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*DEEP ECOLOGY - NOTE-BOOK OF HOPE - HIGH TIME *ECOLOGIA EM DIÁLOGO - DOSSIÊS DO SILÊNCIO - ALTERNATIVAS DE VIDA - ECOLOGIA HUMANA - ECO-ENERGIAS - NOTÍCIAS DA FRENTE ECOLÓGICA - DOCUMENTOS DO MEP

2006-06-22

L.C. PAULING 1970

1-2 - pauling-1- notícias do futuro

LINUS CARL PAULING:
OS 70 ANOS DE UM VISIONÁRIO(*)

[22/6/1970] [19/6/1971 ] - Fez um ano em 18 de Abril de 1971 que Linus Carl Pauling foi galardoado com o Prémio Lenine da Paz.
Visionário de um futuro mais humano, sem armas nem violência, o famoso cientista norte-americano (nasceu em Portland, no Oregon, em 1901 e tem, portanto, 70 anos), ao receber aquela distinção em Washington, na Embaixada da URSS, das mãos de Dmitri Skobeltsyne, membro da Academia das Ciências soviética e presidente da Comissão do Prémio Lenine, manifestou a esperança de «os Estados Unidos e a União Soviética colaborarem para a paz no Mundo».
Considerou, por outro lado, que, ao proibirem o fornecimento de armas aos países menos desenvolvidos, as nações poderosas podem fazer pressão no mundo e pôr termo às guerras.
Skobeltsyne aproveitou para prestar homenagem ao cientista americano, que «dedicou toda a sua força e a sua ciência» a promover a paz e o entendimento internacionais e a encorajar o desarmamento.
Precisamente quando Pauling ainda era um obscuro investigador da Universidade da Califórnia, antes de o Nobel o notabilizar e no período mais aceso da «caça às bruxas», quando era acusado pelo macarthismo de pertencer ao Partido Comunista, a ciência soviética rejeitava a sua teoria da ressonância, por a considerar incompatível com o materialismo dialéctico.
Hoje atribui-se-lhe o Prémio Lenine. Mais uma vez se confirma que a dialéctica existe no movimento e não no imobilismo, no espírito criador dos verdadeiros contemporâneos do futuro e não na estreita, tacanha, dogmática autoridade dos académicos de todos os tempos, dos que detêm o poder do saber.
Linus Carl Pauling, entre outros motivos de esperança. dá-nos mais esse: o de nos fazer confiar em nós próprios e na obra que, anonimamente, arduamente, tem de ser levada a cabo, precisamente quando a solidão é mais terrível, quando de todos os lados chovem os remoques e as perseguições, sempre inevitáveis contra todos os inovadores e visionários, contra todos os que hoje vivem e criam o amanhã, contra os que, no presente, são os verdadeiros autores e responsáveis do futuro.
O Prémio Lenine para Pauling veio demonstrá-lo.
Com a morte de Bertrand Russell, ocorrida o ano passado, Linus Pauling assumiu automaticamente a liderança mundial do movimento pacifista contra o armamento atómico. De facto, ele pertence à linhagem desses grandes desaparecidos: Gandhi, Luther King, Bertrand Russell antecederam-no e talvez o tivessem superado em celebridade, mas não na intransigência e na pertinência da «luta».
Para os que, como Linus Pauling, visionam o fenómeno humano na totalidade, todo o tempo é tempo ganho e, na espiral da evolução, todo o esforço positivo é progresso. Vale sempre a pena (se a lei da esperança prevalece sobre o desespero) um átomo de boa vontade posto a girar no infinito do universo. Para ele, como para Teilhard de Chardin, outro visionário da espiral, o homem está no mundo para completar a obra da Criação e não para a destruir. Só a destruição é crime (outros dirão «pecado»). E se essa obra nunca se encontra concluída, também é verdade que tudo quanto for feito, pouco ou muito, célebre ou anónimo, tem a sua função e a sua utilidade.
A encerrar esta crónica, vale a pena recordar o que, sobre a insensatez dos gastos em armamento e na competição espacial, ele afirmava em 1967:
«Mas as coisas constituem um todo e não basta lutar contra a corrida do armamento, as explosões nucleares, o uso e, inclusive, o armazenamento das armas biológicas e químicas; é indispensável, se se quiser atacar as causas originais, lutar contra o subdesenvolvimento. O verdadeiro problema consiste em saber o que vamos fazer do nosso planeta. Eu creio que o futuro do homem será manter-se na terra, já que estamos longe do momento de podermos pensar em termos de expatriação para diferentes planetas. Sob este ponto de vista, julgo excessivas e abusivas as enormes inversões da investigação espacial. Seria, sem dúvida, mais vantajoso escalonar essas investigações num período mais amplo, mais paciente, menos precipitado. A competição soviético-americana, fruto desse nacionalismo cuja ressurreição é o mal do século, teve, neste domínio, os mais funestos efeitos.»
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(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado no semanário «O Século Ilustrado» (Lisboa), na rubrica do autor intitulada «Futuro», em 19/6/1971 e, parcialmente, no diário «Notícias da Beira» (Moçambique), na rubrica do autor «Notícias do Futuro», em 22/6/1970

