DEEP ECOLOGY 1992
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5-2-1992
[A filosofia da borbulha - Estratégia sintomatológica - Contradições e perversões do sistema são condição sine qua non da sus autobrevivência -Autismos e autistas]
É de Horkheimer e Adorno, dois filósofos da conhecida escola de Frankfurt, um texto fundamental para a compreensão do sistema « fechado» ou «concentracionário», criador de autismos e autistas, que, no fundo, caracteriza especificamente a engrenagem (não digo sociedade) dita industrial avançada.
Os filósofos exemplificam com a incomunicação da chamada Comunicação social, mas a verdade é que um dos fundamentos em que assenta esta «ordem» de coisas - mais desordem que ordem - se poderia encontrar em outros campos: a abundância ou avalanche de informação serve, como nunca, para desinformar; os transportes «cada vez mais rápidos» servem para não transportar; a medicina é a maior fábrica de doenças; a economia beseia-se antieconomicamente no desperdício, etimologicamente o seu contrário.
O estudante de ecoalternativas pode fazer um exercício, descobrindo novas autocontradições em que a engrenagem é fértil. E é fértil nessas autonegações, não por acaso, não por desleixo ou distracção, nem sequer pelo prazer da contradição em si. A engrenagem só subsiste e se mantém desde que accione os mecanismos de autoreprodução que são essas próprias negações.
Resumindo, quase todas vão dar ao absurdo chamado «lógica do crescimento infinito».
*
A sintomatologia ou metodologia da borbulha preside a estes mecanismos de autoreprodução até ao infinito.
Ora o que vem a ser a filosofia da borbulha?
Basta ouvir um anúncio muito conhecido da RTP, que é o grande manual filosófico de massas, em séria concorrência com os aparelhos de propaganda dos partidos.
Nesse anúncio surge a borbulha no rosto da menina e logo a engrenagem médica - que, como nenhuma outra é modelo da engrenegem tout court e como nenhuma outra se sabe autoreproduzir, fazendo negócios colossais com a exploração do sintoma - põe em funcionamento todos os mecanismos reformistas ou sintomatológicos, conhecidos também como de «antipoluição», «preservativos» ou de «prótese».
Não se indaga a causa metabólica da borbulha - que existe, que tem de existir, se acaso a lei da causalidade ainda existe e rege os fenómenos do mundo físico. Recomenda-se, sim, Clerasil. Todos os sistems do sistema, porém, recomendam Clerasil para as diversas borbulhas do indivíduo e da sociedade. Todos. Em vez de indagar as causas sociais, políticas, económicas, alimentares, ambientais em suma, recomendam todos clerasil. Porque o clerasil não vai pôr em causa o sistema, antes o vai deixar reproduzir-se e às suas borbulhas até ao infinito. Clerasil que, em vez de uma dará 30 borbulhas, obrigando a multiplicar por trinta o produto a consumir e por outras tantas bisnagas do mesmo miraculoso remédio.
*
Horkheimer e Adorno apenas dão uma roupagem mais sofisticada a esta filosofia da borbulha, num texto, aliás, notável que vale a pena antologiar:
«Que o meio de comunicação isola, não vale apenas no âmbito espiritual. Não só a mentirosa linguagem do locutor de rádio se fixa, como imagem no cérebro, impedindo aos homens falar entre si; não só o louvor da Pepsi-Cola abafa a notícia da destruição de continentes inteiros; não só o modelo fantasmagórico dos heróis do cinema se impõe diante do abraço dos adolescentes e mesmo do adultério. O progresso separa literalmente os homens. A bilheteira na estação de caminho de ferro ou o caixa no banco permitiam ao empregado conversar com o colega e com ele partilhar os seus humildes segredos; as janelas de vidro dos escritórios modernos, as inumeráveis salas onde os empregados se reunem e são facilmente vigiados pelo público e pelos chefes, já não permitem tais conversações privadas e idílios. O contribuinte está agora protegido contra o desperdício de tempo dos assalariados, nas repartições, os quais se encontram assim isolados colectivamente. Porém os meios de comunicação também isolam os homens fisicamente. O caminho de ferro foi substituído pelo automóvel. O vagão reservado reduz as relações que se podem fazer numa viagem, à descoberta dos que pretendem ganhar uma boleia. Os homens viajam estritamente isolados, sobre pneus de borracha. Daí que só se fala no automóvel daquilo que se costuma tratar em casa: a conversa doméstica regula-se por interesses práticos. Desde que cada família, com uma determinada renda. usa idêntica hospedagem ,cinema e cigarros, conforme a apresentam as estatísticas, assim os temas se estereotipam seguindo os vários tipos de automóvel. Quando se encontram nos domingos, ou em viagem nos hoteis, cujos cardápios e acomodações se equivalem quando em preços iguais, os visitantes descobrem que se tornaram ainda mais parecidos entre si, mediante o isolamento. A comunicação providencia a igualitarização dos homens através do seu isolamento.»
