NUCLEAR 1979
gulag-2- inédito ac de 1979 - 5 estrelas – diário das siglas – eu inteiro entre partidos – os guardas do gulag
30/1/1979 - Nada se sabe da posição oficial que sobre a energia nuclear nutrem as forças representadas no seio da Aliança Democrática.
Nem dos Reformadores, nem do CDS, nem do P.S.D.
Este remeteu para os seus órgãos de juventude o encargo de protestar contra as centrais nucleares... Em 16 de Maio de 1979, o semanário "Povo Livre", órgão daquele Partido, publicava uma moção aprovada em Conselho Nacional da Juventude Social Democrata, exigindo, no seu ponto 2, "que a construção da central nuclear de Ferrel não se inicie sem que se dê por concluído, por referendo, o debate nacional e público sobre alternativas energéticas para o desenvolvimento."
Esta a posição da Juventude Social Democrata. A nível das mais altas cúpulas do PSD, nada mais se sabe, até hoje, do que foi afirmado por Helena Roseta, deputada deste Partido na Assembleia da República, ao discursar , em Dezembro de 1977, numa reunião do Conselho da Europa sobre "aproveitamento da energia nuclear".
A ilustre parlamentar , com efeito, primou pela ambiguidade, dizendo:
" Ainda ontem, quando da minha inscrição para usar da palavra nesta sessão, perguntaram-me: a Favor ou contra?"
Intimada desta maneira a definir-se, Helena Roseta espraiar-se-ia assim:
" Falsa questão para mim, pois a opção nuclear não pode e não deve ser feita abstractamente, " a priori ", mas sim como resultado de uma reflexão séria, ampla, participada e, tanto quanto possível, desdramatizada no que se refere às vantagens e aos riscos que comporta e que variam evidentemente de país para país, de região para região.".
Sem dramatismos, portanto, Helena Roseta adensa-se na "reflexão séria e ampla do problema":
“A nossa capacidade de prever o futuro é muito limitada" - disse - " e o principal esforço a fazer, creio, ao nível dos cidadãos dos diferentes países europeus é um esforço sério de informação - sem o qual a participação democrática nas decisões será sempre falseada."
No final da sua intervenção, a deputada Helena Roseta mostra-se-ia relapsa a "profecias escatológicas” e a "respostas já feitas", ao formular quatro perguntas no sentido de saber se "uma opção nuclear se justificará entre nós".
No campo interrogativo das perguntas, deixava o PSD a sua posição, em pleno Conselho da Europa:
"Será realista prever uma taxa de crescimento económico elevado, exigindo desde já um compromisso irreversível no plano nuclear e a consequente concentração e centralização da produção, agravando o desequilíbrio regional existente?
" A dependência económica de países como o nosso não irá aumentar com a opção nuclear, tendo em conta a inexistência de tecnologia nuclear entre nós?
" A disponibilidade de uma matéria-prima como o urânio deverá ser um argumento bastante forte para nos determinar, tendo em conta o facto de que o urânio representa apenas 10% do custo final da energia nuclear?
" A pequena superfície e a extensão do nosso litoral não porão problemas de escala e dificuldades para a escolha dos locais de implantação das centrais?."
"O DIA" ABRAÇA (FINALMENTE!) O P.C.P.
A posição do CDS é igualmente impenetrável e apenas se pode perceber alguma coisa através de jornais que lhe são afectos, como " O Dia", onde, já por três vezes, o seu cronista de televisão se tem mostrado frontalmente adepto do Nuclear sem restrições
Vamos transcrever da secção "TV dia-a-dia", assinada pelas iniciais R.D.S., passagens suficientemente elucidativas:
Em 30 de Janeiro de 1980 escrevia aquele cronista de "O Dia”, em referência a um programa do canal 1 onde tinham prestado declarações a Adriano Cerqueira o ministro Álvaro Barreto e o investigador Eurico da Fonseca :
" Não houve praticamente uma palavra acerca da Energia Nuclear, a única que consideramos capaz de pôr cobro à chantagem dos países produtores de petróleo.”
E não deixando lugar a dúvidas sobre a sua persistência e coerência, o cronista R.D.S. sublinhava:
" De facto, de há muito que nos batemos, nesta coluna, pela instalação em Portugal de Centrais Nucleares. "
E tomando , como sempre, o ponto de referência P.C.P. , o cronista do jornal " O Dia" retomava o equívoco que ele e muitos se têm empenhado em alimentar, sabe-se lá porquê.
