AMAZÓNIA 1979
amazónia –1-na> = notícias do apocalipse - temas recorrentes – temas de fundo – antologia de publicados
AMAZÓNIA:ÚLTIMO PULMÃO VERDE DA TERRA(*)
(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado no jornal «A Capital» , 17/2/1979, «Crónica do Planeta Terra»
17/2/1979 - Que a floresta amazónica seja o maior pulmão verde da Terra, e a mais importante, senão a última, reserva de oxigénio da Humanidade, pouco parece ter interessado aos que, no princípio dos anos 70, decidiram empreender o plano de colonização agropecuária daquela grande área brasileira.
Várias vozes avisaram e disseram o que podia acontecer: onde havia mata, passou a haver pasto; mas se não houver cuidado em conservar o solo, em breve será o deserto. Já não era a primeira vez que assim acontecia.
Clara Pandolfo, na sua obra " A Amazónia, seu grande potencial de Recursos Naturais e Oportunidade de Industrialização" lembrava:
" Actualmente as florestas brasileiras cobrem 41, 36% da área territorial do país e, dessa percentagem, 32,08 % representam as reservas florestais da região Norte, o que significa dizer que esta região detém 78% do potencial florestal."
Mais adiante, a professora da Universidade Federal do Pará afirma:
" Demonstram as estatísticas que os Estados de Minas Gerais e Paraná são aqueles em que a devastação florestal atingiu índices mais alarmantes. Em Minas Gerais, no período de 1936 e 1964, ou seja, praticamente em 30 anos, os 157 mil hectares de área florestal existente reduziram-se a 24.613, o que representa uma devastação da ordem de 84 %. Em igual período de tempo, no Paraná, as indústrias de papel e celulose e as indústrias extractivas da madeira, através de uma exploração desordenada, fizeram baixar a reserva natural da floresta de 81% para 30 % da área do Estado."
Os números falam claramente do que está em jogo, desde 1970, com a grande reserva celulósica da Amazónia.
Percebe-se inclusive que a pecuária foi apenas o pretexto que o governo encontrou para não dizer que, pura e simplesmente, dizimava a floresta com o objectivo de fornecer madeira à indústria de celulose.
Deixou aos fazendeiros o trabalho de a derrubar com poderosas máquinas modernas, tractores, buldozers e serras mecânicas. A tudo isso o governo deu estímulo e ...incentivos fiscais.
O jornal carioca "O Globo" (5/Maio/1970) atacava os "fazedores de desertos", numa clara alusão ao derrube que os pecuaristas - paulistas em maioria - praticam, há anos, na região amazónica.
A madeira, no entanto, é tanta, que nem toda é vendida e aproveitada para alimentar a indústria. A palavra de ordem mais corrente na Amazónia passou a ser " derrubar mata pegar fogo às árvores e plantar capim".
Apesar de proibido por lei, queima-se a madeira e a SUDAM (organismo que superintende na floresta) deixa queimar, talvez porque muitas dessas árvores sejam boas demais para transformar em papel.
Como afirma Clara Pandolfo, da Universidade Federal d o Pará e técnica na própria SUDAM ,
" a fabulosa floresta tropical amazónica, apesar das práticas empíricas de utilização de que vem sendo alvo, ainda se encontra em grande parte inexplorada, mas se providências não forem tomadas para evitar as técnicas destrutivas actuais, dentro de alguns anos suas principais essências de valor comercial terão desaparecido. O mogno, a balata, o pau-rosa, a maçaranduba, a andiroba, a ucunha, entre outras, são espécies que tendem a extinguir-se."
Não só se facilita a instalação dos pecuaristas na Amazónia através da concessão de excepcionais benefícios fiscais como se fecha os olhos às várias infracções por estes praticadas contra o Código Florestal, nomeadamente os artigos 15, 27 e 44. Apesar de proibidos, continuam em uso a broca, o derrube e a queima.
