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*DEEP ECOLOGY - NOTE-BOOK OF HOPE - HIGH TIME *ECOLOGIA EM DIÁLOGO - DOSSIÊS DO SILÊNCIO - ALTERNATIVAS DE VIDA - ECOLOGIA HUMANA - ECO-ENERGIAS - NOTÍCIAS DA FRENTE ECOLÓGICA - DOCUMENTOS DO MEP

2006-02-08

PETRÓLEO 1992

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Lisboa, 9/2/1992

J.C.M: Revendo antigos «files» sobre livros que meti no computador, dou com esses 10.735 caracteres, que teclei em plena Guerra do Golfo e que, evidentemente, nunca publiquei nem podia publicar em parte nenhuma, ainda que fosse a pretexto de recensear livros. Como se trata de um «ponto da situação» que tentei fazer, há um ano, sobre algumas das (nossas) comuns obsessões ditas ecologistas, cedo à tentação de tirar uma cópia impressa, pedindo desculpa de ser a mais rápida - sem til.
Há, inclusive, uma referência ao livro de Charbonneau, que tu traduziste e que trouxe debaixo de olho durante bastante tempo para eventual referência mais detalhada. Confirma-se: os meus longos silêncios contigo, nem sempre significaram esquecimento.


[10735 caracteres - poluicao> emcurso> livros>] - [Fevereiro 1991 - inédito AC para sempre - impublicável AC - Notícias da Clandestinidade?]

