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*DEEP ECOLOGY - NOTE-BOOK OF HOPE - HIGH TIME *ECOLOGIA EM DIÁLOGO - DOSSIÊS DO SILÊNCIO - ALTERNATIVAS DE VIDA - ECOLOGIA HUMANA - ECO-ENERGIAS - NOTÍCIAS DA FRENTE ECOLÓGICA - DOCUMENTOS DO MEP

2006-02-19

DEEP ECOLOGY 1991

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20-2-1991

6 IDEIAS-FORÇA DO REALISMO ECOLÓGICO

1 - O mais ecológico é o mais económico -- e viceversa -- como a análise energética demonstra. Não é uma questão ideológica, é uma questão física. A Natureza não desperdiça e reaproveitar os desperdícios, sendo outra ideia-chave, outra ideia-força do realismo ecologista, é também e necessariamente uma lei fundamental da Natureza.


2 - O Cancro está no ambiente, todas as doenças estão no ambiente. Mudar o ambiente é, portanto, a única política de saúde possível e realista, que não queira reduzir-se a mero combate à doença. Não se combatem doenças criadas pelo ambiente, deixando o ambiente na mesma ou de mal a pior.

3 - Todos os produtos derivados do petróleo são cancerígenos. Que sociedade se quer construir com base no petróleo além de uma sociedade cancerosa?

4 - A pequena exploração agrícola, o tear, a banca do artesão são, enquanto trabalho livre, os últimos baluartes da liberdade humana. F. Schumacher não inventou nada de novo ao lemrar que o «small is beautiful», ideia-força do ecorealismo.

5 - Não-alinhamento com blocos do imperialismo ideológico, independência e autosuficiência, autonomia e autogestão são ideias-chave de um movimento alternativo que pretenda uma mudança qualitativa. Qualidade de Vida que não decorra daquelas premissas é mera retórica de político e mera fraude.

6 - Diversidade na unidade, equilíbrio no movimento são ideias-força de um projecto inspirado no realismo ecológico.

7 - Poluição, ópio da Ecologia. - O célebre princípio «poluidor-pagador», recomendado por organizações como a OCDE e a CEE tem, para lá da sua aparente inocência, dois objectivos estratégicos de largo alcance no sentido de manter e prorrogar o sistema devorador de ecossistemas.
São esses objectivos:
a) Mostrar que o sistema se preocupa em defender o ambiente e que dá, portanto, resposta às «aspirações populares», ao protesto das populações e dos grupos ambientalistas, ponto de honra este que a social-democracia europeia se esforça por aparentar (a portuguesa nem sequer as aparências guarda);
b) Eliminar da concorrência as empresas mais pequenas que, não podendo munir-se dos equipamentos antipoluição, pelo seu alto custo, acabam por ficar sujeitas à severa legislação antipoluição ou, pura e simplesmente, desaparecer por inanição.
Este objectivo, que dificilmente se descortina nas políticas oficiais do Ambiente mas que neles se encontre implícito, é aparentemente de inspiração social-democrata mas conduz ao desiderato oculto da social-democracia: alimentar e promover os monopólios industriais.
«Poluidor, pagador», o célebre princípio de uma política do ambiente social-democrata que não chegou a Portugal, mantém-se assim o principal promotor da entrega às grandes multinacionais de médias e pequenas indústrias, a pretexto de poluição e de combater a poluição.
[Ver entrevista com Carlos Pimenta e reportagem no Alviela]
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DEEP ECOLOGY 1991

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MANTER PROBLEMAS PARA AUMENTAR OS LUCROS

[20-2-1991]

Cancro, desemprego, poluição, ruído, bairro da lata, inflação, energivorismo, deficiência psicomotora, desabitação, não são para o sistema problemas por resolver: enquanto continuarem a dar lucros, são factores intrínsecos ao sistema e à sua própria sobrevivência. Ainda que houvesse meios técnicos de os resolver, não seriam resolvidos.
São estes, portanto, os «problemas» sem os quais o sistema não poderia subsistir: e alguns outros, que o sistema igualmente não resolverá enquanto deles obtiver lucros económicos ou dividendos políticos:
Poluição é um dos problemas que interessa manter e não resolver. Se não houvesse poluição, teria que se inventar - como disse alguém. Ela assegura só por si o grau de intoxicação (alienação) necessário para que o sistema possa pôr e dispor do rebanho que tem à sua guarda.
Se o cancro, à partida, é rendoso, todos os dispositivos de mercado estão orientados para o fazer ainda mais rendoso. Por isso nunca será resolvido, embora seja hoje um dos tais grandes «problemas» que já têm solução.

