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*DEEP ECOLOGY - NOTE-BOOK OF HOPE - HIGH TIME *ECOLOGIA EM DIÁLOGO - DOSSIÊS DO SILÊNCIO - ALTERNATIVAS DE VIDA - ECOLOGIA HUMANA - ECO-ENERGIAS - NOTÍCIAS DA FRENTE ECOLÓGICA - DOCUMENTOS DO MEP

2006-05-16

MEP 1974

1-2 - 74-05-16-ie-mep> = movimento ecológico português - scan segunda-feira, 18 de Novembro de 2002


ESTE TEXTO – QUE FUNCIONOU DE CIRCULAR(**) - FICOU COMO UMA ESPÉCIE DE ACTA DA FAMOSA REUNIÃO DE 16 DE MAIO DE 1974, EM QUE ARRANCOU O MOVIMENTO ECOLÓGICO EM PORTUGAL E QUE ANTECEDEU A REUNIÃO DE 23 DE MAIO, EM QUE FOI APROVADO O MANIFESTO.

PEDE-SE DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL

Ao núcleo que inicialmente se propusera dinamizar o Movimento Ecológico Português, constituído por Afonso Cautela, António Carvalho (jornalistas) e por Jacinto Vieira, Fernando Moreira, Luís Silva e Gomes Ribeiro (quatro componentes da direcção da UNIMAVE, cooperativa macrobiótica zen), vieram posteriormente agregar-se os seguintes elementos:

Jorge Branco, matemático, presidente da Sociedade Portuguesa de Naturologia
Gomes Guerreiro, Agrónomo, presidente da Liga de Protecção à Natureza, de Angola
Araújo Ferreira, director da revista "Conteste"

Depois de uma reunião realizada em 16 de Maio de 1974, na Cooperativa UNIMAVE, e à qual assistiram cerca de duzentas pessoas a quem o Movimento Ecológico Português apareceu desde logo pleno de potencialidades no momento histórico que o País atravessa, mais alguns voluntários mostraram interesse em participar da Comissão Organizadora do Movimento, que conta agora com os seguintes elementos mais, além dos nove citados:

João Barreto Atalião, Sociólogo
Túlio Ravasco de Carvalho Bossa, Agricultor
Eng. A.Furtado, Silvicultor
Jaime Gil Paz, Estudante
José Abreu, Regente Agrícola
José Louza, Analista
Jorge Marques, Técnico
Mateus Lousteau, Professor de Educação Física
Maria Suzete Lousteau, Professora de Educação Física
Amândio Fonseca, Técnico de Marketing
Maria João Baltar, Cooperativista
Zélia Manuel, Massagista

Na referida reunião geral - que ficou conhecida pelo 1º Encontro Português de Tendências e Correntes Naturistas, foi aprovada por unanimidade uma saudação do Movimento Ecológico às Forças Democráticas do País.

O documento, que se reproduz a seguir na íntegra(*), foi entregue ao Senhor Subsecretário de Estado do Ambiente, Arquitecto Gonçalo Ribeiro Teles, por três elementos da Comissão Organizadora do Movimento Ecológico Português, Afonso Cautela, Jacinto Vieira e Luís Silva.

Quinta-feira, dia 23 de Maio, às 21 horas, também na Cooperativa Unimave, Rua da Boavista, 55-2º-, em Lisboa, a Comissão Organizadora do Movimento Ecológico reunirá para estudar , entre outros temas, o texto que servirá de manifesto ao Movimento e que, depois de aprovado, será largamente divulgado entre todos os interessados.
Junta-se ao presente documento, a declaração de princípios do Movimento Ecológico.
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(*) Ver o texto, intitulado «Saudação às Forças Democráticas», no file 74-05-16-ie->
(**) Para ver a lista dos contactados, ver o file 74-11-20-ie-mep>
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MFA 1974

74-05-16-ie-> scan segunda-feira, 18 de Novembro de 2002

16-5-1974

SAUDAÇÃO ÀS FORÇAS DEMOCRÁTICAS

Considerando que as Forças Armadas realizaram um movimento vitorioso para libertação do povo português e estão apoiando a formação de um clima e de um Governo que propicie a consolidação das mais belas conquistas da democracia e do socialismo libertário a que um povo adulto como o português pode aspirar;
Considerando que não só no Governo Provisório, mas também à Junta de Salvação Nacional e às Forças Armadas que o apoiam na sua imensa tarefa de reorganização nacional, se põem neste momento complexo, mas de esperança, problemas da maior variedade e amplitude, em todos os campos da vida nacional, e por extensão no campo da saúde, do habitat, da salubridade pública, do saneamento ideológico e político e também físico, afectivo, urbano e ambiental do País;
Considerando a magnitude dessas tarefas e a necessidade de as levar a bom termo, em Clima de Paz, de Liberdade, de Concórdia e de Reconciliação, onde nunca mais o clima de terror e de universo concentracionário possa ter lugar - os naturistas (de sua natureza e filosofia, pacifistas), os defensores do ambiente e do consumidor, os militantes cooperativistas e amigos da Terra, os biopolíticos reunidos no dia 16 de Maio, na Cooperativa UNIMAVE, decidiram colocar ao dispor da Democracia portuguesa e dos seus futuros órgãos e aparelhos representativos, uma experiência quase secular no campo da profilaxia da saúde, da medicina preventiva por métodos naturais e das terapêuticas paralelas;
Assim, regozijando-se com a aliança irreversível e inamovível entre as Forças Armadas e o Povo Português, aliança que é neste momento o garante mais sólido de uma situação que nenhum português e patriota pode minar, desvirtuar ou enfraquecer, os Amigos da Terra que são também os amigos de um Portugal em Paz, em Liberdade e em Saúde, deliberaram, em reunião magna, saudar todas as forças democráticas e progressivas do País, às quais oferecem toda a colaboração nos campos cívico, político e didáctico e com as quais contam para a concretização futura dos seus mais puros e elevados ideais de independência nos princípios a que devotaram fidelidade.

VIVA PORTUGAL, FINALMENTE O PAÍS DE TODOS OS PORTUGUESES,

16/Maio/1974
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TRABALHO 1969

1-1 - 69-05-16-di>

INICIATIVA

16/5/69

Sem falar das grandes causas que alienam o trabalho quotidiano, pequenas outras se podem descobrir, no plano da educação e nos métodos defeituosos seguidos nas nossas escolas, que mais tarde se reflectem no método ou falta de método em todas as actividades produtivas.

Mesmo sem falar em curvas de produtividade, maneira bastante suspeita de justificar a referida exploração, a verdade é que o trabalho não rende e, no entanto, o trabalhador esgotou-se, foi sacrificado, esteve ocupado muitas horas por dia.

As coisas não andam quando, num trabalho de equipa, as falhas de um se somam às falhas dos outros e os elos de ligação vão falhando, por isso, um após outro, da base para a cúpula, e reciprocamente.

A carta a Garcia nos seus aspectos de convite à exploração, se for vista do ângulo em que a luta de classes coloca a dominante na posição de exigir obediência eficaz aos subordinados, é de facto uma invenção a rejeitar. Mas serve de paradigma ao funcionamento de qualquer empresa, mesmo quando a exploração for abolida, eliminada a luta de classes e a auto-gestão um facto.

Sem que cada um cumpra a sua pequena tarefa, não existe trabalho e solidariedade de equipa, nem a força de união, nem rendimento que permita a todos e a cada um gozar de justas folgas complementares. Se alguém não entrega a carta a Garcia, outro alguém, da equipa, terá de entregar quatro ou cinco...

Quando se culpa a escola deste atrofia, atinge-se um ponto capital do problema. Não o único, mas capital. Porque os indivíduos não estão habituados à iniciativa, à vantagem da rapidez, à eficácia da acção correcta no exacto momento.

Atrasos, des-sincronias, bocejos, indiferença, - conduzem a equipa a um movimento lento, a pontos mortos e sonolentos, a um baixo nível de rendimento e produtividade. Repito: com a produtividade se pretendem ocultar relações capital-trabalho que além de viciadas são criminosas.
Mas a verdade é que dela se terá de falar também quando está em jogo, não já a prosperidade da empresa privada e seu maquinismo de exploração do trabalhador mas também a empresa quando for obra comum, obra de processo e redenção popular, obra cooperativa.
Para provarmos a razão dos que reivindicam justiça, há que trabalhar certo e ritmado. E para fazermos vencer a força da razão contra a força das tiranias. E para que cessem as relações capital-trabalho, tal como se processam na sociedade de exploração e consumo que é a sociedade industrial nas mãos dos industriais e não nas dos operários.
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VARÍOLA 1972

1-2 - 72-05-16-ie-bd> = ideia ecológica = bibliografa doméstica - scan domingo, 17 de Novembro de 2002 – agora mesmo...

AGORA A VARÍOLA (*)

[16 de Maio de 1972] - Com o alarme habitual, ateia-se de novo, por causa da varíola, a psicose dramática anti-vírus, anti-endemia. Estamos à mercê, pois e mais uma vez, de um microscópico animalejo e, acesa a luz ver-melha, as agências esclarecem, os aeroportos reforçam medidas de vigilância sanitária e os países proíbem terminantemente a entrada de forasteiros.
Foco dos focos, Bangla Desh. Relacionar com as chacinas recentes ocorridas nesse território, não é com as agências. As agências telegrafam, não relacionam. Mas atenção à Reuter, que é explícita:

«Genebra, 29 - A Organização de Saúde anunciou que os seus representantes no Bangla Desh as-sinalaram ali 1077 casos de varíola, desde Fevereiro.
No entanto, um informador disse que não se trata de uma epidemia, uma vez que a varíola é endémica naquela região.
Ontem foi anunciado em Dacca que pelo menos 225 pessoas tinham morrido num só distrito do Bangla Uesh, em consequência do alastramento da doença.
A varíola é endémica também no Paquistão, na Índia, na Etiópia e no Sudão.»

Várias lições, todas elas morais, se podem extrair deste valioso telegrama genebrino.

