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*DEEP ECOLOGY - NOTE-BOOK OF HOPE - HIGH TIME *ECOLOGIA EM DIÁLOGO - DOSSIÊS DO SILÊNCIO - ALTERNATIVAS DE VIDA - ECOLOGIA HUMANA - ECO-ENERGIAS - NOTÍCIAS DA FRENTE ECOLÓGICA - DOCUMENTOS DO MEP

2006-02-17

R. DUMONT 1982

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EM CADA MINUTO DESAPARECEM VINTE HECTARES DE FLORESTA

FOME NO TERCEIRO MUNDO É UM DESASTRE ECOLÓGICO(*)

 René Dumont, conhecido ecologista francês, que se encontra em Portugal, afirma-se actualmente um militante terceiro-mundista

[(*) Este texto de Afonso Cautela, entrevista com René Dumont, foi publicado no jornal «Portugal Hoje», 17-2-1982]

O destino ecológico do Planeta será decidido no Terceiro Mundo.
Esta parece ser a ideia-força de René Dumont, que se afirma um « militante terceiro-mundista», quando lhe perguntámos que laços ainda o ligavam ao movimento ecologista francês.
Para ele, «a fome do Terceiro Mundo é, em grande parte, um desastre ecológico. Ao contrário da mentira que tantos ainda sustentam e que há 10 anos, na Conferência de Estocolmo, tomou foros de cidade - só os países industrializados teriam problemas de ambiente... - o subdesenvolvimento significa para René Dumont o maior atentado não só contra os povos mas também e principalmente contra a Natureza.

«A nossa fartura - diz, referindo-se principalmente à França - é baseada na miséria dos outros.»
Os chamados países «ricos», ao explorar e pilhar os recursos naturais dos colonizados, não só escravizam os povos como destroem os seus ecossistemas.
Para ele, a primeira oposição a estabelecer, para explicar a moderna Mega-Crise, é contra o «colonialismo», do que decorre a palavra de ordem necessária:
«Descolonizar o homem é antes de mais descolonizar a Natureza.»
Este «trota-mundos», em incansável peregrinagem pela Terra dos explorados e expoliados, está em boa posição para denunciar o inimigo principal:
«A ecologia resume todos os nossos problemas, todas as nossas crises», diz ele, pondo fim aos que ainda falam de «combater a poluição» ou em «defender o ambiente».

SEM FLORESTA SÓ HAVERÁ INUNDAÇÕES E SECAS

Ao enunciar os absurdos que explicam o «apocalipse» actual, Dumont torna-se torrencial:
«Em cada minuto, vinte hectares de floresta húmida tropical desaparecem, comprometendo assim uma componente essencial do nosso ecossistema. Dentro de 10 anos na Costa do Marfim, dentro de vinte e cinco na África Central, dentro de trinta na Amazónia, não haverá mais floresta. Com a destruição das florestas do Himalaia, do Nepal e da Índia, aumentam as inundações e as secas, como o pude verificar no Paquistão, no Bangladesh e na Índia.»
Quanto aos climas, de que depende. a produção agrícola, diz este professor de Agronomia:
«Também estamos a degradar os climas: por combustão excessiva de energia fóssil, produção de gás carbónico, radioactividade das centrais nucleares, kripton radioactivo, aumento de poeiras. Os óxidos de azoto atacam a camada de ozono que nos protege dos raios ultravioletas.»

A ALBÂNIA APROXIMA-SE...

Engenheiro agrónomo que se considera (ainda) um tecnocrata, René Dumont defende os adubos e pesticidas como necessários para «alimentar o excesso de população» (em que acredita como bom neo-maltusiano que é...) mas denuncia as monoculturas agrícolas - amendoim, beterraba, palma, algodão, tabaco, café - principais responsáveis pelas catástrofes ecológicas, como a do Sahel, que assolam o Terceiro Mundo.
Os eucaliptos também não escapam à sua crítica. Quando lhe dizemos que Portugal é um enorme eucaliptal, tem um conselho rápido: «Defendam-se.» Mas não falou nas multinacionais da celulose que mandam na gente.
Na Albânia - apesar de «estalinista», diz - há tudo o que é essencial para todos. «A Albânia aproxima-se de uma sociedade ecológica, mas não é ainda a ideal...» E salta com uma das suas obsessões: «Na Albânia não há automóveis particulares, só alguns para altos funcionários e professores universitários...»
Quanto à refinação (de cereais, óleos e outros produtos alimentares, básicos), responsável, em primeira linha, pela fome no Mundo, Dumont é pouco contundente. Admite que, na Albânia há a «possibilidade» de escolher entre pão branco e pão negro...
Quanto ao Biogás - segredo de Polichinelo para o verdadeiro desenvolvimento do Terceiro Mundo - o grande agrónomo da Fome surpreende-nos com uma afirmação insustentável: o biogás fica mais caro do que o petróleo (!!!).

