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2006-11-07

UTOPIA 1970

1-2- lefèbvre-2-ls- segunda-feira, 23 de Dezembro de 2002-scan


MANIFESTO DIFERENCIALISTA:
REALIZAR A UTOPIA

[ 7-11-1970 , in «O Século Ilustrado»] - Dez anos após a publicação, em França, de «Le Matin des Magiciens», manifesto de um realismo fantástico que era apenas um neo-utopismo que nascia contra o realismo de via reduzida, imobilista e dogmático, incapaz de acompanhar o movimento de aceleração histórica, «Le Manifeste Differencialiste», (1) recentemente aparecido na Gallimard (col. Idées), parece retomar caminhos idênticos.

Como diz Claude Jannoud, apreciando esse novo ensaio de Henri Lefèbvre, «o fundamento desta diligência é a investigação do impossível-possível». Uma vez que o pretendido e pretenso realismo fracassou, em toda a linha, é preciso ir procurar noutra parte, lá onde as coisas ainda não existem, é preciso ir, como diz Lefèbvre, até à diferença, já que o sistema actual visa reduzir a diferença ao indiferente.

Depois de Saussure, a diferença fez carreira nas ciências humanas, o que lhes restitui actualidade em filosofia. Para Lefèbvre, o diferencialismo é precisamente um método capaz de ligar o próximo e o longínquo, caminhar para o famoso impossível-possível, reencontrar uma criatividade esmagada pelo imperativo da produtividade.

Há várias lógicas da sociedade, é preciso revelá-las, elaborar uma estratégia da diferença. Isto pressupõe que as revoluções devem aspirar à diferença e que devem ser diferentes umas das outras. Como Berque em «L'Orient Second», Lefèbvre sustenta o princípio da diversidade, face às forças opressivas da universalidade e da homogeneidade.
Enquanto a reflexão de Berque se apoia essencialmente na experiência do Terceiro Mundo, Lefèbvre centraliza a sua meditação sobre a revolução urbana. Assistimos a um processo de urbanização completo da sociedade, processo cujos sinais catastróficos são inúmeros. A «ilusão urbana» é o domínio do absurdo, da impotência, sob todas as latitudes, sob todos os regimes sociais. Constitui-se um espaço e também um tempo opressivos, a favor dos aglomerados gigantes.

A realidade urbana, diz em substância Henri Lefèbvre, não é já uma superestrutura, ela condiciona o futuro das sociedades, o seu desenvolvimento e mesmo o nascimento da produção. Trata-se, portanto, de um factor determinante que os homens do poder, quer os da política, quer os da ciência, quer os da indústria, ignoram.

Da sociedade urbana, porém, deverá vir o grande movimento de diferenciação, de criatividade, de liberdade que mudará o mundo.

Utopia? A palavra não mete medo ao autor, que vê na utopia o específico da crítica progressista, a necessária distanciação em face do real. A maior parte da sua argumentação repousa sobre uma aposta: o poder de criatividade dos homens, a sua imaginação. Uma tal argumentação pertence talvez ao imaginário e terá pouco de razoável, de prudente. Mas a utopia, o desrazoável acabaram sempre por ganhar, no decorrer da História. De impossíveis tornados possíveis é que se foi fazendo, afinal, a evolução progressiva da Humanidade.

(1) Também na Gallimard e na colecção Idées apareceu, quase simultaneamente, um outro Ensaio de Henri Lefèbvre: «La Revolucion Urbaine».

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(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado, com este título, na coluna «O Futuro em Questão», semanário «O Século Ilustrado», Lisboa, 7-11-1970 e no jornal «Notícias da Beira», Moçambique, coluna «Notícias do Futuro», em 7-10-70
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