1ª - Desde Fevereiro que no Bangla Desh morriam de varíola às centenas, mas nem Reuter, nem OMS, se ocupavam do facto, já tão banal, tão rotineiro nessas remotas paragens de gente infecciosamente inferior e infeliz;
2.ª - O caso, por ali, de tão endémico já, como o ar que se respira, a fome que se grama, a doença que alastra, etc., etc., de tão fatal, não move telexs nem agências: a rotina não é notícia e, onde se morre por rotina, quem vai telegrafar?
3.ª - A coisa já em Fevereiro alastrava ali, na península industânica, enorme como um continente, mas quem se preocupa com esse mundo perdido do terceiro mundo: ainda que o mais populoso da terra ?
4.ª - Quando a coisa aporta às capitais climatizadas da super-civilizada Europa, bem alimentadinha de tudo o que é bom, ah! então os telexs desatam numa berraria, agitam-se as OMS que, sempre solícitas, debitam estatísticas, emanam comunicados, etc., etc.. Fecham-se países à chave, aeroportos ficam de quarentena e tudo se mobiliza no combate ao vírus.
Pois: mas Bangla Desh continuará a ser foco dos focos. Esquece-mos isso, porque lembrá-lo seria aguçar a nossa má consciência. Enquanto a varíola não veio providencialmente (como a víbora de Cleópatra) morder-nos no seio, a gente respirou. Agora impa. E logo que ela morde, a gente grita «oh da guarda».
Não me dá prazer nenhum verificar estas infecciosas contradições e ver uma civilização (tão orgulhosa de si) tão descoberta e tão impotente, frente ao ataque de uma microscópica criatura viva. Para uma civilização que se auto-valoriza só em termos quantitativos, tudo isto é humilhante a partir dos próprios pressupostos que ela va-loriza. Repete-se a história do Golias contra o Gigante.
E nada, a não ser uma grande barafunda de comunicados cruzados, se pode fazer para evitar que as crónicas futuras dos marcianos sobre esta extinta civilização terrestre aludam a um contrasenso: uma civilização que manda homens à Lua e se deixa dizimar por coisas tão inocentes, tão minúsculas, tão ridiculamente sem peso que são os germes portadores da gripe, da cólera ou da varíola.
Concluirá o marciano historiador do Ano 2.000, entre outras coisas, que algo estava bastante pró podre neste reino da Dinamarca da (Abjecta) civilização do Número: e alguma coisa haveria a mudar no critério valorativo que sempre a guiou, qual era ele: o mais importante, pesa mais.
Conclusão minha, por agora: os pequenos nadas (têm de o admitir, senhores tecnocratas!) podem vir a ser o grande tudo. Já Lao Tse e Buda o sabiam, no entanto. Há uns bons milhares de anos, com licença de Vossas Excelências.
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(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado, com este título, no «Diário de Coimbra» , na coluna «diário de um sobrevivente», em 16 de Maio de 1972

UNIMAVE 1984

84-05-16- dcm

HOMENAGEM A KASUO KON

16/5/1984 - A mera circunstância de ser o mais idoso deste curso de jovens técnicos de saúde em terapêuticas orientais que mestre Kasuo Kon acaba de formar, encoraja-me a tomar a palavra no minuto da despedida.
Despedida que, bem o espero, deve ser também um novo ponto de partida para uma viagem mais longa de todos nós.
Outros motivos, no entanto, justificam ainda esta minha petulância de vos deixar uma mensagem de esperança e solidariedade: um desses motivos é o facto de não tencionar aproveitar o curso como carreira, uma vez que já estou velho para mudar de profissão, querendo apenas testemunhar o meu amor platónico mas profundo à sabedoria contida nestas coisas tão simples e tão complexas dos pontos chineses; cinquenta anos de lutas e desilusões dão-me uma certa autoridade moral para dizer que a única verdade sobre a terra é o sistema do princípio único, quer dizer, a dialéctica do yin yang.
Outro motivo que justifica esta mensagem, é o facto de estar aqui, na moxa, no shiatsu, na alimentação curativa e na acupunctura, como prova de infinita gratidão para com o sistema maravilhoso e sublime do yin-yang.
Este é o ponto número 1 da mensagem que vos queria deixar: na desordem do mundo actual, no caos de violência que arrebata pessoas e povos para um redemoinho de alienação, sofrimento, doença e terror, a descoberta dos princípios taoístas que iluminam estas terapêuticas é o grande ponto de referência e apoio, o sólido ponto fixo num tempo e mundo de sistemática frivolidade e vacuidade face ao sagrado, quer dizer, o mistério da vida.
Mas um segundo ponto me parece importante realçar: o facto de este sistema ser a verdade e os outros serem caóticas e problemáticas teorias, impõe-nos, de imediato, algumas obrigações:
a) Uma dessas obrigações consiste em defender a verdade contra os inimigos que a combatem.
Ora, como se sabe, neste momento é a medicina que mata e os doutores em medicina que comandam a grande operação de empalmanço das medicinas orientais, nomeadamente a acupunctura.
Fala-se de um alvará concedido à Faculdade de Medicinas Alternativas, fala-se em destruir a actual Associação Portuguesa de Naturopatia e substituí-la por uma Associação Portuguesa de Medicinas Alternativas, fala-se inclusive em proibir a prática da agulha a não médicos.
b) Decorre desta situação , a urgência e necessidade de concretizar um projecto sugerido, desde logo, por mestre Kasuo Kon, o Clube de (Técnicos em ) Terapêuticas Orientais.
Tal como alguns de nós o vê, trata-se de uma ideia fundamental para os técnicos de saúde em terapêutica oriental: defenderem a independência do seu próprio estatuto profissional, face à anexação que já se desenha feroz e que os doutores da medicina, talvez aliados aos doutores da naturopatia, irão desencadear, com o objectivo já proclamado de submeter, subjugar, dominar e controlar todos os que , não sendo médicos, desejam exercer a terapêutica humanista das práticas orientais, direito que incumbe a qualquer pessoa livre que teime em ser livre e em ser pessoa.
Se para viver e saber viver é preciso ser doutor, então matem-se todos os que não são doutores.
c) Decorre destas duas premissas, uma terceira: é em torno de mestre Kasuo Kon, como símbolo e garante da fidelidade ao sistema cultural e filosófico de onde irradiam todas as práticas e terapêuticas orientais, é em torno dele que nos devemos unir, agradecendo à ordem do universo tê-lo entre nós e podermos ter como aliados , entre o naturopatas, Reinaldo Baptista Wondemberg e Araújo Ferreira;
d) Mas uma outra premissa decorre ainda das anteriores: resulta de toda esta conjuntura que competirá a nós, técnicos de saúde em terapêutica oriental, trabalhar de ora avante em nossa própria defesa, afinando as nossas técnicas mas, acima de tudo, ganhando consciência cultural do sistema que servimos e optando de uma vez por todas por qual dos lados nos decidimos, se pela vida se pela morte.
Se nos decidimos pela civilização da vida, será pela moxa, pela punctoterapia e por todas as especialidades do sistema yin-yang que devemos decididamente optar, sem ilusões de coexistência ou de pluralismo.
Ora se é verdade que podemos, no nosso trabalho em prol da evolução e da libertação humana, contar com o escudo invisível e a protecção amiga de Kasuo Kon ou de Wondemberg, alguma coisa teremos que fazer, por nós próprios, para que a imagem dos técnicos de saúde em terapêuticas orientais, se imponha cada vez mais , saia cada vez mais prestigiada e independente face aos doutores, quer da medicina , quer da naturopatia.
e) Para isso e neste momento, a Cooperativa Unimave , a cuja direcção pertenço neste momento, coloca-se à disposição para acolher as actividades que o clube yin-yang proposto por mestre Kasuo Kon , achar por bem realizar, apoiando-o no que for aconselhável e possível.
Uma vez iniciados nas técnicas que mestre Kasuo Kon ensinou, todos sentimos que teremos de pôr em prática e aplicar, no dia a dia, essas técnicas.
É o desafio que vos deixo: façam sugestões à direcção da Unimave sobre o que entendem ser melhor para o nosso trabalho: o pelouro cultural promete dar andamento às que se mostrarem mais viáveis.
O desafio de um clube yin-yang , neste perspectiva, é o desafio a que tomemos agora mesmo consciência desta nova fase da luta: os técnicos de saúde em terapêutica oriental serão, de agora em diante, um interlocutor válido no conjunto dos agentes que em Portugal trabalham ou dizem trabalhar pela «libertação, saúde e felicidade de todos os seres.»
Obrigado,
Afonso Cautela
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MEP 1983

1-4 - 83-05-16-ie> sexta-feira, 17 de Janeiro de 2003-scan

“ECOLOGIA EM MOVIMENTO” - CICLO DE FILMES E COLÓQUIOS

16 a 19 de MAIO DE 1983

Fundação Gulbenkian (Auditório 3) - 17h. 30m

PROGRAMA

2.ª feira, 16 - Filme: "JONAS", de Alan Tanner
Colóquio com: José Matos Cruz, crítico.
Moderador - Júlio Valente,jornalista

3.ª feira, 17 - Curtas metragens s/Terceiro Mundo e Sociedade Industrial
Colóquio com: Modesto Solha Sans, secretário da Associação de Defesa Ecológica da Galiza (ADEGA),sobre A Lixeira Nuclear do At1ântico.
Moderador: António Franco ("Amigos da Terra").

4.ª feira, 18 - Curtas metragens: "Serra da Estrela" de Helder Mendes e "Parque Natural de
Montesinho", de Ricardo Costa.
Colóquio com José Carlos Marques ("Menina Terra" e "Sol Sorridente")s/ Renascimento Rural.
Moderador: Afonso Cautela("Frente Ecológica").

5.ª feira, 19 - Filme: "Nuclear, Não Obrigado" ("No Nukes").
Colóquio com: Delgado Domingos s/ Opção Nuclear em Portugal.
Moderador: António Fonseca (Comité Nuclear de Lisboa).

"ECOLOGIA EM MOVIMENTO"

“Ecologia em Movimento" agrupa pessoas que decidiram conjugar esforços para pôr em marcha um projecto cívico de reflexão e intervenção sobre os graves problemas de Ambiente que afectam a população portuguesa.

