TESTAMENTO AC 1973
visor-1> scan segunda-feira, 24 de Junho de 2002
30-7-1973
VISOR - Por: JOSÉ DE MÁTOS-CRUZ - OS GASTOS E OS GESTOS – I (*)
(*) Esta 1ª parte da entrevista dada por Afonso Cautela a José Matos-Cruz, foi publicada no «Diário de Coimbra», em 30/7/1973
Trago-vos, hoje, o vibrante e sempre amigo depoimento de Afonso Cautela - sobre alguns dos pontos básicos de seu propositar, indeclinável e vidente...
Num vértice pontificante de princípios e occídios (em que domésticos horizontalismos se plasmam e amachucam), receber a labareda - ferida e sem balizas - de clamor, apresta e empertiga-nos à mais iniciática (humanizante) celebração de praticar valorativo.
- Náufragos e testemunhos dum caos arrostado e terreal, que se preite e atacar permita um tal empenhamento - respirável, fascinante, unível - de construir (produtiva) opinião...
JOSÉ DE MATOS-CRUZ
+
- Afonso, não será a Ecologia uma última desculpa (aparentemente científica) para o idealismo ideológico, para o abstencionismo político, para o niilismo moral?
-Teríamos de saber, primeiramente, o que é idealismo, abstencionismo, niilismo...
Se quiseres dizer com isso que a política a curto prazo só me interessa depois, que as disputas e contendas de blocos, ideologias e ismos me impacientam, é isso mesmo o que sinto e penso. Sem menosprezar a importância que todas essas coisas têm para quem as vive e sofre, permito-me também, numa sociedade de peritos, tão ciosa de especialidades estanques, incomunicáveis, ter a minha.
Julgo que um. certo abstencionismo ao nível imediato não invalida, no entanto, um engagement político muito claro e nítido a mais longo prazo. Penso, com efeito, que todos os políticos de hoje se encontram fundamentalmente absorvidos com suas conquistas, entretidos a digerir suas vitórias ou a encobrir seus fracassos, ocupados portanto com um presente muito próximo, sem se aperceberem das mutações de fundo que num futuro muito próximo (também) irão tornar obsoletas e anacrónicas essas chegadas e imediatas ocupações: as independências recentemente conquistadas, necessariamente eufóricas com a vitória conseguida a partir de zero - (ou menos que zero), estão demasiado eivadas com a própria reconstrução nacional para se ocuparem com o destino do globo nas próximas duas décadas; as revoluções socialistas a caminho da estabilização, demasiado cegas pelo dogmatismo do sistema adoptado e não tendo tempo nem oportunidade para se preocuparem com o que daqui a 10, 20 ou 30 anos nos estará acontecendo a todos; os imperialismo andam, como sempre, demasiado entusiasmados com os seus últimos uísques para saberem sequer que são os últimos e que preço (destruição acelerada dos recursos naturais) custaram; revoluções radicais como a chinesa têm uma tarefa demasiado ingente de sobrevivência imediata e de desenvolvimento, e a sua explosão demográfica é para eles um problema capaz de ofuscar em urgência e importância qualquer previsão de ecocídio; lutas como a que se trava na Indochina têm em si mesmas uma magnitude e arrastam consigo soma tal de destruição e sofrimentos que, ao pé delas, toda e qualquer preocupação a médio prazo parece não só abstracta mas mesmo cínica e até criminosa. Cuba, por exemplo, tendo tão próximo o seu Inimigo, não pode perder tempo nem energias prevendo o futuro ou ocupada. a investigar o que será a totalidade do globo nos próximos 10 erros; enfim, toda a América Latina luta justamente por emergir de um sub-desenvolvimento humilhante e ca-da Continente, cada Bloco, cada País tem as suas razões próprias para estar mergulhado no presente, apenas no presente e considerar o futuro um luxo de ociosos...
Nós próprios, portugueses, diremos (e teremos razão) que a renda da casa: o custo de vida, os impostos, a segurança profissional,- a assistência médica, a educação e a melhoria do nível de vida, a inflação e a migração estão em primeiríssimo lugar na escala de prioridades, sendo um luxo ofensivo debater problemas de contaminação atmosférica, enquanto outros problemas de infraestrutura, de emergência e urgência, de primeira instância e de primeira necessidade, se encontram longe de solução. Ora bem: faço questão de estar tão consciente de toda esta realidade premente (e opressiva) como o que se considera e classifica de realista.
