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*DEEP ECOLOGY - NOTE-BOOK OF HOPE - HIGH TIME *ECOLOGIA EM DIÁLOGO - DOSSIÊS DO SILÊNCIO - ALTERNATIVAS DE VIDA - ECOLOGIA HUMANA - ECO-ENERGIAS - NOTÍCIAS DA FRENTE ECOLÓGICA - DOCUMENTOS DO MEP

2006-07-22

SOLJENITSINE 1972

1-2 - soljenitsine-2-ls- quarta-feira, 1 de Janeiro de 2003-scan

UM DIA PARA LEMBRAR 
UM FILME PARA ESQUECER(*)

[Coluna «Cinema», semanário «O Século Ilustrado», 22-7-1972]

Todos os campos de concentração se parecem: trabalho forçado; pão duro disputado à dentada como se fosse caviar, escondido depois no forro do colchão; peixe podre para variar do peixe podre; rações mínimas diárias só para que a máquina continue a produzir trabalho; temperaturas extremas que flagelam; delacção entre os presos; homens numerados como cabeças de gado; devassa da última intimidade que lhes resta: o corpo, a roupa, os bolsos, a cama; a humilhação da nudez, da promiscuidade e da porcaria; os dez dias de cela incomunicável; a proibição de objectos cortantes; um cigarro para quatro; o tabaco que se troca por uma salsicha ou reciprocamente; o escárnio e a boçalidade das sentinelas; a constante ameaça de sanções, desfibrando toda a resistência moral; camaratas colectivas como currais; a disciplina drástica do deitar e do despertar; a corrida para as formaturas da chamada; a exposição às intempéries; a carta que se espera e nunca chega; a promiscuidade física e moral; a existência abaixo de animal; marchas intermináveis com as espingardas metralhadoras apontadas ao coração; capatazes que executam ordens de invisíveis superiores; holofotes pesquisando a noite; arame farpado, enfim, a paisagem conhecida de todos os testemunhos que têm descrito Treblinkas e Sibérias.

"Um Dia na Vida de Ivan Denisovitch" é um dia na vida de qualquer concentracionário que se preze, de qualquer campo de "trabalho e reabilitação". A história contada por Alexandre Solzhenitsynne é, como todas as histórias de situações-limite, bastante dramática mas localizada historicamente, no tempo e no espaço.
O universo concentracionário tem-se estendido e generalizado sob formas difusas depois da segunda guerra mundial, o suficiente para esperarmos que os produtores de filmes entusiasmados em mostrar fronteiras e requintes da abjecção deitassem o olhinho negociante para o pesadelo das grandes cidade: (por exemplo), campos de concentração para o consumo diário e muito bem apetrechados de tudo o que um indivíduo necessita para ficar abaixo de animal. Ali encontrariam os solícitos produtores material de sobra para as suas ficções, dramáticas situações de aviltamento e desconforto que fariam empalidecer de inveja os Buchenwald e as Sibérias de antanho.

Não há novelista nem produtor que pegue no concentracionário quotidiano e é pena; teria muito com que se entreter. Os outros, como o deste filme, já lá vão. Até estão antiquados. Já não se usam, actualmente, em que a sociedade consumista substituiu a escassez pela psicose do consumo provocante. Evidentemente que em tempo de guerra não se limpam armas (é tudo mais sujo), o ambiente é de tintas mais negras e a escassez de víveres leva os prisioneiros (como se vê no filme estreado no Apolo 70) a praticar actos de que certamente se envergonhariam em outro ambiente, em outro "habitat".
A moral é sempre função do ecossistema. Mas o grau de alienação, desconforto, angústia e asfixia que se tem vindo a verificar pelo mundo ocidental (poluído até ao pescoço), "urbi et orbi'', sob as boas graças de uma Tecnocracia que apenas alcatifa as jaulas e paternaliza as ditaduras, não deixa de correr paredes-meias com aquilo que o filme de Casper descreve. Ociosamente, diga-se.