SURREALISTAS 1966

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ALGUNS APONTAMENTOS SOBRE SURREALISMO - AINDA(*)

[(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado no suplemento literário do «Jornal de Notícias» (Porto), em 22/6/1967]

15/Outubro/1966 - Inclui cartas, comunicados colectivos, esboços de manifestos, conferências, tábuas cronológicas, reproduções fotográficas, textos polémicos, etc., o volume que Mário Cesariny de Vasconcelos elaborou sob o título de “A Intervenção Surrealista” para a Editora Ulisseia.
Pelo título se poderia concluir que são surrealistas, na opinião do coordenador, quantos ali intervieram umas vezes por influxo da corrente francesa com esse nome, outras vezes sob a pressão de circunstâncias e acontecimentos, quase sempre no desejo de marcar posição em relação a coisas directamente circundantes, adjacentes. Mas que de todo esse heteróclito conjunto de documentos resulte uma unanimidade de propósitos, eis desde logo a questão que se põe, a pergunta que se faz.
Se é certo que cada surrealista entende à sua maneira os dados fundamentais de um movimento que André Breton codificou mas não limitou, é bem possível que a unanimidade tenha de ser substituída, neste e noutros casos, por uma variedade de intentos e de posições individuais que, apesar do grupo (forma-do, a formar-se ou a desfazer-se) não participaram de um propósito colectivo.
Se houve ou não houve tal propósito colectivo, quer dizer, se houve ou não houve surrealismo em Portugal, se as manifestações surtas com esse rótulo podem, de perto ou de longe, aparentar-se com as congéneres manifestações ocorridas em outros idiomas, seria porventura a pergunta que as pessoas interessadas fazem de há muito e que calculavam ir finalmente encontrar respondida no interventor livro de Cesariny.
No entanto, por agora, parece-me mais viá-vel analisar a utilidade da colectânea independentemente de responder a tal pergunta (a que, diga-se já, o livro não responde) e de satisfazer ou não a princípios que, começando por não estar definidos em português, expostos e proclamados, acabam também por não ser da intenção explícita ou implícita do coordenador. Intencional ou não, o coordenador fez deste livro o seu definitivo testamento “em branco” e também, de passagem, o tribunal onde sova os acusados que lhe apetece e solta as iras recalcadas.
Aos absolvidos de tão temível cólera, subentende-se que Cesariny os considera de seu lado, não definitivamente surrealistas, talvez, mas inofensivos à causa. Do resto, não se salva ninguém; aos condenados que serviram de pano de fundo, de alvo e de pretexto para haver surrealismo “à moda de Lisboa”, trata-os o insigne poeta com o sarcasmo, o desprezo, a auto-suficiência que em tal auto de fé se requeriam necessários mas que ele aplicaria com melhor justiça e proveito a outros sectores bem mais acres e culposos. A divisória estabelecida serve para um ajuste de contas quer com os surrealistas que nunca o foram, quer com os que estavam de fora e de-sejaram meter lá o bedelho ou a colherada crítica. A ver isto, “a gente que ainda estava à espera” e, entre essa gente a pessoa con-vidada a escrever sobre “A Intervenção Surrealista” deve pensar três vezes e, se nutre simpatias pelo surrealismo, evitar que o expurguem da confraria; se não nutre, preparar-se para uma saraivada em forma de comunicado colectivo.
