XILOFENE 1992
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PRODUTOS PERIGOSOS NA CEE - O CASO PARTICULAR DO XILOFENE
+14 PONTOS
7/7/1992 - «Os países membros da OCDE estão entre os principais produtores, exportadores e importadores de produtos químicos», gabava-se um relatório da O.C.D.E. (Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico), adoptado em 4 de Abril de 1984, que recomenda, portanto, cuidado aos países membros, considerando que «aos países importadores incumbe a responsabilidade da protecção do homem e do ambiente contra os riscos ligados às importações de produtos químicos nos seus territórios.»
A recomendação vai, pois, no sentido de preparar países subdesenvolvidos como o nosso para poderem vir a receber ainda mais produtos químicos, incumbindo-nos a nós tomar precauções.
[Este elucidativo relatório foi um dos documentos difundidos no «seminário sobre responsabilidade pelos produtos e segurança de produtos, realizado em Lisboa em------- de---------. ]
2 - «Vamos viver com os venenos que temos» passa a ser, assim, a palavra de ordem nos países industriais, onde os imperativos de ordem económica acabam sempre por prevalecer sobre os de segurança e saúde do cidadão.
«Viver com os venenos que temos» é o axioma indiscutível que se pode concluir da legislação em curso no âmbito dos organismos europeus, quer da CEE, quer da OCDE, que não existem para evitar ou expulsar os riscos mas para nos acostumar a coexistir com eles: ao preço, evidentemente, daquilo a que se chama «saúde pública».
Salta à vista do cidadão comum, primeira e última vítima dos produtos perigosos à solta no Ambiente, que a chamada política de prevenção se destina apenas a «conformar» as vítimas com a sorte que têm e a manter sem sobressaltos a engrenagem instalada, sem que se coloque jamais a hipótese de reduzir riscos e eliminar fontes de sinistralidade ou patologia.
A política reformista do Ambiente existe para nos «resignar» e para amortecer alguma veleidade de revolta que ainda pudesse persistir nos nossos corações cansados de violência química. Salta à vista do mais desatento observador que os esforços da CEE para «regulamentar a catástrofe» e «gerir a morte e a doença» são incapazes de minimizar, o mínimo que seja, riscos, perigos e problemas dos numerosos produtos tóxicos que às centenas se fabricaram, fabricam e continuam fabricando, sem que ninguém de ordem de «stop».
Ainda que o combate contra produtos perigosos registasse alguns êxitos(o que não é o caso), ainda que a legislação se cumprisse ( o que não é literalmente o caso em países de proverbial bandalheira legislativa como Portugal), seria impossível à chamada «protecção civil» travar o ritmo alucinante a que se desenvolve a catástrofe na sociedade industrial, que, por isso mesmo, depois de «sociedade do luxo e do lixo» foi também cognominada como «sociedade da catástrofe»
Cada vez o desfasamento entre o perigo conhecido e o perigo imprevisto é maior. Cada vez é maior também o desfasamento entre o perigo controlável e o que completamente escapa a qualquer medida ou capacidade humana de controle. Se todos os anos, sem que ninguém diga «basta», entram no mercado novos produtos químicos, tão desconhecidos como os que já cá estão( no que respeita aos seus efeitos fisiológicos e metabólicos), a política de segurança perseguirá a sua própria sombra sem nunca a alcançar e de política de saúde nem vale a pena falar: porque não há diagnóstico possível de novas doenças, quando estas surgem num ambiente contaminado por agentes químicos susceptíveis de provocar, nunca se sabe onde e quando, as mais estranhas e inesperadas doenças.
Como se pode falar hoje de saúde, esquecendo este factor ( do meio) ambiente? Como se pode falar de saúde, ignorando aquilo que fundamentalmente a está condicionando? Trazer, a propósito de tudo e de nada, vírus desconhecidos ao barulho, começa a constituir uma desculpa esfarrapada que a sociedade industrial encontra para justificar os seus crimes e que a opinião pública começa a ter dificuldade em aceitar.
