ORDER BOOK

*DEEP ECOLOGY - NOTE-BOOK OF HOPE - HIGH TIME *ECOLOGIA EM DIÁLOGO - DOSSIÊS DO SILÊNCIO - ALTERNATIVAS DE VIDA - ECOLOGIA HUMANA - ECO-ENERGIAS - NOTÍCIAS DA FRENTE ECOLÓGICA - DOCUMENTOS DO MEP

2006-07-28

ECOLOGIA 1967

4352 bytes -RES-1>

OS ANOS CRUCIAIS DO ECOLOGISMO, ANTES E DEPOIS DO 25 DE ABRIL - DA ARQUEOLOGIA REAL À ARQUEOLOGIA VIRTUAL

Lisboa, 29/7/1997 - Quis o acaso que no jornal «República», a partir de 1967, tivessem aparecido os primeiros artigos com ideias que claramente apontavam para uma leitura ecológica dos factos, do mundo e da vida.
O acaso, e a capacidade democrática dos que dirigiam esse jornal para aceitar temas e artigos que não eram, certamente, os que estariam em foco na época e a que se poderia facilmente colar o rótulo de «reaccionários».
Ainda nem sequer se falava de qualidade de vida, quanto mais de ecologia, ambiente ou política do quotidiano.
Protecção das espécies, direitos do peão, crítica à actividade cinegética, aos consumos venenosos e «provocantes», aos produtos químicos na alimentação, à industrialização do quotidiano, ao fascismo quotidiano ou fascismo ordinário, eis alguns temas que não constituíam, com certeza, prioridades na época, onde a resistência ao fascismo político, ao colonialismo, à guerra colonial e à censura necessariamente tinham que assumir a 1ª linha das preocupações.
A própria defesa do consumidor, comparada com estas urgências, podia considerar-se um tema de luxo. Como de luxo ainda foi durante muitos anos depois do 25 de Abril.
Além do jornal «República», entre 1967 e 1970, outros jornais teriam dado democrático acolhimento aos tais assuntos pouco «populares». Foram esses jornais, decisivos nos anos 1971, 72, 73 e 74, os seguintes:

- «Diário do Alentejo», onde a perspicácia e competência profissional do jornalista José António Moedas dava direito de asilo aos temas «difíceis», em secções de variados nomes: «Relances», «Meio Ambiente», «Ninharias do Quotidiano», «Margem esquerda», «Alegrias do Consumo», etc.
- «Notícias da Amadora», semanário dirigido por Orlando Gonçalves, o escritor de espírito igualmente sagaz e aberto ao futuro: no «Notícias da Amadora», inúmeros artigos, publicados entre 1970 e 1974, davam relevo a temas que o movimento ecológico viria a glosar activamente ou que, com o tempo, foram decaindo no esquecimento e no silêncio.
Contraponto deste trabalho de arqueologia seria, portanto, aquele em que se falasse dos temas e problemas - às dezenas - que, levantados pelo movimento ecológico, foram totalmente abandonados e constituem hoje matéria de uma arqueologia ...virtual.
A cidade na perspectiva do peão, utente, munícipe, contribuinte, consumidor e cidadão eleitor - foi uma das linhas desenvolvidas em inúmeros artigos desse semanário.

- «Diário de Coimbra», a partir de 1972, seria local de acolhimento às teses pré-ecológicas de quem lá quisesse escrever. Ao escritor e poeta José Matos Cruz se fica a dever esse acolhimento.
Como a ele se fica a dever também a possibilidade de editar, logo após o 25 de Abril, um livro quase todo escrito nos anos de 1972 e 1973: «Contributo à Revolução Ecológica», assinado pelo jornalista Afonso Cautela.

- A partir de 1970, «O Século» e o semanário «O Século Ilustrado» foram local de eleição para assuntos ecológicos e alternativos, antes e depois do 25 de Abril, em secções como «Etapas para o Ano 2000» e «Notícias do Futuro»

- Mais insólito, entre 1970-1974, foram os artigos de Afonso Cautela (numerosos) que saíram num jornal diário de Moçambique, «Notícias da Beira», iniciativa que se deve inteiramente à escritora Maria Rosa Colaço, residente então na capital moçambicana.
***

