ARTES DE CURAR 1985
85-01-30-cm-mf- nova naturologia - dcm-a
CONSUMIDOR DE MEDICINAS ENTRE DOIS FOGOS
30/Janeiro/1985
Palavras-chave deste texto:
Artes de curar
Autocura
Autoresponsabilização
Combate à doença
Consumidor de medicinas
Descolonização do doente
Ecologia humana
Ecomedicinas
Lógica de mercado
Magistério da saúde
Mecenato
Medicina energética
Medicinas diferentes
Medicinas doces
Medicinas ecológicas
Medicinas não ortodoxas
Medicinas naturais
Medicinas que curam
Medicinas suaves
Mercado da doença
Ortodoxia médica
Paciente
Peso kármico
Self-control
Técnicos de medicina natural
Tecnologias apropriadas de saúde
Terapeutas alternativos
Utente de saúde
Autores citados :
Ivan Illich
CONSUMIDOR DE MEDICINAS ENTRE DOIS FOGOS
Tudo indica que o movimento das eco-medicinas está crescendo , apesar das dificuldades ou exactamente por causa delas.
Mas é também agora, em momento bastante crítico, que se podem analisar melhor os problemas internos de uma classe que, verdade seja, nunca fez autocrítica nem trabalhou muito pela sua própria dignidade e defesa.
Relativamente à resposta para a pergunta fundamental na perspectiva política - quantos somos? Quantos consumidores de naturoterapias existem? - relativamente aos dados numéricos que constituíssem a base de apoio , bem pouco ou nada se fez.
E mesmo agora, que se reúne de urgência face aos acontecimentos...
Quando a «Frente Ecológica» , com o objectivo de fazer um primeiro recenseamento, lançou um inquérito exactamente para saber, em termos numéricos, a ordem de grandeza e a força das medicinas naturais, não se pode dizer que o acolhimento tivesse sido brilhante.
Quase todos se refugiaram no segredo profissional, alegando que não podiam revelar, por exemplo, número de clientes que atendiam por dia, etc (problemas com o fisco?...).
Aliás, a classe dos técnicos naturoterapeutas, sempre ocupada consigo própria, não tem tido tempo de dialogar com o seu interlocutor principal e seu aliado natural, o público, o consumidor, o paciente, abandonado, aqui como no resto, à sua própria sorte e solidão.
Daí que o Atelier Yin-Yang lance mais um projecto, além dos muitos que tem lançado no vazio : é urgente, já agora, uma Associação de Utentes de Serviços de Saúde (AUSS) , o interlocutor que falta para que toda esta agitação, polémica em torno das medicinas não seja mera tagarelice .
Curioso, também, que só agora se tenha percebido que o reconhecimento da naturopatia passa pela política.
Há já indícios de que nem todos os partidos estão dormindo, nem todos ignoram a importância social (e portanto eleitoral) do movimento que se joga nas ecoterapias.
Foram, também aí, os partidos no poder que criaram as condições para que o Dr. Sá Marques, precisamente em 30 de Janeiro de 1985, dia em que o Ministério da Educação mandava fechar a escola de Medicinas Alternativas de Braga, assinasse no jornal do Partido Comunista «O Diário» um rasgado elogio das medicinas tradicionais, etc., etc, que devem ser apoiadas, etc., etc.
Era tão bom que os políticos, já que não podem ser inteligentes, fossem menos demagogos e percebessem ao menos de política.
PACIENTES SOMOS NÓS
Transparência é o que não se poderá esperar nas actuais lutas entre as duas ordens estabelecidas: a do poder médico e a dos que se dizem constituir uma alternativa ecológica a esse poder médico.
Ambas as partes invocam a defesa do utente-doente-consumidor, como alvo último e primeiro dos seus desvelos, dos seus cuidados primários de saúde.
Exigiria a transparência, porém, que se dissesse não ter o utente, o doente, o paciente, nada a ver com isto, como aliás nunca teve, além de contribuir obrigatoriamente para a agora dita Segurança Social ( Previdência Social, na outra ditadura) que se nega, terminantemente, a subsidiar tudo o que não sejam caríssimos medicamentos químicos e caríssimas cirurgias.
A perseguição dos governos e das ordens às artes de curar do «self-control» - as únicas a que cabe o título de democráticas - com perseguições e acções em tribunal a terapeutas, mostram bem que a democracia, o interesse do público e o famigerado utente nada tem a ver com isso.
Era mais honesto, lindo e limpo dizer que cada um (cada poder, cada ordem estabelecida) puxa a brasa à sua sardinha.
Servirá uma greve de médicos o público utente?
Mas com a greve dos médicos, quem beneficia?
Talvez os utentes, que ficam uns tempos sem cuidados médicos intensivos...
Servir o utente-doente-paciente será democratizar o acesso da maioria às alternativas ecológicas, às práticas de self-control de saúde, às artes de autocura, únicas democráticas além de eficazes, únicas que poupam milhares ao orçamento de estado, únicas que podem impedir a proclamada e tão anunciada e parece que desejada bancarrota da Segurança Social.
Servir o doente-utente-paciente é isto.
Porque não há-de o negócio, a empresa, a indústria, o capital apoiar as manifestações ditas culturais?
Nada se faz sem dinheiro, é sabido, e portanto há qe, sem complexos, aceitar esta lei universal de funcionamento do macrossistema que vive de ir matando os ecossistemas.
O primeiro que conseguir fugir à lei inflexível do mercado, que diga.
Baptista Bastos diz ao diário «O Europeu» (Fevereiro/1989) que aproveitou a rampa de lançamento em que o marketing o colocou, para ... lutar ao serviço da verdade, da sua verdade que é a de um homem dito de esquerda como ele constantemente afirma que é, não vá alguém duvidar.
Já José Saramago recusou a adaptação do seu livro ao cinema norte-americano, por razões éticas, por considerar que isso «bolia» com a sua dignidade de intelectual de esquerda.