3 - Juristas deitam as mãos à cabeça e proclamam-se impotentes para definir esta nova tipologia de «crimes contra a saúde e a segurança pública».
Carlos Ferreira de Almeida, advogado, especialista em direito do consumidor e assistente jurídico da Associação Portuguesa de Defesa dos Consumidores (DECO), confessa que «estamos no ponto zero em matéria de protecção contra riscos, responsabilidade de produtos e segurança contra produtos perigosos.»
[Interpelou os representantes das confederações presentes, a da Indústria e a do Comércio, que se manifestaram «sensibilizados» para o assunto mas ainda sem posição tomada.]
4 - A julgar pelos escassos progressos verificados no combate aos «produtos perigosos», há ainda poucos organismos em Portugal vocacionados para combater riscos, produtos, venenos e fraudes.
O Gabinete de Defesa do Consumidor e o Instituto Nacional de Defesa do Consumidor são manifestamente poucos, a julgar pelo que está por fazer e pelo andamento que tem tido a política do sector.
Como diria um ilustre médico, é querer curar cancro com aspirina ou matar mosquito com canhão.
Por mais organismos que se desunhem a lutar contra riscos, poluições, explosões, tóxicos, venenos, produtos perigosos que infestam o ambiente e atacam o consumidor, nunca serão suficientes e a sua ingente luta nunca conseguirá evitar que a desastrosa sociedade industrial vá semeando doentes e cadáveres pelo caminho.
Entre as profissões, aliás, que não podem viver sem doentes nem mortes, a de jornalista é uma delas.
Mas quantas outras profissões não estão também dependentes desse contingente de catástrofe?
A CEE preocupa-se, mas pouco mais pode fazer do que preocupar-se e emitir directrizes dos seus comités científicos aos países membros. Directrizes que não impediram que Seveso transbordasse dioxina para a eternidade, que na Espanha a chamada «pneumonia atípica» tivesse constituído um dos maiores genocídios em tempo de «paz», que outros pequenos nadas do quotidiano do consumidor continuem a proliferar e a matar.
5 - [As listas negras, quando são elaboradas(e raramente o são), não há espaço que chegue nos jornais para as publicar, de tão extensas...
Da lista negra de acidentes que foram objecto de uma troca rápida de informações, desde Setembro de 1979, no âmbito da Comissão das Comunidades Europeias, limitamo-nos a escolher apenas algumas, as que também já têm ou podem vir a ter expressão no nosso país. ]
6 - Há a contar com um certo fundo sadomasoquista dos povos latinos, nomeadamente o português. Não só suportam, calados, todas as agressões da classe dominante, como ainda pedem mais.
No caso dos consumos patogénicos, desde que a televisão diga que dão mais vida, nada feito: nem médicos, nem nutricionistas, nem ecologistas, nem higienistas conseguem desconvencer as massas das virtudes que margarinas, bebidas, «sprays», cosméticos, conservantes de madeiras têm para os telespectadores absolutamente convencidos de tanta virtude e prazer.
O secretismo de organismos, direcções gerais, secretarias de Estado, agudiza-se, à medida que as firmas «culpadas» intensificam as suas manobras de pressão para se ilibarem de tudo o que de cancerígeno, patogénico, perigoso, tóxico lançam no mercado.
7 - Se o assunto dos «produtos perigosos» não é para tratar nos jornais, talvez porque desgraças já a gente tem muitas, a verdade é que a informação entre organismos oficiais também não circula.
Como referiu a Drª Arlinda Borges, médica do Centro de Informação Anti-Venenos, o inventário de produtos, só por si, não chega, é preciso saber os casos que assumem maior relevo, gravidade e frequência (incidência estatística).
Há, segundo disse, «uma percentagem baixa de acidentes por afogamento ou electrocussão mas a percentagem de «intoxicações acidentais» por produtos químicos em casas e campos é muito elevada».