SOU DEMASIADO SOCIALISTA PARA ADERIR AO PSF

Este candidato dos ecologistas à Presidência da República em 1974 pode dar-se ao luxo de fazer afirmações impossíveis de provar. Aliás a «reciclagem» de materiais (tal como a refinação de alimentos) não o entusiasmam por aí além.
Prefere continuar a protestar contra o automóvel particular: «Na Tanzânia, são necessários 6 mil dias de trabalho para comprar um automóvel.»
E insiste: «Se a tendência americana de um carro por pessoa se generalizasse, seria a ruína em 10 anos...»
Apesar deste «bode expiatório», Dumont não se tem cansado de pôr no banco dos réus quem lá deve estar, muito antes do popó: capitalismo, imperialismo, exploração do homem pelo homem têm sido suficientemente denunciados por este ecosocialista confesso, que no entanto diz: «Sou demasiado socialista para poder aderir ao Partido Socialista Francês...»
Explica esta exigência porque «o Governo Mitterrand ainda está muito apoiado na exploração do Terceiro Mundo»...
Declaração de Cancun?: «Só palavras»..., diz ele, e cita o exemplo das minas de carvão fechadas em França, enquanto se exploram as da Mauritânia. Mão-de-obra barata... «A nossa fortuna é baseada na miséria dos outros»... - repete ele, referindo-se à fortuna da Franca.

O APOCALIPSE DA «GASPILLAGE»

Se a palavra «reciclagem» raramente aparece no seu discurso, já o antónimo -«gaspillage» - é mais frequente. Para Dumont a crise é de «gaspillage» insensata e paranóica de recursos. Com o petróleo barato - sustenta - os países industriais entraram numa verdadeira orgia de desperdício.
O que explica tudo: O petróleo foi assim o grande motor do «buldozer» chamado crescimento que iria arruinando a Natureza e a Terra dos Cinco Continentes.
Subdesenvolvimento é, como diria Josué de Castro, e Dumont também, a outra face deste desenvolvimento, que assim fica totalmente posto em causa.
Um exemplo acabado de subdesenvolvimento é a Guiné:
«Não há fábricas. Mas quando foi inaugurada uma grande fábrica para tratamento de amendoim, fechou no próprio dia em que abriu. Não chegou a funcionar, não havia meios humanos e técnicos... Tecnologia importada dá casos como esse:»
Pedimos-lhe uma palavra de esperança para os que lutam em Portugal por um ecodesenvolvimento e um socialismo de rosto humano. Ele lembra o que foi a campanha da. candidatura ecologista:
«O objectivo desta campanha era primeiro ecologizar os partidos políticos. Efectivamente, depois dela, Mitterrand e Juquin, respectivamente dos partidos socialista e comunista, contactaram-nos.
- «Em Tours, o Partido Comunista apresentou, em Abril de 1976, Vincent Labeyrie, professor de Ecologia, às eleições parciais contra Royer. Mas o objectivo era também politizar os ecologistas, pois não se trata já só de proteger parques, residências secundárias, avezinhas, mas de reinventar toda a nossa civilização.»
Postas as devidas aspas na indevida «civilização», parece-nos uma boa chave para fechar esta conversa com o homem que é e continua a ser um permanente desafio ao Mundo para que ouça a voz do Terceiro Mundo.
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(*) Este texto de Afonso Cautela, entrevista com René Dumont, foi publicado no jornal «Portugal Hoje», 17-2-1982
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