E. HUMANA 1992
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MAIS UM PROBLEMA DE ECOLOGIA HUMANA - SÓ A VIOLÊNCIA É PRIORIDADE - IMPERATIVO CATEGÓRICO DO ECOLOGISTA
Lisboa, 30/Janeiro/1992 - O conceito de violência foi sendo substituído pelo de Agressividade. Behavioristas como Konrad Lorenz, Rémy Chauvin, Louis Millet, Skinner, usam predominantemente o conceito de agressividade, pondo no homem (na natureza animal do homem) o ênfase que dantes era posto no contorno ambiental, na sociedade, na circunstância, no meio.
Isto equivale a uma viragem de 180 graus na tese que até então prevalecera em correntes «ambientalistas» ou «mesológicas», incluindo sociólogos e psicólogos marxistas: a Violência -- diz essa tese -- estaria fundamentalmente na sociedade e o homem, motivado pelo Meio (Ambiente) reflecte, muitas vezes com efeito de «boomerang», essa violência instalada. Muitos «casos de ecologia Humana» poderiam assim ser estudados, por exemplo, na área da criminalidade e da delinquência.
Mas sabe-se que existencialistas como Sartre e Simone de Beauvoir, estiveram -- perversamente? -- muito interessados em demonstrar que o homem era intrinsecamente e instintivamente mau (violento), potencialmente carrasco de si próprio. Com o acento tónico posto no «instinto de agressividade», o etólogo Konrad Lorenz, o psicanalista Friedrich Hacker, o ornitólogo Rémy Chauvin e o psicólogo Louis Millet, colocam à Ecologia Humana um problema redobrado.
Se o mal (violência) está no homem (nos instintos animais da natureza animal que há no homem), que percentagem de violência lhe cabe (nos cabe?). E que percentagem cabe à organização social injusta, à polícia, à universidade, à ciência, à tecnologia, à indústria, ao trabalho, à economia do desperdício, à entropia, à sobre-exploração, à manipulação do homem pelo homem, aos «cartoons», à engrenagem da concorrência, à luta de classes, às incompatibilidades rácicas da epiderme, à intoxicação medicamentosa, aos distúrbios endócrinos por causas alimentares, às disputas políticas, à inveja social, ao mal estar da pobreza, à solidão no meio da multidão, mas principalmente aos «media», aos audio-visuais que alimentam, acordam, fomentam, multiplicam, ensinam e refinam a violência quotidiana, porventura inata na natureza humana? Sairá o capitalismo ileso, com as teses dos «comportamentalistas»? E a tecnocracia limpará como sempre as mãos?
Entre a explicação sociológica ou mesológica da violência (com suas sequelas) e a explicação biológica dos etólogos, psicólogos e ornitólogos (que preferem falar de «agressividade») talvez a Ecologia Humana tenha a recomendar uma pausa, uma terceira via, recorrendo ao conceito de interacção cármica herdado das filosofas místicas do extremo Oriente.
O efeito de «boomerang» que tem toda a acção humana, só é verdadeiramente reconhecido e levado em conta (contabilidade cósmica!...) pelo pensamento místico das fontes orientais. A Ecologia Humana poderá progredir (como forma prática de conhecimento) alguns passos na morigeração da Violência, se advogar as técnicas (alimentares, entre outras) que, como diria Albert Camus, têm apenas o humilde objectivo de «diminuir aritmeticamente a dor do Mundo».
Leia-se violência onde ele escreveu «dor». Em sentido lato, as tecnologias leves ou eco-tecnologias têm esse objectivo: «diminuir aritmeticamente a violência», ajudar quem quer que seja a defender-se dela, a minorá-la. Ao propor-se dispensar a violência dos medicamentos ou da cirurgia -- e das próteses em geral -- a macrobiótica, por exemplo, não é uma seita sectária como alguns dizem mas uma tentativa, uma tecnologia mais, ainda que modesta, de «diminuir aritmeticamente a violência do Mundo».
Zen e Tao, ao que se sabe deles, estão exactamente na mesma linha de acção. Foi Georges Bataille que, ao descobrir «la parte maudite» (sinónimo de Diabo na hagiografia cristã...), identificou esta «parte maldita» com a violência mas simultaneamente com a Entropia, antónimo de Energia, antónimo de Economia. É por isso que às medicinas naturais, «paralelas», «alternativas» se deve chamar mais correcta e simplesmente «medicinas não violentas». Quando se evidencia o carácter não violento das medicinas ecológicas, a fanfarronice médica defende-se com a troça, acentuando a «mariquice» dos ecologistas, acentuando que a violência não é em si mesma critério «científico» que distinga a qualidade de uma tecnologia, de uma técnica médica. Infligir dor e sofrimento é para a medicina normalíssimo e está justificado pela ética médica que, transformando os fins em meios, se rege, não por critérios de amor ao próximo mas de eficácia sintomatológica.