Dizem observadores que a invasão do deserto pode apenas ser retardada por alguns factores: o facto de os pecuaristas não deixarem muito tempo a terra sem cobertura de pasto, de que necessitam para reembolsar rapidamente os gastos, pode ser um desses factores que venham a preservar o solo por mais algum tempo; as regiões amazónicas são em grande parte planas ou com ligeiras inclinações rumo aos grandes rios, o que também evita a erosão das fortes enxurradas em declive; as principais fazendas, por seu turno, foram implantadas em platôs e portanto relativamente protegidas de serem varridas pelas enxurradas.
A-propósito do movimento migratório dos pecuaristas rumo à Amazónia, escrevia o jornal "O Estado de São Paulo" (31/Maio/1970):
"O paulista foi saltando, do Vale do Paraíba para a Mogiana de lá para o Noroeste, daqui para o Sul de Mato Grosso e agora eles vão para a Amazónia.
"Por onde passaram - é a realidade triste já assinalada por autoridades como Neme Abdo Neme e Santo Lunardelli - o solo foi perdendo a fertilidade, a capacidade de produção foi decaindo e o homem sempre procurando outras paragens, sempre em busca de terra virgem. No Noroeste de São Paulo, antes, criavam-se 5 e até 7 cabeças de gado por alqueire. Hoje, com o solo já gasto, a produção caiu para 2 cabeças por alqueire."
E o jornal resumia assim a situação:
" Aqui em São Paulo mal se disfarça uma exaustão do solo que, na palavra de pessoas autorizadas, atinge cerca de 2/3 do território estadual."
Isto para falar apenas do solo, sem referir outros efeitos, ainda mais profundos, que poderá ter a destruição do Verde Amazónico, na alteração dos climas (a nível de grandes zonas da Terra) e na ocorrência de chuvas torrenciais em pontos muito distantes do imenso território brasileiro.
A erosão na Amazónia atingirá rapidamente proporções colossais, já que aí chove torrencialmente quase seis meses por ano: a média de precipitações no Inverno é de 150 mm e no Verão de 1400 a 1800 mm.
Imagine-se essa massa de água caindo durante meses seguidos, já sem o grande manto protector da densa floresta, num pasto abandonado com milhares e milhares de alqueires.
Pensam alguns que as precauções e recomendações para evitar o pior são apenas teóricas e não terão qualquer aplicação prática.
0 artigo 44 do Código Florestal, como já se disse, raramente é cumprido: manda ele que 50% da área concedida ao fazendeiro não poderá sofrer derrubada de mata.
Além disto e ainda segundo o código, as redes de drenagem, as elevações, os terrenos com afloramentos graníticos e os solos pouco profundos devem ter sua cobertura arbórea preservada, e devem ser incorporados aos 50% da reserva florestal.
Quem acredita, porém, na eficácia dessas normas e de que as normas serão cumpridas? Um papel será suficiente para evitar que se destrua o último grande pulmão verde da Terra?
O AVISO DE WARWICK ESTEVAM KERR
Da comunicação apresentada por Warwick Estevam Kerr à XXVI Reunião Anual da S.B.P.C. (Sociedade Brasileira para o Progresso das Ciências) transcrevemos o seguinte sobre " destruição de florestas":
«Todas os cinco tipos de floresta brasileiras estão sendo destruídos. Das florestas gigantas do norte do Paraná só sobram pequenos capões nas mãos de uns poucos fazendeiros. Um levantamento feito pelo Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal no ano de 1973, concluiu que 24 % da floresta Amazónica já foi destruída (de 3.574.000 Km2, apenas 2.731.000 permaneciam); grande parte da área destruída foi transformada em pastagens. Os campos cerrados, apesar de aceitos cientificamente como um tipo de floresta, não é assim entendido pela legislação brasileira. O plantio de Eucalyptus e Pinus, em áreas desmatadas no passado, mesmo recente, não é criticado pelos conservacionistas brasileiros; porém a derrubada de uma floresta (seja de qualquer dos 5 tipos: amazónica, atlântica, araucária, campos cerrados, caatinga) e a sua substituição por Eucalyptus ou Pinus, está causando comoção e desgosto, pela quase completa aniquilação da flora e fauna que ela ocasiona.