«Seria aconselhável - acrescentou - a prevenção primária desses casos.»
8 - Duas operárias, pelo menos, já morreram em Portugal em condições trágicas quando manuseavam, em fábrica do norte do País, um produto designado comercialmente «Xilofene».
Relatórios do Instituto de Medicina Legal a que tivemos acesso, concluem que a relação causa-efeito é iniludível mas que (pasme-se) nada se pode provar contra o produto.
Este continua a vender-se no mercado com um rótulo em que remete para o utente todas as responsabilidades e riscos decorrentes do seu manuseio. De vez em quando, o produto é publicitado na RTP.
São dois mundos paralelos que nunca se encontram: o mundo do negócio está sob jurisdição diferente do mundo do consumidor.
[Em matéria de jurisdições, a semana foi elucidativa: enquanto pela banda do Ministério da Qualidade de Vida (Gabinete de Defesa do Consumidor e Instituto Nacional de Defesa do Consumidor), se convidavam especialistas da CEE (Taschner, Sheen, Kramer), eis que o Instituto de Qualidade Alimentar convidava um especialista da CEE.
Graças a esta intensa actividade de importação e adequação à legislação comunitária, pode o consumidor português dormir mais descansado.]
9 - Na melhor das hipóteses, a política de segurança ambiental joga no adiamento. Mas se já existe uma lei de bases ou lei-quadro de defesa do consumidor, e se já não se pode distrair nem adiar, clamando que «falta uma lei», usa-se então uma ligeira variante:«Temos que esperar agora que saia a regulamentação», será então o discurso na voz dos dirigentes responsáveis[como referiu a drª Helena Quelhas, economista da Confedereção da Indústria Portuguesa.]
10 - Data de 27 de Janeiro de 1977, a Convenção Europeia sobre a responsabilidade quanto a produtos em caso de lesões corporais ou morte, aprovado pelo Conselho da Europa.
Sublinhe-se, como curiosidade deliciosa, que o artigo 9 da referida Convenção «não se aplica - textual - aos prejuízos nucleares.»
O nuclear está sempre para lá do bem e do mal, da lei e das Convenções.
Tratando-se de produtos perigosos, é evidente que o nuclear não deve figurar na lista negra.
Tenebroso e superperigoso é, sim, o ginseng da Coreia e os produtos fitofarmacêuticos ou dietéticos que continuam a assolar os mercados, sem legislação nem fiscalização, nem controle.
Quando a enciclopédia britânica já não tem folhas que cheguem para lá figurar toda a lista negra de pesticidas, antibióticos, cortisonas, vacinas, etc., quando o ritmo de produção de novas substâncias químicas aumenta todos os anos a um ritmo tal que já ninguém o consegue apanhar, eis que o perigo número 1 vem afinal do ginseng ou dos produtos dietéticos. Eis que o seminário se preocupa em pedir a repressão fiscalizadora dos «dietéticos».
Onde está, afinal, o perigo e o inimigo principal do consumidor, quando o nuclear está fora das leis e das convenções, não devendo por isso preocupar-nos?
11 - Segundo se depreende de uma recomendação do Conselho da OCDE, adoptada em 28 de Abril de 1981, é muito difícil retirar do mercado um produto.
Caso se verifique perigo, ele terá que ser suficientemente provado e comprovado para levar a firma a retirar o produto.
Quer dizer: enquanto não se verificarem casos de escândalo público, mortos e feridos, de preferência crianças, é difícil agir.
O consumidor tem por isso e pelo menos, uma certeza: servirá de cobaia até que haja suficientes vítimas juncando o terreno. Em nome do progresso tecnológico, evidentemente.
Só quando «os riscos se revelarem substanciais e graves, os fabricantes e/ ou fornecedores deverão retirar o produto do mercado, modificá-lo ou substituí-lo por um produto idêntico ou similar...»
