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*DEEP ECOLOGY - NOTE-BOOK OF HOPE - HIGH TIME *ECOLOGIA EM DIÁLOGO - DOSSIÊS DO SILÊNCIO - ALTERNATIVAS DE VIDA - ECOLOGIA HUMANA - ECO-ENERGIAS - NOTÍCIAS DA FRENTE ECOLÓGICA - DOCUMENTOS DO MEP

2005-12-01

ECOS 1990

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«CIDADÃOS PELO AMBIENTE»

2/Dezembro/1990

Instrumentalizar as ideias ecologistas e servir-se de plataformas que alguns ecologistas e ambientalistas de boa fé tiveram o trabalho de criar, parece ser uma das notas dominantes a extrair do encontro realizado no sábado, sob o título «Cidadãos pelo Ambiente».
Partiu-se muita pedra, as comunicações escritas - Romeu de Melo, João Reis Gomes, José Carlos Costa Marques, Viriato Marques, Gonçalo Ribeiro Teles [---]
Os dados estão lançados: os produtores de ideias na causa ecologista continuam em forma e alguns, como Delgado Domingos, José Carlos Marques e Romeu de Melo - que não esteve presente mas mandou um texto - nunca se mostraram tão firmes.
O que irá sair, no próximo futuro deste encontro de forças, é completamente imprevisível: não só porque a crise do Golfo pode baralhar totalmente os dados de um minuto para o outro, mas também porque a situação a Leste não está segura e pode virar do avesso. É assim prematuro tudo o que se avançar como projecto no próximo futuro.
No mês de Março, em que se prevê uma próxima reunião denominada «forum», pode já não haver história e todos os problemas ecológicos ficarem resolvidos com uma hecatombe total. Alguns como o José Carlos Marques, riram-se deste «apocalipse que está aí» mas, na verdade, foi um riso amarelo.
Ninguém acredita que a «loucura» do imperialismo ocidental, agora sem o reforço do imperialismo soviético, leve a humanidade ao holocausto por causa do petróleo. Mas a verdade é que ninguém consegue traçar outro horizonte para os próximos dias.
Sobre a imensa lavagem ao cérebro que está a ser feita à escala planetária para «habituar» as famílias americanas à ideia de uma chacina maciça dos seus filhos, houve apenas ecos indirectos nesta reunião.
Dissidentes de vários partidos em derrocada interna, apareceram a «oferecer-se» e como há falta de mão-de-obra entre os amigos do Ambiente, devendo ter emprego garantido, muito em breve, no novo partido de cidadãos pelo ambiente que se desenha no horizonte.
Como disse António Eloy, assessor do vereador Luís Coimbra na Câmara Municipal de Lisboa, as próximas eleições legislativas são as últimas em que se poderá formar um partido apenas com 5 mil assinaturas.
Depois, a Democracia fecha para obras. Com o encontro de sábado, ficou claro que o Ambiente continua a ser uma boa porta de entrada para as mais variadas posições partidárias se infiltrarem no processo de reorganização a que, após a queda do muro, se está a verificar no nosso País. O Ambiente leva a tudo e os organizadores deste Encontro abrem a porta para quem quiser passar. O Prof. Delgado Domingos facilitou uma sala no Instituto Superior Técnico para que houvesse uma simulação de debate.
Gonçalo Ribeiro Teles, que está cada vez mais lúcido, deu o tom na parte da manhã: os dados foram lançados, sem lugar a dúvidas, quando aquele ex-líder do Partido Popular Monárquico analisou a crise na base dos modelos de desenvolvimento que se encontram em colapso, a Leste e a Oeste.
Foi mais longe: a questão é de paradigma e o cientismo, o positivismo, o economicismo, são responsáveis pela situação de colapso. Só há um caminho de saída, como ele deixou claro: o renascimento rural associado à construção de uma sociedade paralela e de «tecnologias apropriadas». Se o sistema vigente deixar, o que não tem sido o caso, nem parece que venha a ser.
Na parte da tarde, acentuou-se a «transição». Firmes nas suas posições já conhecidas, Delgado Domingos, José Carlos Marques e Viriato Marques expuseram «projectos de vida» que seriam viáveis, se toda a gente ali estivesse de «boa fé». Como não é o caso, em reuniões deste género, ditas abrangentes e pluralistas, logo depois do intervalo tudo fica claro.
À parte a intervenção de Carlos Antunes, ex-PCP e ex-PRP, que, além de boa fé, se mostrou também realista e lúcido - a crise ecológica ainda agora começou - à parte a intervenção calma, europeia e sincera, o resto da tarde foi um regresso súbito ao esplendor dos anos 75 e 76. Como hoje seria demasiado escandaloso ( e inútil) uma apologia do Nuclear, o tema dos adubos serviu para separar campos e mostrar quem esta(va) ali de boa fé e quem foi ali de má fé.
Pivô de uma plataforma democrática para os ecologistas dialogarem, Luís Tavares, que também presidiu aos trabalhos, tem agora a tarefa de saber como vai digerir os «sapos vivos» que ali, aos saltos, se manifestaram em quantidade assaz numerosa.
No previsto Forum de Março, se a situação de Leste não mudar do avesso, como se prevê, é provável que surjam ainda em maior número os aproveitadores de todas as situações.
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CPT 1958

estela-3-ie>=ideia ecológica do afonso-polémicas com o meio ambiente–os guardas do gulag–mein kampf–os dossiês do silêncio–os dossiês de ecologia humana