A julgar por uma boa meia dúzia de livros sobre ambiente que se publicaram entre nós nos últimos meses, os ecologistas são os principais responsáveis, senão mesmo os únicos culpados desta guerra monstruosa, mãe de todas as guerras. E é facílimo prová-lo, se levarmos em conta a tese de alguns peritos em armamento que consideram esta uma «guerra civil», não no sentido em que todas as guerras, no seio da espécie humana, o são, mas a decisiva batalha final, com o nome de Armagedão, no seio do próprio sistema industrial e suas pavorosas contradições e perversões. Como em 1973, com o 1º choque petrolífero, os movimentos alternativos e os alegados ecologistas se atreveram a dizer, no meio da algazarra triunfalista de petrolíferos e nuclearistas, ou acabamos com a monodependência do petróleo, ou o petróleo acabará connosco, a famigerada «civilização do petróleo» irá perecer às suas próprias mãos, estrangulada nas suas próprias tripas, como previu e muito bem, o profeta Saddam Hussein, o único ecologista que percebeu a conjuntura e agiu em conformidade.
Mas os ecologistas são culpados de saberem isto sem conseguirem fazer-se ouvir, e culpados, portanto, de não conseguirem inflectir os acontecimentos e a história. Eles são culpados de a Humanidade se encontrar outra vez à beira do Apocalipse nuclear e químico, com dois loucos em confronto. Bush encontrou em Hussein o inimigo ideal. Se não houvesse, teria que ser inventado. E às vezes até parece que foi inventado, para permitir agora aos EUA escoar os armamentos que, desde o Vietname, vinha acumulando sem utilização rentável.
[A julgar pelos livros recentemente saídos sobre ambiente nos prelos portugueses, n] Nestes 18 anos que mediaram entre o primeiro choque petrolífero e o apocalipse «now», os ecologistas não se bateram com suficiente força e ardor pelas ecoalternativas, pelas tecnologias apropriadas, pela diversificação energética, pela Idade Solar, não conseguindo, portanto, abrir um sector de paz suficientemente forte para evitar que a lógica de guerra se expandisse até à presente explosão, sector que teria evitado ou mesmo retardado o Apocalipse da Idade do Ferro ou Idade Petrolífera a que assistimos, estupefactos, como se fosse algo de não esperado.
[Em 18 anos, nem a escassa meia dúzia de projectos de energias alternativas que o LNETI tinha em experimentação, para inglês ver, foram avante e de tanto que sobre eles se badalou, acabou por se cair no total silêncio dos silenciamentos deliberados.]
Mas nem só o LNETI contribuiu para «distrair e adiar», silenciando as energias solares e as tecnologias apropriadas de libertação. Grupos, associações, proteccionistas, conservacionistas, partidos, «verdes», serviços, todos ajudaram à festa. Perdeu-se o sentido das prioridades que o choque petrolífero de 1973 estabelecera. E, no segundo choque, à volta de 1981/82, já pouco se falou de energias solares, infinitas, limpas, de tecnologias leves, de sociedade paralela alternativa. Em 1991, quando a civilização petrolífera e a guerra «limpa» mostra a sua verdadeira e hedionda face (mais fauces que face), nem a retórica das ecoalternativas sobrevive. Silêncios e silenciamentos levaram à crise que, graças a Alá e tendo o deserto como logotipo simbólico, nos poderá levar ao Paraíso da autodestruição maciça. Ao deserto. Se a curta história do movimento ecológico - 18 anos - tiver que acabar aqui, nem flores vai ter na campa. Secaram. No deserto.
Desde que a Poluição se transformou no ópio da Ecologia e os temas de Ambiente viraram moda em tudo o que é Comunicação Social, servindo até como arma de propaganda entre potências bélicas, também as editoras se lançaram na corrente do êxito, publicando livros sobre temas ditos «ecológicos», palavra que ganhou assim o estatuto de «saco sem fundo» onde tudo podia caber. Era o que a tecnocracia queria e conseguiu.
O que foi então a pindérica escassez dos anos 70, em que só alguns franco-atiradores como Ivan Illich, Michel Bosquet ou Murray Buckchin [ José Carlos Marques ou Afonso Cautela] se atreviam a contestar os crimes da ciência e da tecnologia perpetrados em nome do progresso, ousando assim enfrentar a sanha dos ideólogos do Establishment, tornou-se na década de 80 uma lista inflacionária de títulos e autores «preocupadíssimos» com o planeta Terra. Mas já em 1972, a conferência de Estocolmo advertira, prégando no deserto, de que a Terra é só uma.
Poucos são, no entanto, os títulos e autores que correspondem agora à motivação inicial do ecologismo, que nasceu fundamentalmente como movimento de revolta global contra a barbárie da chamada civilização e como movimento de alternativas à crise e às crises cíclicas geradas no seio do inferno petrolífero.
De facto, se quiséssemos situar a Ecologia como prática e como política, no seu contexto histórico, ela nasceu verdadeiramente com o choque petrolífero de 1973, abordando prioritariamente as ecoalternativas de autosuficiência (energética e nem só) que o monopolismo triunfalista do sistema energético mundial, a Leste e a Oeste, deixava à mostra com a supracitada crise. Foi o momento de anunciar a boa nova das energias ecológicas (nacionais e não importadas: como alguém acentuou, «o Sol aquece e não se importa»), como a resposta típica à crise e às crises do inferno petrolífero. Ainda havia, como ainda há, quem defendesse o suicídio electro-nuclear, mas havia muitos mais que defendiam a imediata transição para as energias e tecnologias de sobrevivência, energias e tecnologias que apontam para a autosuficiência não só individual e de grupo mas nacional.