Pondo a sua própria posição pró-nuclear como termo de contraste, admoestava ele "o PCP quando este fazia cerrado ataque a tal hipótese e mobilizava a berraria do costume para que não fosse aceite pelos governos no pós 25 de Abril."
Isto afirma o articulista de "O Dia", que acrescenta:
" Na realidade, o nosso ponto de vista era e continua a ser simples: possuímos urânio e não nos é possível continuar a ceder, totalmente, à ganância dos que detêm as reservas de "ouro negro".
Mas todas estas suposições ficavam feitas em pó , no dia 29 de Janeiro de 1980, com a intervenção do deputado Sousa Marques (PCP) na Assembleia da República, que decidiu não dar mais pasto às ofensivas calúnias de muitos jornais da direita que teimavam em colocar o PCP no campo dos anti-nuclearistas.
De uma vez por todas, o PCP disse, repetiu e trizou que era a favor do nuclear, obrigando o próprio cronista de «O Dia» a confessar que se "enganara" , durante tantos anos, quando supostamente atribuíra ao PCP, malévolas intenções contra o Nuclear.
R.D.S. faz acto de contrição:
" Acontece que o PCP fez, há dias, uma viragem de 180 graus e apareceu , na Assembleia da República, pela voz de Sousa Marques, a defender ponto de vista igual ao nosso".
Sublinhando o regozijo com que o colaborador de "O Dia” vê finalmente as suas posições identificadas com as do P.C.P, R.D.S. entusiasma-se e avança:
" Mais: aquele deputado afirmou - e bem - que uma Central Nuclear pode ser construída de forma que, do seu funcionamento, não resultem danos para as populações."
E sem deixar lugar a quaisquer dúvidas ou zonas de sombra - tudo claro! - o cronista diário de "O Dia" rematava com júbilo:
"Dificilmente estamos de acordo com o P.C.P. mas, neste caso, muito nos agrada que tivesse mudado de ideias e viesse ao nosso encontro. "E isto porque a instalação de Centrais Nucleares, no nosso País, é de interesse nacional."
Em verdadeira apoteose, este abraço "nacional entre " O Dia" e o P.C.P. faz prever cenas comoventes na Assembleia da República em que, finalmente, iremos ver as bancadas tradicionalmente inimigas, dar as mãos e marchar, unidas, para o futuro nuclear e a bem do "interesse nacional".
Finalmente, e depois de tantos equívocos, de tantas calúnias, de tantos jornais terem atribuído ao PCP intenções que não eram nem nunca foram as suas, começa a fazer-se justiça e a dar o seu a seu dono. O nuclear ao PCP e o PCP ao Nuclear.
Aliás, só quem anda desatento, quem não acompanha os editoriais de "O Diário", quem não lê os proficientes artigos do eng. Frederico de Carvalho e do Dr. Fernandes Forte , ora no "Diário de Lisboa", ora na revista "Poder Local", ora nos vários órgãos sindicalistas que reflectem a linha C.G.T.P. - Inter, só quem não viu a monumental reprimenda passada pelo "O Diário" aos autarcas que se manifestaram em solidariedade para com os "alcaldes" que protestavam contra a central de Valdecaballeros, só quem não se arrepiou com o solene tau-tau do mesmo editorial contra a União de Sindicatos de Beja que, dias antes , igualmente se manifestara em solidariedade com os alcaldes, só quem anda, de facto, por outro mundo é que poderia ter dado crédito a essa pura inventona de jornais da Direita atribuírem ao P.C.P. intenções de campanha anti-nuclear .
Intenções que este prestigiado partido nunca teve nem podia ter, até porque desde cedo sentiu necessidade de se demarcar relativamente a essa "cambada" dos ecologistas e outros que tais.
Honra lhe seja feita, não só à sua coerência, mas também à sua firmeza de posições e ao seu indefectível patriotismo. Quando os outros se calam ou ficam no vai-vém das ambiguidades, o PCP tem sido claro, pão-pão, queijo-queijo.
O PCP tem sido o que mais vezes publicou, o preto no branco, a sua indefectível e lógica apologia da indústria nuclear em geral (noblesse oblige) mas também das centrais espanholas junto à fronteira portuguesa e, até, da central portuguesa de Ferrel, desde que do modelo canadiano (igual ao soviético) e desde que o Programa Nuclear Português enveredasse pela linha dos super-regeneradores, em que a União Soviética possui a tecnologia mais avançada do Mundo.
Uma central imperialista ianque - nunca . Mas uma central imperialista soviética - sim, sempre, já.
É pena que só agora o cronista de "O Dia" tenha reconhecido a coerência notável de quem sempre se manteve firme numa só posição e numa só fé.