Os surrealistas sabem, mas há mais alguém que também sabe: claro que houve aqui para toda a irreverência intelectual, um re-conhecimento tardio, torpe ou ignorante; de tal se podem queixar não só os que Cesariny acolhe sob a sua asa protectora mas quantos não tiveram, porque não quiseram, patrono ou protector, traduzido ou não do francês. Que estamos no País mais anti-poético do Planeta, também me parece e têm razão as investidas que contra académicos e neo-académicos são historiadas, no volume. Que o poeta dificil ou impossivelmente porá pé em ramo verde nesta terra calcina-da por academias que tão poderosas fortalezas erguerem, para seu uso e proveito, - também eles têm razão. Mas só os surrealistas? Só os que sob o rótulo Cesariny congrega? Só os que, não tendo outro lugar comum onde figurar, lhes valeu a amizade do autor de “Pena Capital” para passarem à história e à literatura?
Como, a não ser por favor, se justificariam hoje em letra de forma os destroços poéticos de H. R. Pereira e Pedro Oom, os mais contrários ao conceito surrealista da poesia como oficio da existência, como realização e acto absorventes, como extensão de responsabilidades a todos os instantes e recantos da vida?
Como a não ser por favor, se justificaria a inclusão do texto “Pelaguin”, de Carlos Eurico da Costa, já que por intrínseca qualidade poética em nada se recomenda e muito menos como expressão polémica, crítica ou etc?
Esparsos rascunhos que estavam lá guardados na gaveta, não podem, só porque Cesariny os antologia, porque se incluem de cho-fre numa intervenção chamada surrealista, adquirir magicamente o mérito e representatividade que nunca tiveram nem teriam.
Inversamente, a ter de avaliar o mérito do surrealismo por tais amostras, onde iríamos cotar o surrealismo?
Pretexto para reunir algumas brincadeiras de alguns jovens que depois arranjaram mais que fazer e se marimbaram na poesia, não teria o Poeta Mário sido logrado no seu propósito e traído por excessiva boa fé?
Do surrealismo cada um abichou o que lhe apeteceu e calhava. Agora, incluído entre os ortodoxos, possivelmente até já nem se lembrava. A quem vier depois, (a quem “ainda estava à espera”) e se queira servir do livro para instrução, escusado será repetir que pouco mais lhe acontece do que ver frases, abaixo-assinados, car-tas pessoais (com os rancores sine que non), esboços de poemas, esboços de ideias, esboços de intenções, esboços de esboços, e uma tábua de datas a servir de memorando.
Nunca os surrealistas chefiados por Cesariny quiseram saber de quem os entendesse, embora os víssemos iradíssimos sempre que os não entendíamos. Nada adianta portanto ao esclarecimento (embora adiante muitíssimo à alegre confusão que a tantos agrada) do surrealismo ou de algo que esteja fora e além dele, o caderno de equívocos, ambiguidades, boca-dos de bocados de afirmações ( o fragmento do fragmento, tão famoso e que tanto serviu para desculpar consequências como inculpar causas), insinuações com aparência de profundas - eis a que se resume, em balanço afinal, “A Intervenção Surrealista”.
Levemente irritante é a tendência do surrealismo ali com-pilado para não selectivar os alvos dos seus remoques. Indiscriminadamente se atiram ao péssimo e ao mau, sem se preocuparem em atingir os pontos-chave da Abjeccção e declarando-se lesionados quando alguém os chama pelos nomes. Com enorme berreiro, já não querem outra coisa, já não elegem outra luta. Bem podiam ter ocupado o seu (deles) tempo com coisas diferentes das zangas e zaragatas pessoais. E talvez ninguém fosse ao ponto de lhes pedir virtudes tão vulgares como um pouco de inteligência ou de compreensão crítica, se eles não tivessem, sempre aflitos, procurado uma tão decantada intervenção nos negócios da cidade e desejado fazer-se, a todo o transe, homens atentos à história, presentes na circunstância, íntegros e vertioais, antes quebrar que torcer, etc., etc.