Se começarmos a pensar nas causas que estão ocasionando esta destruição ecológica, vemos que jazem no lucro rápido e momentâneo (substituição de floresta nativa por uma artificial) e também no hábito alimentar de comer carne de vaca. Os preços da carne nos mercados dos países desenvolvidos subiram a mais do 100% %. No entanto, é sabido que o gado não é o melhor transformador de proteínas vegeteis em animal sendo muito inferiores às aves e estas inferiores aos peixes. Além disso, a eficiência dos roedores em seu crescimento, torna-os economicamente mais aceitáveis. Além dos aspectos de destruição da natureza, o desenvolvimento diminui a repensão de água, aumenta a erosão, provoca o açoreamento dos rios e, consequentemente, alagações em lugares antes não sujeitos aos efeitos das cheias. Há indícios, também , da mudança de precipitação pluviométrica.
PACTO AMAZÓNICO: DESTRUIR SEM DESENVOLVER
A destruição das florestas - ora por incêndios criminosos, ora por uso e abuso das indústrias celulósicas, ora por agropecuária intensiva e descontrolada - tem sido apontada como tendência agravada do mundo actual.
Sem árvores não há clorofila e sem clorofila não há oxigénio.
O P.N.U.M.A. (Plano das Nações Unidas para o Meio Ambiente) deu o alarme em 1977, no seu relatório anual sobre o estado ecológico do Mundo e o Banco Mundial, em 13 de Março de 1978, apresentava um relatório com projectos de crédito a programas governamentais de florestação.
Que o fim das florestas é um fenómeno apocalíptico, não restam dúvidas; que haja boas intenções - ao mais alto nível governamental - de o fazer retroceder, já é mais duvidoso; e mais duvidoso ainda que as boas intenções passem das palavras e cheguem à prática, quando o sistema não dá mostras de querer abrandar no ritmo da destruição das florestas e no ritmo de desperdício de papel - logo de celulose, - gasto e desperdício verdadeiramente orgíaco que por todos os países ricos se faz.
O Banco Mundial e o PNUMA culpam o povo do Terceiro Mundo porque queima lenha para se aquecer ...
Não culpa as multinacionais que se juntam e conspiram para destruir milhares de hectares da floresta amazónica, ou das razias que da floresta se tem feito e continuam fazendo, ora por incêndios criminosos, ora por eucaliptação, ora por qualquer outra medida ao serviço dos interesses das celuloses.
No caso da Amazónia - último pulmão verde da Terra - oito países assinaram em Brasília, em 4 de Julho de 1978, um tratado "de cooperação ", visando a "valorização" (sic) da Amazónia
Proposto pelo Brasil, em Março de 1977, à Bolívia, à Colômbia, ao Equador, à Guiana, ao Peru, ao Suriname e à Venezuela, este Pacto Amazónico tem como objectivo promover o "desenvolvimento integral" do Amazonas em matéria de comunicações, de transportes fluviais, de exploração das riquezas naturais e de política sanitária.
Sabendo nós o que significa, em termos de exploração capitalista da Natureza, "desenvolvimento integral", pode calcular-se o que significa este Pacto para a maior reserva florestal do Planeta Terra.
Entretanto e não se sabe muito bem porquê, nem com que intenção, o Banco Mundial, quatro meses antes deste Pacto , mostra-se preocupado com a destruição da floresta nos países não desenvolvidos:
«Se a tendência não for invertida, não haverá florestas no mundo subdesenvolvido dentro de sessenta anos - prevê o Banco Mundial que, para combater tal risco, projecta aumentar em quinhentos milhões de dólares, nos próximos cinco anos, o financiamento do seu programa destinado a conter a ameaça. Hoje há cerca de um bilião de hectares de florestas no mundo em vias de desenvolvimento - apenas metade da superfície coberta no princípio do século.