P.S.:O ENIGMA CONTINUA
Quanto ao PS, é um enigma.
A nível de autarquias, conhece-se a posição assumida, com clareza e vigor, por Abílio Curto, presidente reeleito da Câmara Municipal da Guarda, que vem trabalhando, com os autarcas da província de Salamanca, para uma frontal oposição à prevista disseminação nuclear nesta zona, nomeadamente o suposto cemitério de resíduos atómicos (?) de Juzbado. Cemitério ou estação de reprocessamento?
Quanto à central nuclear de Sayago, a 9 Km de Miranda do Douro, vários foram os autarcas socialistas que assumiram posição contra, dando apoio ao Comité Anti-Nuclear de Miranda do Douro. O presidente da Câmara da Régua foi várias vezes notícia e as suas posições contra Sayago seriam classificadas de "caciquismo" por um artigo que o "Diário de Lisboa" publicou, da autoria do eng. Frederico de Carvalho e Dr. Fernandes Forte. Artigo que, nesse mesmo jornal, seria contestado por Afonso Cautela.
Entre as Câmaras do Baixo Alentejo que se manifestam contra a central de Valdecaballeros, a de Moura foi a que manteve maior firmeza, como o presidente de então nos diria, na entrevista que lhe fizemos para "Portugal Hoje." Também a União de Cooperativas Livres do Baixo Alentejo (C.O.L.B.A.) , próxima do P.S., se manteve coerente na defesa da Reforma Agrária e do Rio Guadiana contra a central nuclear instalada nas cabeceiras desse rio.
As câmaras de Vila Real de Santo António e de Castro Marim, igualmente PS, aprovaram moções de apoio e solidariedade aos "alcaldes" que em Vila Nueva de la Serena lutaram contra Valdecaballeros.
A ÓPTICA CIENTÍFICA
" Nós não fomos no passado contra a instalação de centrais nucleares e não somos hoje a favor" - afirmou, na Assembleia da República, em 29 de Janeiro de 1980, o deputado do Partido Comunista Português, Dr. Sousa Marques, que acrescentou:
" Analisamos estas questões numa óptica científica, tendo em conta os interesses sociais, económicos e políticos do nosso povo."
Eis um dia histórico, não só para a indústria nuclear internacional, a festejar bodas de ouro, mas para o povo português: ter um deputado amigo do povo, que na bancada de um importante Partido igualmente amicíssimo do Povo fala, com ciência, do progresso nuclear, é caso de regozijo nacional.
Investindo ofgantemente contra o deputado do PPM, o orador Dr. Sousa Marques teve, às tantas, esta saída ainda mais científica do que as outras:
" Fala-se por aí muito do perigo nuclear, mas o nuclear existe em todo o lado. O sr. deputado também é radioactivo, os senhores deputados do PPM são radioactivos, e são radioactivos porque não estão fossilizados há mais de cinco mil anos."
Queria o doutor , com esta brincadeira - que arrancou "risos gerais" à digníssima Assembleia, como relatava ipsis verbis o respectivo boletim da Ordem - quereria o ilustre deputado insinuar com isso que não é radioactivo nem o PCP, o que levaria à lógica de que estão, um e outro, fossilizados há 5000 anos?
O riso dos monárquicos levou democraticamente o sr. deputado republicano (lagarto, lagarto) a sentenciar: " Não se ria , sr. deputados (sic). Estamos a tratar de assuntos sérios e, de facto, lamento que com o seu riso demonstre que não está a perceber totalmente o que lhe estou a dizer."
DUAS COISAS A NOTAR
Duas coisas há a notar nesta notável intervenção histórica do Dr. Sousa:
- as "amplas liberdades democráticas" de mandar o colega deputado não se rir;
- pelos vistos, ninguém da A.R. percebera , dado que os risos tinham sido “gerais” como assinala o cuidadoso boletim daquela Casa.
Mas vamos seguindo, que ler este boletim é melhor do que ler "A gaiola aberta".
Sempre com o facho do progresso na mão direita e o rigoroso exclusivo da verdade científica na esquerda (até mesmo quando esta se confunde, aos ouvidos de todos os deputados, como anedota hilariante) o Dr. Sousa pontificou sobre a segurança das populações, disparando assim:
" Hoje, com falsos argumentos científicos e alarmistas, pretende-se assustar as populações, particularmente aquela que vive nas zonas ribeirinhas da Região do Douro, dizendo que a instalação da central nuclear pode pôr em grave perigo não só a vida das próprias pessoas como o próprio futuro da nossa indústria de produção de vinho do Porto."
