AMBIENTE 1974
1-3 - 74-04-20-ie> = ideia ecológica
É NO CAMPO QUE SE DECIDIRÁ A LUTA DAS DUAS IDEOLOGIAS SOBRE O MEIO AMBIENTE(*)
20/Abril/1974 - A chamada "política do ambiente" não resiste a uma análise mesmo superficial dos seus propósitos e função.
Basta a noção de "gadget" poluente para a por radicalmente em questão tanto quanto a sociedade ou civilização que a produz.
De facto, enquanto a táctica sintomatológica manobra nos buracos do efluente, do dejecto, do que sobra da combustão, a táctica ambientalista parece obedecer a lógicos propósitos de "protecção"; quando entra, porém, a matar com o objecto poluente, com a tecnologia poluente, com a indústria do Ruído - que é a poluição da poluição, tal como houve a arte pela arte e a ciência pela ciência... é difícil continuar a defender uma táctica que limita os seus objectivos às preocupações de limpeza, sem atacar as estruturas de um modelo de crescimento.
Um exemplo se poderá dar só por si suficientemente elucidativo para evidenciar até que ponto a "política do Ambiente" é uma política de fracções irrelevantes, de remendo e remedeio, de reformas parciais, provinciana, não planetária, apesar do "slogan" "A Terra e só Uma", mostrando-se portanto impotente para resolver de raiz a crise e os problemas.
É esse exemplo o da agricultura, campo decisivo para pôr à prova os erros de método e de estrutura do Sistema (o modelo de crescimento adoptado pela sociedade do desperdício).
Não é preciso ir à Politécnica para saber que toda a agricultura química é de raiz um campo de poluentes activos, perniciosos - considerados não já e não só como restos de uma actividade útil, não já como dejectos expurgáveis, mas ela própria intrinsecamente abjecta, maléfica, perniciosa, geradora de anomalias e aberrações que se multiplicam em cadeia e sem cessar. O maior perigo do DDT não é quando ele, por descuido e distracção, mata crianças. O maior perigo do DDT é o seu uso sistemático e directamente sobre a terra, sobre os alimentos.
A agricultura química dá o exemplo de como a táctica reformista da luta antipoluição não significa nada num contexto de homicídio acelerado e deliberado, voluntário. Não se trata de descuido, trata-se de uma acção voluntária e sistemática, decidida e aprovadíssima por todas as leis.
O CONSUMO DE DDT
O ecomaníaco não se convence que algumas leis restritivas contra o consumo de DDT ou o dieldrin ou o azotato de sódio, além de tardias, (quando chegam) irão solucionar, do ponto de vista ambiental, o tremendo problema a que depois se chama "poluição alimentar".
Não há memória que leis restritivas resolvam verdadeiramente seja o que for, como é patente o nível a que tais medidas actuam (quando actuam): proíbe-se ou condiciona-se o consumo do DDT, mas não o seu fabrico; além disso, e como já foi dito por eminentes técnicos da especialidade, a substituição do DDT por outros pesticidas menos conhecidos só piora a situação, pois quando não são ainda mais tóxicos, são mais desconhecidos ainda os efeitos a médio prazo que da sua toxicidade podem ocorrer.
Restringir o DDT, além disso, deixa livremente campo a outros que não sofreram restrições. Só no campo dos pesticidas, a verdade é que autorizados e correntes ficam dezenas de marcas tanto ou mais perigosas (e no entanto há que referir a restante gama da química contra a agricultura: fungicidas, herbicidas, insecticidas, acaricidas,etc., pois o especifico é aqui, como no campo das especialidades medicamentosas, o grande trunfo da indústria que não tem interesse em criar um pesticida generalizado mas sim multiplicar rótulos e, portanto, lucros).
Ao reconhecer, em certa altura do circuito, o que era benefício como um malefício, são os próprios ambientalistas afectos à lógica do crescimento industrial sem fim e sem freio que abrem brecha irredutível nessa lógica. E chovem as contradições: se o DDT ontem era benéfico e hoje de manhã já é maléfico, se o Dieldrin começou por salvar o mundo da fome (sic) e hoje é reconhecido cancerígeno, se de mil outros produtos, a princípio milagrosos, são os próprios fabricantes que acabam por reconhecê-los perigosos(eufemismo... ), eis que a desconfiança do eco-estratega se sistematiza.
