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2006-09-07

SAÚDE 1996

qualidad>notícias do futuro

DA ECOLOGIA HUMANA À HOLÍSTICA:A QUESTÃO CENTRAL - QUALIDADE DE VIDA OU MODELO DE DESENVOLVIMENTO?

27/6/1996 - Definir «qualidade de vida» não é impossível mas tem-se mostrado, até agora, difícil.
Está por fazer ainda o inventário dos factores de risco que interferem na saúde/doença das populações e do cidadão, cujos efeitos são sofridos ao nível da vida quotidiana.
O grau de subjectividade inerente a conceitos como o de «bem estar» ou de «felicidade» ou mesmo de «saúde» é invocado quase sempre como obstáculo intransponível para uma formulação objectiva do que é ou não é qualidade de vida que, na melhor das hipóteses, surge à opinião pública como amontoado incongruente de serviços, ciências, especialidades, disciplinas, problemas, vindos de quase todos os sectores da Administração Pública e de todos os quadrantes das ciências conhecidas.
À imagem de enciclopedismo soma-se a do ecletismo, espécie de saco sem fundo para onde vai tudo o que os outros não querem. Em certo sentido , a filosofia também foi , na história da cultura, esse «saco sem fundo» e esse «ornamento sem funções» para onde ia o que os outros rejeitavam.
Nos países onde a qualidade de vida deu nome a um ministério, secretaria de estado ou direcção geral, cedo se verifica que esse departamento administrativo deveria «superintender em tudo ou quase tudo», pois qualidade de vida é somatório de várias políticas sectoriais, que vão do saneamento básico à saúde e ao desporto ou à segurança rodoviária em campanha contra o alcoolismo.
Em Junho de 1974, a reunião interministerial da OCDE reconhece que os indicadores até então utilizados pelos analistas na definição da felicidade ou qualidade de vida dos povos, estavam viciados de origem.
Por exemplo: se um país é tanto mais feliz quanto maior número de médicos e hospitais tem, é evidente que, aumentando o número de acidentes rodoviários , por exemplo, aumenta o Produto Nacional Bruto! As estatísticas acusarão maior actividade de internamento hospitalar, maior necessidade de médicos e enfermeiros, maiores «gastos com a saúde»(!!!!) e tal facto deve ser considerado um progresso em termos de produto interno bruto, logo de bem estar, segurança, felicidade e qualidade de vida.
Philipe Saint Marc, autor da obra clássica «Socialização da Natureza», foi um dos que denunciou , com mais vigor, em França esta perversão lógica mas alguns anos passaram para que os estatísticos reconhecessem finalmente a evidência.
E a evidência é: o Produto Nacional Bruto não chega para classificar um país de desenvolvido, os indicadores meramente económicos conduzem a resultados grotescos por contraditórios e o famoso crescimento industrial não só não é proporcional ao bem estar e qualidade de vida como até se prova que os compromete.
A OCDE decide em 1973 reconhecer a evidência e considerar outra lista de indicadores.
País desenvolvido já não é o que bate o recorde de hospitalizações mas aquele em que sucede exactamente o contrário.
Outra noção que a pouco e pouco foi sendo alterada e passou de uma elite pensante para os organismos internacionais com poder de pressão ou de decisão, foi a de saúde.
Ter saúde, segundo os indicadores tecnocráticos dos economistas do crescimento industrial, era consumir medicamentos e médicos. Quanto mais médicos e medicamentos, melhor saúde.
Como não é isso o que acontece, antes pelo contrário (quanto mais medicamentos, mais doenças há) algo tem que ser alterado nesta noção «científica» que se chocava com a lógica e o simples bom senso da experiência prática do dia a dia.
E viu-se então que:
1 - A saúde não depende da medicina, dos médicos e dos medicamentos
2 - Médicos, medicina e medicamentos destinam-se, na melhor das hipóteses, a combater a doença (e jamais a conservar a saúde)
3 - A saúde depende de vários factores ambientais conjugados e convergentes, quer do ambiente endógeno (as pessoas e seu comportamento) quer do ambiente exógeno ( ar, água, solos, alimentos, etc.)
4 - A medicina tornou-se , no limiar do século XXI, uma ciência ecológica e social e é sinónimo de medicina preventiva e/ou profilaxia natural
Estas evidências, ainda não conhecidas da minoria médica que em Portugal bloqueia a saúde dos portugueses, levam à seguinte conclusão:
O médico pode e deve entrar como agente de saúde na medida em que combate a doença: mas antes e depois dele, outros agentes ou profissões têm que ver com a saúde dos povos e das pessoas, tais como:
Dietistas
Enfermeiros
Fitoterapeutas
Higienistas
Naturoterapeutas
Nutricionistas
Paramédicos.
Professores de Saúde
Psicoterpeutas
Sanitaristas
Técnicos de Saúde

A saúde de pessoas e povos é um bem demasiado precioso para que esteja na dependência de uma única classe profissional, que ainda por cima em matéria de «manutenção da saúde» é zero.
Acima de tudo, a saúde deve ser um encargo cívico de cada cidadão, uma responsabilidade, um trabalho, um direito e um dever de cada um - direito e dever que é matéria consagrada no artigo 64 da Constituição da República.
A saúde como um dever e direito constitui um conceito novo introduzido na política de saúde aconselhada por organismos como a OMS, pelo menos desde o início da década de 70.
E nada adianta querer tapar o sol, ignorando esse conceito e a sua vigência num futuro cada vez mais próximo.
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VELHICE 1967