12- Como referiu Miguel Marañon Barrio, secretário geral para o consumo de Espanha, foi «devido aos trágicos acontecimentos provocados pela intoxicação com óleo de colza», que se verifica uma «lei de reforma urgente do Código Penal» para, a posteriori, regulamentar o «crime» praticado.
Em virtude dessa «lei de reforma urgente», estipulou-se que o produtor, distribuidor ou comerciante que ofereça no mercado produtos alimentares (omitindo ou modificando as formalidades estabelecidas) e que põe em perigo a saúde dos consumidores será punido com a pena de prisão entre seis meses a seis anos e a multa de 750 mil pesetas até 3 milhões.»
É um caso típico de experiência laboratorial «in vitru» e «post-mortem».
O homem cobaia dos consumos.
13 - Se a corrida na Europa da CEE para ultrapassar o camião-cisterna dos produtos perigosos acusa poucos progressos legislativos, em Portugal o desfasamento é ainda maior, conforme se deduz das directrizes e proposta de directrizes que a CEE já conseguiu publicar, no âmbito dos cinco direitos fundamentais que a CEE definiu:
a) direito à protecção da saúde e segurança
b) direito à protecção dos interesses económicos
c) direito à reparação dos prejuízos
d) direito à informação e à educação
e) direito à representação (a ser ouvido).
14 - O carácter de proliferação cancerígena que torna os chamados produtos perigosos um caso de vida ou de morte, um caso de ecologia humana, que só pode colocar-se em termos de civilização que se afunda nos seus próprios excrementos.
Tudo o que se fizer, ao nível reformista e do remendo, não altera o ritmo deste apocalipse químico.
Para todos os apocalipses, a única resposta de esperança são duas letras: T.A.'s, que se podem traduzir por Tecnologias Apropriadas ou Alternativas.
Reconhecido o carácter circular da contaminação química e adjacentes, o redemoínho tende a crescer e a nunca mais parar.
Medidas reformistas e legalistas, que adiantam?
A única certeza a retirar desta morte em autogestão é uma lição de ecologia humana.
Ou mudamos, ou perecemos num chavascal chamado progresso químico.
***
PRODUTOS PERIGOSOS NA CEE - O CASO PARTICULAR DO XILOFENE
+14 PONTOS
7/7/1992 - «Os países membros da OCDE estão entre os principais produtores, exportadores e importadores de produtos químicos», gabava-se um relatório da O.C.D.E. (Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico), adoptado em 4 de Abril de 1984, que recomenda, portanto, cuidado aos países membros, considerando que «aos países importadores incumbe a responsabilidade da protecção do homem e do ambiente contra os riscos ligados às importações de produtos químicos nos seus territórios.»
A recomendação vai, pois, no sentido de preparar países subdesenvolvidos como o nosso para poderem vir a receber ainda mais produtos químicos, incumbindo-nos a nós tomar precauções.
[Este elucidativo relatório foi um dos documentos difundidos no «seminário sobre responsabilidade pelos produtos e segurança de produtos, realizado em Lisboa em------- de---------. ]
2 - «Vamos viver com os venenos que temos» passa a ser, assim, a palavra de ordem nos países industriais, onde os imperativos de ordem económica acabam sempre por prevalecer sobre os de segurança e saúde do cidadão.
«Viver com os venenos que temos» é o axioma indiscutível que se pode concluir da legislação em curso no âmbito dos organismos europeus, quer da CEE, quer da OCDE, que não existem para evitar ou expulsar os riscos mas para nos acostumar a coexistir com eles: ao preço, evidentemente, daquilo a que se chama «saúde pública».
Salta à vista do cidadão comum, primeira e última vítima dos produtos perigosos à solta no Ambiente, que a chamada política de prevenção se destina apenas a «conformar» as vítimas com a sorte que têm e a manter sem sobressaltos a engrenagem instalada, sem que se coloque jamais a hipótese de reduzir riscos e eliminar fontes de sinistralidade ou patologia.