QUALQUER COISA ESTÁ PODRE
Qualquer coisa está podre no reino da industrialização, e os próprios ambientalistas moderados vão reconhecer que lutar contra a poluição, o lixo, o efluente, o dejecto, o sobrante, o resíduo, não resolve a questão, antes a adia por pouco tempo.
Enquanto se instala uma estação depuradora, estão-se fabricando, como bons, centenas de produtos que, em 99 por cento, têm probabilidade de vir a manifestar-se molestos, e isto logo que haja outras indústrias rivais que pretendam desbancar esses para por os seus à venda...
Como se pode acreditar que há sinceridade nisso, que é de facto bem intencionada uma acção que se propõe limitar por um lado e que logo ao lado está expandindo em larga escala? Como se pode acreditar em luta antipoluição quando é o próprio poluente, activíssimo como tal, que se multiplica, que se fabrica, que se distribui e dissemina, a bem do progresso e na luta contra as pragas, evidentemente?
Contra-ofensiva como esta, será desde logo olhada com desconfiança.
Utópica ou não, encarada como tarefa de minorias ou como a agricultura do próximo futuro em todo o Mundo, a verdade é que a agricultura viva ou biológica, - única saída para o impasse da poluição química alimentar - dá o exemplo central do que é uma estratégia ecológica, e da sua inevitabilidade de urgência, frente às tácticas reformistas, parciais, recuperacionistas e triunfalistas - sintomatológicas - dos decantados "protectores do Ambiente" que levam a vida a massacrá-lo.
O Campo é o campo decisivo desta luta desigual entre ideologias do meio ambiente.
A partir dele, a partir das sociedade agricultoras em que me falava há dias o meu amigo Deodato Santos - ele próprio à frente de uma das raras experiências de agricultura viva que se estão realizando neste País - , de comunas rurais, de neo-tribalismo, é possível e será possível repensar o mundo, a vida, a história.
A agricultura viva oferece a chance (talvez única) de saltar para fora do ciclo vicioso e infernal.
Pela agricultura biológica ou agricultura viva se assenta a base alimentar inamovível e, a partir dela, a revolução geral do homem, da vida, da existência, da sociedade.
----
(*) Este texto de Afonso Cautela, a que não retiro hoje uma vírgula, foi publicado no livro edição do autor, «Contributo à Revolução Ecológica», Paço de Arcos, 1976
***
É NO CAMPO QUE SE DECIDIRÁ A LUTA DAS DUAS IDEOLOGIAS SOBRE O MEIO AMBIENTE(*)
20/Abril/1974 - A chamada "política do ambiente" não resiste a uma análise mesmo superficial dos seus propósitos e função.
Basta a noção de "gadget" poluente para a por radicalmente em questão tanto quanto a sociedade ou civilização que a produz.
De facto, enquanto a táctica sintomatológica manobra nos buracos do efluente, do dejecto, do que sobra da combustão, a táctica ambientalista parece obedecer a lógicos propósitos de "protecção"; quando entra, porém, a matar com o objecto poluente, com a tecnologia poluente, com a indústria do Ruído - que é a poluição da poluição, tal como houve a arte pela arte e a ciência pela ciência... é difícil continuar a defender uma táctica que limita os seus objectivos às preocupações de limpeza, sem atacar as estruturas de um modelo de crescimento.
Um exemplo se poderá dar só por si suficientemente elucidativo para evidenciar até que ponto a "política do Ambiente" é uma política de fracções irrelevantes, de remendo e remedeio, de reformas parciais, provinciana, não planetária, apesar do "slogan" "A Terra e só Uma", mostrando-se portanto impotente para resolver de raiz a crise e os problemas.
É esse exemplo o da agricultura, campo decisivo para pôr à prova os erros de método e de estrutura do Sistema (o modelo de crescimento adoptado pela sociedade do desperdício).
Não é preciso ir à Politécnica para saber que toda a agricultura química é de raiz um campo de poluentes activos, perniciosos - considerados não já e não só como restos de uma actividade útil, não já como dejectos expurgáveis, mas ela própria intrinsecamente abjecta, maléfica, perniciosa, geradora de anomalias e aberrações que se multiplicam em cadeia e sem cessar. O maior perigo do DDT não é quando ele, por descuido e distracção, mata crianças. O maior perigo do DDT é o seu uso sistemático e directamente sobre a terra, sobre os alimentos.
A agricultura química dá o exemplo de como a táctica reformista da luta antipoluição não significa nada num contexto de homicídio acelerado e deliberado, voluntário. Não se trata de descuido, trata-se de uma acção voluntária e sistemática, decidida e aprovadíssima por todas as leis.