UM ÚLTIMO AVISO DE BOA VONTADE
Andam os meios profissionais da Naturopatia em grande efervescência. E o caso não é para menos.
Além das lutas intestinas em que habitualmente se digladiam oficiais do mesmo ofício, em natural e saudável concorrência para obter a preponderância no mercado da doença,
São de molde, no entanto e também, a suscitar um movimento geral de autoresponsabilização, chamando todos os naturoterapeutas a uma rigorosa autocrítica e a uma paciente cura de humildade.
Que, ao menos, não façam como o Governo, que se limita a fechar portas, olhos e ouvidos, ficando, na sua interminável política do avestruz, mudo, cego e paralítico a todas as vozes, ideias, apelos e sugestões dos consumidores em defesa dos seus ecodireitos de saúde. Que ao menos se mostrassem mais abertos e dialogantes que a inviolável estupidez do poder estabelecido, era o mínimo que se podia esperar dos profissionais em terapias naturais.
NATUROPATAS OU DOUTORES EM ANTIPATIA?
O campo das medicinas ditas naturais não é propriamente um campo santo de humanismo e filantropia.
O mercado, com sua lógica e suas leis inelutáveis, impõe uma guerra sangrenta e permanente, em que o consumidor, também chamado paciente ou doente, feliz ficará se lhe deixarem ao menos a camisa.
Tudo certo e liberal, claro, pois é a economia que temos e não soubemos ainda fazer outra.
Estamos num país livre - diz-se - e cada um é senhor de usar e gozar os privilégios que neste momento recebeu do santo pai do céu, sem ninguém ter nada a ver com isso.
Numa perspectiva legal, sem dúvida: é possível tirar a pele a terceiros, que isso não manda ninguém para o purgatório.
Do ponto de vista moral e sem querer entrar em moralismos, é muito, muito mais discutível de que tudo esteja assim tão certo.
Isto, se acreditarmos que há um trono no Céu e que nele se encontra sentado o distribuidor absoluto da justiça, neste mundo ou no outro.
É o minuto solene da verdade e por isso há que dizer: o suposto ou proclamado humanismo das medicinas diferentes, não é ainda, de modo algum, cura para doença nenhuma e muito menos da alma.
Falando-se de autocura e como se calcula, é esta a questão: não adoecer de cancro da alma, a pretexto de que se trata do corpo.
Há quem vá descontando, neste mundo, com penas e desgostos, o peso kármico de uma herança que parece incumbir a todos - e daí a ideia de justiça universal imanente.
Mas há quem pareça passar ileso por este mundo, sem uma beliscadura, embora tripudiando e esmagando tudo o que encontra, na missão nobre e cristã, embora suspeita, de aforrar o que aos outros é tirado.
QUANTOS SÃO?
O consumidor de terapias naturais tem vivido em Portugal à margem do processo democrático, como se fosse um elemento perigoso dentro do corpo social, num clima de suspeição por parte das entidades de saúde que, em vez de incentivarem a prevenção e a iniciativa individual, antes as hostilizam, menosprezam ou claramente combatem.
Há uma inversão total de valores nas relações, pouco amistosas, entre os utentes das medicinas livres e as entidades ou autoridades que se dizem responsáveis, em princípio, pela saúde, pela higiene pública, pela qualidade alimentar, etc.
Um argumento pode e deve ser invocado neste momento para fundamentar a necessidade urgente de mudar esta situação: o número de utilizadores das medicinas que curam. Não só o número que já existe, apesar de todos os entraves e perseguições, mas o número que potencialmente se presume, logo que as medicinas livres saiam da clandestinidade e possam publicamente ser conhecidas e reconhecidas, oficialmente apoiadas e sistematicamente subsidiadas.
As associações de utentes na área das medicinas leves, representarim a força social que daria legitimidade a estas reivindicações.
Não se trata de uma elite. Trata-se, numa estimativa muito superficial, de um décimo da população portuguesa que quer curar-se em vez de tratar-se. Décimo que facilmente pode ir até 50% da população, logo que «beber um copo de água» deixe de ser um «acto médico» e portanto só aplicável por médicos encartados.
Se as entidades estão efectivamente dispostas a defender a saúde dos portugueses, devem entrar em diálogo com as organizações associativas, cooperativas e profissionais que hoje agrupam em Portugal os que defendem as autoterapias alternativas, quer dizer, a descolonização do doente face ao monopólio médico, a desinstitucionalização da instituição médica.
Se o objectivo é melhorar o padrão da saúde pública, tão degradado como os próprios governantes reconhecem e apesar da tão poderosa e gloriosa medicina que temos, aquele diálogo torna-se não só moralmente indispensável como politicamente urgente.
(?).É neste enquadramento político-social que este projecto se apresenta a quem possa dar-lhe atenção.(?)
IMORAL E ANTI-CONSTITUCIONAL
Se ainda temos medicina natural em Portugal, à medicina química o devemos.
E por duas razões principais, além de outras:
a) Por um lado, os poucos casos em que a Segurança Social se digna comparticipar tratamentos considerados «não ortodoxos», têm que ser devidamente «autenticados» com receitas do médico que segue a ortodoxia química;
b) Por outro lado, os naturopatas que continuam a poder atender, tratar e curar doentes só o fazem, só estão autorizados a fazê-lo por especial complacência da classe médica, quer dizer, daqueles médicos «verdadeiros» que concedem o grande favor de lhes dar «cobertura oficial».
Esta dependência dos naturopatas em relação aos alopatas, que sobre nós têm poder de vida ou de morte, é humilhante além de ser degradante para ambas as partes.
A situação oficialmente admitida é imoral: tal como as coisas estão, os naturopatas encontram-se virtualmente nas mãos dos alopatas; só o facto de as pessoas, apesar de tudo, serem menos más do que o sistema, continua permitindo um mínimo de cordialidade e de humanidade nas relações entre duas forças tão dispares.