Mas faço questão, também, de não admitir a nenhum desses realistas que considerem quimera, traição, escapismo, idealismo ou abstenção, a noção igualmente realista e igualmente premente e opressiva desses outros factores e factos que são os de uma antropolítica, transpolítica ou política planetária, oomo se queira: os factos e -factores de Contaminação, é destruição dos recursos naturais, e irreversibilidade do processo depredatório, de desgaste; - a aceleração suicida e criminosa imprimida pela industrialização e à Industrialização e da ofensiva, à escala mundial, movida contra o próprio globo que habitamos.
A curto prazo e a médio prazo existem problemas . Mais importantes uns do que os outros? Duvido. Diria antes: tão importantes uns como os outros .... Exigindo, uns e outros, diferentes graus de prioridade, não deixam por isso de ser problemas e graves. Se os políticos do imediato elegeram por definição, os problemas do imediato, de prazo curto, nós outros, políticos do mediato, temos todo o direito de viver os problemas a médio prazo do campo que elegemos, da especialidade que preferimos, que é exactamente e de não ter nenhuma.
-Mas essa preferência não é marca de uma subjectividade?
-Não, antes pelo contrário; esta preferência impõe-se independentemente do capricho de fulano e beltrano, impõe-se pelos próprios factos, impõe-se por uma realidade em processo aviltatório cada vez mais acelerado, premente e gritante...
O que me atira para a Ecologia não é o facto (aliás lícito) de ser um velho descontente desta civilização, seus mitos, erros, vícios, crimes, manias, abusos e absurdos. De facto, o pendor romântico que não oculto (e de que me não envergonho), pouco tem a ver com uma profunda e enérgica consciência ecológica. O amor da Natureza é uma coisa, de que não abdico, aliás, a verificação de que a técnica degradará a Natureza é outra. Por acaso coincidem. Mas apenas por acaso... Mesmo quem não ame a Natureza terá que reconhecer os factos da contaminação, sob pena, então, de escapismo, de traição, de abstencionismo e abstraccionismo, de puro e criminoso idealismo.
O facto desse escapismo se dar em nome da política imediata e entre os do imediato não o torna mais lógico ou mais lícito. O facto de serem realidades prementes a política imediata e os genocídios actuais, não explica nem desculpa a pretensa inconsciência dos problemas que vêm imediatamente e seguir e que são os da Ecologia: os eeocídios já hoje também perpetrados.
Entre nós, portugueses, o pior homicídio é o da Estupidez: que se acoberta numa falsa ciência, numa falsa moral e numa falsa noção de responsabilidades. De facto, o crime mais grave é o que determinado estado de dogmatismo é barbárie perpetra, em nome do progresso e de ideologias progressistas... No fundo, o que tais dogmáticos querem é beber o seu vodka tranquilamente, o seu (último) uísque e o resto que se lixe. Tão cínicos uns como outros...
Quem se preocupe com o destino das gerações futuras, ou com o futuro das gerações presentes, tem fatalmente que juntar, a uma consciência política do imediato, a consciência ecológica que é a política do mediato, do médio prazo, de imediato amanhã. Essa preocupação não é egoísta nem subjectiva. Não é niilista nem abstencionista. Não é idealista nem escapista.
Se lamento, hoje, a contaminação das águas e a rarefacção do ar respiráveis, não é tanto pelo que isso já representa de grave para nós, gerações de hoje aliás, já totalmente estropiadas; é o que representa de catastrófico para a geração seguinte, tão catastrófico como as florestas do Vietname, ontem e hoje arrasadas pelos desfolhantes e tudo o que, nessa terra mártir, representa simultaneamente de genocídio e ecocídio.
Em que é que uma coisa desdiz a outra, eis o que a Estupidez dos dogmáticos ainda não conseguiu explicar...