Só com o segundo choque petrolífero, em 1981/82, a retórica das ecoenergias voltou outra vez a estar na moda, enquanto as consecutivas catástrofes de índole petrolífera e nuclear desenhavam cada vez mais essas fontes energéticas como totalitárias e antidemocráticas.
Mas como a memória humana é curta -- e as sereias da sociedade de consumo muito bem afinadas -- iríamos chegar ao terceiro choque petrolífero, em 1991, ano da Capicua, completamente esquecidos de que havia alternativas múltiplas e diversas ao totalitarismo energético e que nem um minuto se aproveitou, dos 18 anos que entretanto decorreram, para aprendermos a lição.
Agora que os países ricos ocidentais vão outra vez ficar com as calças na mão à míngua de petróleo, que preferem destinar à guerra das marés negras, perguntamos onde estão os livros especificamente ecologistas que ensinavam, na linha illichiana, como é que indivíduos, comunidades, países, se deveriam ter autonomizado relativamente às fontes únicas que criam, energetica e politicamente, monodependência. E dos livros que temos à mão, publicados ultimamente, nenhum se ocupa ou preocupa com essas respostas, essas ecoalternativas. São abordagens mais idealistas e por vezes quiméricas do Ambiente, com a tónica na conservação da Natureza, no ruralismo bem intencionado, no reformismo das ecotácticas, ou no folclorismo da moda.
Todos eles têm interesse, evidentemente, mas nenhum deles é a resposta de urgência às urgências da crise que tornaram o realismo ecologista a contra-utopia tecnocrática por natureza e por excelência.
Um «Guia dos Amigos da Terra», por exemplo, prefere ensinar as ecotácticas, ou seja, como é que, em tempo de crise, se poupa o que o sistema não quis poupar em tempos de falsa euforia e triunfalismo, e não como se desenvolve um sector alternativo que permita deixar as pessoas (mais) seguras e autosuficientes, perante toda e qualquer crise, grande, pequena ou média.
Um outro trabalho conta a história dos «Greenpeace», outro movimento muito controverso quanto às prioridades que adoptou e de objectivos ecológicos muito duvidosos, tendo elegido lutas que, de facto, não correspondem, nem à desordem mundial estabelecida nem a uma futura e possível nova ordem económica, em que os desordeiros já andam falando. Os «Green-Peace» começaram, bem, como se lê neste seu livro de aventuras, pois começaram com a luta contra os testes nucleares, a guerra mais antiga e persistente que é a guerra sísmico-nuclear. Mas depressa o sistema arranjou meios e maneira de os distrair com baleias e outros folclores. Foi a adequação dos «Greenpeace» às conveniências do establishment. Dinheiro, por isso, não lhes falta para viajarem de barco por esses oceanos, cujo ecocídio de há 30 anos só agora, em plena Guerra do Golfo e em plena operação «Tempestade do no Deserto», aparece como palavra -- «ecocídio» -- na boca do senhor Bush, homem ligado às petrolíferas desde pequenino.
A estratégia do renascimento rural, que se destacara como prioritária logo no primeiro choque petrolífero, é abordada por um outro livro, recentemente publicado pela Afrontamento, «O Jardim da Babilónia». A visão estratégica de Bernard Charbonneau é apenas prejudicada por um estilo lento, prolixo, literário, que secundariza a urgência de realizar, pelo retorno à Terra, a fundação de uma sociadeda paralela, ainda a tempo de recolher os náufragos desta sociedade capital-consumista em acelerada decomposição. Se enquadrarmos a ecologia nesta estratégia de emergência, face às crises de estrangulamento impostas pelo imperialismo industrial, é evidente que se trata de pôr em prática e em marcha uma base de dados que responda, em segundos, às necessidades reais do consumidor de repente em apuros.
Os glossários e dicionários, como o «Relatório Terra», começam a dar resposta à necessidade de respostas prontas. Exemplo da recuperação pela ideologia política reinante - e que nada ajuda na prática a salvar a pele no minuto final - é um bem arquitectado manifesto, que Carlos Antunes subscreveu em Portugal e que se chama uma «alternativa verde para a Europa». Para lá de denunciar os desperdícios e crimes a que o modelo logarítmico de desenvolvimento se entrega, só tem este manifesto o inconveniente da palavra «verde», que se encontra completamente queimada, como aliás muitas outras do vocabulário ecologista. Este holocausto de palavras é de muito mau agoiro, pois prefigura um holocausto no campo dos factos e da história. O ecosocialismo não começa por um discurso eleitoral, parlamentar ou partidário: começa pela sistemática desmistificação de uma nomenclatura corrompida e pela mobilização imediata de «soldados» treinados em tecnologias apropriadas e leves, obrigatoriamente apoiados por uma verba do OGE, em Estado que se diga de direito. A política de diversificação energética, que já deveria ter acontecido, em pleno, em 1973, com os raides sobre países do Golfo, e ainda não aconteceu com os raides sobre Bagdad, em 1991, é a prioridade absoluta para qualquer país, e tanto mais prioritário quanto mais pobre de recursos naturais ele for. Se se quiser medir o estado de atraso e subdesenvolvimento em que se encontra a chamada «civilização ocidental», que de civilização não tem nada, embora de ocidental tenha alguma coisa, pergunte-se quantas das energias e tecnologias apropriadas se encontram em pleno florescimento e desenvolvimento desde 1973. Sem isso, continuaremos a ter que escrever, até ao ano três mil, manifestos indignados, na clandestinidade e condenados ao caixote do lixo, contra os desperdícios desta sociedade do desperdício e contra as destruições desta máquina de guerra permanente que é o modelo de desenvolvimento antiecológico, industrial e imperialista.
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