Por outro lado e à luz do estado democrático que nos dizem existir como regime implantado no País desde o 25 de Abril de 1974, a semiclandestinidade em que os naturopatas continuam trabalhando (e curando) é uma anomalia.
E anticonstitucional, além de ser, como se disse, imoral.
Num regime que se jacta de europeu, democrático e pluralista, é como excrescência do antigo regime corporativo, que teremos de ver esta obrigada clandestinidade e ilegalidade em que continuam a trabalhar os médicos que curam.
E os que se querem curar pela medicina que cura.
CARREIRAS PROFISSIONAIS - O IMPULSO DECISIVO
O bom senso indica que as ecoalternativas só serão uma força, quando souberem jogar o jogo político com as instituições estabelecidas, de modo a ficarem, com elas, em pé de igualdade no terreno. São os chamados, em gíria, os «interlocutores válidos».
O autodidactismo, portanto, é uma atitude ideal e pura, as alternativas, se forem radicais, devem, como queria Ivan Illich, rejeitar o colaboracionismo com as instituições, neste caso e nomeadamente a instituição universitária.
Menos radicalismo e mais realismo, no entanto, aconselharia também aí a criar uma instituição paralela, independente das que vigoram.
Uma escola aberta, flexível e prática, sem o peso da máquina institucional que está no poder, será no entanto necessária. É o que tenciona fazer a Associação Nacional de Pesquisa para as Medicinas Alternativas?(Ver estatutos em anexo) : organizar cursos de preparação técnica a todos os níveis, criando categorias profissionais (à espera de oficialização) que irão dar às práticas terapêuticas alternativas o suporte necessário ao seu desenvolvimento.
«Técnicos de medicina natural», «terapeutas alternativos, «monitores de acupunctura e terapias energéticas» são formas intermédias de preencher o vazio actual no que respeita a uma hierarquia profissional que decida da questão fulcral: «Quem avaliza quem?».
Até à independência e para mal dos nossos pecados, terão de ser os médicos a avalizar o seu inimigo principal, os naturoterapeutas. O que é, obviamente, a máxima perversão dentro de um processo perverso.
Tudo tem que ficar muito claro, neste campo, e para isso é necessário pormenorizar até ao concreto quem tem que responder às questões formuladas.
É com uma certa razão que algumas actividades ditas ecologistas se têm classificado de «folclóricas», quando não gratuitas, exactamente porque desfasadas desta dialéctica de confronto com as instituições estabelecidas, nomeadamente a instituição escolar e universitária.
Tem havido uma teimosia persistente em perder tempo, energias, dinheiro, pessoas com aquele tipo de acções que se desfazem no próprio momento em que se realizam. Tudo se desfaz em pó, não há sequência, nem um ponto de referência fixo, recomeça-se, como Sísifo, pontual e permanentemente de zero, em cada dia, em cada minuto.
Escusado será dizer que o establishment em geral e o establishment médico em particular, aplaude, contente, todo este pontualismo casuístico e inconsequente.
MAIS BONS TÉCNICOS E MENOS MAUS DOUTORES
Só Deus sabe como o estado higieno-sanitário deste País subdesenvolvido, carece muito mais de técnicos de saúde, higienistas, preventistas, sanitaristas, terapeutas e de primeiros cuidados ou primeiros socorros do que de altos especialistas a 50 contos a consulta.
Conta com alguns handicaps, sem dúvida, esta luta da naturoterapia pelo direito à vida. Mas o tempo se encarregará de fazer cair, a certos doutores naturopatas, a crista e a petulância charlatã.
Não será, a partir de agora, qualquer um que mete anúncios pomposos com títulos atrás ou à frente do nome.
Essa é a tarefa crucial, neste momento, para o movimento naturoterapêutico em particular e o movimento ecologista em geral : sanear o muito que ainda há por aí de podre.
Sem esse saneamento, o poder médico estabelecido continuará a cantar de galo, fazendo que toda a classe dos naturoterapeutas pague pelas argoladas de meia dúzia.
Diz-se que os naturoterapeutas orientaram predominantemente a sua actividade para o negócio.
Em parte é verdade. Mas é verdade também que os não naturopatas levaram dezenas de anos a fazer o mesmo e a dar o bom exemplo.
É verdade, por outro lado, que os naturoterapeutas não perderam a noção da realidade e que se prepararam para a luta com o poder, o que não aconteceu com o sector macrobiótico, por exemplo, que também se orientou para o negócio sem a contrapartida de ter criado, em paralelo, a estrutura capaz de valorizar a «classe» e impor o movimento ao poder, por via da qualidade urbi et orbi reconhecida.
NATUROPATIA CURA MAS NATUROPATAS DESCURAM
Será a classe dos naturoterapeutas capaz de fazer autocrítica?
Será a classe capaz de se mobilizar para um esforço de autoqualificação e de autodignificação?
Será a classe suficientemente unida para aceitar o contributo de todos?
Será a classe capaz de, internamente, separar o trigo do joio?
Será a classe capaz de apoiar uma «brigada de elite» que tenha por missão travar a batalha ideológica ao nível da qualificação científica que, em matéria de ecologia humana e medicina energética, se deverá antes chamar dialéctica ?
Mais preocupada, até agora, em cultivar o seu próprio umbigo, em ganhar dinheiro, em publicar anúncios de cura por metempsicose, etc., a classe dos naturoterapeutas descurou a sua defesa, quer dizer, não se assumiu, cientifica e ideologicamente, com todas as imunidades e defesas naturais que até possui.
Cura mas descurou-se a si mesma.
MEDICINA NATURAL - TECNOLOGIA APROPRIADA
O problema que se põe em Portugal, relativamente às medicinas naturais em geral e à Acupunctura em particular, é neste momento o das «tecnologias apropriadas de saúde».
Impõe-se, dentro destas tecnologias, separar o trigo do joio, os profissionais honestos dos amadores duvidosos.