REFORMISMO 1972

1-2 - 97-07-29-eh> - 5248 bytes - ic-72>

1972: IDEIAS-CHAVE DE ECOLOGIA HUMANA

Lisboa, 29/7/1997 - Ideias-chave no movimento ecológico, formado depois do 25 de Abril, eram expostas em alguns textos de 1972, que só viriam a aparecer publicados no livro «Contributo à Revolução Ecológica», editado em 1975.
«O Ciclo do Caranguejo», (segundo o título de um livro do sociólogo brasileiro Josué de Castro), seria, como realidade social, como símbolo e como metáfora, um dos leit motiv que levaram ao movimento ecológico mais fundamentalista (ao realismo ecológico).
Mas, curiosamente, foi um dos muitos temas que se diluiu, com o decorrer dos anos, como se nunca tivesse havido «ciclo do caranguejo» e como se o «ciclo do caranguejo» não fosse o símbolo da realidade mais hedionda e ao mesmo tempo mais anti-ecológica do nosso tempo: a Fome dos Países da Fome.
Essa metáfora que não era metáfora encorajava a que o significado alargado de certas outras palavras fosse também explorado: «arma», «doença», «fascismo», «campo de concentração» eram alguns dos exemplos que os textos de 1972 abordavam.
Mas esta tese da metáfora orgânica em sociologia (e política), tão ligada à génese ecologista, nunca vingou, nem sequer como tese e nem sequer entre pensadores de carreira. Relacionar nunca foi o forte do nosso sistema educativo e cultural: fazer associações de ideias desta latitude, era um esforço impensável mesmo para intelectuais preparados.
A derrota do novo paradigma de pensamento começava aí, na derrota de todos os itens sucessivamente indicados, no âmbito do movimento ecológico, como fundamentais:
- pensar o simultâneo como queria Levy Strauss
- pensar por associação de ideias (a metáfora orgânica em Sociologia)
- pensar todos os interfaces da ecologia global (termodinâmica alargada)
- pensar dialecticamente (como fizeram desde há 10 mil anos os taoístas)
- pensar o efeito em função da causa ( a linha por excelência do raciocínio científico )
- humanizar as ciências (ditas) humanas
- etc.
Nesses apontamentos de 1972, a ideia-chave era, de facto, a do «reformismo» por contraponto à revolução.
Antes do 25 de Abril era, apesar de tudo, menos escandaloso falar de revolução ecológica, biológica ou cultural do que de revolução tout court.
Exactamente o inverso do que iria suceder depois do 25 de Abril: em que era mais perigoso falar de revolução ecológica, biológica e cultural do que de revolução tout court.
Na palavra «reformismo» escondia-se, afinal, a crítica à sintomatologia em geral e à sintomatologia médica em especial.
Ou seja, o que espantava o autor destes ensaios, premonitórios do movimento ecológico e posteriormente coligidos no livro «Contributo à Revolução Ecológica», Paço de Arcos, 1975, era que se deixassem crescer as doenças (em sentido lato), os sintomas (em sentido lato), os efeitos (em sentido lato) sem se ter feito nada para evitar ou debelar as causas.
Vários títulos editados, mais tarde, na «Frente Ecológica», glosam esse tema da sintomatologia reformista face ao diagnóstico causal, desde logo sinónimo de ecológico.
A questão de alargar para o plural certos conceitos como «doença», «arma», «fascismo», «concentracionário» partindo, portanto, da sintomatologia médica (mais observável) deveria estender-se à sociologia e à política: uma política causal era uma política ecológica e portanto...revolucionária.
Em vez de deixar proliferar o bairro da lata, a pobreza, o crime, o suicídio, o desemprego, o cancro, a tortura, o terrorismo, a poluição, o lixo, a cólera, o que uma política ecológica global deveria fazer era evitar tudo isso, pois tudo isso era produto de causas ambientais (em sentido lato).
Melhorar a cidade, a fome, os impostos, os exames, as transplantações cirúrgicas, os hospitais, as prisões, a guerra biológica, o automóvel e outros males era, para essa tese radical, tempo perdido.
Não se melhora o Mal, deve é fazer-se tudo para que ele não nasça.
A táctica de anti-poluição, por exemplo, dava o protótipo da sintomatologia e do reformismo, já que é apenas um aproveitamento lucrativo por novas empresas daquilo que outras empresas tinham produzido e iam continuar a produzir.
Anos mais tarde, nomeadamente na década de 80, era este - reformismo/sintomatologia - o leit-motiv mais glosado, sob o rótulo «ecologia humana», na «Crónica do Planeta Terra», doze anos de publicação regular, aos sábados, n' «A Capital».
Ecologia humana era, por exemplo, tentar saber as causas ambientais (em sentido larguíssimo da palavra Ambiente) que tinham levado Vítor Jorge a cometer 7 homicídios de uma só vez.
***