O relatório conclui que a pressão populacional é a principal causa da exploração das florestas, sem que se tomem em consideração as qualidades regenerativas das árvores.
«Os seres humanos - por necessidade compreensível - estão a destruir a base da sua própria vida, ao violarem os limites dos sistemas naturais e a busca de condições básicas de alìmentação e combustível... apressa a destruição do seu ambiente produtivo», declara o relatório.
O Banco Mundial calcula que cerca de um quinto dos habitantes mais pobres da Terra, que totalizam um bilião, vive na orla de florestas.
Terá de se alterar a política actual para que uma maior porção de recursos seja atribuída aos programas de florestamento que beneficiarão directamente esses pequenos agricultores» - salienta o documento.
No âmbito do seu programa de florestamento, o Banco Mundial tentará tornar os países em vias de desenvolvimento mais conscientes das consequências ecológicas do desenvolvimento destes valiosos recursos.»
Como interpretar este relatório do Banco Mundial?
Quando o sistema está para desencadear uma grande ofensiva de destruição faz, regra geral, publicar aflitivos SOS dizendo que está em perigo aquilo que precisamente se prepara para destruir.
Será o caso?
Ou será que o Banco Mundial se prepara mesmo para financiar o óctupulo projecto do Pacto?
Que grandes potências imperialistas estarão por trás desse Pacto?
Operações de envergadura planetária - como será a destruição da Amazónia - é natural que venham acompanhadas de plangentes melodias e fados glosando os temas de protecção ao Ambiente e da conservação da Natureza.
Não chegam todos os dias notícias, por exemplo, de que o Meio Ambiente está absolutamente acautelado nos 40 mil hectares da área de Sines, o maior ecocídio português e um dos maiores do Mundo?
Porque não há-de vir a destruição da Amazónia - reserva mundial do oxigénio que respiramos - acompanhada à guitarra e à viola com relatórios muito "preocupados" do Banco Mundial e do PNUMA?
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(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado no jornal «A Capital», 17/2/1979, «Crónica do Planeta Terra»
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AMAZÓNIA:ÚLTIMO PULMÃO VERDE DA TERRA(*)
(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado no jornal «A Capital» , 17/2/1979, «Crónica do Planeta Terra»
17/2/1979 - Que a floresta amazónica seja o maior pulmão verde da Terra, e a mais importante, senão a última, reserva de oxigénio da Humanidade, pouco parece ter interessado aos que, no princípio dos anos 70, decidiram empreender o plano de colonização agropecuária daquela grande área brasileira.
Várias vozes avisaram e disseram o que podia acontecer: onde havia mata, passou a haver pasto; mas se não houver cuidado em conservar o solo, em breve será o deserto. Já não era a primeira vez que assim acontecia.
Clara Pandolfo, na sua obra " A Amazónia, seu grande potencial de Recursos Naturais e Oportunidade de Industrialização" lembrava:
" Actualmente as florestas brasileiras cobrem 41, 36% da área territorial do país e, dessa percentagem, 32,08 % representam as reservas florestais da região Norte, o que significa dizer que esta região detém 78% do potencial florestal."
Mais adiante, a professora da Universidade Federal do Pará afirma:
" Demonstram as estatísticas que os Estados de Minas Gerais e Paraná são aqueles em que a devastação florestal atingiu índices mais alarmantes. Em Minas Gerais, no período de 1936 e 1964, ou seja, praticamente em 30 anos, os 157 mil hectares de área florestal existente reduziram-se a 24.613, o que representa uma devastação da ordem de 84 %. Em igual período de tempo, no Paraná, as indústrias de papel e celulose e as indústrias extractivas da madeira, através de uma exploração desordenada, fizeram baixar a reserva natural da floresta de 81% para 30 % da área do Estado."
Os números falam claramente do que está em jogo, desde 1970, com a grande reserva celulósica da Amazónia.