O mercado da doença pressiona o aparecimento e a proliferação de todo o tipo de oportunismo. O fracasso estrondoso e colossal da medicina química atira cada vez mais doentes para o fosso do incurável e do impossível. Os doentes fogem para as alternativas. E qualquer lojista da esquina abre banca de naturopata.
Não se pode lançar a toda a classe - a dos naturopatas e práticos das terapias naturais - o anátema que só alguns extraviados merecem.
A organização dos profissionais de saúde em organismos de classe encaminha-se na procura de medidas que venham exactamente «moralizar» e «disciplinar» o sector. Por causa de alguns, não podem continuar a pagar todos.
Mas, à partida, essa associação de classe terá de contar com todos quantos se apresentam no mercado (ao público) sob qualquer categoria ou rótulo ou designação: herbanário ou ervanário ( palavra adaptada do francês «herboriste»), dietologista, acupunctor, massagista, homeopata, psicólogo, parapsicólogo, esteticista, etc.
REPETIR OS MESMOS VÍCIOS?
A desprestigiar a imagem da naturopatia como corpo de profissionais - que é tudo afinal o que a medicina corrente quer - junta-se a especulação desenfreada nos preços que alguns centros de luxo decidem adoptar, talvez para que não se sintam inferiorizados relativamente aos preços de roubo que a medicina convencional pratica.
Não há desculpa para estes abusos que difamam toda a classe dos naturoterapeutas.
E não há desculpa, por 3 razões principais:
a) Porque as pessoas quando procuram uma forma alternativa de medicina, esperam encontrar nela algumas diferenças substanciais;
b) Porque é demasiado patente, em alguns doutorados da Naturopatia, a sua ineficácia por um lado e por outro os preços exorbitantes que praticam;
c) Porque as medicinas leves ainda estão na fase de resistência à ditadura médica, procuram conquistar o terreno a que têm direito, movem-se num espaço de manobra muito pequeno relativamente ao monopólio médico e é por isso necessário, mais do que nunca, prestigiar toda a actividade da naturopatia, não a deixando cair nos mesmos vícios e malefícios da medicina tout court.
Se é certo que muitos médicos alternativos também nos exploram, como seus doentes, de maneira por vezes indecente; se é certo que nem sempre a moralidade prevalece nos seus processos e algumas fortunas colossais se fizeram à sombra da naturopatia, bastante desproporcionais ao mérito dos métodos usados e ao número de clientes atendidos; também é certo que não devemos nem queremos enfatizar esses aspectos negativos de alguns praticantes, o que só iria dar armas ao inimigo principal e comum: a medicina que adoece.
Aliás, o facto de a medicina natural ter permitido a alguns privilegiados ficarem multimilionários só prova, entre outras coisas, que as medicinas naturais, mesmo quando praticadas sem escrúpulos morais, ainda resultam e é para elas que as pessoas acorrem, ainda que se sintam exploradas.
Se mais cedo as medicina alternativas tivessem sido oficializadas, se o trogloditismo de uma minoria o tivesse permitido, há mais tempo que os benefícios estariam muito mais democraticamente repartidos e os monopólios naturoterapêuticos, que se aproveitaram da situação, muito menos gordos.
Prova ainda esse facto que as medicinas alternativas valem pelo que valem, independentemente dos que as praticam, até e mesmo mal.
Se é certo, também, que nem sempre os movimentos associativos e as cooperativas do ramo naturoterapêutico foram exemplares nem dignificaram a causa que dizem defender, é essa outra situação negativa que não deveremos aproveitar para dar armas ao inimigo principal e comum.
A NATUROPATIA AOS NATUROTERAPEUTAS
Se se trata de moralizar actividades e activistas das terapias naturais, o problema é para debater e resolver entre os seus responsáveis. Exclusivamente. Sem ingerências estranhas nos seus negócios internos. Não será a medicina oficial que virá moralizar a medicina alternativa, até porque eles têm lá muito com que se entreter em matéria de corrupção.
Ora o que nós, consumidores de medicinas, não sabemos mas receamos é que se esteja precisamente a preparar essa estratégia de empalmanço: que a medicina se esteja a preparar para empalmar as alternativas que sempre combateu e que pretenda vir moralizar os outros quando ela é a primeira a precisar disso. E que seja ela a dar cartas num jogo onde apenas terão de jogar ou ditar leis quem pertence à casa.
A medicina alternativa aos médicos alternativos. E ponto final.
Que os médicos oficiais já tenham reconhecido o mérito das outras medicinas, que alguns as pratiquem em segredo ou queiram praticar, que constituam mesmo sociedades fechadas para melhor dominarem ciências como a acupunctura ou a homeopatia, OK, tudo bem, é lá com eles.
Que queiram continuar eliminando de cena os praticantes das artes de curar heterodoxas e até agora sacrílegas, artes que eles agora querem usurpar de modo por vezes um tanto canhestro, teremos, enquanto consumidores de medicinas, enquanto portugueses beneficiários da previdência, de protestar e, através do Ministro da Saúde, enviar o nosso protesto até à OMS, que quer saúde para todos até ao ano 2000 e que recomendou o uso das medicinas alternativas nos sistemas de saúde e cuidados primários de todos os países, nomeadamente os de menos recursos financeiros como Portugal.
AUTOCURA - CURA-TE A TI PRÓPRIO
Um dos pontos em que os profissionais da naturopatia não têm sido dignos da arte que manejam é o princípio fundamental de toda a medicina neo-hipocrática: o direito do doente se curar a si próprio.
Tratando-se de uma «tecnologia apropriada» ela dá, por definição, maior liberdade e independência ao seu utilizador, tornando-o menos dependente do médico, do especialista , da autoridade, do técnico, do sr. doutor.
Mas nem todos os naturoterapeutas encaram esse dever e esse princípio hipocrático do «cura-te a ti mesmo» com o mesmo fair play, pois, tal como os médicos tout court, receiam perder clientela.
É a perversão máxima da medicina alternativa enquanto tecnologia de apropriação (da saúde) e consequente desalienação, neste caso a desalienação ou descolonização do doente.