A pretensão de dizer o que nunca foi dito com palavras que nunca foram escritas — preocupação central, ao que consegui perceber, dos diligentes textos redigidos por Cesariny - admite-se, creio eu, como toda a expressão ou voz poética, enquanto forma única de dizer o indizível, admite-se para usos e abusos de imaginação criadora, admite-se como disposição prévia convencionada para se enfrentarem as “vozes do silêncio” de que os poetas são os porta-vozes. Mas quando se trata de manifestar, de escrever textos para agir em concreto, de falar para intervir, - para defender dos fariseus o “dourado” património — entender-se-á porventura o uso da cifra hermética, da esotérica palavra e da iniciática visão para iniciados?
A avaliar pelas actividades surrealistas do Café Gelo, nada restaria a um poeta, além de cantar e desistir. Também da presente colectânea se não avista para a alternativa - poesia ou po-lítica - uma saída. E essa saída (seriam os surrealistas os primeiros e últimos a sabê-lo, se fossem de facto surrealistas) existe, pode ser compreendida dentro das limitações conhecidas. Ao surrealismo - segundo o que pode apurar-se destes confusos textos - nada
mais resta do que um resignado regresso a duvidosas fontes ocultistas. Aí pretende imitar a rábula dos que em França tentaram reatar tradições de épocas soterradas não apenas como curiosidade teórica mas como prática quotidiana.
Dentro da História que é a nossa, as mágicas desse estilo são não só impossíveis como suspeitas: a fuga à Abjecção por ignorância dela é uma forma mais ou menos triste de colaborar com ela e só uma via que a tome por termo de oposição constante - a via abjeccionista - deixa de .ser menos que utopia e mais que escapismo.
Da via abjeccionista, entretanto, está Cesariny decidido também a tomar o monopólio como se as palavras e o que elas significam pertencessem a pessoas ou grupos de pessoas! Pal-mar também o abjeccionismo (como fizeram para o surrealismo) com fins esotéricos, parece-me abusivo, tanto mais que a posição abjeccionista - uma vulgaríssima filosofia da História como qualquer outra - se distancia bastante dos optimismos surrealistas (jamais ceder ao cor-de-rosa seria o que de melhor nos ensinaram os “transfugas” do surrealismo).
Fiquem-se estes surrealistas, pois, já que teimam, a produzir textos “originais” para si mesmos, sem termos de ligação que os prendam à realidade histórica, à vulgaridade quotidiana; fiquem-se a imitar truques zénicos respondendo alhos a bogalhos e julgando assim que estão a intervir; fiquem-se nas pequenas manobras publicitárias; fiquem-se hipocritamente puristas num mundo corrompido, cinicamente convencidos de uma exclusividade poética, de um satanismo barato, de uma predestinação de iniciados; fiquem-se, enfim, a ruminar para si mesmo (à custa do surrealismo que pouco tem a ver com isso) enquanto o apodrecimento à sua volta não diminui nem aumenta; fiquem-se a escrever em cursivo pena de pato as belas palavras - Poesia, Liberdade, Amor; fiquem-se enfim com suas artes e letras. “A gente que ainda estava à espera” - finalmente - é que deixou definitivamente de estar à espera.
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(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado no suplemento literário do «Jornal de Notícias» (Porto), em 22/6/1967
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