DEEP ECOLOGY 1984
polv84-1> HIPÓTESES DE FICÇÃO - O POLVO 1984
EM TEMPOS DE CENSURA PRÉVIA - OS FANTASMAS QUE NOS PROTEGEM
12/Fevereiro/1984 - A irracionalidade e o surrealismo são, frequentemente, assinalados como constantes da vida portuguesa, significando que continuamos à margem das leis físicas naturais e nos movemos fora do universo cósmico, afundados num inenarrável caos de palavras em «ão»: corrupção, perversão, inversão, subversão, qualquer destes ões define hoje o perfil português.
Como povo sem destino, continuamos a descer aos infernos, guiados por um Orfeu perverso, que morreu de sida. Estamos longe de esgotar a nossa responsabilidade cármica, incluindo os anos da guerra colonial. Por isso adoramos a irresponsabilidade, ainda que o destino, e atendendo às culpas, pareça continuar bastante benevolente connosco.
Falta ainda muito para esgotar o cálice, segundo apuraram as últimas sondagens, para percorrer o calvário que nos está destinado como povo sem destino.
SISMOS & COMPANHIA
Quando falo de «sismo», não estou a usar nenhuma alegoria ou símbolo partidário. Pesando bem os prós e os contras, estou mesmo a falar, não de fantasmas mas de realidades e factos: a cidade do México, 12 milhões de habitantes, o auge da irracionalidade urbano-industrial, petróleo sacado às megatoneladas das entranhas terrestres (deixando vazio propício a todos os sismos), os já estimados 10 mil mortos do sismo de grau sete que se provou, afinal, ter atingido o grau oito (quando se partem os sismógrafos, como saber o grau?).
Quando falo de sismos estou mesmo a falar da crosta terrestre, coisa física, palpável, concreta, estou a falar dos testes nucleares subterrâneos franceses no atol da Muroroa, estou a falar da vaga sísmica que, por causa deles, varreu o planeta terra e na qual vaga se inscreveu o sismo da cidade do México.
Entretanto, Portugal vivia a fantasmagoria eleitoral e todo o tempo era pouco para sonhar pesadelos, desde o pesadelo da vitória ao sonho da derrota.
A ENCENAÇÃO DOS GREEN PEACE
Se se tornou perigo de morte, portanto, falar em factos num tempo de fantasmas, falar do síndroma sísmico-nuclear quando todo o mundo está intoxicado para pensar que os Green Peace são um grupo ecologista amigo dos hipopótamos, que eles se preparam para boicotar os ditos testes, que, que...Ninguém reparou que tudo foi encenado, programado, metendo espiões, enquanto os testes subterrâneos decorriam e respectivos sismos se sucediam.
Quem não anda a brincar aos milhares de mortos, como se fossem percentagens eleitorais, sente ou pressente isto, sabe que é assim, que algo de profundamente perverso abala, desde as entranhas da terra, a capacidade do homem para desejar o céu.
Todos, no entanto, dizem não saber que é assim, pois nunca se sabe, semana a semana, quem afinal vai ganhar no toto-sismo. Fizessem eleições planetárias e não admira que a humanidade desse a vitória aos Green Peace, considerados ainda, para iludidos, um grupo pacífico de ecologistas, (en)cobrindo os testes atómicos subterrâneos.
Quem não sabia isso de certeza era o fotógrafo português, único a morrer no atentado e afundamento do Rainbow Warrier no porto australiano de Sidney.
FÁBULA COM TODOS
Moral desta fábula com gente dentro: temos os sismos que merecemos, pelo que se torna cada vez mais arriscado ter opinião. Nunca se sabe a senhora censura que vem a seguir, depende da conjuntura nacional e internacional. Pesando bem os prós e os contras, quem vive da pena tem que pensar nas penas de ficar desempregado com mulher e filhos para sustentar...
Cuidado, pois, franco-atiradores deste país, caso ainda haja algum com peneiras de pensar pela sua própria cabeça.
Como disse há dias a candidata à Presidência da República, Lurdes Pintasilgo, «o medo paira sobre os portugueses». Que eu saiba, nunca deixou de pairar, desde que me conheço. Paira com asas de abutre, pios-pios de pomba ou ronsrons de coruja (cá está a fábula). E quando as cabeças agora rolam como as bolas coloridas do toto-semanal, atenção às curvas e às apostas. Acima de tudo, atenção à lógica das ilógicas, ao irracionalismo dos racionalismos, ao surrealismo que tomou conta deste país a partir das mais altas cúpulas do neo-classicismo.
Que se cultive outra vez a boa linguagem cifrada. Que se fale de bugalhos quando nos falam de alhos. Que ninguém se deixe cilindrar ficando na mó de baixo.
É cada vez mais perigoso viver em Portugal. E viver perigosamente era o lema dos ideólogos de Mussolini. É cada vez mais perigoso falar Portugal. E pensar, nem se fala. E falar, nem se pensa. Mas é também cada vez mais proveitoso cantar o fado do «esgraçadinho». Definitivamente o crime compensa, tal como no porto australiano de Sidney.