(CONTINUARÁ)
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(*) Esta 1ª parte da entrevista dada por Afonso Cautela a José Matos-Cruz, foi publicada no «Diário de Coimbra», em 30/7/1973
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30-7-1973
VISOR - Por: JOSÉ DE MÁTOS-CRUZ - OS GASTOS E OS GESTOS – I (*)
(*) Esta 1ª parte da entrevista dada por Afonso Cautela a José Matos-Cruz, foi publicada no «Diário de Coimbra», em 30/7/1973
Trago-vos, hoje, o vibrante e sempre amigo depoimento de Afonso Cautela - sobre alguns dos pontos básicos de seu propositar, indeclinável e vidente...
Num vértice pontificante de princípios e occídios (em que domésticos horizontalismos se plasmam e amachucam), receber a labareda - ferida e sem balizas - de clamor, apresta e empertiga-nos à mais iniciática (humanizante) celebração de praticar valorativo.
- Náufragos e testemunhos dum caos arrostado e terreal, que se preite e atacar permita um tal empenhamento - respirável, fascinante, unível - de construir (produtiva) opinião...
JOSÉ DE MATOS-CRUZ
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- Afonso, não será a Ecologia uma última desculpa (aparentemente científica) para o idealismo ideológico, para o abstencionismo político, para o niilismo moral?
-Teríamos de saber, primeiramente, o que é idealismo, abstencionismo, niilismo...
Se quiseres dizer com isso que a política a curto prazo só me interessa depois, que as disputas e contendas de blocos, ideologias e ismos me impacientam, é isso mesmo o que sinto e penso. Sem menosprezar a importância que todas essas coisas têm para quem as vive e sofre, permito-me também, numa sociedade de peritos, tão ciosa de especialidades estanques, incomunicáveis, ter a minha.
Julgo que um. certo abstencionismo ao nível imediato não invalida, no entanto, um engagement político muito claro e nítido a mais longo prazo. Penso, com efeito, que todos os políticos de hoje se encontram fundamentalmente absorvidos com suas conquistas, entretidos a digerir suas vitórias ou a encobrir seus fracassos, ocupados portanto com um presente muito próximo, sem se aperceberem das mutações de fundo que num futuro muito próximo (também) irão tornar obsoletas e anacrónicas essas chegadas e imediatas ocupações: as independências recentemente conquistadas, necessariamente eufóricas com a vitória conseguida a partir de zero - (ou menos que zero), estão demasiado eivadas com a própria reconstrução nacional para se ocuparem com o destino do globo nas próximas duas décadas; as revoluções socialistas a caminho da estabilização, demasiado cegas pelo dogmatismo do sistema adoptado e não tendo tempo nem oportunidade para se preocuparem com o que daqui a 10, 20 ou 30 anos nos estará acontecendo a todos; os imperialismo andam, como sempre, demasiado entusiasmados com os seus últimos uísques para saberem sequer que são os últimos e que preço (destruição acelerada dos recursos naturais) custaram; revoluções radicais como a chinesa têm uma tarefa demasiado ingente de sobrevivência imediata e de desenvolvimento, e a sua explosão demográfica é para eles um problema capaz de ofuscar em urgência e importância qualquer previsão de ecocídio; lutas como a que se trava na Indochina têm em si mesmas uma magnitude e arrastam consigo soma tal de destruição e sofrimentos que, ao pé delas, toda e qualquer preocupação a médio prazo parece não só abstracta mas mesmo cínica e até criminosa. Cuba, por exemplo, tendo tão próximo o seu Inimigo, não pode perder tempo nem energias prevendo o futuro ou ocupada. a investigar o que será a totalidade do globo nos próximos 10 erros; enfim, toda a América Latina luta justamente por emergir de um sub-desenvolvimento humilhante e ca-da Continente, cada Bloco, cada País tem as suas razões próprias para estar mergulhado no presente, apenas no presente e considerar o futuro um luxo de ociosos...
Nós próprios, portugueses, diremos (e teremos razão) que a renda da casa: o custo de vida, os impostos, a segurança profissional,- a assistência médica, a educação e a melhoria do nível de vida, a inflação e a migração estão em primeiríssimo lugar na escala de prioridades, sendo um luxo ofensivo debater problemas de contaminação atmosférica, enquanto outros problemas de infraestrutura, de emergência e urgência, de primeira instância e de primeira necessidade, se encontram longe de solução. Ora bem: faço questão de estar tão consciente de toda esta realidade premente (e opressiva) como o que se considera e classifica de realista.