***
CONSUMIDOR DE MEDICINAS ENTRE DOIS FOGOS
30/Janeiro/1985
Palavras-chave deste texto:
Artes de curar
Autocura
Autoresponsabilização
Combate à doença
Consumidor de medicinas
Descolonização do doente
Ecologia humana
Ecomedicinas
Lógica de mercado
Magistério da saúde
Mecenato
Medicina energética
Medicinas diferentes
Medicinas doces
Medicinas ecológicas
Medicinas não ortodoxas
Medicinas naturais
Medicinas que curam
Medicinas suaves
Mercado da doença
Ortodoxia médica
Paciente
Peso kármico
Self-control
Técnicos de medicina natural
Tecnologias apropriadas de saúde
Terapeutas alternativos
Utente de saúde
Autores citados :
Ivan Illich
CONSUMIDOR DE MEDICINAS ENTRE DOIS FOGOS
Tudo indica que o movimento das eco-medicinas está crescendo , apesar das dificuldades ou exactamente por causa delas.
Mas é também agora, em momento bastante crítico, que se podem analisar melhor os problemas internos de uma classe que, verdade seja, nunca fez autocrítica nem trabalhou muito pela sua própria dignidade e defesa.
Relativamente à resposta para a pergunta fundamental na perspectiva política - quantos somos? Quantos consumidores de naturoterapias existem? - relativamente aos dados numéricos que constituíssem a base de apoio , bem pouco ou nada se fez.
E mesmo agora, que se reúne de urgência face aos acontecimentos...
Quando a «Frente Ecológica» , com o objectivo de fazer um primeiro recenseamento, lançou um inquérito exactamente para saber, em termos numéricos, a ordem de grandeza e a força das medicinas naturais, não se pode dizer que o acolhimento tivesse sido brilhante.
Quase todos se refugiaram no segredo profissional, alegando que não podiam revelar, por exemplo, número de clientes que atendiam por dia, etc (problemas com o fisco?...).
Aliás, a classe dos técnicos naturoterapeutas, sempre ocupada consigo própria, não tem tido tempo de dialogar com o seu interlocutor principal e seu aliado natural, o público, o consumidor, o paciente, abandonado, aqui como no resto, à sua própria sorte e solidão.
Daí que o Atelier Yin-Yang lance mais um projecto, além dos muitos que tem lançado no vazio : é urgente, já agora, uma Associação de Utentes de Serviços de Saúde (AUSS) , o interlocutor que falta para que toda esta agitação, polémica em torno das medicinas não seja mera tagarelice .
Curioso, também, que só agora se tenha percebido que o reconhecimento da naturopatia passa pela política.
Há já indícios de que nem todos os partidos estão dormindo, nem todos ignoram a importância social (e portanto eleitoral) do movimento que se joga nas ecoterapias.
Foram, também aí, os partidos no poder que criaram as condições para que o Dr. Sá Marques, precisamente em 30 de Janeiro de 1985, dia em que o Ministério da Educação mandava fechar a escola de Medicinas Alternativas de Braga, assinasse no jornal do Partido Comunista «O Diário» um rasgado elogio das medicinas tradicionais, etc., etc, que devem ser apoiadas, etc., etc.
Era tão bom que os políticos, já que não podem ser inteligentes, fossem menos demagogos e percebessem ao menos de política.
PACIENTES SOMOS NÓS
Transparência é o que não se poderá esperar nas actuais lutas entre as duas ordens estabelecidas: a do poder médico e a dos que se dizem constituir uma alternativa ecológica a esse poder médico.
Ambas as partes invocam a defesa do utente-doente-consumidor, como alvo último e primeiro dos seus desvelos, dos seus cuidados primários de saúde.
Exigiria a transparência, porém, que se dissesse não ter o utente, o doente, o paciente, nada a ver com isto, como aliás nunca teve, além de contribuir obrigatoriamente para a agora dita Segurança Social ( Previdência Social, na outra ditadura) que se nega, terminantemente, a subsidiar tudo o que não sejam caríssimos medicamentos químicos e caríssimas cirurgias.
A perseguição dos governos e das ordens às artes de curar do «self-control» - as únicas a que cabe o título de democráticas - com perseguições e acções em tribunal a terapeutas, mostram bem que a democracia, o interesse do público e o famigerado utente nada tem a ver com isso.
Era mais honesto, lindo e limpo dizer que cada um (cada poder, cada ordem estabelecida) puxa a brasa à sua sardinha.
Servirá uma greve de médicos o público utente?
Mas com a greve dos médicos, quem beneficia?
Talvez os utentes, que ficam uns tempos sem cuidados médicos intensivos...
Servir o utente-doente-paciente será democratizar o acesso da maioria às alternativas ecológicas, às práticas de self-control de saúde, às artes de autocura, únicas democráticas além de eficazes, únicas que poupam milhares ao orçamento de estado, únicas que podem impedir a proclamada e tão anunciada e parece que desejada bancarrota da Segurança Social.
Servir o doente-utente-paciente é isto.
Porque não há-de o negócio, a empresa, a indústria, o capital apoiar as manifestações ditas culturais?
Nada se faz sem dinheiro, é sabido, e portanto há qe, sem complexos, aceitar esta lei universal de funcionamento do macrossistema que vive de ir matando os ecossistemas.
O primeiro que conseguir fugir à lei inflexível do mercado, que diga.
Baptista Bastos diz ao diário «O Europeu» (Fevereiro/1989) que aproveitou a rampa de lançamento em que o marketing o colocou, para ... lutar ao serviço da verdade, da sua verdade que é a de um homem dito de esquerda como ele constantemente afirma que é, não vá alguém duvidar.
Já José Saramago recusou a adaptação do seu livro ao cinema norte-americano, por razões éticas, por considerar que isso «bolia» com a sua dignidade de intelectual de esquerda.
