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2006-07-18

HIPÓCRATES 1998

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19-7-1998

CAIR NO REAL: É URGENTE
I
Explicando à nossa revista o principal motivo que levou à criação dos Prémios Hipócrates (página?), Carlos Ventura, director da Escola Superior das Ciências Naturais e Homeopáticas, falou-nos da «profunda reflexão que é preciso fazer acerca da história da medicina natural, dos vultos que a formaram e dos que continuam a construí-la.»
Uma vez que a medicina natural é a medicina do futuro, é urgente que se assinalem as suas mais remotas fontes e raízes.
Nada melhor, com efeito, do que esta sensibilidade ao legado histórico para revalorizar hoje aquilo que diversas ordens de interesses corporativistas pretendem destruir, como se fosse a medicina natural a surgir do vazio e a querer afirmar-se sem antecedentes.
Feliz ou infelizmente, é o contrário que acontece: a medicina natural, quer seja pela via hipocrática, quer seja pela via das grandes medicinas sagradas, é não só a mais lídima representante dessa linha «filogenética» indestrutível como a forma mais apurada que a medicina poderia ter assumido na fidelidade às raízes do passado e aos horizontes do futuro.
Se existe alguma aberração histórica a esta antiquíssima linhagem - onde se inscrevem, além de Hipócrates, sistemas como a acupunctura, o ayurveda ou a medicina tibetana - não será com certeza da parte da medicina natural.
Aberração, se existe, é a da medicina química moderna. E se, como afirma a sabedoria bíblica ancestral mas a ciência confirma, as árvores se julgam pelos seus frutos, basta olhar e ver que frutos dá uma e outra, quais os resultados da medicina tecnológica moderna e quais os resultados da medicina natural.
II
Por isso, a pertinência da pergunta formulada por Carlos Ventura:
«Se os agentes das nossas áreas sempre foram (salvo raras e honrosas excepções) esmagadoramente não médicos e não farmacêuticos, como é possível que estes queiram agora assenhorear-se de um sector que sempre combateram, visando expulsar os que sempre o defenderam, praticaram e fizeram crescer?».
A esta pergunta deviam responder, com a máxima urgência, os responsáveis da saúde em Portugal, para que se não diga que o poder instituído nada mais faz do que governar em função dos lobbies de pressão em vez de governar, como prometeram, para os interesses da maioria do povo que os elegeu.
Continuar a meter o pescoço na areia não será, com certeza, a melhor forma de o poder estabelecido se ressarcir do recente «flop» que a abstenção referendária lhe provocou.
Se quem governa são os «lobbies» de pressão, então a democracia começa mesmo a ficar ameaçada por 3 flancos:
a) os referendos que desautorizam a representação parlamentar e o próprio regime democrático;
b) as abstenções que desautorizam o governo anteriormemente eleito;
c) a indisciplina dos lobbies que defendem os seus legítimos interesses minoritários em prejuízo dos interesses da esmagadora maioria de eleitores.
O aviso fica feito se o quiserem ouvir: as estimativas até agora realizadas, no maior sigilo, como se fôssemos nós a viver na clandestinidade, dão uns bons 50% de votos às terapias naturais, por mais que o polvo mediático lave o cérebro do contribuinte com as virtudes e maravilhas de mais um medicamento maravilhoso.
Será que ainda não aprenderam a lição de todos os medicamentos maravilhosos que, como a Talidomida, tão trágicas recordações deixaram?
É tempo, no mínimo, de imperar o bom senso e a justiça no reino da dinamarca.
III
Todos já viram na televisão uma marca de iogurte que recomenda uma boa alimentação para manter o corpo são e belo, em vez de dietas perigosas que «expoliam» o organismo de todos os elementos indispensáveis.
Espanta ver e ouvir tanto bom senso num meio de comunicação social que constantemente apela aos mais vis impulsos e aos hábitos alimentares mais perniciosos.