Mas faço questão, também, de não admitir a nenhum desses realistas que considerem quimera, traição, escapismo, idealismo ou abstenção, a noção igualmente realista e igualmente premente e opressiva desses outros factores e factos que são os de uma antropolítica, transpolítica ou política planetária, oomo se queira: os factos e -factores de Contaminação, é destruição dos recursos naturais, e irreversibilidade do processo depredatório, de desgaste; - a aceleração suicida e criminosa imprimida pela industrialização e à Industrialização e da ofensiva, à escala mundial, movida contra o próprio globo que habitamos.
A curto prazo e a médio prazo existem problemas . Mais importantes uns do que os outros? Duvido. Diria antes: tão importantes uns como os outros .... Exigindo, uns e outros, diferentes graus de prioridade, não deixam por isso de ser problemas e graves. Se os políticos do imediato elegeram por definição, os problemas do imediato, de prazo curto, nós outros, políticos do mediato, temos todo o direito de viver os problemas a médio prazo do campo que elegemos, da especialidade que preferimos, que é exactamente e de não ter nenhuma.
-Mas essa preferência não é marca de uma subjectividade?
-Não, antes pelo contrário; esta preferência impõe-se independentemente do capricho de fulano e beltrano, impõe-se pelos próprios factos, impõe-se por uma realidade em processo aviltatório cada vez mais acelerado, premente e gritante...
O que me atira para a Ecologia não é o facto (aliás lícito) de ser um velho descontente desta civilização, seus mitos, erros, vícios, crimes, manias, abusos e absurdos. De facto, o pendor romântico que não oculto (e de que me não envergonho), pouco tem a ver com uma profunda e enérgica consciência ecológica. O amor da Natureza é uma coisa, de que não abdico, aliás, a verificação de que a técnica degradará a Natureza é outra. Por acaso coincidem. Mas apenas por acaso... Mesmo quem não ame a Natureza terá que reconhecer os factos da contaminação, sob pena, então, de escapismo, de traição, de abstencionismo e abstraccionismo, de puro e criminoso idealismo.
O facto desse escapismo se dar em nome da política imediata e entre os do imediato não o torna mais lógico ou mais lícito. O facto de serem realidades prementes a política imediata e os genocídios actuais, não explica nem desculpa a pretensa inconsciência dos problemas que vêm imediatamente e seguir e que são os da Ecologia: os eeocídios já hoje também perpetrados.
Entre nós, portugueses, o pior homicídio é o da Estupidez: que se acoberta numa falsa ciência, numa falsa moral e numa falsa noção de responsabilidades. De facto, o crime mais grave é o que determinado estado de dogmatismo é barbárie perpetra, em nome do progresso e de ideologias progressistas... No fundo, o que tais dogmáticos querem é beber o seu vodka tranquilamente, o seu (último) uísque e o resto que se lixe. Tão cínicos uns como outros...
Quem se preocupe com o destino das gerações futuras, ou com o futuro das gerações presentes, tem fatalmente que juntar, a uma consciência política do imediato, a consciência ecológica que é a política do mediato, do médio prazo, de imediato amanhã. Essa preocupação não é egoísta nem subjectiva. Não é niilista nem abstencionista. Não é idealista nem escapista.
Se lamento, hoje, a contaminação das águas e a rarefacção do ar respiráveis, não é tanto pelo que isso já representa de grave para nós, gerações de hoje aliás, já totalmente estropiadas; é o que representa de catastrófico para a geração seguinte, tão catastrófico como as florestas do Vietname, ontem e hoje arrasadas pelos desfolhantes e tudo o que, nessa terra mártir, representa simultaneamente de genocídio e ecocídio.
Em que é que uma coisa desdiz a outra, eis o que a Estupidez dos dogmáticos ainda não conseguiu explicar...
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(*) Esta 1ª parte da entrevista dada por Afonso Cautela a José Matos-Cruz, foi publicada no «Diário de Coimbra», em 30/7/1973
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