Esta oficina de ideias, informação e prática tem como objectivo reunir pessoas interessadas em:
diagnosticar a crise ecológica nas suas raízes e causas mais profundas;

propor soluções radicais ou medidas de reforma para resolver alguns desses problemas a curto e médio prazo;

propor alternativas aos sistemas e modelos de desenvolvimento macroeconómico que agravam a crise dizendo que a resolvem;

organizar dossiês informativos sobre os casos mais candentes da realidade ecológica

portuguesa, para que os especialistas explorem com dados técnicos esses dossiês;

debater com o governo central e as autarquias as premissas ecológicas fundamentais da várias políticas sectoriais;

constituir-se como interlocutor, moral e tecnicamente válido, do poder central e do poder local no âmbito dos problemas do Ambiente;

fazer circular a informação fundamental junto da opinião pública, com iniciativas de animação cultural;

obter, coligir e sintetizar os dados científicos mais actuais sobre as grandes áreas da Economia (energia, indústria, planeamento, regionalização);

contribuir para uma leitura ecológica dos problemas quotidianos sofridos pelas populações e que afectam negativamente a sua qualidade de vida;

provar, através de estudo metódico e sistemático, que toda a acção política precisa de ser iluminada pelas ideias e pela actualização constante dos dados mais recentes e rigorosos fornecidos pelas ciências humanas e do Ambiente;

através de seminários e reuniões de trabalho, preparar activistas e animadores de cultura ecológica, para que possam intervir, conscientemente e armados de argumentos seguros, em defesa dos princípios de ecologia humana e sua aplicação prática na vida quotidiana dos cidadãos;

através de correspondência, boletins internos e outros meios de intercâmbio informativo, manter ligação constante com professores, alunos e grupos locais interessados em prosseguir
um trabalho análogo de qualidade;

Organizar um fundo documental, com recursos a filmes, diaporamas, livros, publicações, fotocópias, exposições itinerantes, etc. e que possam auxiliar o trabalho de animação desses grupos.
*
Se te interessar este trabalho de pensamento, cultura, informação e animação ecologista, vem estudar connosco os dossiês e temas mais urgentes.
Há trabalho para todos.
Queremos ser, como colectivo, uma voz independente e fazer das ideias uma arma, em defesa da vida e da Natureza.
Sem desprezar a acção (imediata, não violenta) postulamos na luta ideológica, na inteligibilidade crítica, o campo privilegiado do nosso trabalho.
Pensar a realidade e os problemas humanos dos nossos compatriotas é a nossa maneira cívica de fazer política.
"Ecologia em Movimento" não quer ser apenas um repetidor mecânico de slogans, cassetes, ideias feitas, frases ocas.

A imaginação também é para nós uma ferramenta de trabalho. Ultrapassar o bloqueio das dicotomias viciosas geradas nas ideologias de superestrutura que dominam o sistema é a nossa meta e o nosso método.
Errando se caminha, por isso se caminha pondo à prova, na experiência, postulados geradores de acção.
Somos um desafio às instituições anquilosadas do Poder, aos aparelhos e mecanismos corporativos.
Hipótese e experimentação - convém lembrá-lo - são duas operações do método cientifico. Ciência para nós é assim um esforço dialéctico de compreender a realidade em movimento para em movimento a transformar.
Entre a poesia e o rigor, o sonho e os factos, a utopia e o realismo, a estética e a política, “Ecologia em Movimento” será a dialéctica criadora, o desenvolvimento e o progresso que propomos.

Vem trabalhar connosco neste projecto de aventura e esperança.

Ecologistas, hoje, somos alguns. Amanhã - e se queremos que haja amanhã - teremos que ser todos.

16 MAIO 1983

Grupo de lançamento:

Afonso Cautela
António Duarte
António Eloy
António Fonseca
António Franco
Artur Tomé
Fernando Pessoa
Franklin Silva
Gertrudes Silva
João Reis Gomes
Joffre Justino
Jorge Leandro Rosa
Jorge Murteira
José Afonso Faria
José Manuel Lopes
Júlio Valente
Mário Cruz
Rocha Barbosa

Este ciclo foi organizado com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian, Ministério da Qualidade de Vida e G.E.P. do MOV, que cobrem alguns encargos.
Para fazer face às restantes despesas de organização, o grupo promotor apela à contribuição voluntária das pessoas.
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QUIMIOTERAPIA 1989

1-7 - 89-05-16-cm- contra a medicina – 5 estrelas - cdm-1- critica do discurso médico

O DESVIO DA QUIMIOTERAPIA E A CONTRA-INFORMAÇÃO EM BIOLOGIA

[29-5-1999]

Onde e quando começou a cadeia de eventos que, em linha recta, tem conduzido às doenças auto-imunes, incluindo a sida.

16/5/1989 - A história da medicina europeia desde Hipócrates, pode considerar-se dividida em duas grandes épocas : antes e depois da quimioterapia, fazendo lembrar uma outra data que dividiu em duas a cronologia mundial: antes e depois de Cristo...
De facto, o uso de medicamentos químicos de síntese alterou de tal modo a lógica e os hábitos terapêuticos, que se deve atribuir ao advento da química em medicina uma nova lei e uma nova moral.
Nesta viragem, que abalou até aos alicerces todos os métodos e processos adoptados até então pela medicina, radicam afinal os equívocos que desde então se estabeleceram na prática e na metodologia mas principalmente na nomenclatura utilizada.
Antes da quimioterapia e sua intervenção radical no processo curativo, a medicina era de facto só uma, pelo menos na Europa, herdeira de Hipócrates e suas leis fundamentais de respeito pela vida e pelos valores humanos.

Se guerra há, hoje, ela foi declarada por um método - a quimioterapia e seu radicalismo - que não só se tornou exclusivista e absoluto, não só renegou todos os outros métodos para o esquecimento ou para o campo do charlatanismo, como deu origem a toda uma nova patologia - a das doenças iatrogénicas - produzida pelos afeitos adversos dos medicamentos, caminho que conduziu a medicina à fatalidade da super-especialização e, portanto, da desumanização.

Não se trata hoje, como equivocamente se teima em proclamar, de rejeitar os chamados «progressos» da medicina : trata-se, sim, de não pactuar com o bloqueio químico, apurando, entretanto, ao máximo, o rigor e os avanços científicos modernos das técnicas eternas da medicina de sempre.
Quem abriu uma solução de continuidade na evolução lógica e ecológica da medicina foi a química como contra-informação em biologia.
Em boa verdade, são os adeptos desta medicina eterna - sem intervenção da violência química - que devem, com toda a legitimidade , reclamar-se da herança e intitular-se médicos na acepção hipocrática, distinguindo-se então e por isso dos quimioterapeutas, que são um fenómeno espúrio, uma classe à parte e que tudo continua a fazer para se colocar à parte do organismo social.
A ordem natural das coisas foi, com a quimioterapia, de tal maneira subvertida, invertida e pervertida, que são hoje os neo-hipocráticos, defensores da medicina perene, os que têm de abdicar dessa designação e dessa qualidade, vendo-se em palpos de aranha para encontrar o vocabulário justo, que defina exactamente actividades e funções, sem suscitar os furores da quimioterapia no poder.
É assim que se recorre a termos de «alternativa», tais como «medicinas doces», «paralelas», «naturais» ou a designações como Homeopatia, Naturopatia, Alopatia, palavras, todas elas, infelizes ou insuficientes, que raramente chegam para expressar o que pretendem.

Não é por acaso que a nomenclatura foi o campo escolhido , em França, para tentar destruir no cerne a medicina da vida que é a medicina de sempre.
No número «hors-série» trimestral que a revista «Science et Vie» decidiu dedicar, em Março de 1985, às medicinas não-violentas, é com efeito a linguagem ou nomenclatura por estas utilizada que o professor Jean-Charles Sournia escolheu como alvo dos seus ataques, no artigo inicial da revista, artigo que de certo modo dá o tom e o mote de todos os outros.
O facto de ter sido escolhida para capa a designação «medicinas paralelas», atesta que ela agrada particularmente ao sistema estabelecido, pois deixa no ar de que são «marginais» à outra e por mais que se prolonguem nunca se encontram...
Uma coisa fica como certa: é nas palavras, na linguagem, na nomenclatura - na informação, portanto - que o sistema ataca quando quer marginalizar as medicinas de raiz hipocrática e humanista.
O artigo do professor Sournia, na revista «Science et Vie», não esconde que a designação «medicinas doces» ou «não violentas» é de todas a que mais lhe desagrada.
Entre outras obras que devemos à violência química, temos que lhe agradecer mais essa: nem sequer somos senhores de falar com a linguagem que Deus nos deu.

Para definir o vasto campo terapêutico que a quimioterapia «excluiu» da prática médica, as palavras «bioterapia» e «naturoterapia» procuram reunificar a nomenclatura.
Também as designações de «medicina biológica», «medicina metabólica» , «medicina natural» e «medicina holística» procuram abranger todos os métodos terapêuticos que utilizam unica e exclusivamente produtos naturais, digamos vegetais, excluindo o uso de fármacos químicos de síntese.
É neste quadro global abrangendo todos os métodos não violentos ou suaves - tendo como referência o homem total e o indivíduo-pessoa, e não apenas um ou outro órgão do corpo - que as várias designações, antigas e modernas, ganham verdadeiro significado e sentido, apresentando-se como partes coerentes de um todo, que por sua vez se opõe, em bloco, à quimioterapia.
Não se trata de fazer reviver técnicas passadas ou ultrapassadas: trata-se de progredir, na base de um axioma indiscutível - o respeito pela biologia do corpo humano - os conhecimentos científicos a que as mais recentes investigações fazem apelo.
Um bioterapeuta ou neo-hipocrático não é assim, como se tem pretendido, um anacronismo, uma fase ultrapassada da ciência mas, antes pelo contrário, o investigador que não desdenhando o moderno e o ultramoderno, sabe aproveitar tudo o que de um longo património científico e cultural ainda pode e deve ser aproveitado com proveito para o doente.
A mentalidade de embalagem descartável que impera na sociedade de consumo e que invadiu a própria ciência e particularmente a ciência médica, é execrável e abominável.
Todos os dias deitar fora a «informação» do dia anterior, é com certeza a maior das perversidades da ciência moderna em geral e da ciência médica em particular.
Se a medicina decidiu identificar-se com o pequeno, restrito, reduzido fenómeno chamado quimioterapia, quem se reduziu à expressão mais simples e se minorizou foi ela.

Pela análise da linguagem e pelo estudo atento das palavras, vemos como a discussão em torno das chamadas «medicinas alternativas está hoje viciada e que não é com dados técnicos viciados que se defende a verdade mas com um pensamento claro que, de acordo com o método científico e experimental, constantemente estabelece o vínculo dialéctico entre causa e efeito.
Só a quimioterapia teima em crer que as doenças caem do céu.
Mas a quimioterapia não tem sequelas directas, não cria só novas doenças - ditas iatrogénicas - ela, além disso, altera a personalidade e mesmo o mais profundo subconsciente do ser humano .
Ela manipula o consumidor sem que este tenha disso consciência .
O «antes e depois da quimioterapia» não divide apenas a história da medicina , mas a história da própria espécie humana deve considerar-se dividida entre «homo biologicus» e «homo quimicus».
Feliz ou infelizmente, parece não haver nada de comum entre eles, nem possibilidade de coexistência .
Como nos ensina a ciência dos oligoelementos, as alterações de química no organismo e no ambiente afectam a própria convicção do homem em si próprio e nas suas possibilidades de auto-controle.
Um drogado , em sentido estrito e em sentido lato, é um alienado.
É da alienação química, hoje, que se deve falar , e melhor do que ninguém o sabem os seus promotores...
Dando a convição de facilidade ao doente, este aliena a sua liberdade e responsabilidade de auto-cura, entregando-se nas mãos do quimioterapeuta.
Esta abdicação de resolver por si os seus próprios problemas é a alienação , no sentido em que a definiu Marx.
Não se trata, pois, de manter uma insensata e infudamentada aversão à quimioterapia. Trata-se, antes, de preconizar e defender um modus vivendi e um modo de pensar - uma filosofia da vida - que se incompatibiliza com os modernos sistemas de manipulação e alienação sistemática, entre os quais a química se inclui.
Quando se defende o biológico, está a defender-se uma concepção da natureza humana que se crê, de raiz, livre, enquanto os defensores da química estão, consciente ou inconscientemente, a defender que o homem é, de natureza, escravo e tem de ser tratado e medicado por autoridades indiscutíveis a que deverá obedecer sem consciência.
O que está em jogo são duas concepções da humanidade: uma, de homens livres e responsáveis, com um potencial energético pronto a ser desenvolvido; outra,de submetidos.

