PROGRESSO 1980
1-2 -progresso-1-ie> = ideia ecológica do ac - os dossiês do silêncio – terminologia denuncia a ideologia
O PREÇO DO «PROGRESSO»(*)
(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado no jornal «A Capital» (Crónica do Planeta Terra), 5/7/1980
5/7/1980 - Pertence à história da poluição, a escalada das tecnologias cada vez mais sofisticadas e, portanto, cada vez mais poluentes. Quando há um salto na sofisticação das tecnologias há, por via de regra, um aumento para pior na qualidade da poluição.
O facto de em língua portuguesa não haver uma palavra para designar o antónimo de qualidade - como era neste caso necessário - já nos informa da novidade que preside ao fenómeno da supersofisticação das tecnologias, sofisticação sempre directamente proporcional à violência do seu impacto sobre o meio ambiente e o homem.
Progresso nas tecnologias significa sempre mais poluição, mais perigo, mais violência, mais complicação, mais dinheiro (para pagar todos esses «progressos»).
A nova geração de autocarros (conhecidos do público por laranjas) e a modernização dos CTT (cujo preço os utentes bem têm sentido nos últimos anos, nomeadamente depois do 25 de Abril) são apenas dois exemplos bem conhecidos dos portugueses na sua vida quotidiana.
O luxo de Portugal possuir uma sofisticada companhia de navegação aérea, começou também a ficar evidenciado aos olhos do cidadão comum, quando os pilotos, que ganham 213 contos por mês, fizeram uma greve para reivindicar aumentos...
Como a referida companhia é do Estado, são os portugueses, evidentemente, quem paga o luxo de termos esta elite de homens que são os pilotas da aviação. Homens que ameaçam mudar-se para qualquer companhia estrangeira, se não lhes pagarem o que justamente exigem. Dentro da sua lógica de «classe profissional internacional», eles têm toda a razão e ninguém lhes pode levar a mal. Se queremos o progresso de uma companhia aérea, pagamos. Se queremos o progresso dos autocarros último modelo, pagamos (em vidas). Se queremos o progresso do «meio caminho andado» e do código postal, fora o resto, pagamos.
O ano de 1979 foi ainda pródigo noutras maravilhas, largamente noticiadas.
Do Brasil, foi a ofensiva da gasolina vegetal, obtida a partir do álcool extraído da cana do açúcar.
Mais um deslumbramento que será pago em alterações no ambiente (na fase de extracção), principalmente na fase das plantações desta monocultura (a cana) que já vem operando alterações catastróficas no regime de chuvas, como tantas outras monoculturas (banana e café, por exemplo) com que o imperialismo pilha as vastidões agrícolas da América Latina.
Com ecos repetidos em Portugal, o Etanol está também entre as panaceias miraculosas que os benfeitores querem trazer para Portugal: com base na beterraba, eis que o Etanol, na opinião de Eurico da Fonseca, deveria ser uma das alternativas energéticas a ponderar já. Ele lá sabe porquê!
Mas são inúmeros os exemplos de progresso nas tecnologias e nas indústrias, que todos acabamos por pagar com língua de palmo, ora por impostos, ora com o risco das nossas vidas, ora com a nossa saúde, ora com o meio ambiente e os recursos destruídos pela violência ou pela poluição.
Todos conhecem, porém, um dos casos mais comuns de progresso, que foi a passagem do sabão para os detergentes, ou da curtimenta orgânica das peles para a curtimenta química.
Em relação às novas técnicas para a exploração de urânio, o que se desenha é exactamente uma pioração dos processos (se analisados na perspectiva do homem e do ambiente), designados no entanto como melhoramentos na perspectiva tecnocrática e capitalista da economia..
Para nos convencer de que todos os avanços tecnológicos são melhorias e não piorias, são progressos e não retrocessos, o técnico encobre-se de sofismas vários, mas dois deles são predilectos:
1) De um lado, anuncia a escalada do pior como «um novo progresso tecnológico», de modo a deixar a opinião pública muito orgulhosa, especialmente se for a de um país tradicionalmente atrasado e subdesenvolvido, psicologicamente preparado para esperar o progresso como há séculos esperamos D. Sebastião o Desejado...
2) Do outro lado, lança ao público ignaro uma nomenclatura arrevesada, feita para impressionar, o que não lhe é difícil, visto que, regra geral, as novas e sofisticadas tecnologias correspondem sempre a novas e sofisticadas nomenclaturas.