UM ÚLTIMO AVISO DE BOA VONTADE
Andam os meios profissionais da Naturopatia em grande efervescência. E o caso não é para menos.
Além das lutas intestinas em que habitualmente se digladiam oficiais do mesmo ofício, em natural e saudável concorrência para obter a preponderância no mercado da doença,
São de molde, no entanto e também, a suscitar um movimento geral de autoresponsabilização, chamando todos os naturoterapeutas a uma rigorosa autocrítica e a uma paciente cura de humildade.
Que, ao menos, não façam como o Governo, que se limita a fechar portas, olhos e ouvidos, ficando, na sua interminável política do avestruz, mudo, cego e paralítico a todas as vozes, ideias, apelos e sugestões dos consumidores em defesa dos seus ecodireitos de saúde. Que ao menos se mostrassem mais abertos e dialogantes que a inviolável estupidez do poder estabelecido, era o mínimo que se podia esperar dos profissionais em terapias naturais.
NATUROPATAS OU DOUTORES EM ANTIPATIA?
O campo das medicinas ditas naturais não é propriamente um campo santo de humanismo e filantropia.
O mercado, com sua lógica e suas leis inelutáveis, impõe uma guerra sangrenta e permanente, em que o consumidor, também chamado paciente ou doente, feliz ficará se lhe deixarem ao menos a camisa.
Tudo certo e liberal, claro, pois é a economia que temos e não soubemos ainda fazer outra.
Estamos num país livre - diz-se - e cada um é senhor de usar e gozar os privilégios que neste momento recebeu do santo pai do céu, sem ninguém ter nada a ver com isso.
Numa perspectiva legal, sem dúvida: é possível tirar a pele a terceiros, que isso não manda ninguém para o purgatório.
Do ponto de vista moral e sem querer entrar em moralismos, é muito, muito mais discutível de que tudo esteja assim tão certo.
Isto, se acreditarmos que há um trono no Céu e que nele se encontra sentado o distribuidor absoluto da justiça, neste mundo ou no outro.
É o minuto solene da verdade e por isso há que dizer: o suposto ou proclamado humanismo das medicinas diferentes, não é ainda, de modo algum, cura para doença nenhuma e muito menos da alma.
Falando-se de autocura e como se calcula, é esta a questão: não adoecer de cancro da alma, a pretexto de que se trata do corpo.
Há quem vá descontando, neste mundo, com penas e desgostos, o peso kármico de uma herança que parece incumbir a todos - e daí a ideia de justiça universal imanente.
Mas há quem pareça passar ileso por este mundo, sem uma beliscadura, embora tripudiando e esmagando tudo o que encontra, na missão nobre e cristã, embora suspeita, de aforrar o que aos outros é tirado.
QUANTOS SÃO?
O consumidor de terapias naturais tem vivido em Portugal à margem do processo democrático, como se fosse um elemento perigoso dentro do corpo social, num clima de suspeição por parte das entidades de saúde que, em vez de incentivarem a prevenção e a iniciativa individual, antes as hostilizam, menosprezam ou claramente combatem.
Há uma inversão total de valores nas relações, pouco amistosas, entre os utentes das medicinas livres e as entidades ou autoridades que se dizem responsáveis, em princípio, pela saúde, pela higiene pública, pela qualidade alimentar, etc.
Um argumento pode e deve ser invocado neste momento para fundamentar a necessidade urgente de mudar esta situação: o número de utilizadores das medicinas que curam. Não só o número que já existe, apesar de todos os entraves e perseguições, mas o número que potencialmente se presume, logo que as medicinas livres saiam da clandestinidade e possam publicamente ser conhecidas e reconhecidas, oficialmente apoiadas e sistematicamente subsidiadas.
As associações de utentes na área das medicinas leves, representarim a força social que daria legitimidade a estas reivindicações.
Não se trata de uma elite. Trata-se, numa estimativa muito superficial, de um décimo da população portuguesa que quer curar-se em vez de tratar-se. Décimo que facilmente pode ir até 50% da população, logo que «beber um copo de água» deixe de ser um «acto médico» e portanto só aplicável por médicos encartados.
Se as entidades estão efectivamente dispostas a defender a saúde dos portugueses, devem entrar em diálogo com as organizações associativas, cooperativas e profissionais que hoje agrupam em Portugal os que defendem as autoterapias alternativas, quer dizer, a descolonização do doente face ao monopólio médico, a desinstitucionalização da instituição médica.
Se o objectivo é melhorar o padrão da saúde pública, tão degradado como os próprios governantes reconhecem e apesar da tão poderosa e gloriosa medicina que temos, aquele diálogo torna-se não só moralmente indispensável como politicamente urgente.
(?).É neste enquadramento político-social que este projecto se apresenta a quem possa dar-lhe atenção.(?)
IMORAL E ANTI-CONSTITUCIONAL
Se ainda temos medicina natural em Portugal, à medicina química o devemos.
E por duas razões principais, além de outras:
a) Por um lado, os poucos casos em que a Segurança Social se digna comparticipar tratamentos considerados «não ortodoxos», têm que ser devidamente «autenticados» com receitas do médico que segue a ortodoxia química;
b) Por outro lado, os naturopatas que continuam a poder atender, tratar e curar doentes só o fazem, só estão autorizados a fazê-lo por especial complacência da classe médica, quer dizer, daqueles médicos «verdadeiros» que concedem o grande favor de lhes dar «cobertura oficial».
Esta dependência dos naturopatas em relação aos alopatas, que sobre nós têm poder de vida ou de morte, é humilhante além de ser degradante para ambas as partes.
A situação oficialmente admitida é imoral: tal como as coisas estão, os naturopatas encontram-se virtualmente nas mãos dos alopatas; só o facto de as pessoas, apesar de tudo, serem menos más do que o sistema, continua permitindo um mínimo de cordialidade e de humanidade nas relações entre duas forças tão dispares.
Por outro lado e à luz do estado democrático que nos dizem existir como regime implantado no País desde o 25 de Abril de 1974, a semiclandestinidade em que os naturopatas continuam trabalhando (e curando) é uma anomalia.