UMA QUESTÃO DE PODER

16/5/1989 - O rigor «científico» da medicina estabelecida é o argumento supremo usado pelas autoridades que têm por missão defender a ordem médica vigente, a poderosa instituição que, como todas as instituições, aspira sempre a ter mais (poder) do que tem.
É normal, é natural, é humano: mas o que é que isso tudo tem a ver com «rigor científico»?
Mas vamos, por momentos, conceder o benefício da dúvida e admitir que toda a medicina, tal como hoje é praticada, seja só ciência.
Metafísica , porém, não será a questão que alguns não médicos colocam: julgando a instituição pelos seus frutos, e sendo os frutos a medicina, hoje, enquanto instituição, uma lista infindável de crimes, equívocos, erros de diagnóstico (acidentais ou voluntários), efeitos adversos de medicamentos, escalada iatrogénica, sintomatologia que reproduz indefinidamente a doença, pergunta-se: será porque tem ciência a mais ou a menos?
Daí a dúvida, mais que lícita: a ciência como os ideólogos da instituição médica a entendem e aplicam, não é, pelos vistos, atributo suficiente para julgar da sua indiscutível validade e até utilidade.
Aliás, os exemplos proliferam no campo das chamadas «ciências biológicas» em que a medicina pretende incluir-se: os alegados «progressos» da ciência em biologia têm conduzido à manipulação genética e à biotecnologia, sucessos e progressos de duvidosa ética, sucessos e progressos que, só por si, não abonam eticamente a ciência só porque da ciência se reclama.
Ser ou não ser científico, pelos vistos, não é critério suficiente para julgar de uma instituição.
Em nome do maior rigor científico, aliás, em nome da economia científica, se reduziram sete milhões de judeus a carvão ou - outro exemplo recente - em nome do socialismo científico se montou o Gulag mais perfeito da história humana.

Os que invocam a ciência como argumento supremo em defesa da instituição médica, fazem-no como se a  ciência em que falam contivesse uma ética indissociável e inatacável. Mas qualquer pessoa, mesmo que não seja cientista , mas que tenha  cabeça para pensar, sabe que isso não é nada disso, até porque a ciência se põe, à partida, a leste de preocupações éticas, invocando sempre a sua  neutralidade.
Então em que fica a instituição médica? É  neutral ou tem lastro ético?
A I.M. (instituição médica) tem que se defender apenas como tal. Um poder justifica-se como poder, a política como política, a cultura como cultura.
Atendendo à clássica «divisão de tarefas» e ao princípio da «hiperespecialização de funções, que a I.M. tanto respeita, a cada qual o seu papel.
Que necessidade tem o poder médico de argumentar em nome da ciência, da ética, da cultura , se enquanto poder se exerce  arbitrariamente?

O poder médico  só tem que se exercer como tal, sem se justificar perante nada e perante ninguém. Existe per si.
As vítimas desse poder é que procuram, por todos os meios (como é natural), uma fuga.


Aliás e como já foi dito, será que a I.M. nem sequer reconhece esta evidência óbvia: que a cirurgia é, intencionalmente ou não, a melhor prova do fracasso de uma terapêutica?

Depois, há as perguntas perenes de infelizes consumidores que se interrogam : há quanto tempo, em nome da ciência, a I.M. vem prometendo para depois de amanhã a cura  das doenças que apenas vai ajudando a multiplicar?
Há quanto tempo esperamos ?

Entretanto e enquanto a I.M. não descobre, nos seus milhares de laboratórios, o medicamento ideal e miraculoso prometido, o que tem havido, em crescida vertical, são doenças iatrogénicas criadas pela própria medicina.
Será isto  ciência?


Num aspecto, a I.M. se tem mostrado pouco científica, isto para não dizer , no mínimo, pouco respeitadora da sua própria evolução através da história.
Sabe-se hoje - sabem os que não ficaram em Augusto Comte - que as ciêncis humanas não evoluem linearmente e que o progresso de uma ciência humana, a haver algum, não é proprimente o mesmo conceito de moda, de última moda que funciona em relação ao modelo de automóvel ou de avião, sempre na peugada do último grito da técnica.

Em cada momento, a ciência humana retoma e valoriza etapas cronologicamente anteriores, em síntese dialéctica constante. Isto é que é científico, e não o inverso, um positivismo que já ninguém usa.
Científico, em ciências humanas, é uma abertura inteligente a outros padrões culturais: se a Acupunctura é, mesmo na perspectiva da ciência positiva, experimental e laboratorial, o mais perfeito sistema científico - que atinge o rigor infinitesimal - é possível que isso crie engulhos e inveja na  ciência médica ocidental, com grandes margens de erro ...

A acupunctura não precisa de apelar à «religião científica» para se impor. E dá de barato essas pretensões científicas que afinal só obcecam pobres de espírito pouco científico.

Pouco ou nada científico, como já escrevi tantas vezes, é a atitude lógica da prática médica face aos sintomas, que é uma atitude ilógica, porque lógico e científico seria ecologicamente ler as causas através do sintomas e não, como se faz, objectivar os sintomas e isolá-los na sua sequência causal, fingindo ignorar as razões necessariamente ambientais (exógenas e endógenas) que estão na raiz dos efeitos chamados sintomas.
A sintomatologia é o paradigma - anti-lógico, anti-ecológico e anti-científico - em que se baseia a actual I.M.. 


Pouco científico, ainda, é continuar praticando a técnica da amálgama, metendo tudo no mesmo saco e como se não houvesse, na realidade das técnicas terapêuticas, nuances que vão desde o puro charlatanismo até ao empirismo prático absolutamente legítimo e à pesquisa ou investigação científica no sentido clássico do termo «pesquisa».
Pouco científico, além de desumano , é negar, em tarapêutica e em profilaxia, o mérito e o valor do empirismo e da prática, que nunca e em tempo algum se opuseram à ciência.
Aliás, o que são, afinal, 99% dos nossos actos e gestos quotidianos - desde comer a dotmir - do que práticas empíricas?
Será que a medicina nos nega o direito de respirar sem primeiro recorrer a prévia consulta médica? Será que tudo, na vida, é «acto médico» e que nada, no pobre mortal, escapa a esta mania medicalizadora? E será que, para viver, para trabalhar, para andar, para cuspir, temos que andar sempre com um manual científico debaixo do braço sem o qual não podemos fazer nada disso?


E o que são os chamados «cuidados primários de saúde» senão procedimentos empíricos, pragmáticos, úteis para acorrer às situações mais frequentes?
Se se quiser falar em termos de «novidades científicas», há que reconhecer, hoje, a existência de uma «medicina familiar» ou de técnicas de autoterapia que, inclusive, são a resposta ao slogan da OMS «Saúde para todos no ano 2000».
Para não ser apenas uma afirmação vazia, essa frase só pode significr «democratização das terapias», quer dizer, a designação das técnicas elementares (primárias) de autocura - ao lado das técnicas elementares de ler, escrever e contar, reconhecidas como a alfabetização mínima, primária, a que qualquer  tem direito.
Além de ser esta a única forma de «democratizar a medicina», além de ser esta a única forma de saúde significar saúde e não doença, além de ser esta a única forma de baixar a taxa de doenças crónicas e com ela baixar os custos astronómicos da escalada para a doença crónica, eis que as tecnologias apropriadas de saúde (o campo a que hoje se chama «medicinas alternativas») são, serão um direito fundamental do homem a «saber viver».
Toda a retórica da I.M. e  da sua inevitabilidade reside neste analfabetismo crónico em que as pessoas vivem das «artes de viver», artes que são práticas, artes que são técnicas e que não têm que invocar ciência a toda a hora.
Saber comer, saber beber, saber respirar, saber dormir, saber amar, saber conviver, saber trabalhar, saber sonhar, saber falar, saber defender-se  - enfim, saber viver, é alternativa global e radical à medicina.
Mais do que científica, esta é a atitude inteligente, virtude esta - a inteligência - talvez muito mais urgente e necessária nos tempos que correm.
Pouco científica é a reverência da I.M. perante as altas tecnologias de ponta - cirurgia, transplantes, equipamentos sofisticados . A «complicação» atingida por essas tecnologias não é um sinal de complexidade e portanto de progresso científico, é precismente o seu inverso, o caos do desnorte .
A sofisticação é a prova de que nada do que fica para trás dessas tecnologias de ponta tinha, afinal, carácter científico, pois se o tivesse já se teria visto alguma coisa.
Se tivesse, para quê complicar tudo cada vez mais?
O critério para avaliar uma prática humana como a medicina não tem que ser o científico: mas se tivesse que o ser , o facto é que numa página da história das «medicinas leves» há mais amor à ciência, à liberdade intelectual, ao prazer da livre pesquisa, à inteligência criadora e ao pluralismo ideológico do que em toda a hiperespecialização em que se transformou a medicina moderna.
Científico é resolver uma gripe em 24 horas com oligoterapia elementar, em vez de ter enchido milhares de tratados com vírus e não saber resolver um primário resfriado, deixando que ele se arraste e agrave até à pneumonia.

Se científico é acumular toneladas de tratados sobre dooenças gravíssimas que continuam a proliferar, sem sber resolver uma vulgar enxaqueca, vou ali já volto...

Nenhuma outra instituição, nem mesmo a ecologia humana, foi tão longe a fazer de nós, utentes consumidores, ratos de laboratório, a fazer diariamente tantos progressos no campo laboratorial como a instituição médica.
Todos os dias, milhares de novos medicamentos , de novas cirurgias, de novos transplantes, de novas próteses são experimentados em outros tantos milhares de pacientes, elevados à categoria de cobaias , transformando a instituição médica, de facto, no grande laboratório de pesquisas à escala planetária.
Quem pode contestar tal mérito? Quem pode contestar que estão aí contidos os principais conceitos que definem a ciência: o novo, a experimentação in vitro, a cobaia, o ratinho, o teste, a manipulação?
E quem pode fugir a esta avassaladora ditadura científica?