- Desemprego é outro dos «problemas» tecnicamente com solução mas que o sistema diz insolúveis. Bastava diminuir as horas de trabalho por semana e os anos de trabalho da vida de um trabalhador, medida já tomada por Leom Blum, em França, em Maio de 1936.
- Mortes na estrada
- Deformações e deficiências provocadas por medicamentos e centenas de consumos
- A crise energética que é apenas energivorismo do sistema e do qual ele não quer abdicar
- Habitação: não resolver o problema da habitação é, tal como o desemprego, manter as pessoas no mal-estar, na angústia, na instabilidade, no stress, na submissão, na humilhação da miséria
- a chamada crise do mundo rural e agrícola - sistematicamente provocada, mantida, agravada - é evidentemente um «problema» que ninguém esteve, está ou estará interessado em resolver; enquanto o sentido imposto pela exploração tecnoburocrática for despovoar os campos para, nas grandes cidades, nas cidades-pesadelo faer funcionar com maior rentabilidade, os mecanismos da repressão, da alienação e da destruição.
Aliás, qualquer dos outros problemas entre aspas - poluição, cancro, ruído, desemprego, morte rodoviária, deformação e deficiência psicosomática, energivorismo, habitação, etc - sendo problemas da macrocefalia urbana são, portanto, consequência directa da desruralização. ou seja, consequência do que acima de tudo o sistema quer e necessita: arrancar o homem à terra, arrancar a terra ao homem.
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PROSPECTIVA 1992

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À PROCURA DE UM MÉTODO QUE PERMITA PENSAR A COMPLEXIDADE CRESCENTE DO MUNDO (PENSAR A SIMULTANEIDADE)

[textos como este revelam talvez uma certa megalomania da minha parte mas também expressam uma realidade: eu abarquei uma ambição excessiva e que nunca poderia realizar; porque tenho poucos ou nenhuns talentos mas porque, ainda que os tivesse, era démarche para uma equipa, um movimento, uma época e não uma démarche individual; isto não quer dizer que as minhas intuições e teses não estivessem certas, eu é que não tinha arcaboiço para as sustentar e fazer vingar]

[ 20/2/1992 ] - Lisboa, 29/12/1968 - No nosso tempo de realizações e de esperanças, quando a via de libertação dos oprimidos ficou revelada e comprovada, pode, no entanto, o entusiasmo [ ? ] mesmo dessas partes de um êxito e de uma revolução fazer esquecer a totalidade indispensável, necessária, também urgente da revolução.
Prospectiva procura o método que sirva para a complexidade dos tempos modernos, que são já os futuros. O método que, valorizando e reconhecendo Che Guevara, Mao, Fidel, os revolucionários da acção e da prática, da guerrilha e do movimento de massas, valorize e reconheça e integre os revolucionários da vida interior, do indivíduo [ isto era mais holística do que prospectiva mas a palavra holística ainda não tinha surgido] , do enriquecimento afectivo (isto é, humano).
Não negar tudo o que o nosso tempo pode ter conquistado para a Revolução, mas conseguir uma velocidade e uma simultaneidade de pensamento que, fazendo-nos atentos a um lado (a revolução tricontinental, por exemplo) nos não faça esquecer e ridicularizar, ignorar ou hostilizar o outro ( a revolução naturopática da medicina, por exemplo). Prospectiva procura o método de novos métodos e se a dialéctica nunca chegou a ser praticada como método de pensamento [só há pouco ouvi as palavra dialéctica na boca de Álvaro Cunhal, 20/2/1992], a Prospectiva procura efectivá-la.
É necessário, é urgente, é indispensável. Num fenómeno de ordem humana intervêm factores diversos que é preciso coordenar na sua recíproca, múltipla, complexa simultaneidade - quando ainda as nossas ferramentas de trabalho intelectual apenas nos permitem pensar a parte e não as partes «em sustentação recíproca» [ António Sérgio].
Por isso, ao mesmo tempo que reconhecemos a revolução de Che, ignoramos a revolução de Pauwels [ ? ], Louis Armand ou Jean Fourastié, a crítica da tecnologia [ pesada] , a crítica das mitologias que se apresentam, mistificatoriamente, em nome do progresso, a crítica das ideias do Futuro que só servem interesses reaccionários do Presente. [Herman Khan ?]
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DEEP ECOLOGY 1982