Nunca o bom senso tinha sido colocado a cores nos écrãs televisivos de maneira tão incisiva e nunca uma informação tão educativa fora dada às massas telespectadoras de indefesos consumidores.
O óbvio ululante chegou finalmente ao mundo virtual da publicidade. Viva o óbvio, viva a publicidade e viva o virtual.
Em contrapartida, o alarido feito à volta de novos e maravilhosos medicamentos é muito mais forte e soa a verdadeiro bombardeamento das meninges e das mentes. Não sejamos púdicos e vamos chamar às coisas pelos seus nomes: Soa a verdadeira lavagem aos cérebros, em que os órgãos mediáticos são hoje verdadeiros especialistas.
Mas talvez que uma grande fatia do público espectador o mereça. Nunca se sabe. As sondagens de opinião estão cada vez mais em descrédito. E as abstenções aos referendos são hoje a única arma das vítimas contra a prepotência dos poderes e «lobbies» de pressão.
Uma marca de iogurte já se lembrou de optar pelo bom senso, lançando um slogan inteligente, verdadeiro e servidor do bem público. Não significa que as cabecinhas pensadoras do parlamento possam vir a ter o mesmo acesso de inteligência, bom senso e sensibilidade para, por exemplo, na febre de referendos que agora assalta esta democracia (para a liquidar de vez) propor mais um, por exemplo, assim:
Quer ou não quer tratar-se por medicinas naturais?
Quer ou não quer gozar de (alguma) saúde em vez de andar gemendo e chorando de doença para doença, de cirurgia para cirurgia, etc?
O que é que prefere: a política de (combate à) doença até agora praticada ou uma política de (conservação da) saúde que continua na prateleira, com uma data de senhores doutores a decidir se a homeopatia não come criancinhas ao pequeno almoço, se a acupunctura é suficientemente científica, se a alimentação deve incluir sais minerais, vitaminas e proteínas em equilíbrio, se a medicina natural é fiável, etc? (Se o ridículo matasse, era a maior mortandade do século)
Deve ou não o governo gerir (respeitar ) os interesses dos «lobbies» sem, com isso, prejudicar os da população?
O governo tem ou não obrigação de zelar pela saúde pública e, portanto, pelas técnicas de higiene e profilaxia natural?
Sem a resposta dos responsáveis a estas e outras questões cruciais, o País continuará a viver no virtual mediático. Uma abstenção de 70% é uma forma muito clara de dizer que estamos cansados de virtual e de demagogias, ora do governo ora da oposição.
Cair no real, no caso dos senhores deputados, era, por exemplo, ir desenterrar um artigo da Constituição da República que, como tantos outros, tem passado a tema maldito e a dossiê tabu. Os silêncios & silenciamentos são, lembrem-se, o túmulo das democracias.
Para quem manda, os «lobbies» estão sempre primeiro. Os direitos do consumidor(neste caso do consumidor de medicinas) é só para tempos de antena nos períodos pré-eleitorais (ou nem isso).
Aproveitem as férias, senhores deputados e responsáveis da saúde em geral, para reler e decorar o artigo Nº 64 da Constituição da República .
Como já ninguém se lembra, aqui reproduzimos parte do artigo 64º da Constituição da República Portuguesa, capítulo II (Direitos e deveres sociais), onde o direito e o dever de defender e promover a saúde surge no primeiro parágrafo, aparecendo o incentivo às «práticas de vida saudável» logo no segundo:
Artigo 64º
(Saúde)
«1. Todos têm direito à protecção da saúde e o dever de a defender e promover.
2. O direito à protecção da saúde é realizado:
a) Através de um serviço nacional de saúde universale geral e, tendo em cont as condições económicas e sociais dos cidadãos, tendencialmente gratuito;
b) Pela criação de condições económicas, sociais, culturais e ambientais que garantam, designadamente, a protecção da infância, da juventude e da velhice, e pela melhoria sistemática das condições de vida e de trabalho, bem como pela promoção da cultura física e desportiva, escolar e popular, e ainda pelo desenvolvimento da educação sanitária do povo e de práticas de vida saudável.