O parecer dos mais avisados, pois, é que apenas mudaram as técnicas: aviltamento, ao fim e ao resto, é o mesmo e o mesmo o grau de animalização conseguido para o bicho homem. Que os produtores atentos e benfeitores não corram só para os "best-sellers".
Contem outras histórias que Solzhenitsine não contou, mas que outros Solzhenitsine terão de contar um dia...

(1) UM DIA NA VIDA DE IVAN DENISOVITCH - Produção e realização: Casper Wrede - Argumento: Ronald Harwood - Fotografia: Seven Aitken - Música: Arne Nordheim -Elenco: Tom Courtenay, Alfred Burke, James Maxwell, Eric Thompson, Espen Skjonberg, Alf Malland, etc - Filmes Lusomundo - Estreia em Lisboa, Apolo 70 em 27 de Junho de 1972.
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(*) Este texto de A.C. foi publicado na coluna «Cinema», semanário «O Século Ilustrado», 22-7-1972
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N. BORLAUG 1972

1-1- 72-07-22-ie> sábado, 4 de janeiro de 2003-scan

NORMAN BORLAUG E OS «HISTÉRICOS» DA ECOLOGIA(*)

[22-7-1972]

Falo hoje do telex internacional e de um Prémio Nobel. "Les Beaux esprits se recontrent".

Norman Borlaug, alto funcionário da F.A.O. (Organismo especializado da ONU., dedicado a prolongar a fome no mundo até depois de ano 2.000) pôs as coisas no seu devido lugar no que respeita ao meio ambiente, poluição e outras humorísticas vesânias que ultimamente a Imprensa (atacada de sinistrose) tem vindo a explorar, no nítido propósito de incendiar as consciências e preparar terreno à subversão.

Muito correcta e lucidamente, o Dr. Borlaug, alto funcionário da FAO, denuncia (em notícia que o próprio "Diário do Alentejo" publicou) os "defensores histéricos do meio ambiente" - assim mesmo, sem papas na língua e sem tirar nem pôr - os quais histéricos acham que se deve proibir o uso dos pesticidas e de produtos químicos na Agricultura..

Borlaug denuncia e condena, como deve fazer um homem lúcido deste tempo e mundo. Lá vai o tempo em que o amor da Natureza tinha adeptos tos entre os leitores de Goethe, Garret e Herman Hesse.

Felizmente, com os progressos da Tecnologia que tanta felicidado veio dar ao homem, com o frenezi da industrialização (que tantas benesses poria no nosso lar, desde o autoclismo à válvula para a banheira), os verdadeiros realistas, homens de rija têmpera e ânimo esclarecido, puseram cobro a esses delíquios líricos e românticos, só próprios de sensibilidades femininas de homens pouco viris ou de invertidos declarados.

Agora há um prémio Nobel, o Dr.. Borlaug, homem forte e de barba rija, que definitivamente põe as coisas no seu lugar: "histéricos" é de facto a palavra justa para aplicar aos defensores do meio ambiente, do equilíbrio entre homem e natureza, de alto à poluição e à depredação. "Histéricos", palermas, suicidas e anti-patriotas, acrescentamos nós.

Que todos meditem nas palavras desassombradas de um homem que tendo sido já Prémio Nobel da Química, merecia agora o prémio de melhor vendedor dos produtos marca DDT.
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(*) Este texto de Afonso Cautela deverá ter ficado inédito e foi escrito na data indicada: 22-7-1972
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LINCE 1979

1-2 - verde-1> os dossiês do silêncio

ÓDIO AO VERDE

22/7/1979 - Se o "escândalo " da Serra da Malcata (último refúgio mundial do Lince, espécie quase em vias de extinção) já motivou uma conferência de Imprensa, a formação de um comité de defesa, um póster lindo e autocolantes, artigos na Imprensa e o entusiasmo mobilizador de alguns proteccionistas, se a destruição da Malcata pela Celulose está sendo um caso falado, porque se trata de uma relíquia no aspecto paisagístico e uma peça ou jóia única como arqueologia da Natureza, outros casos menores vão chegando ao nosso conhecimento que atestam e confirmam o "ódio ao verde" que inspira autarcas e autarquias por esse país fora, mas nem só.