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5-2-1992
[A filosofia da borbulha - Estratégia sintomatológica - Contradições e perversões do sistema são condição sine qua non da sus autobrevivência -Autismos e autistas]
É de Horkheimer e Adorno, dois filósofos da conhecida escola de Frankfurt, um texto fundamental para a compreensão do sistema « fechado» ou «concentracionário», criador de autismos e autistas, que, no fundo, caracteriza especificamente a engrenagem (não digo sociedade) dita industrial avançada.
Os filósofos exemplificam com a incomunicação da chamada Comunicação social, mas a verdade é que um dos fundamentos em que assenta esta «ordem» de coisas - mais desordem que ordem - se poderia encontrar em outros campos: a abundância ou avalanche de informação serve, como nunca, para desinformar; os transportes «cada vez mais rápidos» servem para não transportar; a medicina é a maior fábrica de doenças; a economia beseia-se antieconomicamente no desperdício, etimologicamente o seu contrário.
O estudante de ecoalternativas pode fazer um exercício, descobrindo novas autocontradições em que a engrenagem é fértil. E é fértil nessas autonegações, não por acaso, não por desleixo ou distracção, nem sequer pelo prazer da contradição em si. A engrenagem só subsiste e se mantém desde que accione os mecanismos de autoreprodução que são essas próprias negações.
Resumindo, quase todas vão dar ao absurdo chamado «lógica do crescimento infinito».
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A sintomatologia ou metodologia da borbulha preside a estes mecanismos de autoreprodução até ao infinito.
Ora o que vem a ser a filosofia da borbulha?
Basta ouvir um anúncio muito conhecido da RTP, que é o grande manual filosófico de massas, em séria concorrência com os aparelhos de propaganda dos partidos.
Nesse anúncio surge a borbulha no rosto da menina e logo a engrenagem médica - que, como nenhuma outra é modelo da engrenegem tout court e como nenhuma outra se sabe autoreproduzir, fazendo negócios colossais com a exploração do sintoma - põe em funcionamento todos os mecanismos reformistas ou sintomatológicos, conhecidos também como de «antipoluição», «preservativos» ou de «prótese».
Não se indaga a causa metabólica da borbulha - que existe, que tem de existir, se acaso a lei da causalidade ainda existe e rege os fenómenos do mundo físico. Recomenda-se, sim, Clerasil. Todos os sistems do sistema, porém, recomendam Clerasil para as diversas borbulhas do indivíduo e da sociedade. Todos. Em vez de indagar as causas sociais, políticas, económicas, alimentares, ambientais em suma, recomendam todos clerasil. Porque o clerasil não vai pôr em causa o sistema, antes o vai deixar reproduzir-se e às suas borbulhas até ao infinito. Clerasil que, em vez de uma dará 30 borbulhas, obrigando a multiplicar por trinta o produto a consumir e por outras tantas bisnagas do mesmo miraculoso remédio.
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Horkheimer e Adorno apenas dão uma roupagem mais sofisticada a esta filosofia da borbulha, num texto, aliás, notável que vale a pena antologiar:
«Que o meio de comunicação isola, não vale apenas no âmbito espiritual. Não só a mentirosa linguagem do locutor de rádio se fixa, como imagem no cérebro, impedindo aos homens falar entre si; não só o louvor da Pepsi-Cola abafa a notícia da destruição de continentes inteiros; não só o modelo fantasmagórico dos heróis do cinema se impõe diante do abraço dos adolescentes e mesmo do adultério. O progresso separa literalmente os homens. A bilheteira na estação de caminho de ferro ou o caixa no banco permitiam ao empregado conversar com o colega e com ele partilhar os seus humildes segredos; as janelas de vidro dos escritórios modernos, as inumeráveis salas onde os empregados se reunem e são facilmente vigiados pelo público e pelos chefes, já não permitem tais conversações privadas e idílios. O contribuinte está agora protegido contra o desperdício de tempo dos assalariados, nas repartições, os quais se encontram assim isolados colectivamente. Porém os meios de comunicação também isolam os homens fisicamente. O caminho de ferro foi substituído pelo automóvel. O vagão reservado reduz as relações que se podem fazer numa viagem, à descoberta dos que pretendem ganhar uma boleia. Os homens viajam estritamente isolados, sobre pneus de borracha. Daí que só se fala no automóvel daquilo que se costuma tratar em casa: a conversa doméstica regula-se por interesses práticos. Desde que cada família, com uma determinada renda. usa idêntica hospedagem ,cinema e cigarros, conforme a apresentam as estatísticas, assim os temas se estereotipam seguindo os vários tipos de automóvel. Quando se encontram nos domingos, ou em viagem nos hoteis, cujos cardápios e acomodações se equivalem quando em preços iguais, os visitantes descobrem que se tornaram ainda mais parecidos entre si, mediante o isolamento. A comunicação providencia a igualitarização dos homens através do seu isolamento.»
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