DEEP ECOLOGY 1974
74-02-15-ie> quinta-feira, 5 de Dezembro de 2002-scan
ECOLOGIA É UMA FASE EVOLUÍDA DA MARCHA HISTÓRICA(*)
15/Fevereiro/1974 – "O organismo humano adapta-se a tudo".
Este é um dos sofismas mais perigosos com que a ideologia tecnocrática pretende impor os seus crimes e abusos. Não lhe bastando ter divertida a opinião pública o suficiente para que a maioria aceite ser "oferecida" em holocausto à sacrossanta mitologia do progresso tecno-burocrático, pretende completar o ciclo (vicioso) propondo como dado aceite e científico a capacidade do homem para se "adaptar a tudo".
Teríamos então, segundo esse sofisma, que a biosfera estaria em vias de se transformar na famosa tecnosfera.
Assim como se pode ir gradualmente adaptando o organismo a um veneno - defendem os biocratas - segundo o clássico processo greco-romano designado mitridatismo, assim a espécie humana se iria adaptando a tudo o que constitui manipulação da vida, dejectos, poluição, injecção de produtos químicos, enfim, a toda a tecnocratização da vida e dos indivíduos.
O ruído?
Se é verdade que os antigos dificilmente se têm adaptado às orgias de ruídos ensurdecedores que caracterizam os novos tempos, aí estariam as novas gerações rock, da "orquestra" electrónica, do bombo e da bateria a demonstrar que já saíram do ovo "adaptados" ao novo ambiente de super-ruídos.
Os adubos químicos na fertilização dos solos?
Pode acontecer, claro, que os organismos das anteriores gerações reajam mal e se sintam vulneráveis aos produtos alimentares desvitalizados, mas nada prova que as novas gerações não estejam a viver de perfeita (!) saúde, embora potencialmente desvitalizadas com toda a gama de químicas que, dos solos à manipulação industrial, interferem hoje no mercado dos alimentos e cancerizam o consumidor.
Quer dizer: para os idólatras do pan-industrialismo, a fé de que tudo será resolvido "pela ciência'' e -"pela técnica" - inclusive o biocídio perpetrado através da fonte da vida que são os alimentos - não admite argumentos ou respostas racionais.
Mas a resposta, o argumento racional é apenas um: a um processo de biocídio acelerado, há que opor, em nome da vida e da defesa da vida, uma ideologia que, a nenhum pretexto (incluindo o pretexto político ou económico) consente na tecnocratização da existência.
Não se trata, tão pouco, de entrar no jogo dos poluentes e dos antipoluentes. É uma questão de princípio, radical e radicalista.
FRANCISCANO E IDEALISTA
Se me perguntarem porque defendo a vida, permito-me responder que a defendo por vários motivos estéticos, políticos, económicos, utilitários e, só por último, morais.
Pode parecer franciscano e idealista a defesa da Natureza, das espécies e do homem.
E talvez seja.
Mas seria o argumento humanista, a razão ética, a última que invocaria.
Perante um bando de assassinos, de açougueiros assanhados, de caçadores rapaces, perante os tecnocratas ensandecidos e torpes, perante os que não hesitam em matar(dizendo que é para nosso bem) nada mais inócuo e ridículo do que replicar com um argumento de ética humanista...
Acima de tudo, é preciso afirmar a esplêndida gratuidade desta opção. Um ecologista é, acima de tudo, um esteta. Um sujeito de cheiro apurado (que detesta maus cheiros), que detesta a porcaria, o lixo, que detesta o dejecto e a imundície. E nem sequer por razões higiénicas bem respeitáveis. Mas simplesmente por razões de arte, de requinte, de "aristocracia" espiritual.
Isto deve ser dito e redito aos abúndios que classificam o ecomaníaco de "sensibilidade feminina" e de esteticismo, com o sublime descaramento que só o imbecil pode ter.
"Sem adubos nos solos nunca se chegará a ter alimentos para todos"... - argumentam os merceeiros de adubos.
E com adubos nos solos já porventura produziram alimentos para todos?
Venham merceeiros da direita, venham merceeiros da esquerda, o que a Ecologia Política tem para responder é sempre o mesmo: a ideologia da Natureza é uma questão de princípio e não admite pequenas ou médias poluições "como preço a pagar pelos benefícios (sic) do Progresso".
A ideologia da Natureza é uma fase evoluída da espécie e uma aristocracia espiritual. Está para lá de toda essa vadiagem que ainda não soube imaginar outro progresso que não fosse o das energias e indústrias hiperpoluentes.