Indignado com mais esta prova da ingratidão popular - e seu lastro reaccionário - , o Dr. Sousa (que se confessa sócio da Real Companhia Vinícola) investe forte e feio com o facho da verdade na mão direita e o gládio da justiça na esquerda (ou vice-versa):
"Isto é totalmente falso" - rouquejou ele - " desde que se cumpram todos os requisitos para preservar a segurança da central nuclear instalada em Espanha."
Apoiado, doutor: a menos que faltem os preservativos a que alude, como pode haver dano, perigo, desastre, calamidade ou holocausto?
E porque hão-de andar estes eco-terroristas a lançar campanhas "alarmistas" quando para ameaçar de guerra nuclear, todos os dias, todos os povos do Mundo, bem bastam as duas superpotências. Querer, em matéria de alarmismo, de rebates falsos, de chantagens , de fingir que põem a humanidade à beira da guerra nuclear, fazer concorrência às duas superpotências, é de facto inadmissível.
Nunca as mãos lhe doam, doutor, nem lhe caia o facho da mão.
O facho do progresso, claro!
Remetendo o leitor para este naco antológico da história parlamentar portuguesa (vide "Diário da A.R.", de 30 de Janeiro de 1979), não resisto, no entanto, a mais uma citaçãozinha deliciosa, que bem demonstra os cuidados postos pelo sr. deputado em respeitar o princípio sagrado e consagrado pela ONU: " a não ingerência nos negócios internos de cada país..."
Releia-se esta passagem de ressonâncias bíblicas:
" Nós não temos nada a ver com a política energética que é definida pelo Governo espanhol. O que nós temos a ver" - disse o Dr.. deputado como se falasse à Eternidade - " e temos que procurar que aconteça, é se o Governo português cumpre a obrigação de ter em conta a defesa e preservação da qualidade de vida e do meio ambiente do nosso país, nomeadamente nas regiões fronteiriças onde estão a ser instaladas as centrais nucleares espanholas."
Ingrata assembleia que, após isto, não irrompeu em irreprimíveis aplausos. Perante Naco de Verdade Revelada como esta, pergunto eu: É ou não claro? É ou não científico? É ou não patriótico? E democrático? E respeitador da não ingerência nos negócios do País vizinho?
Quem , melhor do que um deputado PCP, para respeitar e fazer respeitar este princípio da não ingerência?
No mesmo tom implacável, problemático, sergiano-cartesiano-experimental, o orador decreta:
" Para nós, sr. Deputado " - dirigia-se ao PPM - " há uma grande diferença entre a ecologia e a pseudo-ecologia ou, se me permite, entre os ecologistas e os pseudo-ecologistas. De facto, a protecção da Natureza e salvaguarda do Meio ambiente, não se faz contra o progresso científico e técnico, mas servindo-se dele."
Milhões de cartas , vindas de ecologistas de todo o Mundo, choveram no hemiciclo de São Bento, pedindo, rogando que o Dr. Deputado explique, ofgantemente, ao Mundo o que é afinal de contas ecologismo e ecologia. Irra que tardava!
Preocupadíssimo com o respeito pelo princípio da não ingerência nos negócios nucleares de Espanha, o sr. deputado é outras vez histórico, bíblico, épico. À santíssima trindade que era para Salazar indiscutível, ele acrescenta o Nuclear.
A Deus, Pátria e Família faltava mais esta:
" Naturalmente não se discute que cabe às autoridades espanholas decidir sobre o programa nuclear do seu país."
Ainda que seja sobre a fronteira do povo português.
Os ossos do velho de Santa Comba remexeram-se um pouco, incomodados pela concorrência, mas acalmaram. Porque o sr. Deputado, passando do científico ao cómico, jogava esta para a sossega:
" A experiência de funcionamento das cerca de 200 centrais nucleares existentes no mundo mostra que uma central nuclear pode ser construída de forma que, do seu funcionamento, não resultem danos para as populações."
Consta que já foi encomendado a um escritor neo-realista, galardoado com prémios da APE, para glosar este tema numa obra que seria considerada o II tomo de "Os Lusíadas" a editar pela Editorial Descaminho.
*
(*) Texto obviamente inédito, mas é pena: deu-me imenso gozo passá-lo no scanner e deixá-lo para a posteridade. Acho que, olhando para trás, não tenho que me arrepender do que escrevi. E principalmente do meu ódio aos guardas do gulag, que nunca foi tanto como hoje, 13 de Junho de 2001. Só com os comunistas todos metidos numa central nuclear (podia ser a de Tchernobil) me sentiria minimamente reconfortado.