OS INTELECTUAIS E A ECOLOGIA
II – O PRECONCEITO NEO-REALISTA(*)

(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado no jornal «A Capital» (Crónica do Planeta Terra), 2/12/1978

Do pré-conceito romântico com que o intelectual olha, quando olha, a Ecologia, falei aqui, a propósito de um artigo em que Maria Estela Guedes se propunha demonstrar aos amigos da Natureza como eles eram (como nós somos) anacrónicos, fora de moda, não progressistas e nada revolucionários.
O artigo saiu necessariamente gralhado - coisas do azar! - mas lá saiu.
Os intelectuais progressistas desta terra sempre foram exímios a censurar-me e se devo dezenas de carimbos azuis aos senhores censores do antigamente, não devo menos favores aos neo-realistas de ontem e neo-censores de agora.
Imagine-se: defender a Natureza, a vida e a qualidade de vida é ainda - para o (intelectual) progressista desta terra passadista - ser-se conservador, quiçá reaccionário e talvez ainda pior...A insultar sempre o neo-realista foi exímio. Virtude revolucionária só ele é que tem.
E do pré-conceito romântico saltamos para o pré-conceito miserabilista do progressista (neorealista).

I

Vem então o argumento-chavão, já gasto e regasto mas que ressurge sempre: Se é verdade que a nova geração se habituou ao conforto de muitos consumos que a sociedade pagará caro - em destruição de recursos e poluição do Meio Ambiente - e que o próprio consumidor pagará com a (sua) saúde e a (sua) qualidade de vida cada vez mais degenerada e deteriorada, eis que logo o pré-conceito miserabilista argumenta de que os pobres, as classes desfavorecidas não podem usufruir, igualmente, desses consumos e "benefícios", quer dizer, não têm direito a um cancro (a domicílio) por cabeça.
A estratégia miserabilista preconiza que todos - os pobres também - tenham acesso ao açúcar, ao enlatado, ao congelado, ao refinado, ao veneno, ao aditivo, ao corante, ao tóxico, ao antibiótico, ao plástico, ao objecto inútil e supérfluo, enfim, ao consumo patológico e proliferantemente cancerígeno.
A estratégia miserabilista com que o neo-realista ameaça o amador da Ecologia - considerado a priori um incurável reaccionário que critica os benefícios sem par do consumismo - propõe-se afinal uma socialização do cancro.
O famoso Serviço Nacional de Saúde e a famosa "socialização da Medicina" jamais põe em causa a intrínseca qualidade do sistema ou do serviço prestado. Não se indaga se é asneira. Preconiza-se é que a Asneira alastre e se multiplique. Se socialize.

II

Ora a vida, a qualidade de vida, a saúde, a segurança e a sobrevivência é igualmente comprometida pela pobreza dos que consomem pouco e mal como pela "prosperidade" dos que consomem muito e péssimo.
Se é a qualidade a ter em conta, uns e outros consomem mal. E os que consomem mais, eis que consomem ainda mais mal.
O que o amador da Ecologia defende - enquanto o “progressista” o ataca - não é mais, muito mais, sempre mais. É melhor, menos mau e muito menos mau do que hoje.