Para o urânio, o grito de guerra que já se começou e ouvir e que irá aumentando de intensidade à medida que as fábricas forem invadindo o País, é este: « a lixiviação dos urânios pobres». O resto é nomenclatura banal, ao alcance do cidadão médio: recuperação dos minérios que ficaram nas minas.
Recorde-se que relativamente às pirites de Aljustrel houve e haverá um processo de sofisticação idêntico em curso. Palavra de guerra para as pirites: tratamento em leito fluidizado. O preço e pagar por esse extraordinário progresso da nossa economia será em água, o capital hoje mais precioso, como se sabe, à medida que o mundo industrial a torna rara e inexistente.
No ano de 1979 foi o grito de guerra para os carvões. A indústria da Alemanha Federal dispõe já de técnica para obter grandes quantidades de gasolina e gás a partir do carvão. Este triunfo da técnica e da ciência foi glosado em todos os tons e os propagandistas não se pouparam a esforços para que o público ficasse convencido da existência de mais esta vitória do progresso.
A que preço para o meio ambiente e para a saúde ou segurança das pessoas, eles nunca o dizem. Que lhes interessa a eles, os outros valores que não seja o capital propriamente dito? O negócio deles é números.
De que maneira uma tecnologia altamente sofisticada aumenta, na mesma proporção, a dependência dos consumidores em relação às grandes redes nacionais ou multinacionais que as controlam, eis outra coisa que os propagandistas também não dizem.
De que maneira, portanto, as tecnologias e indústrias, quanto mais sofisticadas mais tendem ao reforço das políticas concentracionárias e totalitárias, eis outra coisa que os propagandistas do progresso não dizem, nem tão-pouco os progressistas da política que falam em libertar o homem do homem seu explorador.
A tecnologia e a ciência não são política nem economicamente neutras, na medida em que todos os avanços e progressos e sofisticações e complicações nelas verificadas levam sempre ao maior reforço das autoridades - quer do Estado, quer das firmas que controlam o Estado, quer de quaisquer outras forças.
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(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado no jornal «A Capital» (Crónica do Planeta Terra), 5/7/1980
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O PREÇO DO «PROGRESSO»(*)
(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado no jornal «A Capital» (Crónica do Planeta Terra), 5/7/1980
5/7/1980 - Pertence à história da poluição, a escalada das tecnologias cada vez mais sofisticadas e, portanto, cada vez mais poluentes. Quando há um salto na sofisticação das tecnologias há, por via de regra, um aumento para pior na qualidade da poluição.
O facto de em língua portuguesa não haver uma palavra para designar o antónimo de qualidade - como era neste caso necessário - já nos informa da novidade que preside ao fenómeno da supersofisticação das tecnologias, sofisticação sempre directamente proporcional à violência do seu impacto sobre o meio ambiente e o homem.
Progresso nas tecnologias significa sempre mais poluição, mais perigo, mais violência, mais complicação, mais dinheiro (para pagar todos esses «progressos»).
A nova geração de autocarros (conhecidos do público por laranjas) e a modernização dos CTT (cujo preço os utentes bem têm sentido nos últimos anos, nomeadamente depois do 25 de Abril) são apenas dois exemplos bem conhecidos dos portugueses na sua vida quotidiana.
O luxo de Portugal possuir uma sofisticada companhia de navegação aérea, começou também a ficar evidenciado aos olhos do cidadão comum, quando os pilotos, que ganham 213 contos por mês, fizeram uma greve para reivindicar aumentos...
Como a referida companhia é do Estado, são os portugueses, evidentemente, quem paga o luxo de termos esta elite de homens que são os pilotas da aviação. Homens que ameaçam mudar-se para qualquer companhia estrangeira, se não lhes pagarem o que justamente exigem. Dentro da sua lógica de «classe profissional internacional», eles têm toda a razão e ninguém lhes pode levar a mal. Se queremos o progresso de uma companhia aérea, pagamos. Se queremos o progresso dos autocarros último modelo, pagamos (em vidas). Se queremos o progresso do «meio caminho andado» e do código postal, fora o resto, pagamos.
O ano de 1979 foi ainda pródigo noutras maravilhas, largamente noticiadas.