***
NUCKEAR E PARTIDOS EM 1979 (*)
0 P.S.D. INTERROGATIVO NO CONSELHO DA EUROPA
30/1/1979 - Nada se sabe da posição oficial que sobre a energia nuclear nutrem as forças representadas no seio da Aliança Democrática.
Nem dos Reformadores, nem do CDS, nem do P.S.D.
Este remeteu para os seus órgãos de juventude o encargo de protestar contra as centrais nucleares... Em 16 de Maio de 1979, o semanário "Povo Livre", órgão daquele Partido, publicava uma moção aprovada em Conselho Nacional da Juventude Social Democrata, exigindo, no seu ponto 2, "que a construção da central nuclear de Ferrel não se inicie sem que se dê por concluído, por referendo, o debate nacional e público sobre alternativas energéticas para o desenvolvimento."
Esta a posição da Juventude Social Democrata. A nível das mais altas cúpulas do PSD, nada mais se sabe, até hoje, do que foi afirmado por Helena Roseta, deputada deste Partido na Assembleia da República, ao discursar , em Dezembro de 1977, numa reunião do Conselho da Europa sobre "aproveitamento da energia nuclear".
A ilustre parlamentar , com efeito, primou pela ambiguidade, dizendo:
" Ainda ontem, quando da minha inscrição para usar da palavra nesta sessão, perguntaram-me: a Favor ou contra?"
Intimada desta maneira a definir-se, Helena Roseta espraiar-se-ia assim:
" Falsa questão para mim, pois a opção nuclear não pode e não deve ser feita abstractamente, " a priori ", mas sim como resultado de uma reflexão séria, ampla, participada e, tanto quanto possível, desdramatizada no que se refere às vantagens e aos riscos que comporta e que variam evidentemente de país para país, de região para região.".
Sem dramatismos, portanto, Helena Roseta adensa-se na "reflexão séria e ampla do problema":
“A nossa capacidade de prever o futuro é muito limitada" - disse - " e o principal esforço a fazer, creio, ao nível dos cidadãos dos diferentes países europeus é um esforço sério de informação - sem o qual a participação democrática nas decisões será sempre falseada."
No final da sua intervenção, a deputada Helena Roseta mostra-se-ia relapsa a "profecias escatológicas” e a "respostas já feitas", ao formular quatro perguntas no sentido de saber se "uma opção nuclear se justificará entre nós".
No campo interrogativo das perguntas, deixava o PSD a sua posição, em pleno Conselho da Europa:
"Será realista prever uma taxa de crescimento económico elevado, exigindo desde já um compromisso irreversível no plano nuclear e a consequente concentração e centralização da produção, agravando o desequilíbrio regional existente?
" A dependência económica de países como o nosso não irá aumentar com a opção nuclear, tendo em conta a inexistência de tecnologia nuclear entre nós?
" A disponibilidade de uma matéria-prima como o urânio deverá ser um argumento bastante forte para nos determinar, tendo em conta o facto de que o urânio representa apenas 10% do custo final da energia nuclear?
" A pequena superfície e a extensão do nosso litoral não porão problemas de escala e dificuldades para a escolha dos locais de implantação das centrais?."
"O DIA" ABRAÇA (FINALMENTE!) O P.C.P.
A posição do CDS é igualmente impenetrável e apenas se pode perceber alguma coisa através de jornais que lhe são afectos, como " O Dia", onde, já por três vezes, o seu cronista de televisão se tem mostrado frontalmente adepto do Nuclear sem restrições
Vamos transcrever da secção "TV dia-a-dia", assinada pelas iniciais R.D.S., passagens suficientemente elucidativas:
Em 30 de Janeiro de 1980 escrevia aquele cronista de "O Dia”, em referência a um programa do canal 1 onde tinham prestado declarações a Adriano Cerqueira o ministro Álvaro Barreto e o investigador Eurico da Fonseca :
" Não houve praticamente uma palavra acerca da Energia Nuclear, a única que consideramos capaz de pôr cobro à chantagem dos países produtores de petróleo.”
E não deixando lugar a dúvidas sobre a sua persistência e coerência, o cronista R.D.S. sublinhava:
" De facto, de há muito que nos batemos, nesta coluna, pela instalação em Portugal de Centrais Nucleares. "
E tomando , como sempre, o ponto de referência P.C.P. , o cronista do jornal " O Dia" retomava o equívoco que ele e muitos se têm empenhado em alimentar, sabe-se lá porquê.