E anticonstitucional, além de ser, como se disse, imoral.
Num regime que se jacta de europeu, democrático e pluralista, é como excrescência do antigo regime corporativo, que teremos de ver esta obrigada clandestinidade e ilegalidade em que continuam a trabalhar os médicos que curam.
E os que se querem curar pela medicina que cura.
CARREIRAS PROFISSIONAIS - O IMPULSO DECISIVO
O bom senso indica que as ecoalternativas só serão uma força, quando souberem jogar o jogo político com as instituições estabelecidas, de modo a ficarem, com elas, em pé de igualdade no terreno. São os chamados, em gíria, os «interlocutores válidos».
O autodidactismo, portanto, é uma atitude ideal e pura, as alternativas, se forem radicais, devem, como queria Ivan Illich, rejeitar o colaboracionismo com as instituições, neste caso e nomeadamente a instituição universitária.
Menos radicalismo e mais realismo, no entanto, aconselharia também aí a criar uma instituição paralela, independente das que vigoram.
Uma escola aberta, flexível e prática, sem o peso da máquina institucional que está no poder, será no entanto necessária. É o que tenciona fazer a Associação Nacional de Pesquisa para as Medicinas Alternativas?(Ver estatutos em anexo) : organizar cursos de preparação técnica a todos os níveis, criando categorias profissionais (à espera de oficialização) que irão dar às práticas terapêuticas alternativas o suporte necessário ao seu desenvolvimento.
«Técnicos de medicina natural», «terapeutas alternativos, «monitores de acupunctura e terapias energéticas» são formas intermédias de preencher o vazio actual no que respeita a uma hierarquia profissional que decida da questão fulcral: «Quem avaliza quem?».
Até à independência e para mal dos nossos pecados, terão de ser os médicos a avalizar o seu inimigo principal, os naturoterapeutas. O que é, obviamente, a máxima perversão dentro de um processo perverso.
Tudo tem que ficar muito claro, neste campo, e para isso é necessário pormenorizar até ao concreto quem tem que responder às questões formuladas.
É com uma certa razão que algumas actividades ditas ecologistas se têm classificado de «folclóricas», quando não gratuitas, exactamente porque desfasadas desta dialéctica de confronto com as instituições estabelecidas, nomeadamente a instituição escolar e universitária.
Tem havido uma teimosia persistente em perder tempo, energias, dinheiro, pessoas com aquele tipo de acções que se desfazem no próprio momento em que se realizam. Tudo se desfaz em pó, não há sequência, nem um ponto de referência fixo, recomeça-se, como Sísifo, pontual e permanentemente de zero, em cada dia, em cada minuto.
Escusado será dizer que o establishment em geral e o establishment médico em particular, aplaude, contente, todo este pontualismo casuístico e inconsequente.
MAIS BONS TÉCNICOS E MENOS MAUS DOUTORES
Só Deus sabe como o estado higieno-sanitário deste País subdesenvolvido, carece muito mais de técnicos de saúde, higienistas, preventistas, sanitaristas, terapeutas e de primeiros cuidados ou primeiros socorros do que de altos especialistas a 50 contos a consulta.
Conta com alguns handicaps, sem dúvida, esta luta da naturoterapia pelo direito à vida. Mas o tempo se encarregará de fazer cair, a certos doutores naturopatas, a crista e a petulância charlatã.
Não será, a partir de agora, qualquer um que mete anúncios pomposos com títulos atrás ou à frente do nome.
Essa é a tarefa crucial, neste momento, para o movimento naturoterapêutico em particular e o movimento ecologista em geral : sanear o muito que ainda há por aí de podre.
Sem esse saneamento, o poder médico estabelecido continuará a cantar de galo, fazendo que toda a classe dos naturoterapeutas pague pelas argoladas de meia dúzia.
Diz-se que os naturoterapeutas orientaram predominantemente a sua actividade para o negócio.
Em parte é verdade. Mas é verdade também que os não naturopatas levaram dezenas de anos a fazer o mesmo e a dar o bom exemplo.
É verdade, por outro lado, que os naturoterapeutas não perderam a noção da realidade e que se prepararam para a luta com o poder, o que não aconteceu com o sector macrobiótico, por exemplo, que também se orientou para o negócio sem a contrapartida de ter criado, em paralelo, a estrutura capaz de valorizar a «classe» e impor o movimento ao poder, por via da qualidade urbi et orbi reconhecida.
NATUROPATIA CURA MAS NATUROPATAS DESCURAM
Será a classe dos naturoterapeutas capaz de fazer autocrítica?
Será a classe capaz de se mobilizar para um esforço de autoqualificação e de autodignificação?
Será a classe suficientemente unida para aceitar o contributo de todos?
Será a classe capaz de, internamente, separar o trigo do joio?
Será a classe capaz de apoiar uma «brigada de elite» que tenha por missão travar a batalha ideológica ao nível da qualificação científica que, em matéria de ecologia humana e medicina energética, se deverá antes chamar dialéctica ?
Mais preocupada, até agora, em cultivar o seu próprio umbigo, em ganhar dinheiro, em publicar anúncios de cura por metempsicose, etc., a classe dos naturoterapeutas descurou a sua defesa, quer dizer, não se assumiu, cientifica e ideologicamente, com todas as imunidades e defesas naturais que até possui.
Cura mas descurou-se a si mesma.
MEDICINA NATURAL - TECNOLOGIA APROPRIADA
O problema que se põe em Portugal, relativamente às medicinas naturais em geral e à Acupunctura em particular, é neste momento o das «tecnologias apropriadas de saúde».
Impõe-se, dentro destas tecnologias, separar o trigo do joio, os profissionais honestos dos amadores duvidosos.
O mercado da doença pressiona o aparecimento e a proliferação de todo o tipo de oportunismo. O fracasso estrondoso e colossal da medicina química atira cada vez mais doentes para o fosso do incurável e do impossível. Os doentes fogem para as alternativas. E qualquer lojista da esquina abre banca de naturopata.