Percebe-se inclusive que a pecuária foi apenas o pretexto que o governo encontrou para não dizer que, pura e simplesmente, dizimava a floresta com o objectivo de fornecer madeira à indústria de celulose.
Deixou aos fazendeiros o trabalho de a derrubar com poderosas máquinas modernas, tractores, buldozers e serras mecânicas. A tudo isso o governo deu estímulo e ...incentivos fiscais.
O jornal carioca "O Globo" (5/Maio/1970) atacava os "fazedores de desertos", numa clara alusão ao derrube que os pecuaristas - paulistas em maioria - praticam, há anos, na região amazónica.
A madeira, no entanto, é tanta, que nem toda é vendida e aproveitada para alimentar a indústria. A palavra de ordem mais corrente na Amazónia passou a ser " derrubar mata pegar fogo às árvores e plantar capim".
Apesar de proibido por lei, queima-se a madeira e a SUDAM (organismo que superintende na floresta) deixa queimar, talvez porque muitas dessas árvores sejam boas demais para transformar em papel.
Como afirma Clara Pandolfo, da Universidade Federal d o Pará e técnica na própria SUDAM ,
" a fabulosa floresta tropical amazónica, apesar das práticas empíricas de utilização de que vem sendo alvo, ainda se encontra em grande parte inexplorada, mas se providências não forem tomadas para evitar as técnicas destrutivas actuais, dentro de alguns anos suas principais essências de valor comercial terão desaparecido. O mogno, a balata, o pau-rosa, a maçaranduba, a andiroba, a ucunha, entre outras, são espécies que tendem a extinguir-se."
Não só se facilita a instalação dos pecuaristas na Amazónia através da concessão de excepcionais benefícios fiscais como se fecha os olhos às várias infracções por estes praticadas contra o Código Florestal, nomeadamente os artigos 15, 27 e 44. Apesar de proibidos, continuam em uso a broca, o derrube e a queima.
Dizem observadores que a invasão do deserto pode apenas ser retardada por alguns factores: o facto de os pecuaristas não deixarem muito tempo a terra sem cobertura de pasto, de que necessitam para reembolsar rapidamente os gastos, pode ser um desses factores que venham a preservar o solo por mais algum tempo; as regiões amazónicas são em grande parte planas ou com ligeiras inclinações rumo aos grandes rios, o que também evita a erosão das fortes enxurradas em declive; as principais fazendas, por seu turno, foram implantadas em platôs e portanto relativamente protegidas de serem varridas pelas enxurradas.
A-propósito do movimento migratório dos pecuaristas rumo à Amazónia, escrevia o jornal "O Estado de São Paulo" (31/Maio/1970):
"O paulista foi saltando, do Vale do Paraíba para a Mogiana de lá para o Noroeste, daqui para o Sul de Mato Grosso e agora eles vão para a Amazónia.
"Por onde passaram - é a realidade triste já assinalada por autoridades como Neme Abdo Neme e Santo Lunardelli - o solo foi perdendo a fertilidade, a capacidade de produção foi decaindo e o homem sempre procurando outras paragens, sempre em busca de terra virgem. No Noroeste de São Paulo, antes, criavam-se 5 e até 7 cabeças de gado por alqueire. Hoje, com o solo já gasto, a produção caiu para 2 cabeças por alqueire."
E o jornal resumia assim a situação:
" Aqui em São Paulo mal se disfarça uma exaustão do solo que, na palavra de pessoas autorizadas, atinge cerca de 2/3 do território estadual."
Isto para falar apenas do solo, sem referir outros efeitos, ainda mais profundos, que poderá ter a destruição do Verde Amazónico, na alteração dos climas (a nível de grandes zonas da Terra) e na ocorrência de chuvas torrenciais em pontos muito distantes do imenso território brasileiro.
A erosão na Amazónia atingirá rapidamente proporções colossais, já que aí chove torrencialmente quase seis meses por ano: a média de precipitações no Inverno é de 150 mm e no Verão de 1400 a 1800 mm.