É o «preço a pagar» por um bem adquirido, diz cinicamente a respectiva retórica. Daí à violência intrínseca e institucionalizada da ciência, da tecnologia e da indústria pesadas, vai um passo de formiga. E o megagigantismo com que se violenta o meio natural é não só aceite como glorificado, face aos valores que então se enfatizam: eficácia, metas económicas, lucro, rentabildade, ascensão social, etc.
A Ecologia Humana -- decididamente ainda que menos cientificamente -- vem mais uma vez dizer que o rei vai nu, afirmando que a não-violência é também uma questão de prioridades e de valores.
IMPERATIVO CATEGÓRICO
Se nas democracias europeias e ocidentais se goza o mínimo de liberdade que nos permite escolher -- embora com diminuta margem de manobra -- as «tecnologias não violentas» (medicinas não violentas, alimentação não violenta) é profundamente lamentável que se não faça. O estado histórico ou político de escravatura (e toda a dependência) é duplamente odioso, porque é não só a negação da liberdade, mas porque não permite opções não violentas -- a violência da opressão tem que ser aceite sem hipótese de remissão, ou reclama maior violência. Quem tem a «sorte» de viver em (ainda que relativa e precária) liberdade política, tem a estrita obrigação de tudo fazer para não acrescentar violência à violência do mundo. Tudo fazer para a evitar. Só por isso a ecologia (humana) seria uma Ética, uma norma de vida, um Imperativo Categórico.
ECOLOGIA DA VIOLÊNCIA - BIBLIOGRAFIA BREVE:
«Marcuse», J.M.Domenach, A. Clair e F. Chiropaz, Ed. Moraes, 1970
«Agressividade», Friedrich Hacker, Ed. Bertrand, 1973
«A Agressividade», Louis Millet, Ed. Pórtico, s/data
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MAIS UM PROBLEMA DE ECOLOGIA HUMANA - SÓ A VIOLÊNCIA É PRIORIDADE - IMPERATIVO CATEGÓRICO DO ECOLOGISTA
Lisboa, 30/Janeiro/1992 - O conceito de violência foi sendo substituído pelo de Agressividade. Behavioristas como Konrad Lorenz, Rémy Chauvin, Louis Millet, Skinner, usam predominantemente o conceito de agressividade, pondo no homem (na natureza animal do homem) o ênfase que dantes era posto no contorno ambiental, na sociedade, na circunstância, no meio.
Isto equivale a uma viragem de 180 graus na tese que até então prevalecera em correntes «ambientalistas» ou «mesológicas», incluindo sociólogos e psicólogos marxistas: a Violência -- diz essa tese -- estaria fundamentalmente na sociedade e o homem, motivado pelo Meio (Ambiente) reflecte, muitas vezes com efeito de «boomerang», essa violência instalada. Muitos «casos de ecologia Humana» poderiam assim ser estudados, por exemplo, na área da criminalidade e da delinquência.
Mas sabe-se que existencialistas como Sartre e Simone de Beauvoir, estiveram -- perversamente? -- muito interessados em demonstrar que o homem era intrinsecamente e instintivamente mau (violento), potencialmente carrasco de si próprio. Com o acento tónico posto no «instinto de agressividade», o etólogo Konrad Lorenz, o psicanalista Friedrich Hacker, o ornitólogo Rémy Chauvin e o psicólogo Louis Millet, colocam à Ecologia Humana um problema redobrado.
Se o mal (violência) está no homem (nos instintos animais da natureza animal que há no homem), que percentagem de violência lhe cabe (nos cabe?). E que percentagem cabe à organização social injusta, à polícia, à universidade, à ciência, à tecnologia, à indústria, ao trabalho, à economia do desperdício, à entropia, à sobre-exploração, à manipulação do homem pelo homem, aos «cartoons», à engrenagem da concorrência, à luta de classes, às incompatibilidades rácicas da epiderme, à intoxicação medicamentosa, aos distúrbios endócrinos por causas alimentares, às disputas políticas, à inveja social, ao mal estar da pobreza, à solidão no meio da multidão, mas principalmente aos «media», aos audio-visuais que alimentam, acordam, fomentam, multiplicam, ensinam e refinam a violência quotidiana, porventura inata na natureza humana? Sairá o capitalismo ileso, com as teses dos «comportamentalistas»? E a tecnocracia limpará como sempre as mãos?