III

Não é por acaso que Portugal participa do quadro patológico típico dos dois extremos: a cólera e as doenças do ciclo hídrico são periodicamente endémicas entre nós, a mostrar que somos um país com muitos bairros da lata, formados e desenvolvidos (paradoxalmente?) em torno dos progressivos pólos industriais que, apesar de tudo, subdesenvolvidamente por aqui foram disseminando dizendo que era tudo para bem da gente.
Mas o alcoolismo, as doenças cardíacas e o cancro são igualmente endémicas.
Ora se estas doenças degenerativas, doenças da poluição ou doenças do consumo como alguns lhes chamam - estatisticamente dominantes como causa de mortalidade e morbilidade - são causadas exactamente por consumos típicos da burguesia (gorduras animais, proteínas, calorias, açúcar, cereais refinados, farinhas brancas, enlatados, bebidas alcoólicas, etc) eis que o argumento é objectivo-estatístico e não subjectivo-romântico.
Como descalçar a bota?
Sempre no mundo dos fantasmas que lhe encham a cabeça, o (intelectual) neo-realista dirá que uma vasta camada da população portuguesa ainda não tem acesso aos consumos dos ricos.
Mas a verdade e o facto é que a estatística nos atribui uma das mortalidades e morbilidades mais "ricas" da Europa Rica.
A realidade excede , de facto, o pré-conceito, seja ele romântico e umbilicalista, seja ele miserabilista e neo-realista: porque a (triste) realidade é que, bem ou mal, a caminho do socialismo ou do capitalismo, o sistema já conseguiu pôr quase todos a consumir o que é fundamental na degeneração biológica e na desqualificação da vida.
Pobre e ricos apanham com adubos químicos na agricultura e pesticidas nas colheitas: e qualquer desses benefícios químicos são, a médio e longo prazo, pré-cancerígenos.
Pobres e ricos são vacinados e ganham alergias para o resto da vida.
Pobres e ricos levam doses letais de antibióticos de modo a que fiquem escravos da medicina química até à eternidade.
Pobres e ricos, em vez de cereal integral (que alimenta), levam para casa cereal refinado, que desalimenta e cria carências além de provocar o cancro no cólon por falta de celulose favorável ao movimento peristáltico.
Pobres e ricos estão sujeitos à patológica cidade do fumo, do escape, do chumbo na gasolina, do ruído, da porcaria, do cartaz, da sloganmania.
Pobres e ricos são diária e horariamente alienados pela super-estupidez da publicidade e dos "mass media" em geral.
Pobres e ricos são chacinados na estrada por sua excelência o automóvel, símbolo de facto burguês que o neo-realista não dispensa...
Pobres e ricos consomem todos os cufóleos que lhes impingem mais o respectivo colesterol de transacção.
Pobres e ricos consomem margarina com ácido sulfúrico e todos gritam por mais, porque torna tudo mais apetitoso.
Pobres e ricos consomem açúcar industrial (quando não glutamatos) desmineralizando o corpo e descalcificando o esqueleto sem diferença de raça, credo, sexo ou classe...
Pobres e ricos estão sujeitos ao stress dos transportes e serviços públicos, à paranóica burocracia das bichas e do papel selado.
Pobres e ricos são submetidos ao ''bang'' supersónico quer do Concorde, quer do Tupolev...
Pobres e ricos banham-se democraticamente nas ondas oleosas da nafta petroleira de todos os imperialismos que sulcam os oceanos.
Pobres e ricos contraem colibacilose nas praias suburbanas, cloaca de esgotos não tratados.
Pobres e ricos ficam sem rios, sem fauna, sem flora, sem campo, sem água nas fontes.
Pobres e ricos consomem, uns mais outros menos, tudo quanto serve ao tecnocrata para continuar justificando as indústrias instaladas, a começar nas centrais nucleares devido à demanda crescente de energia por parte das insaciáveis populações energívoras...
Neo-realistas defenderam Alqueva para irrigar o Alentejo, quando eles sabiam muito bem que Alqueva é para servir as multinacionais de Sines e suas vorazes petroquímicas.
Pobres e ricos são afectados pela hemorragia de combustível, energia, recursos e matérias-primas que são as megalomanias imperialistas da corrida atómica, da escalada espacial, da maratona supersónica, das olimpíadas, enfim, de todos os gigantismos em que os imperialismos são férteis, dada a recíproca concorrência.
Pobre e ricos consomem o mau, uns mais outros menos, conforme o poder de compra. Para lá da questão quantidade, é a questão da qualidade que a Ecologia põe.

V

O pré-conceito miserabilista coloca o problema dos consumos de maneira totalmente errada. O neo-realista tem nos consumos a pedra de toque da sua estratégia reformista, por isso se pica tanto e logo... Diz que a revolução cultural é para depois, que a qualidade logo se vê e que para já é a quantidade.
De facto, enquanto pedra de toque da revolução cultural, a crítica aos consumos assusta o neo-realista.
Enquanto as pessoas (pobres, ricos, remediados, proletariado, burguesia) não reciclarem hábitos, não fizerem greve geral ao supermercado), ao celofane, à publicidade) , ao plástico e à máquina de Alienação, o sistema industrial seguir, tal e qual, a produzir os mesmos objectos, venenos, tóxicos, refinados, congelados, enlatados, sintéticos. Ao sistema de consumos, enquanto tal, até lhe interessa a democratização dos consumos: pois não é a saturação de mercados e consequente alargamento, um dos problemas que se põem ao sistema de pechisbeque, sempre em crise?
É a socialização do cancro, afinal, para onde todos apontam, directa ou indirectamente, em nome do capitalismo ou em nome do socialismo.
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(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado no jornal «A Capital» (Crónica do Planeta Terra), 2/12/1978
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