IDOSOS 1993

1-3- 93-07-29-di> = diário de ideias - uma pequena proeza, a deste file: consegui misturar o iniciático e o político, o político e o iniciático: e não explodiu nada
6294 caracteres - 3 páginas - ahis-> merge doc de um único file wri do mesmo nome que significa ajuda humanitária aos idosos sós - projectos muito pessoais - o livro das anedotas»
6228 caracteres - ahis-1>-adn>cartas> Newsletter Nº __


AJUDA HUMANITÁRIA AOS IDOSOS SÓS - UM PROJECTO EM MARCHA

Esta circular tem carácter meramente exploratório, destina-se a passar de mão em mão e não constitui documento definitivo para uso público.

Lisboa, 29/7/1993

«O Poder, seja ele qual for, é sempre, à face de Deus, grotesco, abjecto, hediondo. Mas quando se atreve a atacar os velhos à paulada (ou a instrumentalizá-los) transforma-se na própria Abominação. É o momento de os velhos salvarem a alma dos poderosos, rezando muito por eles.
«Velhos de todo o Mundo, uni-vos: só tendes a perder os sonhos de Criança».

1 - De inspiração cristã, vegetariana e naturista, a Associação de Ajuda Humanitária aos Idosos Sós tem por objectivo prestar apoio e ajuda aos que, pela idade avançada, se encontram incapacitados de atender às suas básicas carências.
2 - A AAHIS será uma espécie de porto de abrigo para os que se sentem abandonados e necessitam de uma palavra ou gesto de conforto. E de preparar a vida que vão viver após esta vida, ou seja, após esta morte.
3 - Apesar de haver inúmeras instituições aparentemente com os mesmos objectivos, nunca é demais mais uma, embora esta se imponha por alguns motivos específicos característicos:
a) a inoperância da maior parte das instituições particulares e do estado, que se dizem de «solidariedade social» mas que de solidariedade humana nada ou pouco têm;
b) A magnitude das tarefas, no campo dos direitos dos Idosos, é de tal maneira vasta, que nunca será demais as instituições que se criarem com esse objectivo;
c) Para lá do mais, a AAHIS irá caracterizar-se por alguns aspectos que a especificam no contexto das instituições congéneres, tais como:
- A inspiração vegetariana e naturista
- A opção pelos métodos naturais de cura e tratamento, quer da doença aguda, quer da doença crónica
- O uso sistemático e metódico do Pêndulo como Bússola universal no caminho da eternidade
- A aprendizagem sistemática (que o Pêndulo possibilita) de uma atitude serena, confiante e radiante perante o que chamam morte
- A consequente aprendizagem dos processos que preparam não só uma velhice calma e sem violências (nem agonias lentas) mas a visão (consciência) mais clara do que a nós, velhos, nos espera do outro lado da espessa parede da chamada Segurança Social
- Sem complexos, a AAHIS declara-se e assume-se como uma instituição capaz de transmitir aos seus sócios os necessários conhecimentos e práticas que indiciam a iniciação de um processo iniciático

4 - Ao contrário do que irá acontecer aos jovens - já nascidos, quase todos, sob as vibrações de ouro da Era do Aquário e que irão portanto viver em plenitude, sem os Silva Peneda à ilharga, a Nova Idade de Ouro que se aproxima a passos largos, ao contrário dos jovens que vão ter um buraco na camada de Ozono mas todas as chances de meter os poderosos no buraco infecto das ratazanas onde eles aliás sempre estiveram, os velhos sem poder têm muito pouco tempo para preparar a grande viagem. Precisam, portanto, de ser mais ajudados do que os jovens, no sentido de uma iniciação antes da morte física. A seu favor, os velhos têm um Ego, em princípio menos rígido do que a juventude e mais susceptível de aceitar a Luz

5 - Falando de «ganhar tempo», é evidente que a AAHIS não irá contemporizar com tudo o que hoje se consideram «atrasos de vida», nomeadamente nas áreas das correntes místicas que se pretendem iniciáticas e isentas do Pecado Mortal do Poder, seja ele qual for. A AAHIS surge exactamente para exercer uma atitude lúcida, crítica e exigente em relação a tudo o que, quer no Poder, quer nas alegadas correntes do anti-Poder, constitui um obstáculo à conquista da derradeira e primeira Sabedoria. Mas só agirá, se for atacado ou provocado. Nunca, jamais tomará a iniciativa de cultivar o confronto. Queremos é sopas e descanso. Agiremos sempre e só por reacção. Em legítima defesa.