Do Brasil, foi a ofensiva da gasolina vegetal, obtida a partir do álcool extraído da cana do açúcar.
Mais um deslumbramento que será pago em alterações no ambiente (na fase de extracção), principalmente na fase das plantações desta monocultura (a cana) que já vem operando alterações catastróficas no regime de chuvas, como tantas outras monoculturas (banana e café, por exemplo) com que o imperialismo pilha as vastidões agrícolas da América Latina.
Com ecos repetidos em Portugal, o Etanol está também entre as panaceias miraculosas que os benfeitores querem trazer para Portugal: com base na beterraba, eis que o Etanol, na opinião de Eurico da Fonseca, deveria ser uma das alternativas energéticas a ponderar já. Ele lá sabe porquê!
Mas são inúmeros os exemplos de progresso nas tecnologias e nas indústrias, que todos acabamos por pagar com língua de palmo, ora por impostos, ora com o risco das nossas vidas, ora com a nossa saúde, ora com o meio ambiente e os recursos destruídos pela violência ou pela poluição.
Todos conhecem, porém, um dos casos mais comuns de progresso, que foi a passagem do sabão para os detergentes, ou da curtimenta orgânica das peles para a curtimenta química.
Em relação às novas técnicas para a exploração de urânio, o que se desenha é exactamente uma pioração dos processos (se analisados na perspectiva do homem e do ambiente), designados no entanto como melhoramentos na perspectiva tecnocrática e capitalista da economia..
Para nos convencer de que todos os avanços tecnológicos são melhorias e não piorias, são progressos e não retrocessos, o técnico encobre-se de sofismas vários, mas dois deles são predilectos:
1) De um lado, anuncia a escalada do pior como «um novo progresso tecnológico», de modo a deixar a opinião pública muito orgulhosa, especialmente se for a de um país tradicionalmente atrasado e subdesenvolvido, psicologicamente preparado para esperar o progresso como há séculos esperamos D. Sebastião o Desejado...
2) Do outro lado, lança ao público ignaro uma nomenclatura arrevesada, feita para impressionar, o que não lhe é difícil, visto que, regra geral, as novas e sofisticadas tecnologias correspondem sempre a novas e sofisticadas nomenclaturas.
Para o urânio, o grito de guerra que já se começou e ouvir e que irá aumentando de intensidade à medida que as fábricas forem invadindo o País, é este: « a lixiviação dos urânios pobres». O resto é nomenclatura banal, ao alcance do cidadão médio: recuperação dos minérios que ficaram nas minas.
Recorde-se que relativamente às pirites de Aljustrel houve e haverá um processo de sofisticação idêntico em curso. Palavra de guerra para as pirites: tratamento em leito fluidizado. O preço e pagar por esse extraordinário progresso da nossa economia será em água, o capital hoje mais precioso, como se sabe, à medida que o mundo industrial a torna rara e inexistente.
No ano de 1979 foi o grito de guerra para os carvões. A indústria da Alemanha Federal dispõe já de técnica para obter grandes quantidades de gasolina e gás a partir do carvão. Este triunfo da técnica e da ciência foi glosado em todos os tons e os propagandistas não se pouparam a esforços para que o público ficasse convencido da existência de mais esta vitória do progresso.
A que preço para o meio ambiente e para a saúde ou segurança das pessoas, eles nunca o dizem. Que lhes interessa a eles, os outros valores que não seja o capital propriamente dito? O negócio deles é números.
De que maneira uma tecnologia altamente sofisticada aumenta, na mesma proporção, a dependência dos consumidores em relação às grandes redes nacionais ou multinacionais que as controlam, eis outra coisa que os propagandistas também não dizem.
De que maneira, portanto, as tecnologias e indústrias, quanto mais sofisticadas mais tendem ao reforço das políticas concentracionárias e totalitárias, eis outra coisa que os propagandistas do progresso não dizem, nem tão-pouco os progressistas da política que falam em libertar o homem do homem seu explorador.
A tecnologia e a ciência não são política nem economicamente neutras, na medida em que todos os avanços e progressos e sofisticações e complicações nelas verificadas levam sempre ao maior reforço das autoridades - quer do Estado, quer das firmas que controlam o Estado, quer de quaisquer outras forças.
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(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado no jornal «A Capital» (Crónica do Planeta Terra), 5/7/1980
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