E o que nós aprendemos (ainda continuamos a aprender) com Hiroxima, com Chernobil, com Bophal, com Three Mile Island, com Seveso!
Mas todos esses laboratórios locais são bem modesta coisa ao lado do laboratório mundial que é hoje a medicina química, cirúrgica, de transplante e próteses, onde a ciência experimental atinge de facto as maiores culminâncias.
Tendo a nós, doentes, como Cobaia de estimação.
***

APOCALIPSE 1972

1-12 - 73-05-16-ie-et> = ideia ecológica = entrevista testamento - sexta-feira, 29 de novembro de 2002-scan

DO POLÍTICO AO APOCALÍPTICO(*)

[(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado , com o pseudónimo de A. Mendes Pereira, no livro «Os Últimos Dias da Terra», nº 2 da colecção Dossier Zero, Editora Arcádia (Lisboa), Junho de 1973, data da tipografia]

I

[Junho de 1973] - Usado pelos autores de ficção científica, o método de levar às suas lógicas e inevitáveis consequências as premissas da sociedade tecnológica actual, pode servir, melhor do que nenhum outro, para evidenciar o absurdo dos seus absurdos, dos seus crimes, dos seus mitos e vícios.
Curioso é que os órgãos mais avançados da inteligência bem pensante, ditos esquerdistas e, quiçá, revolucionários, nem a esses absurdos assim evidenciados dedicam alguma atenção, certos como estão de que tudo marcha no melhor dos mundos possíveis. Mas mesmo os que criticam (poucos e a medo, não vão as universidades expulsá-los ou as ordens profissionais excomungá-los) esquecem-se de que estão apenas perante a fase praroxística de uma lógica e de um processo que vem de trás e de muito longe.
Três exemplos tenho hoje à mão para ilustrar este «método de demonstração pelo absurdo».
Um deles tem sido divulgado em capas de magazines sensacionalistas: exibem-se grupos de máscara aperrada ao rosto, dizendo-se que é a próxima defesa contra as poluições. Afirma-se isto nas calmas e no firme propósito de vir a industrializar as máscaras... Assim será, inevitável, fatalmente e, por muito que a princípio nos custe a crer, basta que mais dois ou três magazines insistam no projecto, para nos mentalizarmos todos e aceitá-lo quando chegar o momento de o ...comercializar. Cá estamos, os consumidores, para o adquirir. É o progresso, Progresso obriga, progresso manda e ninguém pestaneja à hipótese de uma humanidade de «mascarados» rodeada de poluição por todos os lados. Mas esta é apenas uma das hipóteses impostas pela tal lógica exponencial do chamado crescimento económico, do desenvolvimento tecnológico e que só não chega a ser terrífica porque é simplesmente humorística.
Outro exemplo vamos colhê-lo em transcrição de um folheto publicado pelo Departamento de Agricultura dos E. U. A. É verdade que o folheto insurge-se contra os fanáticos negociantes da fluorização, um negócio chorudo mas óbvia e escandalosamente criminoso. O escândalo é de tal sorte, que até o Departamento da Agricultura protesta.
«A poluição industrial do ar pelo flúor, bem como da vegetação e da água dá em resultado prejuízos incalculáveis no gado, nas colheitas e nas pessoas.»
Quer dizer, o que constitui um poluente activíssimo e pernicioso - flúor - está em uso e continua a ser defendido, com unhas e dentes, por negociantes que o «fabricam», como «medicamentação» aplicável à água de consumo público. Não satisfeitos com este abuso perfeitamente legal, o Serviço Nacional de Saúde dos E. U. A. já anuncia que a fluorizaçâo prepara apenas o caminho para outras «medicamentações». Psiquiatras e psicólogos admitem a possibilidade do uso de medicamentos para controle de nascimentos, na comida e na água.
Num simpósio de sábios, um psiquiatra sugeria: se se adiciona flúor à água tendo em vista a saúde dos doentes, porque não adicionar Lítio que controla estados de espírito fora do normal, uma vez que se provou exercer o lítio efeitos consideráveis nos sentimentos normais do homem?
Quando o crime raia os limites do absurdo, já não é terrível mas apenas ridículo. Vemos então as profundas afinidades que ligam humor e terror.
Outra notícia chega-nos, subreptícia, pelo canal de Le Nouvel Observateur, o semanário bem pensante da esquerda francesa.
«Vacina anti-atómica - anuncia e descreve:« se a população for devidamente treinada, um terço dos franceses terá oportunidade de escapar a um bombardeamento atómico da França.
«Estando hoje estabelecido que o mais perigoso, numa explosão atómica, não é a conjugação dos efeitos térmicos e mecânicos mas a das radiações ionizastes cuja acção é diferida e invisível, eis que uma vacina ou droga poderá permitir suprimir a nefasta acção das radiações, um remédio permitirá evoluir num meio total ou parcialmente irradiado, sem nenhum perigo para o organismo... Tudo isto afirmam os peritos militares.»
E - acrescenta Le Nouvel Observateur, não muito a sério mas não muito a brincar - «quando um militar sonha, há sempre um cientista para transformar esse sonho em realidade.»
Tal notícia não necessita, creio eu, comentários. Aliás, a moralidade de órgãos como Le Nouvel Observateur para criticar tais absurdos também não é grande. Necessita-se de um ponto de partida mais profundo para contestar determinados mitos e esse ponto de partida não é o esquerdismo contemporizador desse ou de qualquer outro semanário comprometido com o Sistema, com o terror industrial.
Mitos como este da vacina anti-atómica, ou aquele da medicamentação da água para limitar nascimentos, ou aqueloutro das máscaras antifumos, pertencem todos ao ciclo de uma rotina que órgãos bem-pensantes como Le Nouvel Observateur não contestam: a rotina sintomatológica, raiz de todos os crimes, quem há aí para criticá-la?
Se há doença, dá-se vacina. Se há meio deteriorado, medica-se. Se há órgãos podres, transplantam-se. Se há um ecossistema transformado em cloaca, fabricam-se máscaras e deixa-se ficar a cloaca e o pessoal lá dentro. Remendar, conformar, melhorar o mal, reformar - que outra tem sido a conversa, mesmo dos mais contestatários?
Que outra coisa - senão um repugnante reformismo-conformismo - revelam todos esses sintomas paroxísticos de uma mitologia que os vem revelando de há muito?
Preconizar uma terapêutica medicamentosa para uma dor de cabeça ou para a limitação dos nascimentos, é apenas questão de grau: ambos, porém, são reformismo.
A tal nível de contestação global não chegam ainda os órgãos da intelligentzia bem-pensante. Por isso clamam que a poluição é um problema político, sem saberem que estão a dizer menos e mais do que é a verdade. A poluição com efeito, não é uma, questãozinha política ao nível de blocos, regimes, ideologias, ao nível em que se dirimem as questões diplomáticas político-ideológicas da rotineira coexistência e seus derivados. A poluição é realmente uma questão política mas de política radical, de política revolucionária, de política planetária ou antropolítica. Ultrapassa, claro, as questões ronronantes (reformistas) de blocos que se «combatem» sobre o corpo-mártir da Indochina mas que se intervisitam depois, nos respectivos salões de baile, se beijam e abraçam.
Só a substituição desta civilização (desta cultura) por outra é démarche radical, revolucionária, antropolítica. O que as políticas de blocos e ideologias pretendem é reformar o querido Sistema, a querida civilização, não é substituí-lo.

POLÍTICA DO HOMEM

Assim, transpolítica, política planetária ou antropolítica são apenas e claramente sinónimos de Contra-Cultura, de Contestação Radical, de Política do Homem e, portanto, de utopia.
Desabituados de pensar o homem em termos de Utopia, porque foi tarefa secular da porcaria racionalista desacreditá-la, fazendo-a sinónimo de fantasia quimérica, de impossibilidade romântica, de inacessível e inexequível, a poluição teve o grande mérito- de nos atirar repentinamente contra o inacessível da Utopia. Queiramos ou não, quando as coisas chegam aos tais extremos absurdos - de que descrevi apenas três exemplos - o dilema é Utopia ou Morte. A Utopia será a única maneira de escapar à catástrofe. Pensem-se, imaginem-se alternativas utópicas e por mais impensáveis, fantásticas, inverosímeis que elas sejam hoje, tenhamos a certeza de que serão a realidade de amanhã.
Fatal, inevitavelmente. Tão fatal, inevitável e irresistivelmente como a ciência nos habituou a considerar os seus mitos. Quando se preconiza uma vacina anti-atómica, a medicamentação da água de consumo público ou as máscaras de aperrar aos narizes, tenhamos não só a certeza de que a Utopia ( quer dizer, substituir esta por outra Civilização, esta por outra Cultura) é inevitável como está incrivelmente perto de nós e já em curso.