progresso-2-os dossiês do silêncio – o outro lado da opulência

MISÉRIAS DA PROSPERIDADE

20/2/1982 - «Entre os diversos países do mundo, encontramos todos os níveis de desenvolvimento económico, desde os mais pobres aos mais ricos. Mas, além disso, mais do que isso, um facto há que não pode ser ignorado: seja qual for o nível de desenvolvimento em que se situe, cada país está, ele próprio, dividido no seu interior pelo largo fosso que separa os ricos dos pobres.»
Estas palavras são de Trygve Bratelí, participante na mesa-redonda sobre Nova Ordem Internacional que há tempo se realizou em Lisboa.
Em artigo publicado no «Diário de Notícias», ele escrevia ainda:
«Isto é assim nos países ricos como é nos países pobres. Mas, nestes, o fosso que separa as pessoas ricas das pobres é mais profundo e menos suportável. No Terceiro Mundo, pequenos e fechados grupos de pessoas conseguem viver em condições de luxo que desafiam qualquer comparação com situações similares nos modernos países industrializados. Até porque o capitalismo moderno está mais interessado nas empresas industriais, nos negócios e nos investimentos seguros do que no aquisição de residências sumptuosas ou na ostentação de um luxo irritante.»
São factos que, apesar de óbvios, os discursos habituais sobre desenvolvimento sistematicamente escamoteiam.
O abstracto «desenvolvimento» com que nos lavam o cérebro, dia após dia, nunca assinala esta realidade brutal que é, na própria sociedade que se diz desenvolvida ou em desenvolvimento, haver assimetrias em que os custos desse desenvolvimento são pagos principalmente por aqueles que dele retiram menos proveitos ou nenhuns.
O abstracto desenvolvimento com que tenta justificar-se tudo - mesmo os crimes contra a natureza e a destruição do meio ambiento - tem nas palavras do ex-ministro norueguês uma flagrante denúncia.
Todo o discurso sobre desenvolvimento que não leva em consideração as assimetrias sociais, os desequilíbrios entre regiões, as macrocefalias urbanas e o despovoamento dos campos, bem como a desertificação do interior e o sobrepovoamento dos litorais, um desenvolvimento que não leve em consideração todos estes factos e factores é pura burla.
E ainda bem que um senhor da política o veio dizer, não fosse pensar-se que o ecodesenvolvimento é invenção de maluquinhos e fantasistas sem o senso da realidade.
A maior parte do discurso sobre economia é pura fantasmagoria, como as palavras de um sensato realismo do senhor Trygve vêm claramente evidenciar.
E lutar contra fantasmas é função de quem restar minimamente lúcido frente à estupidez tecnocrática que invade o mercado dos «mass media».