A política reformista do Ambiente existe para nos «resignar» e para amortecer alguma veleidade de revolta que ainda pudesse persistir nos nossos corações cansados de violência química. Salta à vista do mais desatento observador que os esforços da CEE para «regulamentar a catástrofe» e «gerir a morte e a doença» são incapazes de minimizar, o mínimo que seja, riscos, perigos e problemas dos numerosos produtos tóxicos que às centenas se fabricaram, fabricam e continuam fabricando, sem que ninguém de ordem de «stop».
Ainda que o combate contra produtos perigosos registasse alguns êxitos(o que não é o caso), ainda que a legislação se cumprisse ( o que não é literalmente o caso em países de proverbial bandalheira legislativa como Portugal), seria impossível à chamada «protecção civil» travar o ritmo alucinante a que se desenvolve a catástrofe na sociedade industrial, que, por isso mesmo, depois de «sociedade do luxo e do lixo» foi também cognominada como «sociedade da catástrofe»
Cada vez o desfasamento entre o perigo conhecido e o perigo imprevisto é maior. Cada vez é maior também o desfasamento entre o perigo controlável e o que completamente escapa a qualquer medida ou capacidade humana de controle. Se todos os anos, sem que ninguém diga «basta», entram no mercado novos produtos químicos, tão desconhecidos como os que já cá estão( no que respeita aos seus efeitos fisiológicos e metabólicos), a política de segurança perseguirá a sua própria sombra sem nunca a alcançar e de política de saúde nem vale a pena falar: porque não há diagnóstico possível de novas doenças, quando estas surgem num ambiente contaminado por agentes químicos susceptíveis de provocar, nunca se sabe onde e quando, as mais estranhas e inesperadas doenças.
Como se pode falar hoje de saúde, esquecendo este factor ( do meio) ambiente? Como se pode falar de saúde, ignorando aquilo que fundamentalmente a está condicionando? Trazer, a propósito de tudo e de nada, vírus desconhecidos ao barulho, começa a constituir uma desculpa esfarrapada que a sociedade industrial encontra para justificar os seus crimes e que a opinião pública começa a ter dificuldade em aceitar.
3 - Juristas deitam as mãos à cabeça e proclamam-se impotentes para definir esta nova tipologia de «crimes contra a saúde e a segurança pública».
Carlos Ferreira de Almeida, advogado, especialista em direito do consumidor e assistente jurídico da Associação Portuguesa de Defesa dos Consumidores (DECO), confessa que «estamos no ponto zero em matéria de protecção contra riscos, responsabilidade de produtos e segurança contra produtos perigosos.»
[Interpelou os representantes das confederações presentes, a da Indústria e a do Comércio, que se manifestaram «sensibilizados» para o assunto mas ainda sem posição tomada.]
4 - A julgar pelos escassos progressos verificados no combate aos «produtos perigosos», há ainda poucos organismos em Portugal vocacionados para combater riscos, produtos, venenos e fraudes.
O Gabinete de Defesa do Consumidor e o Instituto Nacional de Defesa do Consumidor são manifestamente poucos, a julgar pelo que está por fazer e pelo andamento que tem tido a política do sector.
Como diria um ilustre médico, é querer curar cancro com aspirina ou matar mosquito com canhão.
Por mais organismos que se desunhem a lutar contra riscos, poluições, explosões, tóxicos, venenos, produtos perigosos que infestam o ambiente e atacam o consumidor, nunca serão suficientes e a sua ingente luta nunca conseguirá evitar que a desastrosa sociedade industrial vá semeando doentes e cadáveres pelo caminho.
Entre as profissões, aliás, que não podem viver sem doentes nem mortes, a de jornalista é uma delas.
Mas quantas outras profissões não estão também dependentes desse contingente de catástrofe?
A CEE preocupa-se, mas pouco mais pode fazer do que preocupar-se e emitir directrizes dos seus comités científicos aos países membros. Directrizes que não impediram que Seveso transbordasse dioxina para a eternidade, que na Espanha a chamada «pneumonia atípica» tivesse constituído um dos maiores genocídios em tempo de «paz», que outros pequenos nadas do quotidiano do consumidor continuem a proliferar e a matar.