II

UMA CIVILIZAÇÃO MORTAL

12-8-1972 - Se todas as civilizações são mortais, não há razão para que esta - tecnoburocrática - escape à regra e fique cá para tia.
E assim é que se lhe prevê um lindo funeral, um relativamente curto período para dar as últimas. O comandante Yves Cousteau - autor de filmes "fantásticos" sobre a fauna e flora submarinas - um dos homens que cometeram o hediondo crime de amar a Natureza, não lhe dá mais do que 50 anos. E bastante atribulados. Calcula-se o que será o estrebuchar de um animal tão corpulento...
Também os funcionários do sistema,- até há pouco todos clorofila, todos sorrisos, todos optimismo, toda a vida inspirados no tio Pangloss, embebidos nos seus mitozinhos caseiros, também esses e até esses, que classificam de histéricos os "defensores da Natureza", começam a reconhecer que, pelo lindo andar da carruagem, já pouco tempo fica para eles beberem os seus uísques nos seus simpósios internacionais.
Mesmo com o risco de perder o emprego, os Sicco Mansholt cá do sítio têm andado eufóricos a descobrir a pólvora e a dizer o que os poetas e profetas de todos os tempos já tinham dito e redito.
Temos assim esta civilização do lixo (e do luxo), esta civilização do desperdício, esta opulenta e orgulhosa civilização que andou séculos a dominar a natureza e a combater (ora era um bacilo, ora era um vírus), a caçá-la (ora eram lebres, ora eram elefantes), a destruí-la (ora eram sardinhas, ora eram golfinhos) perto de dar a alma ao criador, diagnosticado o cancro pelos melhores merceeiros e clínicos da especialidade, que lhe prognosticam assim repouso e caldinhos (de galinha).
Poluída até ao pescoço, falta agora que a poluição suba até às orelhas, ouvidos, olhos e boca. Se lhe tapam a boca é o fim, numa civilização que viveu toda a vida de meter à boca e encher o bandulho. Depois, as formigas que cá ficarem, lhe farão o funeral.
Até há pouco tempo era clássico na ficção científica o apocalipse termo-nuclear e alguns narradores empenhavam-se a imaginar lindas cidades arrasadas por úteis bombardeamentos atómicos. A ficção científica foi ultrapassada por aquilo que, há dez anos, ninguém previa (ninguém dos espertos cientistas). Nesse lapso de tempo, o ar tornou-se irrespirável, a água, imbebível, as terras e os alimentos contaminados por toda a casta de organoclorados recomendados pela F.A.O., de modo aos famintos morrerem mais devagar e aumentarem, em paz, a fertilidade de novos famintos.
De absurdo em absurdo, de crime em crime, de vício em vício, esta civilização que transplanta fígados, corações, rins e (ameaça) cérebros, não terá Barnard nenhum que lhe enxerte víscera vital nenhuma. Há-de morrer às próprias mãos e com todos os santos sacramentos.
A nós, "histéricos defensores da Natureza", que nos resta?
Rir da anedota, preparar os crepes para o funeral, inventar alternativas de sobrevivência fora do pântano e meter o cadáver no fosso mais fundo, de onde o seu fedor não venha empestar o ar, nem aborrecer mais ninguém.
De facto, esta civilização cheira mal. Em todos os tempos o disseram profetas, poetas, artistas, músicos, homens que pelo radar da sensibilidade e da imaginação logo viram tratar-se de uma estrutural vigarice e compreenderam os mitos, erros, crimes, vícios do Raciocínio arvorado em dono e senhor, omnipotente, omnipresente e omnisciente ditador.
A nós, que apenas vemos confirmada a profecia, a nós, "histéricos defensores da Natureza", que resta?
Acreditar talvez na última safa: persistirá o "homem eterno" para lá de mais este acidente chamado civilização? Mesmo que só fique sobre o globo uma formiga, há quem acredite na cultura mais antiga da terra - a chinesa -, há quem acredite nos golfinhos, há quem acredite em todos os índios ainda não exterminados, há quem acredite nas tribos australianas ainda não contaminadas pelos melbúrnicos, há quem acredite nos indígenas do Amazonas antes que a Transamazónia acabe de os exterminar, há quem acredite nos "hippies" e no seu neo-tribalismo, há quem acredite em Lanza del Vasto e em Danilo Dolci, há quem acredite - até - no socialismo libertário, nos falanstérios fourieristas, há quem acredite nos extra-terrestres que continuam a vigiar o nosso sono e a ser matéria dos nossos sonhos.
Tudo Utopia: - dirão os porcos do costume, dirá qualquer funcionário da querida civilização, já com a máscara anti-fumos aperrada ao focinho.
Pois é, sempre foi e há-de ser Utopia, enquanto houver porcos desejando reduzir a existência, o mundo e o Cosmos à sua Porcaria. Utopia foi sempre toda e qualquer tentativa, toda e qualquer alternativa para sair sobrevivente desta civilização que se caracteriza pelo totalitarismo totalitário. Daqui ninguém sai e quem tentou sair (os Artaud, os D. H. Lawrence, os Guénon, os Henry Miller) por sua conta e risco, levou para tabaco.
Enfim, há quem acredite na aproximação e diálogo de civilizações exógenas, sempre tão vilipendiadas, sempre tão acusadas de fome, de pobreza, de inactividade, de pauperismo, de doenças: De doenças, céus! Esta civilização de Morte tem o arrojo e descaramento de criticar a Miséria em outros continentes, e a Doença como se não fosse ela um pântano de Morte, de Doença!
Além de que para as outras civilizações, quem exportou para lá a pobreza, a fome, a miséria e as doenças? Quem?

III

SOBRINHOS DE PANGLOSS

Há sempre os optimistas, sobrinhos de Pangloss, que esquecendo as notícias do Fim e as trombetas do Apocalipse, fazem lindos «planos para o futurou.
De facto, os vários alarmes que têm soado ultimamente sobre os poucos anos de vida que esperam a civilização conhecida por «civilização do lixo» ou do desperdício, não impedem os optimistas de continuarem a planear, a programar, a projectar, a prometer, como se tudo continuasse à espera deles, e à sua frente, calmo, sem prazo e com horizonte indefinidamente desimpedido. Embora sejam os próprios cientistas que começam a diagnosticar o mito do crescimento infinito e ilimitado, a maioria dos cronistas continua enlevada com o que se há-de passar daqui a ?0 ou 80 ou mesmo 90 anos.
Nada mais humorístico do que visões futurológicas, do que previsões tecnológicas sem o sentido ecológico da realidade e da história. Se tudo indica que o globo será consumível e está a dar as últimas, como podem alguns futurólogos continuar pintando os paradisíacos cenários de um futuro abstracto?
Pensam alguns que os temas futurológicos conduzem fatalmente a essas visões cor-de-rosa, ingénuas, paradisíacas, inconscientes, abstractas.
Não vejo porquê. Creio que uma verdadeira consciência prospectiva será sempre mais pessimista do que optimista e que, aliada à prospectiva, só uma consciência ecológica dará consciência a qualquer previsão. De resto, tudo são mitos: mais passadistas, mais futurizantes, mitos de uma mentalidade efectivamente ultrapassada. E de uma «civilização» moribunda.

IV

1972 foi, sem dúvida, o Ano da Ecologia.
E curiosamente, o relógio português andou, nessa matéria, síncrono com o relógio europeu. Coisa rara, nunca vista e que deve sublinhar-se por significativa. A Comissão Nacional de Ambiente nasceu o ano passado, que foi também aquele em que se realizou a Conferência de Estocolmo. Este acontecimento - se aos acontecimentos nos ativermos e à face exterior das realidades- marca com efeito o início de uma nova era planetária e o fim da era nacionalista nas relações mundiais.
«A Terra é só Uma» concluíram em coro os teóricos e técnicos de várias procedências. Que a Terra ë só uma - esgotável nos seus cursos e recursos - já o vinham descobrindo e afirmando, há uns séculos largos, alguns homens, ditos hereges, loucos e fanáticos mas, no fundo, apenas «contemporâneos do futuro», que no entanto ninguém ouvia (todos fingiam não ouvir) porque não dispunham de amplificado sonora à moderna nem aparelhagem de retroversão em altos simpósios internacionais e porque, afinal, um S. Francisco de Assis, um Ohsawa ou um Walt Whitman - apenas alguns dos muitos precursores da Ecologia - não interessavam nada ao Establishment nem às mentiras de que este se alimenta. E enquanto puderam abafar a voz dos poetas (dos profetas e utopistas), assim se fez. Cuidadosamente. Sistematicamente. Acintosamente.
Em 1972, porém, um senhor chamado Sicco Mansholt, de formação agrícola, colocado num alto posto da Comunidade Europeia, pessoa de confiança dos monopólios internacionais, sonhou alto, descuidou-se, entrou em transe de confissão íntima, roeu a corda e deixou a consciência falar mais alto do que a conveniência. Numa carta ao italiano Malfatti, do Clube de Roma, escrevia o seu «grito de coração», o seu requiem (dele e da chamada glória europeia), o seu alarme, o seu aviso solene à navegação.
Escândalo! Confusão nas hostes reaccionárias de todo o Mundo, incluindo as que se autocognominam de progressivas. Ninguém queria acreditar no que seus olhos ouviam e seus ouvidos viam. Um tão solene homem de bem virava «traidor». Desmanchava o jogo. Denunciava o mito mais incrustado no Sistema e de que todos os presentes vivem, o mito do futuro e do crescimento económico infinito.
Foi o bom e o bonito. Rebentam as águas da controvérsia. De toda a parte, ordens e contra-ordens, uns pró outros contra Mansholt, outros nem assim nem assado que a gente não sabe o que vai ser e há que usar de cautelas. Usou-se de cautela. Muita cautela: Mansholt ficou no centro das opções, deslocou o centro de gravidade das zaragatas internacionais ( a dicotomia socialismo-capitalismo) para humanismo-terrorismo, civilização-barbárie, qualidade-quantidade.
Daqui o Escândalo.

ENTRE A CATÁSTROFE E A UTOPIA

Entre o desespero e a esperança, entre a catástrofe e a Utopia, o ano 1972 colocou a questão mesmo debaixo das barbas dos responsáveis: os cientistas.
Estamos tão acostumados à inércia destas academias encarregadas de promover o progresso das ciências e arredores, que a velocidade dos acontecimentos começa a espantar-nos. Há um ano, falar de Ecologia fazia empalidecer de cólera qualquer adepto do Benfica tecnoburocrático. Hoje já se pára, escuta e olha, ao ouvir a palavra «Ambiente», não vá o dianho do comboio passar por cima da gente.
Aqueles que nasceram com a Ecologia - afinal a ciência mais antiga da Humanidade, com os seus primórdios na Astrologia, depois degradada como tudo o que o comércio e a pirataria degradaram - os ecomaníacos, durante muitos anos considerados a perdição subversiva da Magna Ciência, da Sagrada Tecnologia, da Providencial Indústria e da Sacrossanta Economia, os que romanticamente insistiram no respeito à vida contra tudo o que, na Abjecção, degradou e aviltou a Vida, os que teimaram em amar as aves e as árvores, o solo e o sol, a água e o ar, os animais e as plantas, o cosmos e a célula, porque sempre souberam não haver diferença entre macro e microcosmos, entre o que está em baixo e o que está em cima, porque sabiam, inclusive, a sobrevivência da orgulhosa raça humana intimamente relacionada com a sobrevivência de toda a criatura cósmica, sem nunca perderem de vista a suprema consciência da Unidade que é a única coisa a definir-nos como seres humanos - contra a barbárie da Análise, da Dispersão, do Atomismo - tinham finalmente, os amigos da Natureza, o sorriso condescendente dos grandes senhores do Mundo, que levaram séculos depredando, estragando, desperdiçando, etc
Discursos, mesas-redondas e quadradas, artiguinhos na Imprensa, oh!, os ideólogos olharam então, no intervalo de um colóquio «extremamente importante», para o valor da qualidade, eles que se formaram em Quantidade e do Número fizeram o substituto do Espírito Santo.
A meio de 1973, ano em que a Ecologia irá ser o pão nosso de cada dia, o nosso trabalho de sobrevivência quotidiana, o ultimatum e a concordata, a esperança e a alternativa, aqui estamos correspondendo ao desafio, mas honestamente fica dito: Ecologia, para nós, não é mais uma cienciazinha académica para uns ó-ós valentes, gáudio e refúgio de senhores académicos bem diplomados e bem instalados.
Meio ambiente será para nós, nestes «balanços da civilização» ( única que tem a petulância e a arrogância de se autocognominar a Civilização, por antonomásia) ponto de partida para reflexões fundamentais sobre o Homem, a Vida, o Cosmos e o ...Resto, que é afinal onde começa a verdadeira história. Bom será que se saiba o partis-pris aqui assumido. Não se cultiva a demagogia da neutralidade.

