LINCE 1979
1-2 - verde-1> os dossiês do silêncio
ÓDIO AO VERDE
22/7/1979 - Se o "escândalo " da Serra da Malcata (último refúgio mundial do Lince, espécie quase em vias de extinção) já motivou uma conferência de Imprensa, a formação de um comité de defesa, um póster lindo e autocolantes, artigos na Imprensa e o entusiasmo mobilizador de alguns proteccionistas, se a destruição da Malcata pela Celulose está sendo um caso falado, porque se trata de uma relíquia no aspecto paisagístico e uma peça ou jóia única como arqueologia da Natureza, outros casos menores vão chegando ao nosso conhecimento que atestam e confirmam o "ódio ao verde" que inspira autarcas e autarquias por esse país fora, mas nem só.
Para vincar bem o seu amor à Natureza, a CP, Caminhos de Ferro Portugueses, empresa nacionalizada, mandou abater uma araucária gigantesca de 60 metros de altura, a que a tradição local atribuía cerca de 500 anos de idade e se julga tenha sido trazida do Brasil por Pedro Álvares Cabral...
No dia 26 de Junho de 1979, ao entardecer, como se não houvesse mais nada para ocupar as vigílias e os pesadelos deste País, a CP, preocupadíssima com aquela araucária que impedia a visibilidade aos comboios (sic), bumba: manda uma serra mecânica, consulta um especialista em botânica silvícola e comete a gloriosa proeza.
Mais uma.
Isto a nível nacionalizado. A nível regional, entretanto, a preocupação. de alguns municípios em acompanhar a moda dos ecologistas, ambientalistas e defensores da Natureza, - moda que visa óbvios objectivos eleitoralistas na primeira ocasião... - não é suficiente para que outros já tenham percebido a vantagem politicoide de emendar os seus instintos de ódio à Natureza em geral e ao verde em particular.
Segundo nos informam leitores de Paço de Arcos, os cuidados camarários (de Oeiras) em proteger o ambiente verde não se notam muito. Alguns afirmam mesmo que não se notam nada. As terraplenagens feitas há anos com a construção da Igreja e mais recentemente com o novo quartel dos bombeiros, não primaram sequer pelos cuidados de ajardinamento. E a erva, que não gosta de ver espaços carecas, cascalho solto, torrões a esmo, agravando a sensação de secura, aridez e angústia dos desertos de cimento armado que vão sendo estas "progressivas povoações", a erva vai-se encarregando de "urbanizar" o que os serviços ignoram ou desprezam.
E nas tardes quentes, se já não é possível ouvir por ali o zanzinar das cigarras, eis que o cheiro quente que se exala da amiga clorofila é, pelo menos e entretanto, repousante na sua humildade e na sua singeleza.
Pois bem: os habitantes de Paço de Arcos não têm o direito de gozar, nem dois dias, tão simples prazeres campestres.
Mal a ervinha humilde enche de verde aquele espaço, à falta de arbustos e plantas mais nobres lá dispostos pelos competentes técnicos de urbanização , mal o tapete verde se estende para suavizar os olhos queimados de betão e cimento armado, logo um batalhão de tesouras é enviado ao local e o desbaste (feroz) se faz. Num ápice. Antes que a erva cresça.
Os competentes técnicos que aconselham os competentes vereadores preconizam aridez. Igual certamente à dos seus cérebros. Mas acima de tudo odeiam o verde. Nem sequer o da mais modesta e simples ervinha deixam medrar.
É um símbolo esta história de Paço de Arcos. Que se repete em dezenas de outros espaços verdes que outros tantos serviços camarários nunca deixaram medrar em outras tantas povoações de Portugal.
Outro apelo chega-nos do Bombarral: José Carlos Barros dá-nos conta da luta que tem travado para fazer ver aos responsáveis da câmara municipal que a bela mata deve ser preservada, porque já não são muitas as vilas que se podem gabar de uma "fábrica de oxigénio" tão cerrada e rica como essa.
A desmatação tem-se processado, no entanto, ignorando a população para quê, e porquê: sabe-se apenas que "os técnicos aconselham". Mas os técnicos definem-se exactamente por não verem (nem sentirem) um corno de quanto seja vida, natureza, espaço, paisagem, ecossistema, oxigénio, mata, arvoredo e clorofila.
Guiados como até aqui pelos técnicos, teremos o deserto e a morte. Porque eles só estarão satisfeitos e só vão respirar fundo (de contentamento) quando não houver mais uma folha verde sobre a terra e um decilitro de oxigénio. Nessa altura, sim, é que teremos progresso.
Se a câmara responde com o diktat dos técnicos, bem pode o Bombarral esperar que lhe matem a bela mata que ainda tem.
Que os exemplos de Malcata, Paço de Arcos e Bombarral incitem as populações a perceber que o "ódio ao verde" é o ódio à vida de quantos se alimentam de cadáveres e mitos tão podres como o «progresso» e o «desenvolvimento».