6 - A legítima defesa, neste momento, tem duas frentes concretas:
- O governo português perdeu a cabeça e, em vez de cultivar a demagogia barata do sr. Manuel Sérgio, falando muito em solidariedade, desatou à paulada na cabeça dos velhos, na cena mais apocalíptica e grotesca da Idade Moderna Europeia
- O próprio Manuel Sérgio e seu partido, que veio para tornar grotesca a arte de envelhecer em Portugal com dignidade

7 - Sem quaisquer ilusões, portanto, sobre os crimes e violências do Poder, nesta triste Idade de Kali-yuga, em que os poderosos de toas as espécies de poder queimam os últimos cartuchos que lhes restam, a AAHIS baseia o seu infinito optimismo em duas fontes eternas:
- O pêndulo como a ponta visível da Eternidade
- A Nova Idade de Ouro que desponta

8 - É claro que, na defesa destas duas fontes, a AAHIS não hesitará em combater sempre que for atacada. E só quando for atacada, como agora que um ministro português resolveu, não se sabe por que raio de loucura, desatar à paulada na cabeça dos velhos. Há, porém, à partida a certeza de que ninguém, nem o mais perverso dos poderosos, ousará atacar ou perverter uma Associação de Ajuda Humanitária aos Idosos Sós. Até porque somos os únicos a garantir que rezaremos para lhes salvar a alma. Isto, apesar de ter havido e de continuar a haver, quem tenha tido a coragem de cometer a maior proeza do século XX, ou seja, a maior e mais solene violência contra os Idosos: o Estado Português. Relativamente a este crime, há que falar claro e mijar direito:
a) Quando se fala do Estado, não se fala só de governo e maioria: fala-se de outros órgãos de soberania, à partida intersolidários entre si
b) O atentado aos direitos humanos dos idosos perpetrado pelo Estado português merecia dar entrada no Tribunal de Haia. Para essa e outras tarefas inadiáveis, irá ser fundada a Associação de Ajuda Humanitária aos Idosos Sós.
Afonso Cautela
Lisboa, 29/7/1993

PS: Esta primeira «newsletter» tem carácter meramente exploratório, não sendo nem constituindo um documento para uso público: irá apenas circular de mão em mão, num círculo restrito de pessoas, exactamente com o objectivo de recolher sugestões e críticas - principalmente críticas - que serão minuciosamente aproveitadas para a redacção final de um documento - esse sim - a tornar público.
***

ALQUEVA 1976

1-8 - 76-07-29-IE-ET> =ideia ecológica domingo, 1 de Dezembro de 2002-scan – as duas primeiras páginas deste texto já foram aproveitadas em um único file de nome <


COMO, POR CAUSA DE ALQUEVA,DEIXEI DE SER DEMOCRATA, PORTUGUÊS E BOM CHEFE DE FAMÍLIA(*)

" Em termos políticos, sem a Reforma Agrária levada às últimas consequências, não valeria a pena Alqueva.
" Mais: Alqueva sem a Reforma Agrária seria um desastre para o País."
ANTONIO SANTOS, in "A Capital", 6.Março.1976

"Se o plano fosse executado no seu todo, implicava a necessidade da reestruturação e reforma agrária, com a consequente transformação da ordem social."
ENG. JOAQUIM FARIA FERREIRA, que desde 1552 vem dando forma ao plano de Alqueva na Direcção dos Serviços de Aproveitamento Hidráulico, onde parece ser vitalício.

*

[29 de Julho de 1976] - No «Diário do Alentejo» (Beja), João de Moura colocava os objectores de Alqueva no campo santo da "direita mais reaccionária".
Fiquei a saber que estava, portanto, ao lado das "forças mais retrógrados da sociedade portuguesa" , "com os jornais da Direita", etc só porque Alqueva não me parece ser a caixinha de Pandora que os seus adeptos dizem ser.
Numa penada da sua ágil pena, o sr João de Moura, pseudónimo evidente de quem não quer deixar-se conotar por posições políticas demasiado nítidas, coloca todos os críticos e críticas à Megalomania de Alqueva no lado dos-reaccionários.