NÃO SEI SE JÁ REPARARAM

Os próximos anos, para não dizer os próximos meses, serão decisivos para a sobrevivência colectiva do planeta Terra - bem pouca coisa, é certo, no meio da poeira cósmica, mas de qualquer modo berço e túmulo, nossa casinha e amparo. Tratemo-lo bem. E tratemos da saúde aos que querem destruí-lo.
Não sei se já repararam, mas é nele - planeta - que por enquanto habitamos. Enquanto os irmãos extraterrestres não nos arranjarem melhor berço; algures numa outra galáxia, é nele, globo terráqueo, que nascem as crianças, crescem as flores, correm as águas, os músicos compõem seus cânticos e os poetas se fartam de avisar, séculos antes, a humanidade das asneiras que a levarão ao suicídio. Vamos olhar, então, para esta terra que é nossa e é só uma? Vamos fazer aqui um esforço desesperado ( quando se desespera de tudo é que surge a Esperança) para acordarmos do letargo chamado Tecnocracia, para vivermos a verdadeira vigília da sabedoria e da vida?
Quem quiser que venha. Quem não quiser, que fique. De qualquer modo, fica claro que não fomos nós a contribuir para o lindo funeral disto tudo.

V
HIROXIMA E NAGASAKI

As bombas de Hiroxima e Nagasaki ajudaram a compreender a capacidade auto-destrutiva desta civilização e a sua indissolúvel unidade. Ajudaram a definir o território da Abjecção como Sistema, Estrutura, Establishment. Se não contribuíram imediatamente para uma autocrítica, tornaram óbvio o fim da História e ao alcance da mão humana a destruição da espécie. Isso ajudou a tornar o globo uma bola cadavez mais pequena e, nesse globo, a «civilização do desperdício» como o detonador dessa destruição.
Com o Apocalipse à vista, com um futuro a prazo, com a hipótese cada vez mais plausível da sua finitude, os mitos do «eterno progresso» e do «eterno crescimento» sofreram, como tudo o que é eterno, os primeiros safanões com as bombas de 1945.
Depois dessa data, os jornais não deixaram de noticiar os efeitos a longo prazo das radiações na atmosfera. Não só as que eram sequela das bombas, mas as que em países «pacíficos» se verificavam. Criou-se mesmo a expressão-slogan «átomos para a paz»... Em 21 de Abril de 1959, a France Presse anunciava:
«O estrôncio radioactivo nos ossos das crianças americanas duplicou durante o ano de 1957 ».
O mais curioso é que o uso do chamado «átomo pacífico» passou ao número dos hábitos ou mitos bons que acalentam o sono desta civilização. E não faltaram folhetos, reportagens, dossiers recheados de fotografias, a demonstrar que o átomo serve para tudo.
Para irradiar alimentos, por exemplo. Graças a uma campanha bem orquestrada - como são sempre as campanhas auto-apologéticas da Indústria - a opinião pública encontra-se hoje «convencida» dos benefícios que pode colher do tal « átomo pacífico», mesmo que lho sirvam à mesa. Como se encontra convencida de tantos outros «benefícios», de tantos e tantos produtos que ( simplesmente ) matam.
Quer dizer, e seguindo o circuito habitual destas coisas: sendo um dos primeiros alarmes que puseram de sobreaviso os mais prevenidos, o átomo acaba por ser reabilitado, recuperado, absorvido.
É de supor que o mesmo venha a acontecer com muitos outros malefícios que, pela magia da publicidade, se transformam em cornucópias de salutares benefícios atirados, como flores, sobre a cabecinha tonta da humanidade. Cabecinha a que regularmente se aplica uma salutar lavagem de cérebro.
O uso dos raios X é uma derivante clássica, dessa mentalização ou lavagem de cérebro e uma coisa que já toda a gente aceita, por muito que os próprios técnicos da especialidade demonstrem (no papel) a gravidade de tal uso.
A própria O. M. S., sempre na vanguarda dos grandes empreendimentos, já tem dado a conhecer os inconvenientes do emprego sistemática dos raios X e das repercussões que podem esperar-se deles sob o ponto de vista genético: as radiações ionizantes afectam as células reprodutoras.

VI

SMOG LONDRINO

Foi há onze anos, no Inverno de 1962-63, que Londres deu o alarme. 4700 mortos numa semana devido ao «smog» tiveram o condão de alertar as autoridades e, bem entendido, a opinião pública.
Os telexs trabalharam anunciando o recorde e, embora os avisos contra os perigos da contaminação já se ouvissem há bastantes anos, foram precisos para Londres 4700 de uma assentada para se pensar a sério no estado do ar respirável.
Dez anos depois ainda não tivemos em Lisboa um smog animador como o de Londres, mas vários indícios asseguram que caminhamos alegremente para uma vida melhor, quer dizer, para a industrialização e portanto para a poluição industrial a tal nível europeu.
É de 1963 livro The Silent Spring em que a escritora Rachel Carson, falecida um ano depois sem ter visto a vitória da ideia de que foi a pioneira, ainda teve tempo de lançar o alarme contra os pesticidas na agricultura. O seu livro, um dos maiores «best-sellers» do pós guerra, contribuiu decisivamente para um estado de espírito mundial que desembocaria em 1972 na Conferência de Estocolmo e ficará como o primeiro despertador que soou para a humanidade adormecida, avisando-a de que está a suicidar-se.
Seria o primeiro capítulo para a história da chamada «terra queimada» que anos depois outros cronistas iriam descrever com requintes de pormenor. Clássico da consciência ecológica, é curioso que o não esqueceu a exaustiva lista bibliográfica elaborada pela Campanha de Conservação da Natureza e Defesa do Meio Ambiente, e distribuída aos jornalistas na conferência do dia 14 de Dezembro de 1972.
Em face do êxito obtido pelo livro da escritora Rachel Carson, lembramos que o presidente Kennedy ainda teve tempo, antes que o assassinassem, de mandar organizar uma comissão de inquérito para averiguar se efectivamente a poluição era assim tanto como os poetas vinham dizendo há anos e os ecomaníacos assegurando com cada vez maior insistência.
Até então, a única arma com poder de destruição planetária era a bomba. Vinte e cinco anos depois de Hiroxima, depois da Bomba A e da Bomba H, a humanidade «civilizada» conseguia que mais três entrassem na competição para o titulo de «arma absoluta»: poluição ou bomba P, Fome ou bomba F, explosão demográfica ou bomba D, parece não faltarem hoje na bicha várias formas de a humanidade se auto-exterminar sem deixar sequer vestígios.
Mas a Poluição continua a ser, parece, a predilecta, a mais frequente e a que consegue per capita mais lindos recordes. Até ver.

VII

VALHA-NOS SÃO PROCÓPIO

O que tem sido, para aí, nos últimos meses, com leões e raposas, ultrapassa o que qualquer anedotista de vocação poderia inventar. Com o apoio solícito dos «mass media», sempre na vanguarda das grandes causas, matilhas de caçadores, às centenas, sob o pretexto de que há raposas maldosas dizimando rebanhos e criação, afrontando o ridículo tanto como o «perigoso» animal, de mira em riste, ei-los na sublime missão de efectuar batidas monumentais à bicheza selvagem.
O leão de Rio Maior teve também seus lances épicos e os dias contados em tribunal mais do que popular. A sorte dele foi não existir.
Episódios estes que ilustram, de maneira inequívoca, o amor que em certos sectores cinegéticos se vota ao animal. Então, além de paternalista, o adepto vira racista. Há animais bons e animais maus. Bom é o que se deixa domesticar, é o que serve os seus desígnios, o que se deixa abater sob o cano da caçadeira. Mau é o que escapa, o que se está nas tintas para a escravidão doméstica, o que não consente patas de homem e miudezas de vida calminha, rons-rons perto das brasas, à imagem e semelhança do homem esse animal que nenhum bicho consciente da criação desejará imitar.
Temos assim estabelecido o que é bom e o que é mau - a moral que preside a estas batidas, onde se espera ver surdir, para maior frenesi da matilha, o javali e o lince. Só que javalis e linces já os devem ter liquidado todos, a esta hora e graças a Deus.
Notícias como essas, induzem-nos a considerar que o mundo das espécies animais e vegetais continua a preocupar os humanos, ou porque chegam à conclusão ( óbvia ) de que tudo está interligado e de que a sobrevivência de uma raça está intimamente relacionada com a das outras que povoam o planeta, ou porque, amigos ou inimigos, diariamente entram em contacto e, inevitavelmente, em conflito; ou porque, pela paisagem ou por um resto de afectividade, algo continua a religar todas as formas de vida, por muito que a «civilização» tenha tentado pulverizar e dissociar o que era, dantes, o «paraíso da unidade original».
Só que...
Caça, e pesca têm ainda muita força neste tempo e mundo em que se promovem campanhas de protecção à Natureza, apenas para melhor a destruir, pilhar e depredar. Mais à vontade e sem nenhuns remorsos. Milhões de adeptos constituem uma corrente de opinião muito forte e ninguém irá contrariar homens armados até aos dentes, que se organizam em grupos de centenas...
Proteger a natureza, a fauna principalmente, é tarefa meritória para, depois, os caçadores terem rezes que lhes permitam a prática do seu desporto favorito.
Mas «protecção» (valha-nos São Procópio, advogado das chinchilas) é palavra de evidentes conotações paternalistas. Proteger porquê? Proteger de quem? É curioso assinalar que este homem ocidental e cristão, quando não está a combater qualquer coisa, está a proteger e quando não está a proteger nem a combater, está a ressonar das difíceis digestões cinegéticas...
A palavra «protecção», pois, parece-me abusiva por demais. A vida selvagem não precisa, se vistas bem as coisas ao microscópio, de ser protegida. Precisava e precisa é de que não a chateiem. E que se suspendessem, por algum tempo, as alcateias de dizimadores. De resto: quem, senão do homem «civilizado», precisamos nós de haver quem nos defenda? E quem nos proteja?
De pilhagens se entreteve o homem através das eras e não era agora, in extremis, em que a sobrevivência da humanidade está por um fio e directamente na dependência dessas pilhagens, que ele irá desistir de tais hábitos ancestrais. Já os nossos bisavós diziam: «Depois de mim o Dilúvio», estado de espirito este generalizado entre todos os que se dizem optimistas, por oposição aos « pessimistas», - diz-se - desses que não fazem outra coisa do que anunciar o Apocalipse, e escrever a sua reportagem.
Ora o que efectivamente acontece é o contrário: pessimistas raiando o pirronismo são os que fazem do Apocalipse e sua inevitabilidade o supremo alibi para as suas últimas pilhagens sem punição nem remorsos.
Optimista é o que, apesar da inenarrável estupidez humana, apesar da casmurrice - única doença incurável -, apesar das burocracias e dos imobilismos, apesar das delinquências senis que dominam o globo, apesar das chacinas e das torturas, dos homicídios e dos biocídios, dos etnocídios e dos ecocídios, apesar de todo esse panorama efectivamente pouco encorajante -diremos, se nos permitem, desmoralizaste - e efectivamente apocalíptico, guardam uma reserva, um potencial de Esperança nas minorias que modificarão por completo a face deste globo agonizante e em processo acelerado de erosão.