67-09-07-de-diário do escriba – antologia das memórias – inédito ac de 1967 – diário de um leitor de livros

SINAIS DE VELHICE
O QUE NÃO VENCE É VENCIDOS

Lisboa, 7/Setembro/67 - Será que perdi a capacidade de admirar e a juventude de espírito? Será que um pretenso sentido crítico exilou de mim todas as possibilidades de afecto e sentimento, a simples adesão das coisas sem um aparelho de suspeita e desconfiança a separar-nos? Receio bem que tudo isto sejam sinais de velhice: retomo autores que ontem lia com avidez e nada me dizem hoje.
Os místicos parecem-me de um impudor sacrílego, ofensivo, absurdo, a exporem como chagas as suas inquietações fundadas numa ética ignominiosa e mistificatória; os gritos cristãos de Kazantzaki, por exemplo, o tema da abstenção, da austeridade e do ascetismo que a sua obra ilustra, já nem com todo o molho literário me comovem e convencem. Será isto um progresso? Significará que um lento processo de amadurecimento, só hoje faz aparecer, em toda a nudez de ilusões, mitos e disparates, conceitos, obras e autores que ontem tinha na conta de bons ou razoáveis?
Por este caminho, bem pouca coisa ficará de tudo quanto encheu ontem de ilusões e crenças o meu mundozinho literário; um endurecimento emocional tem acompanhado esta evolução e, para melhor ou para pior, resulta daqui uma útil lição; nada daquilo em que se crê é tão perdurável como se crê.
A uma fase decididamente romântica - ainda que até há pouco me recusasse classificá-la assim - parece suceder-se uma fase realista, com força assim o espero para renunciar aos mitos propostos de tantos lados e ver a que dimensões de inutilidade deverei reduzir mais alguns "génios" de uma humanidade tão fértil deles... Brevíssimas luzes de inspiração marxista não são alheias a esta mudança, a esta óptica e é curioso notar como a leitura de certas obras - estou só a lembrar-me de Josué de Castro, Frantz Fanon, e alguns outros ideólogos do Terceiro Mundo - inutiliza por completo tantas e tantas Bibliotecas, tantos e tantos autores, tantas e tantas obras.
Trabalho de escolha e selecção que não deixa de ser benéfico para quem tenha cada vez menos tempo a consagrar aos prazeres líricos, platónicos e românticos da leitura.

MALDITOS OS QUE ACREDITAM

E não me venham com a velha história do valor literário das obras se sobrepor à sua ideologia, quando esta é transparentemente reaccionária, burlona, chata, parva ou odiosa; não me digam suportável o Shakespeare e o José Régio, o Kazantzaki e o Sá Carneiro, em favor de possíveis méritos literários. Se posso hesitar em Coccioli e Pascoaes, se mais hesito em Camus ou Fernando Pessoa, não é tanto porque o talento literário os iliba mas porque na própria ideologia, embora de mística abstenção, há elementos compensadores de avanço e superação. Nessa superação, aliás, precedida ou não de exigente auto-crítica, pode residir aliás o mérito e o agrado com que ainda leia alguns (poucos )dos muitos místicos em que ontem perdia o meu tempo.
Malditos os que continuam a proclamar uma conduta moral no pequeno inferno quotidiano, malditos porque, acossado de cínicos e de hipócritas, só sofre o que, por hábito ou vício, teima em querer as relações humanas fundadas não no comodismo utilitário, no egoísmo voraz, no canibalismo feroz mas numa recíproca entrega, na recíproca fraternidade, na ideal irmandade.
Malditos os que me fizeram crer nisso e por isso me obrigam a sofrer; teimo em adaptar-me e, depois de tantas tentativas, não aprendi; só vejo os que, seguros de si, pisam e sorriem, esmagam e sorriem, tripudiam e sorriem.
Claro, a moral é outra cantiga e os que cantam socialismo para amanhã têm uma razão suplementar para ignorar a moral "retrógrada" que, inclusive, ainda por cima, precisa de um fundamento transcendente para se praticar e que, porque esse fundamento não existe, não se pratica.
Claro, o mal vem de que ainda há em mim restos de uma crente descrença num transcendente, num céu da consciência que li em Antero ou Sérgio ou Espinosa haver nos homens (e leio agora em Danilo Dolci e outros "dolci" reformistas da não-violência).
Claro, o mal vem desses e de outros místicos da fraternidade, vem de Romain Rolland e de Kazantzaki (que agora releio), vem do Coccioli que ontem li, vem de todos os pacifistas em que me enlevava ontem quando já os místicos da brutalidade me pisavam os calos sem saber que os tinha.
Será esta a maior frustração da minha vida, a que menos me perdoarei. Nunca poderei reaver o tempo e a habilidade que me permitam manter rígido, frígido, duro, frio, insensível à insensibilidade dos meus queridos próximos, colocados ou a colocar-se, a caminho do melhor despotismo de onde, por fatalidade, me hão-de fazer a cama completa. Já sei: mania da perseguição, ressentimento, não saber compreender e perdoar, etc., etc.
Se algum dia me matar, não haverá outro motivo: insuportável me parece cada vez mais um mundo de onde foi corrida literalmente qualquer hipótese de tréguas: de proceder (platónica e mìsticamente) por amor dos outros, sem que o amor dos outros não me liquide logo a multiplicar por cinco Uma merda a moral do amor, uma fábula para menores a mística da Fraternidade.

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