5 - [As listas negras, quando são elaboradas(e raramente o são), não há espaço que chegue nos jornais para as publicar, de tão extensas...
Da lista negra de acidentes que foram objecto de uma troca rápida de informações, desde Setembro de 1979, no âmbito da Comissão das Comunidades Europeias, limitamo-nos a escolher apenas algumas, as que também já têm ou podem vir a ter expressão no nosso país. ]
6 - Há a contar com um certo fundo sadomasoquista dos povos latinos, nomeadamente o português. Não só suportam, calados, todas as agressões da classe dominante, como ainda pedem mais.
No caso dos consumos patogénicos, desde que a televisão diga que dão mais vida, nada feito: nem médicos, nem nutricionistas, nem ecologistas, nem higienistas conseguem desconvencer as massas das virtudes que margarinas, bebidas, «sprays», cosméticos, conservantes de madeiras têm para os telespectadores absolutamente convencidos de tanta virtude e prazer.
O secretismo de organismos, direcções gerais, secretarias de Estado, agudiza-se, à medida que as firmas «culpadas» intensificam as suas manobras de pressão para se ilibarem de tudo o que de cancerígeno, patogénico, perigoso, tóxico lançam no mercado.
7 - Se o assunto dos «produtos perigosos» não é para tratar nos jornais, talvez porque desgraças já a gente tem muitas, a verdade é que a informação entre organismos oficiais também não circula.
Como referiu a Drª Arlinda Borges, médica do Centro de Informação Anti-Venenos, o inventário de produtos, só por si, não chega, é preciso saber os casos que assumem maior relevo, gravidade e frequência (incidência estatística).
Há, segundo disse, «uma percentagem baixa de acidentes por afogamento ou electrocussão mas a percentagem de «intoxicações acidentais» por produtos químicos em casas e campos é muito elevada».
«Seria aconselhável - acrescentou - a prevenção primária desses casos.»
8 - Duas operárias, pelo menos, já morreram em Portugal em condições trágicas quando manuseavam, em fábrica do norte do País, um produto designado comercialmente «Xilofene».
Relatórios do Instituto de Medicina Legal a que tivemos acesso, concluem que a relação causa-efeito é iniludível mas que (pasme-se) nada se pode provar contra o produto.
Este continua a vender-se no mercado com um rótulo em que remete para o utente todas as responsabilidades e riscos decorrentes do seu manuseio. De vez em quando, o produto é publicitado na RTP.
São dois mundos paralelos que nunca se encontram: o mundo do negócio está sob jurisdição diferente do mundo do consumidor.
[Em matéria de jurisdições, a semana foi elucidativa: enquanto pela banda do Ministério da Qualidade de Vida (Gabinete de Defesa do Consumidor e Instituto Nacional de Defesa do Consumidor), se convidavam especialistas da CEE (Taschner, Sheen, Kramer), eis que o Instituto de Qualidade Alimentar convidava um especialista da CEE.
Graças a esta intensa actividade de importação e adequação à legislação comunitária, pode o consumidor português dormir mais descansado.]
9 - Na melhor das hipóteses, a política de segurança ambiental joga no adiamento. Mas se já existe uma lei de bases ou lei-quadro de defesa do consumidor, e se já não se pode distrair nem adiar, clamando que «falta uma lei», usa-se então uma ligeira variante:«Temos que esperar agora que saia a regulamentação», será então o discurso na voz dos dirigentes responsáveis[como referiu a drª Helena Quelhas, economista da Confedereção da Indústria Portuguesa.]
10 - Data de 27 de Janeiro de 1977, a Convenção Europeia sobre a responsabilidade quanto a produtos em caso de lesões corporais ou morte, aprovado pelo Conselho da Europa.
Sublinhe-se, como curiosidade deliciosa, que o artigo 9 da referida Convenção «não se aplica - textual - aos prejuízos nucleares.»