Ora, e até ao 8 de Fevereiro de 1979, eu estava convencido do contrário. E as primeiras razões que me fizeram o inimigo n° 1 de Alqueva, no ensaio que escrevi e publiquei em 1975, são precisamente razões ideológicas, ou antes, razões de princípio, de ética, de filosofia política:
- porque Alqueva é um projecto herdado do anterior regime;
- porque Alqueva é o coroamento de um Plano de Rega toda ele latifundiarista e lesivo dos interesses do pequeno e médio agricultor;
- porque Alqueva é um projecto megalómano nascido e criado á luz dos sonhos coloniais do extinto Império Ultramarino Português
- porque Alqueva promete mundos e fundos para daqui a 10 ou 20 anos quando já hoje grassa a fome, a miséria, a insegurança, a injustiça;
- porque Alqueva é obra de tecnocrata e o tecnocrata - de Esquerda ou de Direita - é sempre reaccionário;
- porque Alqueva é mais uma obra pública entre as obras de fachada que o regime anterior já não teve tempo ou dinheiro para erguer em sua própria glória;
- porque Alqueva é o delírio das grandezas na sua máxima expressão, delírio que nos ficou como doença herdada de outros delírios colonialistas;
- porque Alqueva é obra de super-engenharia do Ambiente e toda a engenharia do Ambiente é fascista;
- porque Alqueva vai praticar um crime de Etnocídio e de Ecocídio, o que é igualmente imoral (para não dizer pior);
- porque Alqueva é o auge dos imperialismos dominantes nesta Terra e a submissão dos portugueses ao imperialismo que compromete a nossa independência

Por estas e outras razões é que eu julgava Alqueva, em 1975, um projecto que teria muito mais a ver com uma estratégia de Direita.
Enganei-me. Na grande Pátria da Tecnocracia Internacional, o preto é branco e o branco é preto.
No artigo já citado do "Diário do Alentejo", dizia o mesmo João de Moura que a decisão de paralisar os investimentos em Alqueva tinha sido do governo, que o articulista rotula de reaccionário, Nobre da Costa.
Não foi bem assim e os entusiasmos por Alqueva não nos podem levar a distorções tão grosseiras como essa.

A verdade verdadinha é que já na última fase do II Governo Constitucional se verificava sobre o assunto profundo desacordo entre o secretário de Estado do Planeamento, José Manuel Serrão (que com Vítor Constâncio advogava a não aprovação de maiores autorizações de financiamento a Alqueva) e o director-geral dos Recursos e Aproveitamentos Hidráulicos, eng Faria Ferreira (verdadeira eminência parda dos mistérios de Alqueva) que, com João Porto e Sousa Gomes, não admitiam Alqueva posta em causa.
Caberia a Nobre da Costa seguir a linha José Manuel Serrão - Víctor Constâncio.

Mas agora pergunto eu: Será Nobre da Costa um ecologista? (Não terá manifestado Nobre da Costa uma amorosa tendência para o P.S.? Não será Nobre da Costa a quintessência de uma filosofia e de uma estratégia que tem em Alqueva o seu símbolo?
Se foi o seu governo a suspender Alqueva e a coadjuvar dúvidas que vinham de governos anteriores, é ainda caso para perguntar: quando os próprios tecnocratas desconfiam das suas obras-primas, quem poderá confiar neles e nelas?

É ainda João de Moura que repete uma alusão muito frequente entre os adeptos de Alqueva; ficou assente que, para fazer valer junto das massas, o projecto de Alqueva, haveria uma assimilação - do tipo amálgama -. rapidamente a fazer e a difundir, qual amálgama era afirmar e gritar que defender Alqueva era defender a Reforma Agrária. E já está.

Quem não é do Benfica é mau português e péssimo chefe de família.

A falsidade desta identificação abusiva não precisaria ser demonstrada, tão óbvia parece. No entanto e já que os objectores de Alqueva levam roda de tristes reaccionários que são contra o interesse dos trabalhadores alentejanos, vamos ver, por exemplo, as maravilhas que de Alqueva diz um dos maiores defensores da Reforma Agrária e do agricultor alentejano: o ex-ministro António Barreto.