***
EM TEMPOS DE CENSURA PRÉVIA - OS FANTASMAS QUE NOS PROTEGEM
12/Fevereiro/1984 - A irracionalidade e o surrealismo são, frequentemente, assinalados como constantes da vida portuguesa, significando que continuamos à margem das leis físicas naturais e nos movemos fora do universo cósmico, afundados num inenarrável caos de palavras em «ão»: corrupção, perversão, inversão, subversão, qualquer destes ões define hoje o perfil português.
Como povo sem destino, continuamos a descer aos infernos, guiados por um Orfeu perverso, que morreu de sida. Estamos longe de esgotar a nossa responsabilidade cármica, incluindo os anos da guerra colonial. Por isso adoramos a irresponsabilidade, ainda que o destino, e atendendo às culpas, pareça continuar bastante benevolente connosco.
Falta ainda muito para esgotar o cálice, segundo apuraram as últimas sondagens, para percorrer o calvário que nos está destinado como povo sem destino.
SISMOS & COMPANHIA
Quando falo de «sismo», não estou a usar nenhuma alegoria ou símbolo partidário. Pesando bem os prós e os contras, estou mesmo a falar, não de fantasmas mas de realidades e factos: a cidade do México, 12 milhões de habitantes, o auge da irracionalidade urbano-industrial, petróleo sacado às megatoneladas das entranhas terrestres (deixando vazio propício a todos os sismos), os já estimados 10 mil mortos do sismo de grau sete que se provou, afinal, ter atingido o grau oito (quando se partem os sismógrafos, como saber o grau?).
Quando falo de sismos estou mesmo a falar da crosta terrestre, coisa física, palpável, concreta, estou a falar dos testes nucleares subterrâneos franceses no atol da Muroroa, estou a falar da vaga sísmica que, por causa deles, varreu o planeta terra e na qual vaga se inscreveu o sismo da cidade do México.
Entretanto, Portugal vivia a fantasmagoria eleitoral e todo o tempo era pouco para sonhar pesadelos, desde o pesadelo da vitória ao sonho da derrota.
A ENCENAÇÃO DOS GREEN PEACE
Se se tornou perigo de morte, portanto, falar em factos num tempo de fantasmas, falar do síndroma sísmico-nuclear quando todo o mundo está intoxicado para pensar que os Green Peace são um grupo ecologista amigo dos hipopótamos, que eles se preparam para boicotar os ditos testes, que, que...Ninguém reparou que tudo foi encenado, programado, metendo espiões, enquanto os testes subterrâneos decorriam e respectivos sismos se sucediam.
Quem não anda a brincar aos milhares de mortos, como se fossem percentagens eleitorais, sente ou pressente isto, sabe que é assim, que algo de profundamente perverso abala, desde as entranhas da terra, a capacidade do homem para desejar o céu.
Todos, no entanto, dizem não saber que é assim, pois nunca se sabe, semana a semana, quem afinal vai ganhar no toto-sismo. Fizessem eleições planetárias e não admira que a humanidade desse a vitória aos Green Peace, considerados ainda, para iludidos, um grupo pacífico de ecologistas, (en)cobrindo os testes atómicos subterrâneos.
Quem não sabia isso de certeza era o fotógrafo português, único a morrer no atentado e afundamento do Rainbow Warrier no porto australiano de Sidney.
FÁBULA COM TODOS
Moral desta fábula com gente dentro: temos os sismos que merecemos, pelo que se torna cada vez mais arriscado ter opinião. Nunca se sabe a senhora censura que vem a seguir, depende da conjuntura nacional e internacional. Pesando bem os prós e os contras, quem vive da pena tem que pensar nas penas de ficar desempregado com mulher e filhos para sustentar...
Cuidado, pois, franco-atiradores deste país, caso ainda haja algum com peneiras de pensar pela sua própria cabeça.
Como disse há dias a candidata à Presidência da República, Lurdes Pintasilgo, «o medo paira sobre os portugueses». Que eu saiba, nunca deixou de pairar, desde que me conheço. Paira com asas de abutre, pios-pios de pomba ou ronsrons de coruja (cá está a fábula). E quando as cabeças agora rolam como as bolas coloridas do toto-semanal, atenção às curvas e às apostas. Acima de tudo, atenção à lógica das ilógicas, ao irracionalismo dos racionalismos, ao surrealismo que tomou conta deste país a partir das mais altas cúpulas do neo-classicismo.
Que se cultive outra vez a boa linguagem cifrada. Que se fale de bugalhos quando nos falam de alhos. Que ninguém se deixe cilindrar ficando na mó de baixo.
É cada vez mais perigoso viver em Portugal. E viver perigosamente era o lema dos ideólogos de Mussolini. É cada vez mais perigoso falar Portugal. E pensar, nem se fala. E falar, nem se pensa. Mas é também cada vez mais proveitoso cantar o fado do «esgraçadinho». Definitivamente o crime compensa, tal como no porto australiano de Sidney.
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