QUEM PAGA O «LUXO » DO CRESCIMENTO INDUSTRIAL

Que o «crescimento» só por si não é desenvolvimento, não é uma varinha mágica que conduz os povos à felicidade e à qualidade de vida, qualquer pessoa verifica, desde que tenha olhos, desde que tenha nariz, desde que tenha ouvidos, desde que tenha sentidos e sensibilidade. Desde que não seja, portanto, um canibal tecnocrata.
Basta olhar para ver que é exactamente ao pé dos complexos industriais mais fumegantes, poluentes e prósperos que a miséria, a fome, as doenças de carência e as doenças da poluição, o subdesenvolvimento e os bairros da lata, a cólera, as epidemias hídricas, o proletariado e o lumpen-proletariado prosperam.
Em Outubro de 1979, um relatório da Organização Internacional do Trabalho punha precisamente em relevo a «pobreza que se verifica no meio da opulência» em países da OCDE
Segundo esse relatório, o crescimento económico verificado nos anos 60 em países da OCDE provocou um aumento do nível de vida e de consumo, mas conservou redutos de pobreza evidente: cerca de 10 por cento da população dos países mais ricos do mundo vive no limiar do índice de pobreza reconhecido internacionalmente.
O problema pode, inclusivamente, agravar-se em virtude da actual onda de desemprego, segundo se infere de um estudo efectuado por Wilfred Beckermar, no âmbito da O.I.T. .
O documento analisa os índices de pobreza verificados em 1973 em quatro países - Austrália, Grã-Bretanha, Noruega e Bélgica - escolhidos como representativos de um conjunto de nações desenvolvidas.
Os resultados referem que 10 por cento da população destes países (todos os países da Europa Ocidental, os Estados Unidos, o Japão e o Canadá) vivem de facto em condições de pobreza.
Se esta percentagem fosse válida para todos os países da OCDE, significaria que 60 milhões de pessoas vivem nessas condições.
No entanto, esses redutos de pobreza encravados no meio da opulência estão ainda longe dos milhões de habitantes que vivem na miséria dos países do Terceiro Mundo.
O estudo revela, também, que se não fossem os resultados obtidos com o programa de subsídios aos orçamentos familiares mais desequilibrados, o número de casos teria sido três vezes maior.
Algumas questões são, porém, postas pelo relatório, nomeadamente o motivo pelo qual sem a prestação de subsídios a pobreza seria ainda maior nos países avançados.
Seria necessário investigar, também, porquê destinar-se uma parte tão importante do produto nacional bruto à redução da pobreza em sociedades onde os trabalhadores têm um grande poder de negociação, onde existe o pleno emprego e onde famílias muito numerosas são excepções.
O estudo aponta o grupo das pessoas idosas e reformadas como o mais carenciado no ponto de vista económico.
Alerta também para o número cada vez maior de casos de pobreza entre os adultos solteiros - cerca de 30 por cento dos pobres, na Grã-Bretanha, por exemplo - e em casais com filhos, na Noruega.
No campo das soluções para o problema, o relatório afirma que embora a política de subsídios tenha reduzido, substancialmente, o número dos desfavorecidos, os métodos utilizados não se mostraram satisfatórios. Até porque - conclui - não é uma questão de vias ou meios mas, principalmente, de vontade política de toda a comunidade.
A OCDE (Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico), tem a sua sede em Paris e agrupa, como referimos, os países mais ricos do mundo. Tem como objectivos o estudo permanente da situação económica e a definição de toda a espécie de medidas consideradas necessárias, ou convenientes, para enfrentar os problemas. É uma organização respeitada pela seriedade e competência dos seus estudos...
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(*) Publicado no jornal «A Capital» (Crónica do Planeta Terra), 20/2/1982
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BIOENERGIA 1976

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KARATE E ARTES MARCIAIS: UM BOM EXEMPLO DE AUTO-SUFICIÊNCIA(*)

(*) Este texto de Afonso Cautela, que eu saiba e ainda bem, ficou inédito, apesar de cinco estrelas, como me parece óbvio, na ponte east-west

20-2-1976

TÉCNICA ESCRAVIZANTE OU TÉCNICAS DE LIBERTAÇÃO?

Por vezes esquecemos que as técnicas são um prolongamento do poder das mãos. E que técnica é, afinal, o poder do homem, que se socorre às vezes de alguns instrumentos que lhe prolongam o braço...
A disponibilidade: condição sine qua non.
Um dos conceitos em que mais insistem os praticantes das artes derivadas do Zen é a "disponibilidade".
Quando entra num ginásio para aprender, para se iniciar, para se treinar no judo e no karate, o melhor que o discípulo tem a fazer dentro de si é despir-se...
Despir-se de pre-conceitos, de arrogância, de ideias feitas, de lugares comuns sobre a superioridade da Europa e dos europeus, sobre o "exotismo" das artes que vai aprender.
Assim como a gratidão e a admiração pelo próximo são virtudes chinesas - desconhecidas ou quase desconhecidas em Portugal 1976 -, assim como o reconhecimento contínuo e quotidiano do homem por tudo quanto lhe acontece já corresponde a um grau "evoluído" da consciência zénica (tao, budista) eis que a disponibilidade aparece também como condição sine qua non para progredir no culto e cultivo da arte marcial.
Não basta o quimono, não basta um ginásio, não basta um treinador. Também conta muito o estado de espírito com que o aluno se presta à experiência, o grau de confiança ou desconfiança com que se entrega às artes do autodomínio.