3. Para assegurar o direito à protecção da saúde, incumbe prioritariamente ao Estado:
a) Garantir o acesso de todos os cidadãos, independentemente da sua condição económica, aos cuidados da medicina preventiva, curativa e de reabilitação.
(...)»

Como está consagrado na Constituição da República, portanto, os milhares de pessoas que querem conservar a saúde em vez de andar sofrendo a via sacra do combate às doenças, ficariam muito contentes se todos - governos, partidos, associações, deputados, sindicatos, ordens - assumissem as letras, vírgulas e pontos finais desse artigo e o pusessem na prática da política, na política da prática.
Até porque esses milhares de pessoas que querem conservar a sua saúde ( direito e dever indicado na Constituição) são os que podem poupar ao orçamento milhares de contos, evitando talvez a tão propalada bancarrota da segurança social.
Chega, pois, de meter o pescoço na areia. O Verão acabou.
IV
Para um observador atento às nuances do poder estabelecido - e às guerras intestinas que se desenrolam para a conquista do poder - não escapa que os governos e mesmo os regimes políticos passam mas certos interesses corporativos permanecem.
Durante a ditadura salazarista chamavam-se corporações, que deram ao regime o nome de corporativista.
Hoje chamam-se, mais à moderna, «lobbies», mas é exactamente a mesma coisa.
Ontem e hoje, a realidade de fundo é a mesma. Esperemos que amanhã de manhã deixe de o ser.
O lobby da doença, que tinha desmedidos previlégios antes da democracia, continua em democracia com previlégios acrescidos. E ai do governo ou ministro que tente beliscar, nem que seja levemente (caso dos medicamentos genéricos...) os interesses e lucros astronómicos do referido lobby.
Costuma-se dizer que a democracia é a ditadura dos lobbies, o que para nós, povo ignaro, contribuinte e sofredor, significa termos várias ditaduras em vez de uma. E ainda nos ameaçam com outras novas ditaduras, ditas da regionalização.
Para o público em geral e o consumidor de medicinas em particular, nunca nada muda. Por mais reformas de superfície ou ditas estruturais que se realizem e por mais que ao cidadão sejam prometidos os seus fundamentais direitos - um dos quais é a saúde, como diz a Constituição - a verdade é que tudo gira (e se agita) à volta dos grandes interesses económicos que entre si se digladiam.
Para um observador atento e antigo da realidade virtual portuguesa, é claro e nítido que todos os ministros ditos da saúde só podem (estão autorizados...) a executar políticas que favoreçam o designado lobby da doença a que, só por engano lexical, se continua a chamar de saúde.
Deste engano lexical - teimar em chamar saúde ao que é Doença - nascem todos os outros equívocos que continuam vitimando a população .
Dizer que o sofrimento de tanta gente é uma questão de nomenclatura é mesmo verdade, por estranho que pareça.
Se a medicina que trata da doença e pouco ou nada se preocupa com a saúde, ficasse no seu campo e se abstivesse também das alternativas de saúde e profilaxia natural que conquistam todos os dias mais adeptos, era bem melhor para o País e para a democracia. Em suma, para o Zé Povinho, sempre disposto a pagar as favas todas e todas as contribuições.
Quando o povo diz «cada macaco no seu galho», está, como sempre, a emitir uma opinião arquetipal que diz respeito à essência e à verdade das coisas. Não ao jogo de sombras chinesas do virtual à portuguesa.
A doença aos médicos e a Holística aos terapeutas holísticos, é a palavra de ordem.
Nem a Holística tem que se intrometer na medicina, nem a medicina tem que se intrometer nas ciências e técnicas eco-alternativas que se lhe opõem: que historicamente se lhe opõem e que, cada vez mais, no futuro, se irão opor.
São duas lógicas opostas . E há gente para tudo: se a maioria ainda prefere a lógica sintomatológica e mal espirra vai logo a correr para o senhor doutor, há muitos milhares (e já milhões) de portugueses que preferem reflectir e pensar duas vezes, recorrendo a socorros de urgência que a profilaxia natural coloca hoje à disposição de quem está mais interessado em conservar a saúde do que em percorrer a via sacra do combate à doença.
Seja a alquimia alimentar e o metabolismo, seja o recurso a vitaminas e sais minerais, de modo a combater carências (e mais de 50% são doenças de carência), seja a acupunctura, seja a homeopatia, sejam as essências florais (a terapia sublime), a Holística é nossa e ninguém tem que vir usurpar um milímetro do nosso território. Teriam antes que passar por cima do nosso cadáver. O que nunca, evidentemente, irá acontecer. Nem que tenhamos todos de passar à clandestinidade.
Eu já passei.
Lisboa, 18/Julho/1998
Bento Fernandes
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