O CONSUMO DE DDT
O ecomaníaco não se convence que algumas leis restritivas contra o consumo de DDT ou o dieldrin ou o azotato de sódio, além de tardias, (quando chegam) irão solucionar, do ponto de vista ambiental, o tremendo problema a que depois se chama "poluição alimentar".
Não há memória que leis restritivas resolvam verdadeiramente seja o que for, como é patente o nível a que tais medidas actuam (quando actuam): proíbe-se ou condiciona-se o consumo do DDT, mas não o seu fabrico; além disso, e como já foi dito por eminentes técnicos da especialidade, a substituição do DDT por outros pesticidas menos conhecidos só piora a situação, pois quando não são ainda mais tóxicos, são mais desconhecidos ainda os efeitos a médio prazo que da sua toxicidade podem ocorrer.
Restringir o DDT, além disso, deixa livremente campo a outros que não sofreram restrições. Só no campo dos pesticidas, a verdade é que autorizados e correntes ficam dezenas de marcas tanto ou mais perigosas (e no entanto há que referir a restante gama da química contra a agricultura: fungicidas, herbicidas, insecticidas, acaricidas,etc., pois o especifico é aqui, como no campo das especialidades medicamentosas, o grande trunfo da indústria que não tem interesse em criar um pesticida generalizado mas sim multiplicar rótulos e, portanto, lucros).
Ao reconhecer, em certa altura do circuito, o que era benefício como um malefício, são os próprios ambientalistas afectos à lógica do crescimento industrial sem fim e sem freio que abrem brecha irredutível nessa lógica. E chovem as contradições: se o DDT ontem era benéfico e hoje de manhã já é maléfico, se o Dieldrin começou por salvar o mundo da fome (sic) e hoje é reconhecido cancerígeno, se de mil outros produtos, a princípio milagrosos, são os próprios fabricantes que acabam por reconhecê-los perigosos(eufemismo... ), eis que a desconfiança do eco-estratega se sistematiza.
QUALQUER COISA ESTÁ PODRE
Qualquer coisa está podre no reino da industrialização, e os próprios ambientalistas moderados vão reconhecer que lutar contra a poluição, o lixo, o efluente, o dejecto, o sobrante, o resíduo, não resolve a questão, antes a adia por pouco tempo.
Enquanto se instala uma estação depuradora, estão-se fabricando, como bons, centenas de produtos que, em 99 por cento, têm probabilidade de vir a manifestar-se molestos, e isto logo que haja outras indústrias rivais que pretendam desbancar esses para por os seus à venda...
Como se pode acreditar que há sinceridade nisso, que é de facto bem intencionada uma acção que se propõe limitar por um lado e que logo ao lado está expandindo em larga escala? Como se pode acreditar em luta antipoluição quando é o próprio poluente, activíssimo como tal, que se multiplica, que se fabrica, que se distribui e dissemina, a bem do progresso e na luta contra as pragas, evidentemente?
Contra-ofensiva como esta, será desde logo olhada com desconfiança.
Utópica ou não, encarada como tarefa de minorias ou como a agricultura do próximo futuro em todo o Mundo, a verdade é que a agricultura viva ou biológica, - única saída para o impasse da poluição química alimentar - dá o exemplo central do que é uma estratégia ecológica, e da sua inevitabilidade de urgência, frente às tácticas reformistas, parciais, recuperacionistas e triunfalistas - sintomatológicas - dos decantados "protectores do Ambiente" que levam a vida a massacrá-lo.
O Campo é o campo decisivo desta luta desigual entre ideologias do meio ambiente.
A partir dele, a partir das sociedade agricultoras em que me falava há dias o meu amigo Deodato Santos - ele próprio à frente de uma das raras experiências de agricultura viva que se estão realizando neste País - , de comunas rurais, de neo-tribalismo, é possível e será possível repensar o mundo, a vida, a história.
A agricultura viva oferece a chance (talvez única) de saltar para fora do ciclo vicioso e infernal.
Pela agricultura biológica ou agricultura viva se assenta a base alimentar inamovível e, a partir dela, a revolução geral do homem, da vida, da existência, da sociedade.
----
(*) Este texto de Afonso Cautela, a que não retiro hoje uma vírgula, foi publicado no livro edição do autor, «Contributo à Revolução Ecológica», Paço de Arcos, 1976
***