Não se pode lançar a toda a classe - a dos naturopatas e práticos das terapias naturais - o anátema que só alguns extraviados merecem.
A organização dos profissionais de saúde em organismos de classe encaminha-se na procura de medidas que venham exactamente «moralizar» e «disciplinar» o sector. Por causa de alguns, não podem continuar a pagar todos.
Mas, à partida, essa associação de classe terá de contar com todos quantos se apresentam no mercado (ao público) sob qualquer categoria ou rótulo ou designação: herbanário ou ervanário ( palavra adaptada do francês «herboriste»), dietologista, acupunctor, massagista, homeopata, psicólogo, parapsicólogo, esteticista, etc.
REPETIR OS MESMOS VÍCIOS?
A desprestigiar a imagem da naturopatia como corpo de profissionais - que é tudo afinal o que a medicina corrente quer - junta-se a especulação desenfreada nos preços que alguns centros de luxo decidem adoptar, talvez para que não se sintam inferiorizados relativamente aos preços de roubo que a medicina convencional pratica.
Não há desculpa para estes abusos que difamam toda a classe dos naturoterapeutas.
E não há desculpa, por 3 razões principais:
a) Porque as pessoas quando procuram uma forma alternativa de medicina, esperam encontrar nela algumas diferenças substanciais;
b) Porque é demasiado patente, em alguns doutorados da Naturopatia, a sua ineficácia por um lado e por outro os preços exorbitantes que praticam;
c) Porque as medicinas leves ainda estão na fase de resistência à ditadura médica, procuram conquistar o terreno a que têm direito, movem-se num espaço de manobra muito pequeno relativamente ao monopólio médico e é por isso necessário, mais do que nunca, prestigiar toda a actividade da naturopatia, não a deixando cair nos mesmos vícios e malefícios da medicina tout court.
Se é certo que muitos médicos alternativos também nos exploram, como seus doentes, de maneira por vezes indecente; se é certo que nem sempre a moralidade prevalece nos seus processos e algumas fortunas colossais se fizeram à sombra da naturopatia, bastante desproporcionais ao mérito dos métodos usados e ao número de clientes atendidos; também é certo que não devemos nem queremos enfatizar esses aspectos negativos de alguns praticantes, o que só iria dar armas ao inimigo principal e comum: a medicina que adoece.
Aliás, o facto de a medicina natural ter permitido a alguns privilegiados ficarem multimilionários só prova, entre outras coisas, que as medicinas naturais, mesmo quando praticadas sem escrúpulos morais, ainda resultam e é para elas que as pessoas acorrem, ainda que se sintam exploradas.
Se mais cedo as medicina alternativas tivessem sido oficializadas, se o trogloditismo de uma minoria o tivesse permitido, há mais tempo que os benefícios estariam muito mais democraticamente repartidos e os monopólios naturoterapêuticos, que se aproveitaram da situação, muito menos gordos.
Prova ainda esse facto que as medicinas alternativas valem pelo que valem, independentemente dos que as praticam, até e mesmo mal.
Se é certo, também, que nem sempre os movimentos associativos e as cooperativas do ramo naturoterapêutico foram exemplares nem dignificaram a causa que dizem defender, é essa outra situação negativa que não deveremos aproveitar para dar armas ao inimigo principal e comum.
A NATUROPATIA AOS NATUROTERAPEUTAS
Se se trata de moralizar actividades e activistas das terapias naturais, o problema é para debater e resolver entre os seus responsáveis. Exclusivamente. Sem ingerências estranhas nos seus negócios internos. Não será a medicina oficial que virá moralizar a medicina alternativa, até porque eles têm lá muito com que se entreter em matéria de corrupção.
Ora o que nós, consumidores de medicinas, não sabemos mas receamos é que se esteja precisamente a preparar essa estratégia de empalmanço: que a medicina se esteja a preparar para empalmar as alternativas que sempre combateu e que pretenda vir moralizar os outros quando ela é a primeira a precisar disso. E que seja ela a dar cartas num jogo onde apenas terão de jogar ou ditar leis quem pertence à casa.
A medicina alternativa aos médicos alternativos. E ponto final.
Que os médicos oficiais já tenham reconhecido o mérito das outras medicinas, que alguns as pratiquem em segredo ou queiram praticar, que constituam mesmo sociedades fechadas para melhor dominarem ciências como a acupunctura ou a homeopatia, OK, tudo bem, é lá com eles.
Que queiram continuar eliminando de cena os praticantes das artes de curar heterodoxas e até agora sacrílegas, artes que eles agora querem usurpar de modo por vezes um tanto canhestro, teremos, enquanto consumidores de medicinas, enquanto portugueses beneficiários da previdência, de protestar e, através do Ministro da Saúde, enviar o nosso protesto até à OMS, que quer saúde para todos até ao ano 2000 e que recomendou o uso das medicinas alternativas nos sistemas de saúde e cuidados primários de todos os países, nomeadamente os de menos recursos financeiros como Portugal.
AUTOCURA - CURA-TE A TI PRÓPRIO
Um dos pontos em que os profissionais da naturopatia não têm sido dignos da arte que manejam é o princípio fundamental de toda a medicina neo-hipocrática: o direito do doente se curar a si próprio.
Tratando-se de uma «tecnologia apropriada» ela dá, por definição, maior liberdade e independência ao seu utilizador, tornando-o menos dependente do médico, do especialista , da autoridade, do técnico, do sr. doutor.
Mas nem todos os naturoterapeutas encaram esse dever e esse princípio hipocrático do «cura-te a ti mesmo» com o mesmo fair play, pois, tal como os médicos tout court, receiam perder clientela.
É a perversão máxima da medicina alternativa enquanto tecnologia de apropriação (da saúde) e consequente desalienação, neste caso a desalienação ou descolonização do doente.
***
<< Home