Se , como abusivamente se tem propalado, ser contra Alqueva é ser contra a Reforma Agrária, vejamos então o que em Junho de 1977 dizia o autor da Lei Barreto, antes de ser odiado pelos sindicatos agrícolas, exactamente por essa lei.


Dizia o então ministro Barreto ao “Diário de Lisboa" estas eufóricas declarações apologéticas de adepto incondicional de Alqueva:

" Há imensa disponibilidade de água que poderá ser utilizada com êxito na irrigação de 100 a 150 mil hectares, dos quais 60 mil são terras da classe A, outro tanto da classe B e 10 a 15 mil da C.
" O que é um dado bastante favorável.
" Isto permitirá a criação de 112 mil cabeças de gado, fazer regadio e cultivo" - dizia exaltado o autor da Lei Barreto, acrescentando:
" Tentar-se-á igualmente a introdução de leguminosas cuja produção, a nível da Europa, é actualmente deficitária produzindo-se apenas 3 a 5 por cento dessas plantas. "

E o "Diário de Lisboa" saboreava(a favor de Alqueva) as palavras do ministro até à última gota, comentando:

" Por outro lado e referindo-se ao plano social, o ministro declararia " ao abrigo da lei da Reforma Agrária e com todas as suas possibilidades, se criarão novas empresas agrícolas com a dimensão e a rentabilidade necessárias."
Isto foi o que o ministro Barreto, defensor n°- 1 da Reforma Agrária, disse em 21 de Junho de 1977 ao "Diário de Lisboa" em defesa entusiástica da grande Alqueva.
Mas é claro que o senhor Afonso Cautela é que é o inimigo da Reforma Agrária só porque tem razões morais para se opor a toda a megalomania tecno-fascista.

MENOS FACHADA E ALGUM DOM SENSO

Também não é muito limpo dizer-se (como dizem e repetem os panegiristas de Alqueva) que o despacho normativo de Dezembro de 1978 vai comprometer Alqueva.
Nada poderá aliás comprometer um projecto que à partida é já por si o maior buraco português do século, sem falar de Sines.
O facto é que, ao verificarem alguns o buraco que Alqueva era e dado não haver estudos seguros, dado os vários departamentos não se entenderem quanto à quota parte de cada um nas despesas e nos benefícios a receber dessa cornucópia, dado o Pais estar de gatas e ninguém saber onde ir buscar os 30 milhões que Alqueva engolfará, o despacha normativo era a menor das grandes asneiras que uma asneira destas deveria obrar.

Mas o despacho - que Nobre da Costa herdou do II Governo Constitucional, limitando-se a mandar seguir - não impede que muita coisa ainda se faça, ainda que não se façam necessariamente aquelas que, pela fachada, dariam maior gozo aos indefectíveis adeptos das Obras Públicas.
Alguma coisa e muita coisa será feita do Plano inicial. Mas se o bom senso prevalecer - o que não é muito provável neste hospital de doidos - é possível que se comece pelas obras de menos vulto mas mais susceptíveis de servir imediatamente os interesses das populações e da agricultura.

Porque - e este é o busílis - Sines já não precisa e já não é preciso, como se pretendia, começar esta grande obra pelo... telhado.

O DELÍRIO DAS GRANDEZAS SERÁ INCURÁVEL ALÉM DE CONTAGIOSO?

No mesmo ensaio onde, em 1975, falei do molhe de Sines e previa que, Inverno a Inverno, o Oceano se encarregaria de o demolir, falei também do aleatório que preside ao empreendimento de Alqueva.
Aliás, não é por nenhum poder profético anormal. É apenas porque o aleatório se inscreve, normal e estruturalmente (é intrínseco ou inerente) a todo e qualquer projecto megalómano e capital - intensivo como eles dizem.
Nesta terra de ninguém ou margem de vácuo chamada aleatório é que jogam portanto os revisionistas, os futurologistas que dão ao povo todos os paraísos e os vendedores de promessas que proliferam na nossa vida pública.
Prever maravilhas, quem os impede? A asneira é livre e a profecia futurológica ainda mais.
Mas como o molhe de Sines recomprovou, em dois invernos consecutivos, nada á seguro em matéria de previsões e não pode o povo (tal como o Ecologista o alertara) deixar-se iludir por tecno-previsores. Cada vez que falam verdade, cai-lhes um dente.
O 0 molhe de Sines fala por si. Quinze dias antes do temporal fazer a sua grande demolição, em Fevereiro de 1978 (e dois mortos, não esqueçamos) o principal responsável pelo Gabinete da Área de Sines afirmava, a pés juntos, que nunca, jamais, em tempo algum o oceano beliscaria aquela portentosa obra da nossa engenharia civil.
De facto e quinze dias depois, o mar tempestuoso derrubou só 500 metros de um molhe que pretende, contra todas as leis da Natureza e até da Engenharia, ter quatro vezes isso.
Tal como Alqueva nos enche de orgulho pimpão com o seu maior lago artificial da Europa, eis que nós queríamos ter o maior Esporão do Mundo. Que esta doença crónica da estrutura - o "delírio das grandezas" - não seja contagiosa e não venha a contaminar o ancestral bom senso do povo português e seu sentido de mesura, é tudo quanto um português de bom senso poderá desejar. Delírio das grandezas será incurável?