Entre a explicação sociológica ou mesológica da violência (com suas sequelas) e a explicação biológica dos etólogos, psicólogos e ornitólogos (que preferem falar de «agressividade») talvez a Ecologia Humana tenha a recomendar uma pausa, uma terceira via, recorrendo ao conceito de interacção cármica herdado das filosofas místicas do extremo Oriente.
O efeito de «boomerang» que tem toda a acção humana, só é verdadeiramente reconhecido e levado em conta (contabilidade cósmica!...) pelo pensamento místico das fontes orientais. A Ecologia Humana poderá progredir (como forma prática de conhecimento) alguns passos na morigeração da Violência, se advogar as técnicas (alimentares, entre outras) que, como diria Albert Camus, têm apenas o humilde objectivo de «diminuir aritmeticamente a dor do Mundo».
Leia-se violência onde ele escreveu «dor». Em sentido lato, as tecnologias leves ou eco-tecnologias têm esse objectivo: «diminuir aritmeticamente a violência», ajudar quem quer que seja a defender-se dela, a minorá-la. Ao propor-se dispensar a violência dos medicamentos ou da cirurgia -- e das próteses em geral -- a macrobiótica, por exemplo, não é uma seita sectária como alguns dizem mas uma tentativa, uma tecnologia mais, ainda que modesta, de «diminuir aritmeticamente a violência do Mundo».
Zen e Tao, ao que se sabe deles, estão exactamente na mesma linha de acção. Foi Georges Bataille que, ao descobrir «la parte maudite» (sinónimo de Diabo na hagiografia cristã...), identificou esta «parte maldita» com a violência mas simultaneamente com a Entropia, antónimo de Energia, antónimo de Economia. É por isso que às medicinas naturais, «paralelas», «alternativas» se deve chamar mais correcta e simplesmente «medicinas não violentas». Quando se evidencia o carácter não violento das medicinas ecológicas, a fanfarronice médica defende-se com a troça, acentuando a «mariquice» dos ecologistas, acentuando que a violência não é em si mesma critério «científico» que distinga a qualidade de uma tecnologia, de uma técnica médica. Infligir dor e sofrimento é para a medicina normalíssimo e está justificado pela ética médica que, transformando os fins em meios, se rege, não por critérios de amor ao próximo mas de eficácia sintomatológica.
É o «preço a pagar» por um bem adquirido, diz cinicamente a respectiva retórica. Daí à violência intrínseca e institucionalizada da ciência, da tecnologia e da indústria pesadas, vai um passo de formiga. E o megagigantismo com que se violenta o meio natural é não só aceite como glorificado, face aos valores que então se enfatizam: eficácia, metas económicas, lucro, rentabildade, ascensão social, etc.
A Ecologia Humana -- decididamente ainda que menos cientificamente -- vem mais uma vez dizer que o rei vai nu, afirmando que a não-violência é também uma questão de prioridades e de valores.
IMPERATIVO CATEGÓRICO
Se nas democracias europeias e ocidentais se goza o mínimo de liberdade que nos permite escolher -- embora com diminuta margem de manobra -- as «tecnologias não violentas» (medicinas não violentas, alimentação não violenta) é profundamente lamentável que se não faça. O estado histórico ou político de escravatura (e toda a dependência) é duplamente odioso, porque é não só a negação da liberdade, mas porque não permite opções não violentas -- a violência da opressão tem que ser aceite sem hipótese de remissão, ou reclama maior violência. Quem tem a «sorte» de viver em (ainda que relativa e precária) liberdade política, tem a estrita obrigação de tudo fazer para não acrescentar violência à violência do mundo. Tudo fazer para a evitar. Só por isso a ecologia (humana) seria uma Ética, uma norma de vida, um Imperativo Categórico.
ECOLOGIA DA VIOLÊNCIA - BIBLIOGRAFIA BREVE:
«Marcuse», J.M.Domenach, A. Clair e F. Chiropaz, Ed. Moraes, 1970
«Agressividade», Friedrich Hacker, Ed. Bertrand, 1973
«A Agressividade», Louis Millet, Ed. Pórtico, s/data
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