Imagine-se essa massa de água caindo durante meses seguidos, já sem o grande manto protector da densa floresta, num pasto abandonado com milhares e milhares de alqueires.
Pensam alguns que as precauções e recomendações para evitar o pior são apenas teóricas e não terão qualquer aplicação prática.
0 artigo 44 do Código Florestal, como já se disse, raramente é cumprido: manda ele que 50% da área concedida ao fazendeiro não poderá sofrer derrubada de mata.
Além disto e ainda segundo o código, as redes de drenagem, as elevações, os terrenos com afloramentos graníticos e os solos pouco profundos devem ter sua cobertura arbórea preservada, e devem ser incorporados aos 50% da reserva florestal.
Quem acredita, porém, na eficácia dessas normas e de que as normas serão cumpridas? Um papel será suficiente para evitar que se destrua o último grande pulmão verde da Terra?
O AVISO DE WARWICK ESTEVAM KERR
Da comunicação apresentada por Warwick Estevam Kerr à XXVI Reunião Anual da S.B.P.C. (Sociedade Brasileira para o Progresso das Ciências) transcrevemos o seguinte sobre " destruição de florestas":
«Todas os cinco tipos de floresta brasileiras estão sendo destruídos. Das florestas gigantas do norte do Paraná só sobram pequenos capões nas mãos de uns poucos fazendeiros. Um levantamento feito pelo Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal no ano de 1973, concluiu que 24 % da floresta Amazónica já foi destruída (de 3.574.000 Km2, apenas 2.731.000 permaneciam); grande parte da área destruída foi transformada em pastagens. Os campos cerrados, apesar de aceitos cientificamente como um tipo de floresta, não é assim entendido pela legislação brasileira. O plantio de Eucalyptus e Pinus, em áreas desmatadas no passado, mesmo recente, não é criticado pelos conservacionistas brasileiros; porém a derrubada de uma floresta (seja de qualquer dos 5 tipos: amazónica, atlântica, araucária, campos cerrados, caatinga) e a sua substituição por Eucalyptus ou Pinus, está causando comoção e desgosto, pela quase completa aniquilação da flora e fauna que ela ocasiona.
Se começarmos a pensar nas causas que estão ocasionando esta destruição ecológica, vemos que jazem no lucro rápido e momentâneo (substituição de floresta nativa por uma artificial) e também no hábito alimentar de comer carne de vaca. Os preços da carne nos mercados dos países desenvolvidos subiram a mais do 100% %. No entanto, é sabido que o gado não é o melhor transformador de proteínas vegeteis em animal sendo muito inferiores às aves e estas inferiores aos peixes. Além disso, a eficiência dos roedores em seu crescimento, torna-os economicamente mais aceitáveis. Além dos aspectos de destruição da natureza, o desenvolvimento diminui a repensão de água, aumenta a erosão, provoca o açoreamento dos rios e, consequentemente, alagações em lugares antes não sujeitos aos efeitos das cheias. Há indícios, também , da mudança de precipitação pluviométrica.
PACTO AMAZÓNICO: DESTRUIR SEM DESENVOLVER
A destruição das florestas - ora por incêndios criminosos, ora por uso e abuso das indústrias celulósicas, ora por agropecuária intensiva e descontrolada - tem sido apontada como tendência agravada do mundo actual.
Sem árvores não há clorofila e sem clorofila não há oxigénio.
O P.N.U.M.A. (Plano das Nações Unidas para o Meio Ambiente) deu o alarme em 1977, no seu relatório anual sobre o estado ecológico do Mundo e o Banco Mundial, em 13 de Março de 1978, apresentava um relatório com projectos de crédito a programas governamentais de florestação.
Que o fim das florestas é um fenómeno apocalíptico, não restam dúvidas; que haja boas intenções - ao mais alto nível governamental - de o fazer retroceder, já é mais duvidoso; e mais duvidoso ainda que as boas intenções passem das palavras e cheguem à prática, quando o sistema não dá mostras de querer abrandar no ritmo da destruição das florestas e no ritmo de desperdício de papel - logo de celulose, - gasto e desperdício verdadeiramente orgíaco que por todos os países ricos se faz.