AS INCONFESSÁVEIS RAZOES QUE A RAZÃO DESCONHECE

Se a EDP já tinha gasto, em princípios de 1979, meio milhão de contos nas enseadeiras;
Se a EDP estava na crista do empreendimento e a cantar de galo desde o princípio da campanha em favor de Alqueva;
Se de repente rói a corda e desiste - que se passa? "Que ha ocorrido, hermanos?”
Será que a Alemanha Federal não quis, mesm, financiar semelhante loucura?
De facto e que se saiba, o Banco Mundial, o Banco Europeu de Investimento e o Kreditanstalt fur Wiederaufbau (RFA.) mostraram "total desinteresse “ (...) " por um projecto que consideram muito insuficientemente estudado e da cuja concepção discordam, dado o elevado custo previsto por hectare a regar."

(que estas não serão as razões verdadeiras para EDP fazer stop, é evidente. E que este volte-face tem a ver com outras coisas, lá isso tem; por exemplo:

- SINES - Tal como sempre defendi, a euforia de Alqueva não era para beneficio agrícola, por amor ao Alentejo ou consideração pelas necessidades do povo trabalhador da nossa província, mas a bem das multinacionais que em Sines tencionavam assentar arraiais.

Ora uma vez que Sines está em retrocesso, é possível que a água de Morgavel-Sado lhe chegue sem precisar de Alqueva .

- FERREL - Se nos lembrarmos de Ferrel, o motivo (inconfessável) da EDP ter abandonado Alqueva é duplo:
a) por um lado, o não fornecimento de electricidade desta proveniência vai dar trunfos à central nuclear de Ferrel;
b) mas, por outro lado, se a EDP confessasse dificuldades de obter os 30 milhões que já hoje custaria Alqueva, muito mais dificilmente explicaria ao macaco como iria obter os 50 milhões que já hoje custa Ferrel;
c) entretanto, a EDP continua a sua rábula, jogando no eterno aleatório disto tudo, fingindo querer instalar centrais termo-eléctricas mas logo por sorte os municípios de Aveiro e Viana, por razões de ambiente, não autorizam.

Sem térmica e sem Alqueva, eis a EDP a entesourar argumentos para a central nuclear de Ferrel.
Uma pergunta a propósito de hidro-eléctricas e crónicos atrasos na sua construção:
a barragem da Aguieira, na confluência do Dão com o Mondego, deveria estar terminada há pelo menos 5 anos.
Não se compara, no entanto, em complexidade ao projecto de Alqueva.
Será que os 10 anos previstos para Alqueva não irão prolongar-se em atrasos proporcionais?
Quem pode confiar em quem?

Quem é que afinal se serve disto tudo - aleatório, promessas, atrasos - para ter o País cada vez mais na lama e na miséria?

FAÇA-SE OU NÃO ALQUEVA...

