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*DEEP ECOLOGY - NOTE-BOOK OF HOPE - HIGH TIME *ECOLOGIA EM DIÁLOGO - DOSSIÊS DO SILÊNCIO - ALTERNATIVAS DE VIDA - ECOLOGIA HUMANA - ECO-ENERGIAS - NOTÍCIAS DA FRENTE ECOLÓGICA - DOCUMENTOS DO MEP

2006-02-19

DEEP ECOLOGY 1982

progresso-2-os dossiês do silêncio – o outro lado da opulência

MISÉRIAS DA PROSPERIDADE

20/2/1982 - «Entre os diversos países do mundo, encontramos todos os níveis de desenvolvimento económico, desde os mais pobres aos mais ricos. Mas, além disso, mais do que isso, um facto há que não pode ser ignorado: seja qual for o nível de desenvolvimento em que se situe, cada país está, ele próprio, dividido no seu interior pelo largo fosso que separa os ricos dos pobres.»
Estas palavras são de Trygve Bratelí, participante na mesa-redonda sobre Nova Ordem Internacional que há tempo se realizou em Lisboa.
Em artigo publicado no «Diário de Notícias», ele escrevia ainda:
«Isto é assim nos países ricos como é nos países pobres. Mas, nestes, o fosso que separa as pessoas ricas das pobres é mais profundo e menos suportável. No Terceiro Mundo, pequenos e fechados grupos de pessoas conseguem viver em condições de luxo que desafiam qualquer comparação com situações similares nos modernos países industrializados. Até porque o capitalismo moderno está mais interessado nas empresas industriais, nos negócios e nos investimentos seguros do que no aquisição de residências sumptuosas ou na ostentação de um luxo irritante.»
São factos que, apesar de óbvios, os discursos habituais sobre desenvolvimento sistematicamente escamoteiam.
O abstracto «desenvolvimento» com que nos lavam o cérebro, dia após dia, nunca assinala esta realidade brutal que é, na própria sociedade que se diz desenvolvida ou em desenvolvimento, haver assimetrias em que os custos desse desenvolvimento são pagos principalmente por aqueles que dele retiram menos proveitos ou nenhuns.
O abstracto desenvolvimento com que tenta justificar-se tudo - mesmo os crimes contra a natureza e a destruição do meio ambiento - tem nas palavras do ex-ministro norueguês uma flagrante denúncia.
Todo o discurso sobre desenvolvimento que não leva em consideração as assimetrias sociais, os desequilíbrios entre regiões, as macrocefalias urbanas e o despovoamento dos campos, bem como a desertificação do interior e o sobrepovoamento dos litorais, um desenvolvimento que não leve em consideração todos estes factos e factores é pura burla.
E ainda bem que um senhor da política o veio dizer, não fosse pensar-se que o ecodesenvolvimento é invenção de maluquinhos e fantasistas sem o senso da realidade.
A maior parte do discurso sobre economia é pura fantasmagoria, como as palavras de um sensato realismo do senhor Trygve vêm claramente evidenciar.
E lutar contra fantasmas é função de quem restar minimamente lúcido frente à estupidez tecnocrática que invade o mercado dos «mass media».

QUEM PAGA O «LUXO » DO CRESCIMENTO INDUSTRIAL

Que o «crescimento» só por si não é desenvolvimento, não é uma varinha mágica que conduz os povos à felicidade e à qualidade de vida, qualquer pessoa verifica, desde que tenha olhos, desde que tenha nariz, desde que tenha ouvidos, desde que tenha sentidos e sensibilidade. Desde que não seja, portanto, um canibal tecnocrata.
Basta olhar para ver que é exactamente ao pé dos complexos industriais mais fumegantes, poluentes e prósperos que a miséria, a fome, as doenças de carência e as doenças da poluição, o subdesenvolvimento e os bairros da lata, a cólera, as epidemias hídricas, o proletariado e o lumpen-proletariado prosperam.
Em Outubro de 1979, um relatório da Organização Internacional do Trabalho punha precisamente em relevo a «pobreza que se verifica no meio da opulência» em países da OCDE
Segundo esse relatório, o crescimento económico verificado nos anos 60 em países da OCDE provocou um aumento do nível de vida e de consumo, mas conservou redutos de pobreza evidente: cerca de 10 por cento da população dos países mais ricos do mundo vive no limiar do índice de pobreza reconhecido internacionalmente.
O problema pode, inclusivamente, agravar-se em virtude da actual onda de desemprego, segundo se infere de um estudo efectuado por Wilfred Beckermar, no âmbito da O.I.T. .
O documento analisa os índices de pobreza verificados em 1973 em quatro países - Austrália, Grã-Bretanha, Noruega e Bélgica - escolhidos como representativos de um conjunto de nações desenvolvidas.
Os resultados referem que 10 por cento da população destes países (todos os países da Europa Ocidental, os Estados Unidos, o Japão e o Canadá) vivem de facto em condições de pobreza.
Se esta percentagem fosse válida para todos os países da OCDE, significaria que 60 milhões de pessoas vivem nessas condições.
No entanto, esses redutos de pobreza encravados no meio da opulência estão ainda longe dos milhões de habitantes que vivem na miséria dos países do Terceiro Mundo.
O estudo revela, também, que se não fossem os resultados obtidos com o programa de subsídios aos orçamentos familiares mais desequilibrados, o número de casos teria sido três vezes maior.
Algumas questões são, porém, postas pelo relatório, nomeadamente o motivo pelo qual sem a prestação de subsídios a pobreza seria ainda maior nos países avançados.
Seria necessário investigar, também, porquê destinar-se uma parte tão importante do produto nacional bruto à redução da pobreza em sociedades onde os trabalhadores têm um grande poder de negociação, onde existe o pleno emprego e onde famílias muito numerosas são excepções.
O estudo aponta o grupo das pessoas idosas e reformadas como o mais carenciado no ponto de vista económico.
Alerta também para o número cada vez maior de casos de pobreza entre os adultos solteiros - cerca de 30 por cento dos pobres, na Grã-Bretanha, por exemplo - e em casais com filhos, na Noruega.
No campo das soluções para o problema, o relatório afirma que embora a política de subsídios tenha reduzido, substancialmente, o número dos desfavorecidos, os métodos utilizados não se mostraram satisfatórios. Até porque - conclui - não é uma questão de vias ou meios mas, principalmente, de vontade política de toda a comunidade.
A OCDE (Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico), tem a sua sede em Paris e agrupa, como referimos, os países mais ricos do mundo. Tem como objectivos o estudo permanente da situação económica e a definição de toda a espécie de medidas consideradas necessárias, ou convenientes, para enfrentar os problemas. É uma organização respeitada pela seriedade e competência dos seus estudos...
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(*) Publicado no jornal «A Capital» (Crónica do Planeta Terra), 20/2/1982
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