PSICANÁLISE: A DESCOBERTA DA PÓLVORA!...

Com um certo simplismo - mas sem medo de errar - pode considerar-se a psicanálise um esforço, entre outros, que a cultura ocidental desenvolveu para perceber de que lado estava a verdade maior.
Pode considerar-se a psicanálise uma brecha - estreita - na grande "muralha da China" para compreender o que estava por trás dessa muralha.
O que historicamente ficou da psicanálise, para lá do biologismo de Freud, corrigido com a sociologia da escola norte-americana de Karen Horney e Erich Fromm, foi este redespertar do Ocidente para as luzes e sois que do Oriente nos vêm.
Dai que a maior parte dos livros tratando práticas orientais, aludam à psicanálise e seus corifeus como os "descobridores”, no Ocidente, da pólvora. Pólvora que, como se sabe, já estava há muitos séculos descoberta pelos chineses.
Enquanto o psicanalista tem o divã de confessor, o negócio montado, cobrando bom dinheiro para dizer que "cura o doente", que atenua a neurose, que faz arrecuar a psicose, que ajuda o desintegrado paciente à reunificação psicosomática, enquanto isto, provam as artes e práticas orientais que a grande doença é o dualismo, que o grande "cancro" do Ocidente é a cultura dos contrários opostos, que a neurose ocidental é a irreconciliação do homem consigo mesmo, com o Meio Ambiente, com o Cosmos, com a Natureza, com a Ordem do Universo.
A grande moléstia ocidental é a desordem e o caos, é o diverso que leva à desintegração(da Ordem)do Universo.
Daí que a "cura" para o diverso seja de novo a marcha para o Uni-verso.
Tem isto a ver com karate mas tem a ver com psicanálise, também.
Note-se ainda o carácter unitário das terapias orientais, contrariamente ao carácter analítico que a própria psicanálise implica.
A curiosa terapia de Shoma Morita, catedrático de Psiquiatria na Escola Médica de Jikeikai (Tóquio) - embora se encaminhe para o "tratamento" de várias maleitas, como angústia, hipocondria, vertigem, ansiedade e outros transtornos neuróticos - está, no entanto, muito longe dos conceitos que interessam à análise, desde a análise dos sonhos à livre associação de ideias ( o automatismo dos surrealistas).

NUM MUNDO DE INSTABILIDADE, ESTABILIZAR O INDIVÍDUO: DAR-LHE AUTONOMIA PRODUTIVA

Entre os muitos comentários que poderíamos colher dos livros ocidentais sobre o Oriente, antologiámos estes:
"O zen e a psicanálise possuem vários princípios comuns que interessa analisar, sem que isso queira dizer que exista entre ambos os sistemas uma marcada semelhança,
"Ambos tendem a estabilizar o indivíduo, ambos são cépticos em matéria religiosa, ambos limpam a mente ajudando o indivíduo a estar mais alerta, mais consciente da sua identidade, ambos se esforçam para que o indivíduo resolva satisfatoriamente os seus conflitos interiores e entre em contacto com a realidade. Tanto a psicanálise como o Zen são uma terapia mental, ainda que este último vá muito além e se sirva de distintos processos,"
Outro ponto capital neste percurso pela grande fronteira entre Ocidente e Oriente é a libertação, a independência do sujeito em relação a objectos, sistemas, escolas, estados, igrejas, partidos, lojas, supermercados...
Técnicas de autoconfiança, de autosegurança, de autoregulação e de autoequilíbrio, o Zen, o ioga, o karate, o judo, contribuem para, em muitos pontos e aspectos, o sujeito se autobastar e tornar autosuficiente.
Não precisa ele, no karate - por exemplo - de "arma" nenhuma suplementar.
E' o próprio corpo, a dinâmica desse maravilhoso complexo, a energia e o jogo de acumulação/desacumulação que dessa energia se aprende a fazer que servirá de "arma".
Daí que esteja eminente uma greve aos consumos e à sociedade de consumo.
Daí que, por si, o homem pensante dispense (porque pensa) os funcionários do sistema, pagos para o adoecer e alienar até ao envilecimento e à morte.
Resumindo em termos esquemáticos, o zen e as práticas terapêuticas ocidentais não só são um instrumento de trabalho, análise e investigação, são não só um método de conhecimento mas uma arma de defesa e uma técnica de não-violência para fazer greve geral a todos os tipos de violência (alimentar, médica, cirúrgica, agrícola, económica, social, político-partidária, etc)