Faça-se ou não Alqueva, o problema é de saber que modelo de sociedade (onde Alqueva é apenas símbolo) sairá vitorioso das disputas entre orgãos do Poder, partidos, governos, desgovernos, crises, aldrabices, etc
O problema de Alqueva não é uma questão de especialistas ou dados técnicos: é uma questão de princípio, de filosofia política, de estratégia económica global, de modelo de desenvolvimento e crescimento industrial adoptado.
Não é uma questão de números e palavrões difíceis empilhados para encadear o leigo e deixá-lo ainda mais desinformado.
Não é uma questão de partido A, B ou Z.
É uma questão de fundo ideológico, de raiz, de futuro em que se acredita e deseja para os nossos filhos, para as novas gerações. É uma questão de planeamento e de filosofia ética. Os valores que se perfilham e os que se rejeitam. As prioridades que se elegem.
Se, no campo das tecno-previsões cada um diz a sua e nem eles, entre si, se entendem.
Se tudo muda e a inflação se encarrega, dia a dia, de alterar e desmentir o que no dia anterior foi dito, principalmente em matéria de custos.
Se é o próprio desequilíbrio climático que, como sempre imprevisível, vem acrescentar mais um factor de dúvida, aleatório, insegurança e até angústia,
a questão não é embrenhar a malta em grandes labirintos técnicos, estatísticos e futurológicos.

Afinal, é com estatísticas, números e dados técnicos que nos têm preparado todos os grandes funerais do triunfalismo tecnológico.

Para um português independente, que não tenha de prestar obediência ao Partido A, B ou X, a questão de Alqueva é uma questão de fundos ou, de facto, uma mentalidade nova, efectivamente revolucionária, consegue inspirar esta sociedade no caminho mais justo e mais racional, ou temos que aguentar, não só Alqueva, não só Sines, não só Estarreja e Barreiro, não só a central nuclear de Ferrel, não só a colonização por eucaliptos deste País como tudo o que, na linha paranóica dessas supermegalomanias, os imperialismos tiverem ainda para impor a este povo mártir e secularmente colonizado.
Ontem pelos jesuitas, hoje pelos adeptos do desenvolvimento industrial fora das nossas medidas e possibilidades.

UM MONSTRO SEM PÉS NEM CABEÇA

Pela Direcção Geral dos Serviços Hidráulicos do então M.O.P., foi encomendado, em 1973, à empresa francesa Sogreaph - Societé Grenobloise d'Application Hydrauliques, o estudo da valia agrícola de Alqueva.
Em 1978, em pleno II Governo Constitucional, a Secretaria de Estado do Planeamento chega à conclusão que não havia estudos e dados suficientes para ajuizar da tal valia agrícola.
Foram só cinco anos para se saber que nada se sabia. No campo dos infinitos adiamentos em que as grandes obras são pródigas, digamos que até foi muito rápido. Chegar alguém à concluso que só sabe que nada sabe é de homem: Sócrates levou uma vida inteira para saber que nada sabia.
Dados estes dilatados prazos para os técnicos chegarem a que tais e tantas brilhantes conclusões, pergunto: é ou não caso para entusiasmo e confiança nas fabulosas empresas que estudam e catrastudam, chegando à conclusão que nada sabem?
De uma coisa tenho eu cá a certeza: a fabulosa empresa deve ter cobrado boa maquia por tão altos serviços prestados ao projecto de Alqueva. Estas sociedades de obras públicas são sempre bem pagas: mas quem poderá duvidar que é um dinheiro bem aproveitado este?
Em 1975, a antiga Junta de Hidráulica Agrícola, em colaboração com a Direcção geral dos Recursos e Aproveitamentos Hidráulicos, investe de novo e aparece com um estudo técnico-económico.
Estudo considerado "muito preliminar" deixa, pelos vistos, mais dúvidas que certezas. Ainda se aguardam estudos para 1979 e 1980 , do MAP., com revelações sobre, respectivamente, 79 mil hectares e 50 mil hectares, em princípio e em teoria, abrangidos pela Rega de Alqueva.
Ano após ano, portanto, a confiança e o entusiasmo nos estudos técnicos aumenta, reforçada pelas consecutivas contradições entre eles (estudos e técnicos). Se só em estudos preliminares 7 anos de pastor jacob servindo não chegaram para tirar a limpo o aspecto da valia agrícola, eis que - salvo erro ou omissão - vemos ao absurdo gigantesco de uma obra sem pés juntar-se o absurdo ainda mais gigantesco de uma obra sem cabeça.
Como suicídio nacional, portanto, Alqueva parece-me óptimo: mais um monstro sem pés nem cabeça a juntar à colecção dos muitos que os 50 anos nos legaram.
- - - -
(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado, ao que julgo, em 29 de Julho de 1976, no semanário «Voz do Povo», jornal da U.D.P., dirigido pelo actual director do jornal «Público», José Manuel Fernandes
***