Para vincar bem o seu amor à Natureza, a CP, Caminhos de Ferro Portugueses, empresa nacionalizada, mandou abater uma araucária gigantesca de 60 metros de altura, a que a tradição local atribuía cerca de 500 anos de idade e se julga tenha sido trazida do Brasil por Pedro Álvares Cabral...
No dia 26 de Junho de 1979, ao entardecer, como se não houvesse mais nada para ocupar as vigílias e os pesadelos deste País, a CP, preocupadíssima com aquela araucária que impedia a visibilidade aos comboios (sic), bumba: manda uma serra mecânica, consulta um especialista em botânica silvícola e comete a gloriosa proeza.
Mais uma.
Isto a nível nacionalizado. A nível regional, entretanto, a preocupação. de alguns municípios em acompanhar a moda dos ecologistas, ambientalistas e defensores da Natureza, - moda que visa óbvios objectivos eleitoralistas na primeira ocasião... - não é suficiente para que outros já tenham percebido a vantagem politicoide de emendar os seus instintos de ódio à Natureza em geral e ao verde em particular.
Segundo nos informam leitores de Paço de Arcos, os cuidados camarários (de Oeiras) em proteger o ambiente verde não se notam muito. Alguns afirmam mesmo que não se notam nada. As terraplenagens feitas há anos com a construção da Igreja e mais recentemente com o novo quartel dos bombeiros, não primaram sequer pelos cuidados de ajardinamento. E a erva, que não gosta de ver espaços carecas, cascalho solto, torrões a esmo, agravando a sensação de secura, aridez e angústia dos desertos de cimento armado que vão sendo estas "progressivas povoações", a erva vai-se encarregando de "urbanizar" o que os serviços ignoram ou desprezam.
E nas tardes quentes, se já não é possível ouvir por ali o zanzinar das cigarras, eis que o cheiro quente que se exala da amiga clorofila é, pelo menos e entretanto, repousante na sua humildade e na sua singeleza.
Pois bem: os habitantes de Paço de Arcos não têm o direito de gozar, nem dois dias, tão simples prazeres campestres.
Mal a ervinha humilde enche de verde aquele espaço, à falta de arbustos e plantas mais nobres lá dispostos pelos competentes técnicos de urbanização , mal o tapete verde se estende para suavizar os olhos queimados de betão e cimento armado, logo um batalhão de tesouras é enviado ao local e o desbaste (feroz) se faz. Num ápice. Antes que a erva cresça.
Os competentes técnicos que aconselham os competentes vereadores preconizam aridez. Igual certamente à dos seus cérebros. Mas acima de tudo odeiam o verde. Nem sequer o da mais modesta e simples ervinha deixam medrar.
É um símbolo esta história de Paço de Arcos. Que se repete em dezenas de outros espaços verdes que outros tantos serviços camarários nunca deixaram medrar em outras tantas povoações de Portugal.
Outro apelo chega-nos do Bombarral: José Carlos Barros dá-nos conta da luta que tem travado para fazer ver aos responsáveis da câmara municipal que a bela mata deve ser preservada, porque já não são muitas as vilas que se podem gabar de uma "fábrica de oxigénio" tão cerrada e rica como essa.
A desmatação tem-se processado, no entanto, ignorando a população para quê, e porquê: sabe-se apenas que "os técnicos aconselham". Mas os técnicos definem-se exactamente por não verem (nem sentirem) um corno de quanto seja vida, natureza, espaço, paisagem, ecossistema, oxigénio, mata, arvoredo e clorofila.
Guiados como até aqui pelos técnicos, teremos o deserto e a morte. Porque eles só estarão satisfeitos e só vão respirar fundo (de contentamento) quando não houver mais uma folha verde sobre a terra e um decilitro de oxigénio. Nessa altura, sim, é que teremos progresso.
Se a câmara responde com o diktat dos técnicos, bem pode o Bombarral esperar que lhe matem a bela mata que ainda tem.
Que os exemplos de Malcata, Paço de Arcos e Bombarral incitem as populações a perceber que o "ódio ao verde" é o ódio à vida de quantos se alimentam de cadáveres e mitos tão podres como o «progresso» e o «desenvolvimento».
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(*) Publicado no semanário «Edição Especial», 22/7/1979
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