CADA HOMEM: UMA CENTRAL DE BIONERGIA

Quando os adeptos da não-violência preconizam alternativas ecológicas para as energias hiperpoluentes, quando defendem as tecnologias leves contra o gigantismo das técnicas pesadas, quando preconizam as energias infinitas (solar, eólica, maremotriz, das ondas, geotérmica, etc,) para substituir as energias finitas (carvão, petróleo, nuclear) estão apontando precisamente no mesmo sentido da arte marcial: descentralizar o poder energético, fazendo de cada indivíduo uma "central produtora de energia biomotriz" (ver folheto da colecção, "Mini-Ecologia", n° 9 - «A Idade Solar, Ivan Illich e Wilhelm Reich – Dois Profetas da Utopia Ecológica» , parcialmente teclado no file
AUTO-DISCIPLINA (ACEITE) É CRIADORA E DISPENSA A DISCIPLINA IMPOSTA

O constante apelo à “rigorosa disciplina" por parte das artes marciais pode muito bem confundir-se com qualquer autoritarismo ocidental, de cariz violento ou até nazi-fascista.
É preciso, no entanto, estar vendo o fenómeno de maneira muito viciada para que
tal "disciplina" se entenda em tais termos.
É evidente que o apelo a uma rigorosa disciplina serve exactamente para dispensar qualquer disciplina externa, coercitiva, tirânica. O "self-control" , como já o ensina António Sérgio, é a condição sine que non de uma educação cívica para a democracia
e para a prática da tolerância democrática. Só com "tenência" – dizia Sérgio - só com muita tenência um verdadeiro democrata contribui para evitar tiranias e ditaduras.
Quanto mais disciplinado for cada indivíduo, mais o grupo formado por esses indivíduos dispensa a disciplina externa, imposta, tirânica e ditatorial.
A disciplina a que um judoca livremente se submete é condição sine que non da sua liberdade. E só se sentirá essa disciplina como sacrifício, se o judoca não perspectivar a sua isolada actuação presente num contexto temporal onde passado, presente e futuro são uma só e real unidade.

REALIDADE EM VEZ DE VERBORREICOMANIA

O que assombra o iniciado nas práticas orientais é que tudo vai , em última instância, redundar numa técnica do homem ao serviço directo do homem, sem intermediários parasitas.
O que espanta e fascina o homem ocidental - onde técnicas e tecnologias, tecnocracias e tecnoterrores só o conseguiram alienar e separar sempre mais de si próprio, o que alerta e conforta um iniciado é ver que do Oriente não vem teoria, verborreia, ensino livresco, especialidades, superespecialidades, ciências e mais ciências, coisas mentais e só (apenas) mentais.
O que dá ao iniciado a certeza de o Oriente não mentir é que o Oriente lhe dá realidades concretas, lhe ensina técnicas, lhe fornece "armas" , em vez de palavras, torrentes de palavras, dilúvios de palavras, verborreia, verborreia & verborreia!...

O PODER (MENTAL) METE MEDO AOS PODEROSOS?