Pondo a sua própria posição pró-nuclear como termo de contraste, admoestava ele "o PCP quando este fazia cerrado ataque a tal hipótese e mobilizava a berraria do costume para que não fosse aceite pelos governos no pós 25 de Abril."
Isto afirma o articulista de "O Dia", que acrescenta:
" Na realidade, o nosso ponto de vista era e continua a ser simples: possuímos urânio e não nos é possível continuar a ceder, totalmente, à ganância dos que detêm as reservas de "ouro negro".
Mas todas estas suposições ficavam feitas em pó , no dia 29 de Janeiro de 1980, com a intervenção do deputado Sousa Marques (PCP) na Assembleia da República, que decidiu não dar mais pasto às ofensivas calúnias de muitos jornais da direita que teimavam em colocar o PCP no campo dos anti-nuclearistas.
De uma vez por todas, o PCP disse, repetiu e trizou que era a favor do nuclear, obrigando o próprio cronista de «O Dia» a confessar que se "enganara" , durante tantos anos, quando supostamente atribuíra ao PCP, malévolas intenções contra o Nuclear.
R.D.S. faz acto de contrição:
" Acontece que o PCP fez, há dias, uma viragem de 180 graus e apareceu , na Assembleia da República, pela voz de Sousa Marques, a defender ponto de vista igual ao nosso".
Sublinhando o regozijo com que o colaborador de "O Dia” vê finalmente as suas posições identificadas com as do P.C.P, R.D.S. entusiasma-se e avança:
" Mais: aquele deputado afirmou - e bem - que uma Central Nuclear pode ser construída de forma que, do seu funcionamento, não resultem danos para as populações."
E sem deixar lugar a quaisquer dúvidas ou zonas de sombra - tudo claro! - o cronista diário de "O Dia" rematava com júbilo:
"Dificilmente estamos de acordo com o P.C.P. mas, neste caso, muito nos agrada que tivesse mudado de ideias e viesse ao nosso encontro. "E isto porque a instalação de Centrais Nucleares, no nosso País, é de interesse nacional."
Em verdadeira apoteose, este abraço "nacional entre " O Dia" e o P.C.P. faz prever cenas comoventes na Assembleia da República em que, finalmente, iremos ver as bancadas tradicionalmente inimigas, dar as mãos e marchar, unidas, para o futuro nuclear e a bem do "interesse nacional".
Finalmente, e depois de tantos equívocos, de tantas calúnias, de tantos jornais terem atribuído ao PCP intenções que não eram nem nunca foram as suas, começa a fazer-se justiça e a dar o seu a seu dono. O nuclear ao PCP e o PCP ao Nuclear.
Aliás, só quem anda desatento, quem não acompanha os editoriais de "O Diário", quem não lê os proficientes artigos do eng. Frederico de Carvalho e do Dr. Fernandes Forte , ora no "Diário de Lisboa", ora na revista "Poder Local", ora nos vários órgãos sindicalistas que reflectem a linha C.G.T.P. - Inter, só quem não viu a monumental reprimenda passada pelo "O Diário" aos autarcas que se manifestaram em solidariedade para com os "alcaldes" que protestavam contra a central de Valdecaballeros, só quem não se arrepiou com o solene tau-tau do mesmo editorial contra a União de Sindicatos de Beja que, dias antes , igualmente se manifestara em solidariedade com os alcaldes, só quem anda, de facto, por outro mundo é que poderia ter dado crédito a essa pura inventona de jornais da Direita atribuírem ao P.C.P. intenções de campanha anti-nuclear .
Intenções que este prestigiado partido nunca teve nem podia ter, até porque desde cedo sentiu necessidade de se demarcar relativamente a essa "cambada" dos ecologistas e outros que tais.
Honra lhe seja feita, não só à sua coerência, mas também à sua firmeza de posições e ao seu indefectível patriotismo. Quando os outros se calam ou ficam no vai-vém das ambiguidades, o PCP tem sido claro, pão-pão, queijo-queijo.
O PCP tem sido o que mais vezes publicou, o preto no branco, a sua indefectível e lógica apologia da indústria nuclear em geral (noblesse oblige) mas também das centrais espanholas junto à fronteira portuguesa e, até, da central portuguesa de Ferrel, desde que do modelo canadiano (igual ao soviético) e desde que o Programa Nuclear Português enveredasse pela linha dos super-regeneradores, em que a União Soviética possui a tecnologia mais avançada do Mundo.
Uma central imperialista ianque - nunca . Mas uma central imperialista soviética - sim, sempre, já.
É pena que só agora o cronista de "O Dia" tenha reconhecido a coerência notável de quem sempre se manteve firme numa só posição e numa só fé.