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(*) Publicado no semanário «Edição Especial», 22/7/1979
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ÓDIO AO VERDE
22/7/1979 - Se o "escândalo " da Serra da Malcata (último refúgio mundial do Lince, espécie quase em vias de extinção) já motivou uma conferência de Imprensa, a formação de um comité de defesa, um póster lindo e autocolantes, artigos na Imprensa e o entusiasmo mobilizador de alguns proteccionistas, se a destruição da Malcata pela Celulose está sendo um caso falado, porque se trata de uma relíquia no aspecto paisagístico e uma peça ou jóia única como arqueologia da Natureza, outros casos menores vão chegando ao nosso conhecimento que atestam e confirmam o "ódio ao verde" que inspira autarcas e autarquias por esse país fora, mas nem só.
Para vincar bem o seu amor à Natureza, a CP, Caminhos de Ferro Portugueses, empresa nacionalizada, mandou abater uma araucária gigantesca de 60 metros de altura, a que a tradição local atribuía cerca de 500 anos de idade e se julga tenha sido trazida do Brasil por Pedro Álvares Cabral...
No dia 26 de Junho de 1979, ao entardecer, como se não houvesse mais nada para ocupar as vigílias e os pesadelos deste País, a CP, preocupadíssima com aquela araucária que impedia a visibilidade aos comboios (sic), bumba: manda uma serra mecânica, consulta um especialista em botânica silvícola e comete a gloriosa proeza.
Mais uma.
Isto a nível nacionalizado. A nível regional, entretanto, a preocupação. de alguns municípios em acompanhar a moda dos ecologistas, ambientalistas e defensores da Natureza, - moda que visa óbvios objectivos eleitoralistas na primeira ocasião... - não é suficiente para que outros já tenham percebido a vantagem politicoide de emendar os seus instintos de ódio à Natureza em geral e ao verde em particular.
Segundo nos informam leitores de Paço de Arcos, os cuidados camarários (de Oeiras) em proteger o ambiente verde não se notam muito. Alguns afirmam mesmo que não se notam nada. As terraplenagens feitas há anos com a construção da Igreja e mais recentemente com o novo quartel dos bombeiros, não primaram sequer pelos cuidados de ajardinamento. E a erva, que não gosta de ver espaços carecas, cascalho solto, torrões a esmo, agravando a sensação de secura, aridez e angústia dos desertos de cimento armado que vão sendo estas "progressivas povoações", a erva vai-se encarregando de "urbanizar" o que os serviços ignoram ou desprezam.
E nas tardes quentes, se já não é possível ouvir por ali o zanzinar das cigarras, eis que o cheiro quente que se exala da amiga clorofila é, pelo menos e entretanto, repousante na sua humildade e na sua singeleza.
Pois bem: os habitantes de Paço de Arcos não têm o direito de gozar, nem dois dias, tão simples prazeres campestres.
Mal a ervinha humilde enche de verde aquele espaço, à falta de arbustos e plantas mais nobres lá dispostos pelos competentes técnicos de urbanização , mal o tapete verde se estende para suavizar os olhos queimados de betão e cimento armado, logo um batalhão de tesouras é enviado ao local e o desbaste (feroz) se faz. Num ápice. Antes que a erva cresça.
Os competentes técnicos que aconselham os competentes vereadores preconizam aridez. Igual certamente à dos seus cérebros. Mas acima de tudo odeiam o verde. Nem sequer o da mais modesta e simples ervinha deixam medrar.
É um símbolo esta história de Paço de Arcos. Que se repete em dezenas de outros espaços verdes que outros tantos serviços camarários nunca deixaram medrar em outras tantas povoações de Portugal.
Outro apelo chega-nos do Bombarral: José Carlos Barros dá-nos conta da luta que tem travado para fazer ver aos responsáveis da câmara municipal que a bela mata deve ser preservada, porque já não são muitas as vilas que se podem gabar de uma "fábrica de oxigénio" tão cerrada e rica como essa.
A desmatação tem-se processado, no entanto, ignorando a população para quê, e porquê: sabe-se apenas que "os técnicos aconselham". Mas os técnicos definem-se exactamente por não verem (nem sentirem) um corno de quanto seja vida, natureza, espaço, paisagem, ecossistema, oxigénio, mata, arvoredo e clorofila.
Guiados como até aqui pelos técnicos, teremos o deserto e a morte. Porque eles só estarão satisfeitos e só vão respirar fundo (de contentamento) quando não houver mais uma folha verde sobre a terra e um decilitro de oxigénio. Nessa altura, sim, é que teremos progresso.
Se a câmara responde com o diktat dos técnicos, bem pode o Bombarral esperar que lhe matem a bela mata que ainda tem.
Que os exemplos de Malcata, Paço de Arcos e Bombarral incitem as populações a perceber que o "ódio ao verde" é o ódio à vida de quantos se alimentam de cadáveres e mitos tão podres como o «progresso» e o «desenvolvimento».
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(*) Publicado no semanário «Edição Especial», 22/7/1979
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