Há quem, lamuriento, vendido ou guarda de presídio, aponte "o perigo das práticas orientais".
Como todas as técnicas, tudo depende nas artes marciais do sistema e contexto que elas vão servir.
É possível pôr as artes marciais ao serviço de propósitos moralmente hediondos?
Claro que sim: as técnicas ocidentais, segundo parece, bem o provam, também andam (quase) sempre por maus caminhos e por sujas mãos.
Não admira, pois, que um poder tão grande como o que a arte marcial proporciona, não ponha sérios riscos, conforme o sistema moral, político, económico e social a quem serve.
É evidente que um karate ou um jiu-jutsi não cabem naquele conceito latino muito café-com-leite do olímpico "mens sana in corpore sano".
Não se trata de sadias mentes em corpos sãos.
Não se trata de vinho novo em odres velhos.
Não se trata de moral judaico-cristã, e sua asquerosa, antiquíssima inoperância dentro de técnicas orientais.
Trata-se de técnicas rigorosas para uma Ética poderosa , que é o Tao, o princípio único, a Ordem do Universo.
Daí o fascínio mas também o medo que as técnicas orientais podem imprimir ao Establishment e suas morais nazi-fascistas estruturais.

Esse e outros slogans têm afinal inspirado a escolástica acidental, viciando desde a origem todo o sistema educativo e pedagógico.
Desde a mais remota antiguidade que o ensino é teórico, livresco, mnemónico. Os pedagogos europeus modernos chegaram a essa brilhante conclusão mas continuaram a laborar em termos de ensino livresco porque não tinham técnicas de autosuficiência a que recorrer.
A educação no Ocidente , mesmo nas escolas consideradas "modernas", é uma farsa e uma mascarada.
A educação deseduca.
A educação não chega mas enche de nomes, teorias, nomenclaturas, mitos, conceitos abstractos as mentes e memórias do educando.
Vemos, no entanto, claramente como a melhor maneira de educar consiste em dar ao educando as técnicas fundamentais da sua autosuficiência e libertação.
Se se ensina as técnicas de ler, escrever e contar, mais importantes são as artes e técnicas de comer, lutar, pensar, andar, dormir, analisar, respirar, trabalhar, poupar energias, divertir-se, ocupar o tempo, amar, nadar, etc, etc; mais importante do que ler, escrever e contar, é a técnica de saber pensar, raciocinar, problematizar, criar, imaginar, reflectir, meditar.
A escola, no entanto, ingorgita o aluno de conhecimentos teóricos, ditos conhecimentos técnicos, mas sofre técnicas de auto-suficiência, nicles. Ensina técnicas, talvez, que tornem o aluno mais dependente e mais escravo do sistema, da macro-técnica escravizante, do Establishment.

TÉCNICAS DE AUTODIAGNÓSTICO OU BRUXARIAS MEDIEVAIS?

Outro exemplo da poder é o que a técnica de autodiagnóstico pode dar.
Se pela íris, pela face, pelos lóbulos da orelha, pelas unhas, pela actividade psicomotriz de uma pessoas eu posso diagnosticar-lhe o passado, revelar-lhe o presente e até adivinhar-lhe parte do futuro, é evidente que tenho na mão um poderoso instrumento de trabalho que posso transformar em arma contra a vítima.
Daí o clima emocional que rodeia a "bruxa", o curandeiro, o charlatão.
Daí o terror que o adivinho pode infundir.
À luz do princípio único e da ordem monista do Universo, porém, tudo é devido a técnicas precisas e rigorosas, ao mais estrito racionalismo, à mais absoluta relação de causa e efeito,
"Ver as doenças de alguém pela iris não é magia, nem bruxaria, valha-nos Buda!"
Sim, saber ler (observar), saber interpretar os sinais ou sintomas externos através dos quais a Natureza humana se nos revela nas suas perturbações, desequilíbrios, carências, patologias, etc não é magia nem bruxaria; é apenas a técnica que ignorámos ou esquecemos, porque havia que consumir as tecnologias do mercado e supermercado
Enquanto se compra um frasquinho ou se desembrulha uma embalagem não estamos aprendendo as nossas técnicas de autosuficiência!.
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(*) Este texto de Afonso Cautela, que eu saiba e ainda bem, ficou inédito, apesar de cinco estrelas, como me parece óbvio, na ponte east-west
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