Optimista não é o que fecha os olhos e consuma o suicídio, não é o que mete o bico debaixo da areia para não ouvir a tempestade, mas o que abre olhos e ouvidos, inteligência e imaginação, amor e lucidez, e enfrenta o desafio do fim com igual serenidade, e consegue superar o desespero. A Esperança - em sentido litúrgico - surge quando já se perderam todas as esperanças.
O amigo da vida selvagem e da Natureza, o maníaco do ambiente, o inimigo da Engrenagem suicida, o resistente ao Ecocídio não é pessimista. Pessimista é o que afirma: «Como não há nada a fazer, vamos rir e folgar para acabar em beleza.» Pessimista é o que continua a querer convencer-se de que vive num mundo idílico, pressentindo embora e cada vez mais inevitavelmente que vive num mundo em acelerada decomposição.
Acabar intoxicado é a filosofia do novo Pírron, a que se opõe o Ecologista com um optimismo crítico e lúcido, com uma visão panorâmica e absoluta da Abjecção na sua totalidade, no seu totalitarismo global ( relativo a globo terrestre).

VIII

JOHN MADDOX CONTRA-ATACA

As acusações ao famoso relatório do M. I. T. e, de uma maneira geral, a todos os que, pelo número ou pela profecia, pela teoria ou pela prática, pela intuição ou pela dedução, pela imaginação ou pela inteligência, anunciam o Apocalipse e a catástrofe, têm pelo menos uma virtude: obrigam a definir-se os verdadeiros inimigos da humanidade, aqueles que a humanidade deve pôr definitivamente no tribunal da história.
O Apocalipse foi profetizado em todas as épocas por quantos perceberam no «sistema que rege a economia mundial» a sua raiz fundamentalmente homicida e violenta, suicida o autodestrutiva. Nada de humano e de capaz poderia criar-se num ambiente definido pelo gosto sádico da (auto-)destruição. Não faltaram os poetas, que ao longo dos séculos representaram a Resistência ao Sistema, anunciando o fim da história e do mundo.
A novidade consiste só em que hoje os profetas do Apocalipse e da Utopia se servem dos computadores para comprovar com números os factos e pressentimentos de até agora. Isto tem o condão de impressionar os funcionários do Sistema, para quem a linguagem do Número é sagrada e de cujo prestígio vivem, em grande parte, seus negócios.
Num dos órgãos mais distintos da cerebração mundial - Selecções do Reader's Digest, na sua edição em língua portuguesa de Abril de 1973 pode ler-se o artigo onde John Maddox retoma o freio nos dentes para contra-atacar as profecias do Apocalipse.
Os argumentos são conhecidos; em todo 0 caso, vale a pena analisá-los, trabalho que permite uma retrospectiva útil do nosso trabalho, marcar o ponto em que se encontra a resistência ao ecocídio e tomar o pulso aos porta-vozes mundiais da Reacção, aos panglosses dos anos setenta.
Antes do famoso relatório do M. I. T., um senhor chamado Louis Pauwels causou surpresa aos seus admiradores, proclamando um «optimismo» que, como todos os optimismos sem consciência ecológica, sem noção da catástrofe, sem dimensão abjeccionista, é uma razão mais, e a mais forte, para o pessimismo dos resistentes, que em princípio não são nem uma nem outra coisa, nem optimistas nem pessimistas.
Por muito que se acredite numa viragem de última hora, numa mutação brusca, é desencorajante ver os que, como Louis Pauwels, John Maddox, Norman Borlaug, Suvana Puma e alguns outros ilustres ideólogos, em nome do optimismo o que apenas pretendem é deitar poeira nos olhos da humanidade e obrigá-la a manter, como eles, o pescoço debaixo da areia, à espera que a tormenta passe.
Quem ilude, quem pretende iludir o povo e a humanidade não são os que, conscientes do ecocídio, profetas do Apocalipse, construtores da utopia como única alternativa para a catástrofe, cumprem o estrito dever de humanidade, pensando.
Feita a síntese de factos, movimentos e fluxos contraditórios do nosso tempo, a evidência manifesta-se aos olhos de todos. Delinquentes de delito comum contra a humanidade são os que se voltam contra os profetas do novo Apocalipse, como faz John Maddox no artigo já referido, com argumentos ainda por cima suspeitos, o que só nos obriga a acreditar que o fazem não por exigência intelectual e de coerência ideológica, não por disponibilidade e honestidade de carácter e por um propósito crítico límpido, isento, mas obedecendo a inconfessáveis interesses.
Analisemos esta 1ª parte. Até que ponto e a quem servem os artigos como o do sr. Maddox? Ricardo G. Zaldivar, na revista espanhola Triunfo ( 11 de Novembro de 1972 ) tentava provar ( e não serei eu a contestar a tese), todo apoiado em números, que a campanha contra a poluição comandada pelo capitalismo vai redundar a favor dos grandes monopólios e acelerar a tendência para a concentração, visto que só os colossos da indústria estão aptos a investir em antipoluentes. E visto que os fabricantes de antipoluentes são eles próprios, através de sucursais, filiadas ou associadas, os maiores poluidores mundiais do planeta.
É uma tese.
Porque surge então, em artigo de fundo dum órgão defensor de capitais como é o Reader's Digest, um senhor John Maddox nada interessado em fazer o jogo dos antipoluentes e do relatório do M. I. T. que é deles a cobertura pseudocientífica, estatística, informática?
O artigo do Reader's Digest - eis a hipótese de trabalho que proponho - serve um capitalismo (ainda) não monopolista, serve os milhares de empresas que não têm dimensão, ainda, nem lucros para entrar na maratona dos antipoluentes, para aceitar o desafio da concentração. Agrada, portanto, aos menos poderosos mas a maior número deles.
À parte os argumentos anémicos de certa esquerda academizada, cuja esclerose se irmana na necrose dos seus métodos e da sua problemática ( essa esquerda domina ainda o panorama português da «crítica» à Ecologia), à parte os franco-atiradores, demasiado líricos para poderem ser críticos e que, sem se darem conta, alinham (por essa ausência crítica) na mesma
esclerose pseudo-esquerdizante (profundamente reaccionária), as únicas acusações que aparecem no mercado contra as preocupações do ecologista, cifram-se nessa guerra civil entre capitalismos: a pequena burguesia arrivista, liberalesca e do médio capital não gosta quando lhe anunciam o apocalipse ecológico, a catástrofe, o fim do ciclo e a explosiva madrugada da Utopia, mas os porta-vozes ou ideólogos do grande capital, no fundo, também não, porque sabem que a ecologia é problema bem mais duro de resolver do que as poluições e respectivos slogans; simplesmente finge ignorar e procura recuperar, no que pode, a acção do verdadeiro ecologista para servir os seus propósitos exclusivos de vendas de antipoluentes ao mundo.
No fundo, necrose esquerdista, reacção direitista, ou ingenuidade, ignorância, bluff lírico do centro, encontram-se todos num ponto: a recusa de radicalizar a situação mundial em termos de utopia revolucionária. Unem-se todos no reformismo: quer o dos antipoluentes, quer o reformismo que pura e simplesmente recusa o facto ecológico e julga poder ir melhorando o mal.
A recusa a radicalizar o sistema é que os distingue ( optimistas e pessimistas num molho só) dos que, nem optimistas nem pessimistas, são apenas lúcidos e conscientes. Todos os reformistas preconizam, como o sr. Maddox, o mesmo tipo de remendagem in extremis: «estes problemas» (refere-se Maddox à poluição, claro), «são passíveis de solução, num futuro previsível, se forem gastos com eles tempo e dinheiro suficientes.»
«O perigo», mastiga ainda Maddox - «é que o síndroma do Dia do Juízo provoque o contrário das suas intenções. Em vez de nos alertar para os problemas, ele dispersa a nossa atenção do trabalho que poderia ser realizado agora.»
O perigo que o sr. Maddox não diz mas em que está a pensar é que o síndroma do juízo final radicalize as atitudes e os comportamentos, é que faça desencadear uma greve geral ao sistema, é que os grupos minoritários deixem de ir ao super-mercado e num relâmpago se tornem maioritários nessa atitude de irrespeito básico contra a segurança do Sistema...
O perigo é que as alternativas ao totalitarismo do sistema abram, neste, brechas insanáveis de contestação.
O perigo é que a civilização plural dê lugar ao monopólio da verdade única.
O perigo é que a qualidade da existência seja reivindicada e que o Sistema - todo ele baseado no aviltamento quantitativo da existência humana - fique denunciado e de tripas à mostra.
O perigo de radicalizar, de insistir no Apocalipse é, de facto, que as indústrias fiquem um bocado às moscas porque as pessoas decidiram ir viver um bocadinho a ver como era e gostaram e decidem abandonar as cidades e decidem emigrar desses lugares comuns do suplício colectivista, ideais para concentrar a repressão de toda a ordem e voltam às comunas rurais, à experiência do individualismo comunitário, às soluções da variedade e da metamorfose, à agricultura biológica porque a química matou os solos e ameaça matar-nos a todos. Esse o perigo que o sr. Maddox teme e não explicita.
De notar em cientistas tão solenes é como rapidamente perdem a compostura e entram no palavrão.
Ficou famosa a intervenção do sr. Borlaug, prémio Nobel da «Revolução» verde, quando chamou histéricos aos defensores da Natureza e aos que defendem a humanização do ambiente contra a histeria dos DDT. O sr. Maddox não é menos delicado de gesto.
Referindo-se a Paul Ehrlich, considera-lhe a obra «The Population Bomb» uma «retórico furiosa». Nem mais nem menos.
Aliás, os Ehrlich não deixam de servir também ao primeiro tipo de propaganda (pró antipoluente e pró grande capital) a que aludi acima. São aliás os desta facção - meia dúzia de guardas do mundo - os mais interessados no neo-maltusianismo de que Ehrlich é expressão bastante conveniente. Para cada General Motors ou cada ITT há sempre um Ehrlich de serviço.
Lisboa, Maio/1973

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(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado, com o pseudónimo de A. Mendes Pereira, no livro «Os Últimos Dias da Terra», nº 2 da colecção Dossier Zero, Editora Arcádia (Lisboa), Junho de 1973, data da tipografia
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