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2006-07-18

RUÍDOS 1973

1-2 - 73-07-19-ie> sábado, 4 de Janeiro de 2003-scan

NATURALMENTE É POR CAUSA DOS RUÍDOS (*)

[19-7-1973]

Num destes muitos dias em que o ralli de motorizadas ao redor do meu quarteirão já durava além da hora e meia habitual, decidi, num assomo de patriotismo, telefonar para a Esquadra da PSP de Oeiras perguntando se não era possível fazer nada para mandar parar o dito ralli e dado que há um autódromo especializado para o efeito aqui mesmo a dois passos, no Estoril (mais sabia eu que não era possível fazer nada, mas fui perguntando, podia ser que acontecesse qualquer milagre...).

Entre outras respostas que me foram dadas pelo guarda que atendeu o telefonema, fui informado de que a Esquadra não dispõe de pessoal para fiscalizações desta natureza; fui informado ainda que, além do mais, são normalmente crianças com menos de 16 anos os "autores" dos rallis e num menor não se toca nem com uma flor. A lei é clara - disse-me ainda o guarda que me atendeu e ai da autoridade que sequer interrogue um menor.

Conclusão, entre outras possíveis mas que não se explicitam aqui: até aos 16 anos e picos, os pequenos filhos-família estão à vontade para matar e saquear, que ninguém nem a autoridade nem os papás, lhes toca.

Além disso, os referidos menores são filhos de boas pessoas e, claro, bem vê, não é verdade?... (vi, compreendi, calei).

Outras impossibilidades que me foram enunciadas: não há lei contra o ruído dos escapes (aqui peço licença para discordar, pois parece-me que há de facto uma lei que sistematicamente se não cumpre) ; não há maneira de tecnicamente se provar que o ruído dessas motorizadas prejudica uma população inteira, embora ninguém - infelizmente por observação diária e directa - tenha dúvidas de que assim é: logo, o que não se prova tecnicamente não existe e o ruído há-de levar-nos todos ao manicómio mas, até ao fim, há-de continuar não existindo...

Após meia hora de amáveis explicações, agradeci, desliguei o telefone e o "ralli" continuava. Continua. Continuará. Sempre. Sem hora marcada mas a todas as horas. Do dia, da noite, ou da madrugada. Um insulto e uma agressão às populações indefesas, mas sem tecnicamente haver maneira de se provar; uma fonte patogénica, uma latrina de dejectos (ruídos) atirados acima de quem está ou de quem vai, mas impune, livre, sem freio nem restrições (nenhumas).

A imprensa já não fala da Operação anti-Ruído. A Comissão Nacional do Ambiente tem muitos assuntos com que se preocupar. Os fabricantes de motorizadas aumentam a produção, os vendedores facilitam os pagamentos e os modelos amanhã serão sempre mais ruidosos do que os que venderam hoje (quem os impede disso?).

Entretanto fala-se de proteger a saúde pública, contra falsificadores de géneros alimentícios. Quais?

Entretanto vacina-se contra o sarampo, como se o sarampo fosse agora a peste do século XX.

Entretanto gastam-se milhões de contos em hospitais tout court e não se sei se em hospitais psiquiátricos, para hospitalizar os doentinhos que continuamos alegre e claramente a fabricar: porque se o ambiente é patogénico (e cada vez mais o é) , é , por definição, fábrica de doenças.

Entretanto os técnicos participam em reuniões da OMS e diz-se que há uma política do Ambiente (há uma política do ambiente?). Mas com os ruídos cada vez mais aperfeiçoados e como cada vez se percebe cada vez menos de tudo (quem é que pode ouvir alguma coisa neste pandemónio?) naturalmente não foi "política" a palavra que a gente ouviu.
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(*) Este texto de Afonso Cautela, 5 estrelas pelo precoce da ideia, não deverá ter sido publicado, apesar de ter publicado muita coisa sobre ruído, inclusive um livro
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