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(*) Este texto de Afonso Cautela, a que não retiro hoje uma vírgula, foi publicado no livro edição do autor, «Contributo à Revolução Ecológica», Paço de Arcos, 1976
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ECOLOGIA É UMA FASE EVOLUÍDA DA MARCHA HISTÓRICA(*)
15/Fevereiro/1974 – "O organismo humano adapta-se a tudo".
Este é um dos sofismas mais perigosos com que a ideologia tecnocrática pretende impor os seus crimes e abusos. Não lhe bastando ter divertida a opinião pública o suficiente para que a maioria aceite ser "oferecida" em holocausto à sacrossanta mitologia do progresso tecno-burocrático, pretende completar o ciclo (vicioso) propondo como dado aceite e científico a capacidade do homem para se "adaptar a tudo".
Teríamos então, segundo esse sofisma, que a biosfera estaria em vias de se transformar na famosa tecnosfera.
Assim como se pode ir gradualmente adaptando o organismo a um veneno - defendem os biocratas - segundo o clássico processo greco-romano designado mitridatismo, assim a espécie humana se iria adaptando a tudo o que constitui manipulação da vida, dejectos, poluição, injecção de produtos químicos, enfim, a toda a tecnocratização da vida e dos indivíduos.
O ruído?
Se é verdade que os antigos dificilmente se têm adaptado às orgias de ruídos ensurdecedores que caracterizam os novos tempos, aí estariam as novas gerações rock, da "orquestra" electrónica, do bombo e da bateria a demonstrar que já saíram do ovo "adaptados" ao novo ambiente de super-ruídos.
Os adubos químicos na fertilização dos solos?
Pode acontecer, claro, que os organismos das anteriores gerações reajam mal e se sintam vulneráveis aos produtos alimentares desvitalizados, mas nada prova que as novas gerações não estejam a viver de perfeita (!) saúde, embora potencialmente desvitalizadas com toda a gama de químicas que, dos solos à manipulação industrial, interferem hoje no mercado dos alimentos e cancerizam o consumidor.
Quer dizer: para os idólatras do pan-industrialismo, a fé de que tudo será resolvido "pela ciência'' e -"pela técnica" - inclusive o biocídio perpetrado através da fonte da vida que são os alimentos - não admite argumentos ou respostas racionais.
Mas a resposta, o argumento racional é apenas um: a um processo de biocídio acelerado, há que opor, em nome da vida e da defesa da vida, uma ideologia que, a nenhum pretexto (incluindo o pretexto político ou económico) consente na tecnocratização da existência.
Não se trata, tão pouco, de entrar no jogo dos poluentes e dos antipoluentes. É uma questão de princípio, radical e radicalista.
FRANCISCANO E IDEALISTA
Se me perguntarem porque defendo a vida, permito-me responder que a defendo por vários motivos estéticos, políticos, económicos, utilitários e, só por último, morais.
Pode parecer franciscano e idealista a defesa da Natureza, das espécies e do homem.
E talvez seja.
Mas seria o argumento humanista, a razão ética, a última que invocaria.
Perante um bando de assassinos, de açougueiros assanhados, de caçadores rapaces, perante os tecnocratas ensandecidos e torpes, perante os que não hesitam em matar(dizendo que é para nosso bem) nada mais inócuo e ridículo do que replicar com um argumento de ética humanista...
Acima de tudo, é preciso afirmar a esplêndida gratuidade desta opção. Um ecologista é, acima de tudo, um esteta. Um sujeito de cheiro apurado (que detesta maus cheiros), que detesta a porcaria, o lixo, que detesta o dejecto e a imundície. E nem sequer por razões higiénicas bem respeitáveis. Mas simplesmente por razões de arte, de requinte, de "aristocracia" espiritual.
Isto deve ser dito e redito aos abúndios que classificam o ecomaníaco de "sensibilidade feminina" e de esteticismo, com o sublime descaramento que só o imbecil pode ter.
"Sem adubos nos solos nunca se chegará a ter alimentos para todos"... - argumentam os merceeiros de adubos.
E com adubos nos solos já porventura produziram alimentos para todos?
Venham merceeiros da direita, venham merceeiros da esquerda, o que a Ecologia Política tem para responder é sempre o mesmo: a ideologia da Natureza é uma questão de princípio e não admite pequenas ou médias poluições "como preço a pagar pelos benefícios (sic) do Progresso".
A ideologia da Natureza é uma fase evoluída da espécie e uma aristocracia espiritual. Está para lá de toda essa vadiagem que ainda não soube imaginar outro progresso que não fosse o das energias e indústrias hiperpoluentes.
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(*) Este texto de Afonso Cautela, a que não retiro hoje uma vírgula, foi publicado no livro edição do autor, «Contributo à Revolução Ecológica», Paço de Arcos, 1976
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