P.S.:O ENIGMA CONTINUA
Quanto ao PS, é um enigma.
A nível de autarquias, conhece-se a posição assumida, com clareza e vigor, por Abílio Curto, presidente reeleito da Câmara Municipal da Guarda, que vem trabalhando, com os autarcas da província de Salamanca, para uma frontal oposição à prevista disseminação nuclear nesta zona, nomeadamente o suposto cemitério de resíduos atómicos (?) de Juzbado. Cemitério ou estação de reprocessamento?
Quanto à central nuclear de Sayago, a 9 Km de Miranda do Douro, vários foram os autarcas socialistas que assumiram posição contra, dando apoio ao Comité Anti-Nuclear de Miranda do Douro. O presidente da Câmara da Régua foi várias vezes notícia e as suas posições contra Sayago seriam classificadas de "caciquismo" por um artigo que o "Diário de Lisboa" publicou, da autoria do eng. Frederico de Carvalho e Dr. Fernandes Forte. Artigo que, nesse mesmo jornal, seria contestado por Afonso Cautela.
Entre as Câmaras do Baixo Alentejo que se manifestam contra a central de Valdecaballeros, a de Moura foi a que manteve maior firmeza, como o presidente de então nos diria, na entrevista que lhe fizemos para "Portugal Hoje." Também a União de Cooperativas Livres do Baixo Alentejo (C.O.L.B.A.) , próxima do P.S., se manteve coerente na defesa da Reforma Agrária e do Rio Guadiana contra a central nuclear instalada nas cabeceiras desse rio.
As câmaras de Vila Real de Santo António e de Castro Marim, igualmente PS, aprovaram moções de apoio e solidariedade aos "alcaldes" que em Vila Nueva de la Serena lutaram contra Valdecaballeros.
A ÓPTICA CIENTÍFICA
" Nós não fomos no passado contra a instalação de centrais nucleares e não somos hoje a favor" - afirmou, na Assembleia da República, em 29 de Janeiro de 1980, o deputado do Partido Comunista Português, Dr. Sousa Marques, que acrescentou:
" Analisamos estas questões numa óptica científica, tendo em conta os interesses sociais, económicos e políticos do nosso povo."
Eis um dia histórico, não só para a indústria nuclear internacional, a festejar bodas de ouro, mas para o povo português: ter um deputado amigo do povo, que na bancada de um importante Partido igualmente amicíssimo do Povo fala, com ciência, do progresso nuclear, é caso de regozijo nacional.
Investindo ofgantemente contra o deputado do PPM, o orador Dr. Sousa Marques teve, às tantas, esta saída ainda mais científica do que as outras:
" Fala-se por aí muito do perigo nuclear, mas o nuclear existe em todo o lado. O sr. deputado também é radioactivo, os senhores deputados do PPM são radioactivos, e são radioactivos porque não estão fossilizados há mais de cinco mil anos."
Queria o doutor , com esta brincadeira - que arrancou "risos gerais" à digníssima Assembleia, como relatava ipsis verbis o respectivo boletim da Ordem - quereria o ilustre deputado insinuar com isso que não é radioactivo nem o PCP, o que levaria à lógica de que estão, um e outro, fossilizados há 5000 anos?
O riso dos monárquicos levou democraticamente o sr. deputado republicano (lagarto, lagarto) a sentenciar: " Não se ria , sr. deputados (sic). Estamos a tratar de assuntos sérios e, de facto, lamento que com o seu riso demonstre que não está a perceber totalmente o que lhe estou a dizer."
DUAS COISAS A NOTAR
Duas coisas há a notar nesta notável intervenção histórica do Dr. Sousa:
- as "amplas liberdades democráticas" de mandar o colega deputado não se rir;
- pelos vistos, ninguém da A.R. percebera , dado que os risos tinham sido “gerais” como assinala o cuidadoso boletim daquela Casa.
Mas vamos seguindo, que ler este boletim é melhor do que ler "A gaiola aberta".
Sempre com o facho do progresso na mão direita e o rigoroso exclusivo da verdade científica na esquerda (até mesmo quando esta se confunde, aos ouvidos de todos os deputados, como anedota hilariante) o Dr. Sousa pontificou sobre a segurança das populações, disparando assim:
" Hoje, com falsos argumentos científicos e alarmistas, pretende-se assustar as populações, particularmente aquela que vive nas zonas ribeirinhas da Região do Douro, dizendo que a instalação da central nuclear pode pôr em grave perigo não só a vida das próprias pessoas como o próprio futuro da nossa indústria de produção de vinho do Porto."