O nuclear está sempre para lá do bem e do mal, da lei e das Convenções.
Tratando-se de produtos perigosos, é evidente que o nuclear não deve figurar na lista negra.
Tenebroso e superperigoso é, sim, o ginseng da Coreia e os produtos fitofarmacêuticos ou dietéticos que continuam a assolar os mercados, sem legislação nem fiscalização, nem controle.
Quando a enciclopédia britânica já não tem folhas que cheguem para lá figurar toda a lista negra de pesticidas, antibióticos, cortisonas, vacinas, etc., quando o ritmo de produção de novas substâncias químicas aumenta todos os anos a um ritmo tal que já ninguém o consegue apanhar, eis que o perigo número 1 vem afinal do ginseng ou dos produtos dietéticos. Eis que o seminário se preocupa em pedir a repressão fiscalizadora dos «dietéticos».
Onde está, afinal, o perigo e o inimigo principal do consumidor, quando o nuclear está fora das leis e das convenções, não devendo por isso preocupar-nos?
11 - Segundo se depreende de uma recomendação do Conselho da OCDE, adoptada em 28 de Abril de 1981, é muito difícil retirar do mercado um produto.
Caso se verifique perigo, ele terá que ser suficientemente provado e comprovado para levar a firma a retirar o produto.
Quer dizer: enquanto não se verificarem casos de escândalo público, mortos e feridos, de preferência crianças, é difícil agir.
O consumidor tem por isso e pelo menos, uma certeza: servirá de cobaia até que haja suficientes vítimas juncando o terreno. Em nome do progresso tecnológico, evidentemente.
Só quando «os riscos se revelarem substanciais e graves, os fabricantes e/ ou fornecedores deverão retirar o produto do mercado, modificá-lo ou substituí-lo por um produto idêntico ou similar...»
12- Como referiu Miguel Marañon Barrio, secretário geral para o consumo de Espanha, foi «devido aos trágicos acontecimentos provocados pela intoxicação com óleo de colza», que se verifica uma «lei de reforma urgente do Código Penal» para, a posteriori, regulamentar o «crime» praticado.
Em virtude dessa «lei de reforma urgente», estipulou-se que o produtor, distribuidor ou comerciante que ofereça no mercado produtos alimentares (omitindo ou modificando as formalidades estabelecidas) e que põe em perigo a saúde dos consumidores será punido com a pena de prisão entre seis meses a seis anos e a multa de 750 mil pesetas até 3 milhões.»
É um caso típico de experiência laboratorial «in vitru» e «post-mortem».
O homem cobaia dos consumos.
13 - Se a corrida na Europa da CEE para ultrapassar o camião-cisterna dos produtos perigosos acusa poucos progressos legislativos, em Portugal o desfasamento é ainda maior, conforme se deduz das directrizes e proposta de directrizes que a CEE já conseguiu publicar, no âmbito dos cinco direitos fundamentais que a CEE definiu:
a) direito à protecção da saúde e segurança
b) direito à protecção dos interesses económicos
c) direito à reparação dos prejuízos
d) direito à informação e à educação
e) direito à representação (a ser ouvido).
14 - O carácter de proliferação cancerígena que torna os chamados produtos perigosos um caso de vida ou de morte, um caso de ecologia humana, que só pode colocar-se em termos de civilização que se afunda nos seus próprios excrementos.
Tudo o que se fizer, ao nível reformista e do remendo, não altera o ritmo deste apocalipse químico.
Para todos os apocalipses, a única resposta de esperança são duas letras: T.A.'s, que se podem traduzir por Tecnologias Apropriadas ou Alternativas.
Reconhecido o carácter circular da contaminação química e adjacentes, o redemoínho tende a crescer e a nunca mais parar.
Medidas reformistas e legalistas, que adiantam?
A única certeza a retirar desta morte em autogestão é uma lição de ecologia humana.
Ou mudamos, ou perecemos num chavascal chamado progresso químico.
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