1-2 - 92-07-09-leituras – ideia ecológica - 7036 caracteres - alberoni>diario>9-7-19929-7-1992ALBERONI CONTRA BARBÁRIE TECNOLÓGICA - FILÓSOFO DO SENSO COMUM AINDA ALIMENTA POLÉMICA
Na lista dos livros que aguardam recensão noticiosa, o ensaísta e sociólogo italiano Francesco Alberoni tem prioridade de passagem.
«Best seller» da Bertrand, verdadeira galinha dos ovos de ouro para o editor que nele apostou, vê sucessivamente reeditados os seus títulos já traduzidos em português e sempre com renovado êxito. Acaba agora de sair a sua obra de fundo e de mais largo fôlego: «Génese».(*)
Mas se o pensador italiano caiu no goto do público, o mesmo não se poderá dizer das élites que, segundo parece, o detestam, sabe-se lá por que razões do inconsciente colectivo. André Lepecki, por exemplo, no jornal «Público», embora lhe dedique uma página, só vê equívocos, tautologias e truísmos no popular autor.
No jornal «O Independente», com aquela ligeireza tão nossa conhecida, D. Ana Isabel Bastos classificava o livro na habitual rubrica «O pior» e terminava a sentença com esta lapidar piada de caserna: «a obra magna da prosápia por este Júlio Roberto da filosofia». De prosápia, afinal, sabem, os jovens que, mal saídos das fraldas, começam a julgar a torto e a direito, donos do mundo e de quem cá anda.
Sendo Alberoni sociólogo de movimentos sociais e não de brotoejas individualistas como estas, lamenta-se que não venha a incluir nos seus estudos casos tão típicos e exemplares da nossa etnografia intelectual. Mas matéria-prima é o que não lhe falta na actual paisagem sócio-cultural portuguesa. Ele teria, como investigador de patologias profundas, boa matéria de análise nestas reacções do actual «pathos» criptocrítico e criptogâmico.
A reacção dos intelectuais de serviço a Alberoni pode significar não só uma certa «dor de cotovelo», mas um incómodo profundo às vagas de fundo que ele desvela. Assim como o medo guarda a vinha, guarda também a falta de talento e de ideias que pode estar por detrás dela.
Ora, Alberoni, que se limita a ensaiar hipóteses para definir teses que interpretem factos -- unicamente com o objectivo de encontrar aquilo que permanece para lá do que muda, a essência para lá das aparências, o universo para lá do diverso --, é claro como água, explica e simplifica em vez de complicar, tem ideias em vez de vender teorias.
Por isso, o estatuto de elite hermética não lhe gruda. Ora, tudo isto são motivos suficientes para o «gang» da chamada filosofia «hardcore» no activo não gostar dele. Como se sabe, a glória de muitos ensaístas faz-se exactamente na base de ninguém os (poder) perceber. Ainda hoje, nos círculos académicos da nossa «inteligentzia», a condição «sine qua non» de se passar por inteligente é ser ininteligível.
O que explica, muito boamente, as raivas contra Alberoni, que simplesmente se limita a pensar e a dizer, com clareza meridiana, para toda a gente entender -- e não só os entendidos ou especialistas -- o que pensou. Filósofo do bom senso e do senso comum? E vai daí? Quem decretou que era proibido?
FUNDAMENTALISMO ECOLÓGICO
Com esta sua obra de fundo, «Génese», Francesco Alberoni traça um quadro dos movimentos sociais através da história, não já e apenas numa focagem ensaística, monográfica e parcelar, mas de largo fôlego, global e sistemática, mostrando a árvore da abjecção contemporânea desde as raízes, pelo lado das correntes que se lhe têm oposto e resistido. Correntes que hoje confluem no «fundamentalismo ecológico»... Na ronda que efectua pelos movimentos de oposição e resistência que floresceram na Europa (e nem só) e para chegar, no último capítulo, à definição de ecologismo, o autor historia antecedentes e raízes culturais que o fizeram deflagrar (explodir).
Continua por definir o ecologismo como ideologia política, mas o livro de Alberoni dá um dos mais valiosos contributos. Depois de tantos ecoequívocos e ecotravestis, é a primeira vez que vemos um homem de pensamento inscrever o ecologismo no contexto cultural profundo que lhe pertence, como análise e discussão dos próprios conceitos de progresso e civilização: quer dizer, a ecologia como ciência subversiva de todas as ciências; a alternativa ecológica como tecnologia apropriada, limpa e nacional que torne obsoletas todas as energias e tecnologias pesadas e poluentes; o realismo ecologista como dialéctica que ultrapassa a utopia tecnocrática de partidos, ideologias e estratégias (de paz ou de guerra). Finalmente, a análise ecológica como crítica da barbárie tecnológica e uma proposta de civilização sem aspas.
OS «APANHA-BORBOLETAS»
Ecologistas, a esta luz, e como Alberoni os enquadra, deixam de ser os «apanha-borboletas», os «amáveis terroristas» e os «díscolos» que têm querido fazer deles (como as esquerdas estalinistas badalavam na década de 70); deixam de ser os «alarmistas», «utopistas», «reformistas» e «reaccionários» (infâmias que esquerda e direita, leste e oeste, lhes têm propincuado); deixam de ser as caricaturas que tecnocratas e economistas deles desenharam, para serem apenas o que são e o que sempre foram na profecia e na palavra dos seus precursores: a vanguarda cultural da civilização.
Conforme Alberoni torna transparente, o movimento ecológico sempre existiu, levando hoje esse nome «restritivo» a corrente de fundo que, através da história, resistiu, na clandestinidade, às vezes como ciência oculta, contra sevícias e desmandos do chamado progresso. Progresso a que alguns sempre chamaram «barbárie tecnológica», como hoje está aí à vista na perfeição científica e tecnológica conseguida pela guerra dos «ataques cirúrgicos».
Sempre houve movimentos que se opuseram à lógica de morte em nome de uma lógica da vida. Afinal o ecologismo não é nenhuma novidade. Verdadeiro ovo de Colombo, como Alberoni mostra com meridiana clareza, o ecologismo é mesmo feito de evidências e redundâncias. Mas, como dizia o romancista e dramaturgo suíço Max Frisch, falecido há semanas em Zurique, «estamos num triste tempo-e-mundo em que é preciso lutar pelas evidências».
À lupa dos ecologistas, já em 1973, no primeiro grande choque petrolífero, era óbvio onde a barbárie tecnológica nos levaria. Era óbvio o que iria acontecer.
Mas o fascismo tecnológico, aliado dos ecofascismos «verdes» que entretanto surgiram, como gigantescos travestis, preferiu amarrar as ecoestratégias, nomeadamente as energias limpas, calá-las, inutilizá-las, metê-las no gueto, deixando-nos estrangulados pela monodependência do petróleo.
Esta guerra (que foi a penúltima antes do apocalipse...) ficou com data marcada desde a crise do Kipur, em finais de 73. Queriam o quê? O que veio exactamente a suceder. Só não podem dizer que, desde 1973, ninguém avisou. Pelo preço (em vidas e genocídios) a que nos começa a ficar o petróleo, será que as mil energias e tecnologias limpas ainda não são rentáveis, como os Veiga Simão todos andaram a proclamar estes 18 anos?
E será que ainda não é o momento de fazer de livros como o de Alberoni o manifesto de uma nova civilização contra a barbárie?
-----
(*) «Génese», Francesco Alberoni, Bertrand Editora
***