O Banco Mundial e o PNUMA culpam o povo do Terceiro Mundo porque queima lenha para se aquecer ...
Não culpa as multinacionais que se juntam e conspiram para destruir milhares de hectares da floresta amazónica, ou das razias que da floresta se tem feito e continuam fazendo, ora por incêndios criminosos, ora por eucaliptação, ora por qualquer outra medida ao serviço dos interesses das celuloses.
No caso da Amazónia - último pulmão verde da Terra - oito países assinaram em Brasília, em 4 de Julho de 1978, um tratado "de cooperação ", visando a "valorização" (sic) da Amazónia
Proposto pelo Brasil, em Março de 1977, à Bolívia, à Colômbia, ao Equador, à Guiana, ao Peru, ao Suriname e à Venezuela, este Pacto Amazónico tem como objectivo promover o "desenvolvimento integral" do Amazonas em matéria de comunicações, de transportes fluviais, de exploração das riquezas naturais e de política sanitária.
Sabendo nós o que significa, em termos de exploração capitalista da Natureza, "desenvolvimento integral", pode calcular-se o que significa este Pacto para a maior reserva florestal do Planeta Terra.
Entretanto e não se sabe muito bem porquê, nem com que intenção, o Banco Mundial, quatro meses antes deste Pacto , mostra-se preocupado com a destruição da floresta nos países não desenvolvidos:
«Se a tendência não for invertida, não haverá florestas no mundo subdesenvolvido dentro de sessenta anos - prevê o Banco Mundial que, para combater tal risco, projecta aumentar em quinhentos milhões de dólares, nos próximos cinco anos, o financiamento do seu programa destinado a conter a ameaça. Hoje há cerca de um bilião de hectares de florestas no mundo em vias de desenvolvimento - apenas metade da superfície coberta no princípio do século.
O relatório conclui que a pressão populacional é a principal causa da exploração das florestas, sem que se tomem em consideração as qualidades regenerativas das árvores.
«Os seres humanos - por necessidade compreensível - estão a destruir a base da sua própria vida, ao violarem os limites dos sistemas naturais e a busca de condições básicas de alìmentação e combustível... apressa a destruição do seu ambiente produtivo», declara o relatório.
O Banco Mundial calcula que cerca de um quinto dos habitantes mais pobres da Terra, que totalizam um bilião, vive na orla de florestas.
Terá de se alterar a política actual para que uma maior porção de recursos seja atribuída aos programas de florestamento que beneficiarão directamente esses pequenos agricultores» - salienta o documento.
No âmbito do seu programa de florestamento, o Banco Mundial tentará tornar os países em vias de desenvolvimento mais conscientes das consequências ecológicas do desenvolvimento destes valiosos recursos.»
Como interpretar este relatório do Banco Mundial?
Quando o sistema está para desencadear uma grande ofensiva de destruição faz, regra geral, publicar aflitivos SOS dizendo que está em perigo aquilo que precisamente se prepara para destruir.
Será o caso?
Ou será que o Banco Mundial se prepara mesmo para financiar o óctupulo projecto do Pacto?
Que grandes potências imperialistas estarão por trás desse Pacto?
Operações de envergadura planetária - como será a destruição da Amazónia - é natural que venham acompanhadas de plangentes melodias e fados glosando os temas de protecção ao Ambiente e da conservação da Natureza.
Não chegam todos os dias notícias, por exemplo, de que o Meio Ambiente está absolutamente acautelado nos 40 mil hectares da área de Sines, o maior ecocídio português e um dos maiores do Mundo?
Porque não há-de vir a destruição da Amazónia - reserva mundial do oxigénio que respiramos - acompanhada à guitarra e à viola com relatórios muito "preocupados" do Banco Mundial e do PNUMA?
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(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado no jornal «A Capital», 17/2/1979, «Crónica do Planeta Terra»
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