ANTI-RUÍDO 1973
1-2 - 73-07-20-ie> sábado, 4 de janeiro de 2003-scan
AINDA A CAMPANHA (PESSOAL)ANTI-RUÍDO(*)
[20-7-1973]
Integrada na campanha anti-ruído mas antecipando-a de alguns meses, permito-me referir uma mini-campanha de carácter até certo ponto pessoal, que tentei levantar, a pulso, só, sem evidentemente mais nenhuns apoios além da boa vontade com que alguns órgãos de Imprensa publicaram os artigos (nem todos, porque alguns ficaram na gaveta, aguardando melhor oportunidade).
Na esperança de obter a concordância de outros munícipes igualmente afectados pelo estúpido ruído que é o ladrar de cães, na espera que desespera fiquei até hoje. Como ninguém parece incomodar-se com tal tipo de poluição acústica, concluindo vou que se trata de uma campanha efectivamente pessoal e até certa ponto egoísta. Logo, inútil.
No entanto, parece-me que a essa indiferença presidem outras razões bem mais graves e profundas: é que em matéria de ruído, também o quantitativo sobreleva, nas mentalidades actuantes, o qualitativo E diz-se então que um ruído é pior quanto mais decibeis tiver.
Ora não acontece assim. A visão exclusivamente quantitativa é, neste caso, mais do que em nenhum outro, unilateral e falsa, aleatória e mentirosa.
A qualidade do ruído é tão importante como a quantidade, senão mesmo mais importante, ao considerar-se os seus efeitos sobre o sistema nervoso do cidadão. Uma audição da Nona Sinfonia pede atingir o limite do suportável em decibéis que não (me) afecta nada. Só os macacos parecem afectados com Beethoven, porque são animais, ao que parece, pouco apreciadores de melodia. O mesmo se diga dos cães, cujo ladrar é o mais oposto à melodia que há; ainda que de poucos decibéis, o ladrar corrói, corrompe, avilta, humilha, irrita e desgasta. Maltrata a saúde mental de maneira indiscutível.
No entanto, parece que ninguém se importa com os decibéis da canzoada. Também aqui, na campanha anti-ruído, os técnicos revelam grande atenção ao quantificável mas nenhuma à qualidade do meio ambiente. Se se pesa e mede, está bem. Se só se sente, ainda não.
Na referida mini-campanha contra o ladrar dos cães que tentei levar a efeito, estou consciente do ridículo que é semelhante atitude frente à maioria que até gosta, como gosta de transistores pelos tímpanos dentro, como gosta de escapes e motores roncando até de manhã. Questão de sensibilidade, não medível por decibéis.
Se há, por exemplo, um compositor como Fernando Lopes Graça que, no seu trabalho criador, é perturbado com o ladrar de um cão (e sei que assim aconteceu num triste incidente há anos ) teremos todos que tomar em consideração este ridículo mas teimoso foco de poluição acústica que é, de facto, a desafinada berraria de uns animaizinhos sem tom nem som.
Que um pobre de Cristo não possa dormir, nem concentrar-se, nem ler, nem escrever, vá que não vá. ...Mas o problema é de interesse nacional, se se trata de impedir que uma tão ridícula como inútil e disseminada fonte de ruído afecte a obra criadora de um homem de génio...
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(*) Este texto de Afonso Cautela, que vou colocar na data de um outro sobre ruído, terá ficado inédito, apesar dos muitos que publiquei sobre ruído
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AINDA A CAMPANHA (PESSOAL)ANTI-RUÍDO(*)
[20-7-1973]
Integrada na campanha anti-ruído mas antecipando-a de alguns meses, permito-me referir uma mini-campanha de carácter até certo ponto pessoal, que tentei levantar, a pulso, só, sem evidentemente mais nenhuns apoios além da boa vontade com que alguns órgãos de Imprensa publicaram os artigos (nem todos, porque alguns ficaram na gaveta, aguardando melhor oportunidade).
Na esperança de obter a concordância de outros munícipes igualmente afectados pelo estúpido ruído que é o ladrar de cães, na espera que desespera fiquei até hoje. Como ninguém parece incomodar-se com tal tipo de poluição acústica, concluindo vou que se trata de uma campanha efectivamente pessoal e até certa ponto egoísta. Logo, inútil.
No entanto, parece-me que a essa indiferença presidem outras razões bem mais graves e profundas: é que em matéria de ruído, também o quantitativo sobreleva, nas mentalidades actuantes, o qualitativo E diz-se então que um ruído é pior quanto mais decibeis tiver.
Ora não acontece assim. A visão exclusivamente quantitativa é, neste caso, mais do que em nenhum outro, unilateral e falsa, aleatória e mentirosa.
A qualidade do ruído é tão importante como a quantidade, senão mesmo mais importante, ao considerar-se os seus efeitos sobre o sistema nervoso do cidadão. Uma audição da Nona Sinfonia pede atingir o limite do suportável em decibéis que não (me) afecta nada. Só os macacos parecem afectados com Beethoven, porque são animais, ao que parece, pouco apreciadores de melodia. O mesmo se diga dos cães, cujo ladrar é o mais oposto à melodia que há; ainda que de poucos decibéis, o ladrar corrói, corrompe, avilta, humilha, irrita e desgasta. Maltrata a saúde mental de maneira indiscutível.
No entanto, parece que ninguém se importa com os decibéis da canzoada. Também aqui, na campanha anti-ruído, os técnicos revelam grande atenção ao quantificável mas nenhuma à qualidade do meio ambiente. Se se pesa e mede, está bem. Se só se sente, ainda não.
Na referida mini-campanha contra o ladrar dos cães que tentei levar a efeito, estou consciente do ridículo que é semelhante atitude frente à maioria que até gosta, como gosta de transistores pelos tímpanos dentro, como gosta de escapes e motores roncando até de manhã. Questão de sensibilidade, não medível por decibéis.
Se há, por exemplo, um compositor como Fernando Lopes Graça que, no seu trabalho criador, é perturbado com o ladrar de um cão (e sei que assim aconteceu num triste incidente há anos ) teremos todos que tomar em consideração este ridículo mas teimoso foco de poluição acústica que é, de facto, a desafinada berraria de uns animaizinhos sem tom nem som.
Que um pobre de Cristo não possa dormir, nem concentrar-se, nem ler, nem escrever, vá que não vá. ...Mas o problema é de interesse nacional, se se trata de impedir que uma tão ridícula como inútil e disseminada fonte de ruído afecte a obra criadora de um homem de génio...
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(*) Este texto de Afonso Cautela, que vou colocar na data de um outro sobre ruído, terá ficado inédito, apesar dos muitos que publiquei sobre ruído
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