dinheiro que se gasta numa tecnologia de luxo e de supérfluos como a espacial o que, quanto a mim, está em cheque: que esse dinheiro dava de imediato para matar a fome a três humanidades iguais a esta, parece estar demonstrado e não me ocuparei de evidenciar a evidência.
De acentuar, creio eu, é o que normalmente passa despercebido: a questão de método e de princípio que preside à estratégia hoje coexistente das conquistas lunares.
O complexo de recursos mobilizados para manter os programas espaciais é, como princípio, imoral e execrável: porque vai tornar irreversível uma data de outros complexos tecnológicos que, por sua vez, se dirão justificados pelo apoio à conquista espacial, etc.
Entrámos no círculo infernal das dependências em cadeia, na engrenagem dos gigantismos que pretendem justificar-se uns aos outros. Chegaremos, sem dúvida, à necessidade de continuar mantendo um armamento pesado de toda a ordem.
Assim, uma indústria aparentemente pacífica, serve e motiva a bélica.
No momento em que, muito à pressa, Europa e Japão se deram conta de estarem a ser codilhados pelas multinacionais do petróleo, o que em combustível se gasta num foguetão e respectiva nave, não deixa de ser argumento que um partidário da ecologia evite colocar no balanço de razões que é urgente apresentar contra a incoerência que a ambição do espaço representa em relação ao próprio sistema do desperdício e suas jeremiadas à poupança de combustível.
Convidam-nos a poupar no banho, mas gastam-no todo na estratosfera?
Ora bolas para a «moralidade»destas coisas.
3 - Outro aspecto de choque entre crise do ambiente e desatino espacial é a maneira como o ser vivo tem mostrado que reage aos ambientes exógenos que lhe são biológica e ecologicamente estranhos, ou aberrantes: por um lado, o ambiente fechado das cápsulas onde os astronautas permanecem como aleijadinhos do século XXI (mas isso é o menos, pois nem todos somos astronautas e eles escolheram a profissão); por outro, os efeitos da imponderabilidade prolongada no psicossomático das cobaias (o próprio facto de já se aceitarem sem discussão homens para cobaias de experiência!) ;por outro lado ainda, espaços e radiações astrais a que a máquina humana tem mostrado reagir da pior maneira.
Contam as crónicas que nem um só dos heróis astronautas é mentalmente sadio. Para quem tenha umas noções básicas de ecologia humana, porém, não precisavam as crónicas de o dizer. Era mais que óbvio..
4 - Não vale a pena referir (pois outros o farão com maior conhecimento de causa) em que medida a proeza espacial é um condicionante político de propaganda entre blocos de hegemonia.
Importante, nela, é a mitologia das grandezas que se pretende insinuar no subconsciente colectivo ao relatar maravilhas e milagres da técnica. A técnica pode tudo. Tudo, incluindo esbater as desigualdades económicas e a exploração do homem pelo homem, será resolvido pela técnica. Ela é tão todo-poderosa, podia lá deixar de...
5 - Na vasta literatura inerente às angústias espaciais, é vulgar ler-se que os cientistas estão multo interessados em obter provas de vida em outros planetas...
Sabendo um partidário da ecologia melhor do que ninguém de que maneira a vida e a saúde são tratados neste planeta-escola, a que lindo biocídio de espécies (incluindo o homem) por aqui se está, se vai, se irá praticando, precisamente pela invasão das tecnologias hiperpoluentes e anti-humanas, biocráticas e de manipulação do homem pelo homem quando calha - aquele zelo de encontrar vida extraterreste em Marte ou Júpiter não deixa de parecer suspeito e, de certo, sadomasoquista.
Será que, além de implantar um colonialismo na Lua, se pretende já desenvolver ali o processo biocida que aqui tão exemplarmente vem sendo praticado?
6 - Esta pergunta não é tão fantasiosa como pode parecer aos optimistas do «gadget» interplanetário.
Ficaram célebres as experiências sísmicas que, logo na chegada à Lua, foram efectuadas pelos endiabrados exploradores do Espaço.
A Lua tremeu durante não sei quantos minutos... e os sábios cá da Terra a gozar que nem uns perdidos.
7 - Sabendo como a indústria turística é hoje ponto forte da reciclagem do sistema -pretendendo-se com os últimos «paraísos da Terra» só para ricos, fazer esquecer aos pobres que a transformámos num inferno - a ideia de aproveitar a Lua e arredores para estância balnear de veraneio não é fantasia minha de crítico irritado, mas foi proposta honesta e a sério de um senhor norte-americano, que propunha essa saída para o actual «cul de sac» de saturação e esgotamento planetário.
E lá ia a gente com a família para a Galáxia... Tudo tão fácil, não é?
Uma coisa é certa e honra lhes seja feita: aos futurólogos da N. A. S. A. e quejandos nunca falta espírito de humor para gozarem e nos gozarem.
Numa tentativa de balanço e resumo, direi que tudo quanto foge à escala hurnana será humorístico mas enfadonho.
Quer se trate de monstruosas aquisições em peso, de recordes, gigantismos, de tempos astronómicos só medíveis em anos-luz, é de suspeitar.
Encontrou-se um meteorito com 4000 milhões de anos! A minha pergunta é: como é que descobriu isso o senhor físico Kerald Wasserburg e, ainda que assim fosse, o que me interessará a mim tantos milhares de anos, eu que na melhor das hipóteses serei meio centenário se a poluição e a estupidez me deixarem?...
O MITO DO ESPAÇO
O meu ponto de vista pretende ser o do homem comum. No entanto, um homem comum que não aceita os ídolos impostos e tornados regra.
Na nossa época, os mass media são poderosos fabricantes de ídolos, mitos, ideias feitas, transformados em ícones religiosos...
É preciso, de vez em quando, um banho lustral (ou brutal) de senso comum e de bom senso, para não encarreirar na forte corrente de opinião uniformizada, estandardizada que nos arrasta.
A conquista espacial (exploração ou descoberta) é um dos mitos propostos ao consumo internacional por dois países que pretendem dar cartas (e obter sempre trunfos) a todos os povos do planeta.
Digamos que é um negócio, um «affaire» doméstico lá entre eles. Mas a verdade é que, no caso americano os gastos com o programa interplanetário são obtidos da exploração feita a povos do Terceiro Mundo, e no caso soviético são de verbas roubadas ao benefício nacional nas matérias-primas e energia que se gastam sem sentido e sem reciclagem.
Pretendo ver a exploração espacial não como proeza (assim nos é relatada e imposta pela propaganda), mas como mito, como idolatria, como questão de princípio.
É isso: ainda que a indústria espacial não fosse um luxo de supérfluos, ainda que ficasse barata em recursos humanos, materiais e energéticos, ainda que daí resultassem os benefícios e utensílios que a propaganda diz resultarem, era como questão de princípio, de método, como ideologia implícita de coexistência - no que esta palavra pode ter de mais odioso- que a rejeitaria e detestaria.
UM LEITOR DEVIDAMENTE IDENTIFICADO
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(*) Publicado no jornal «A Capital» (Crónica do Planeta Terra),
4/8/1979***