Indignado com mais esta prova da ingratidão popular - e seu lastro reaccionário - , o Dr. Sousa (que se confessa sócio da Real Companhia Vinícola) investe forte e feio com o facho da verdade na mão direita e o gládio da justiça na esquerda (ou vice-versa):
"Isto é totalmente falso" - rouquejou ele - " desde que se cumpram todos os requisitos para preservar a segurança da central nuclear instalada em Espanha."
Apoiado, doutor: a menos que faltem os preservativos a que alude, como pode haver dano, perigo, desastre, calamidade ou holocausto?
E porque hão-de andar estes eco-terroristas a lançar campanhas "alarmistas" quando para ameaçar de guerra nuclear, todos os dias, todos os povos do Mundo, bem bastam as duas superpotências. Querer, em matéria de alarmismo, de rebates falsos, de chantagens , de fingir que põem a humanidade à beira da guerra nuclear, fazer concorrência às duas superpotências, é de facto inadmissível.
Nunca as mãos lhe doam, doutor, nem lhe caia o facho da mão.
O facho do progresso, claro!
Remetendo o leitor para este naco antológico da história parlamentar portuguesa (vide "Diário da A.R.", de 30 de Janeiro de 1979), não resisto, no entanto, a mais uma citaçãozinha deliciosa, que bem demonstra os cuidados postos pelo sr. deputado em respeitar o princípio sagrado e consagrado pela ONU: " a não ingerência nos negócios internos de cada país..."
Releia-se esta passagem de ressonâncias bíblicas:
" Nós não temos nada a ver com a política energética que é definida pelo Governo espanhol. O que nós temos a ver" - disse o Dr.. deputado como se falasse à Eternidade - " e temos que procurar que aconteça, é se o Governo português cumpre a obrigação de ter em conta a defesa e preservação da qualidade de vida e do meio ambiente do nosso país, nomeadamente nas regiões fronteiriças onde estão a ser instaladas as centrais nucleares espanholas."
Ingrata assembleia que, após isto, não irrompeu em irreprimíveis aplausos. Perante Naco de Verdade Revelada como esta, pergunto eu: É ou não claro? É ou não científico? É ou não patriótico? E democrático? E respeitador da não ingerência nos negócios do País vizinho?
Quem , melhor do que um deputado PCP, para respeitar e fazer respeitar este princípio da não ingerência?
No mesmo tom implacável, problemático, sergiano-cartesiano-experimental, o orador decreta:
" Para nós, sr. Deputado " - dirigia-se ao PPM - " há uma grande diferença entre a ecologia e a pseudo-ecologia ou, se me permite, entre os ecologistas e os pseudo-ecologistas. De facto, a protecção da Natureza e salvaguarda do Meio ambiente, não se faz contra o progresso científico e técnico, mas servindo-se dele."
Milhões de cartas , vindas de ecologistas de todo o Mundo, choveram no hemiciclo de São Bento, pedindo, rogando que o Dr. Deputado explique, ofgantemente, ao Mundo o que é afinal de contas ecologismo e ecologia. Irra que tardava!
Preocupadíssimo com o respeito pelo princípio da não ingerência nos negócios nucleares de Espanha, o sr. deputado é outras vez histórico, bíblico, épico. À santíssima trindade que era para Salazar indiscutível, ele acrescenta o Nuclear.
A Deus, Pátria e Família faltava mais esta:
" Naturalmente não se discute que cabe às autoridades espanholas decidir sobre o programa nuclear do seu país."
Ainda que seja sobre a fronteira do povo português.
Os ossos do velho de Santa Comba remexeram-se um pouco, incomodados pela concorrência, mas acalmaram. Porque o sr. Deputado, passando do científico ao cómico, jogava esta para a sossega:
" A experiência de funcionamento das cerca de 200 centrais nucleares existentes no mundo mostra que uma central nuclear pode ser construída de forma que, do seu funcionamento, não resultem danos para as populações."
Consta que já foi encomendado a um escritor neo-realista, galardoado com prémios da APE, para glosar este tema numa obra que seria considerada o II tomo de "Os Lusíadas" a editar pela Editorial Descaminho.
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(*) Texto obviamente inédito, mas é pena: deu-me imenso gozo passá-lo no scanner e deixá-lo para a posteridade. Acho que, olhando para trás, não tenho que me arrepender do que escrevi. E principalmente do meu ódio aos guardas do gulag, que nunca foi tanto como hoje, 13 de Junho de 2001. Só com os comunistas todos metidos numa central nuclear (podia ser a de Tchernobil) me sentiria minimamente reconfortado.
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