DEEP ECOLOGY 1979
79-12-15-ie>-caricaturas-2-ie>
CARICATURAS DO ECOLOGISMO E CRISE DO AMBIENTE(*)
[(*) Este texto de Afonso Cautela, de que peço muita desculpa, foi publicado no jornal «A Capital», «Crónica do Planeta Terra», 15-12-1979]
As tentativas de caricaturar o ecologismo não têm obtido grande êxito intelectual: pelo menos entre artistas e pessoas de sensibilidade ou imaginação, as teses «caricatas» que o tecnocrata (quer de esquerda, quer de direita) insiste em manter sobre o ecologista, não logram grande audiência, talvez pela deformante grosseria do traço.
Acusar, como fazem certos tecno-primatas, o ecologista de querer «regressar às cavernas» só porque rejeita ou analisa criticamente a barbárie do crescimento económico infinito, só porque denuncia mitos, sofismas, crimes da ciência, da tecnologia e da indústria coligadas, é uma dessas caricaturas só possíveis de circular nos meios ordinários da tecno-pornografia.
Outra caricatura com grande chance de convencer pessoas inteligentes e com alguma sensibilidade artística, é a que traça o ecologisamo inserido em correntes anacrónicas e recuadas da sensibilidade humana: «utopia romântica» seria um dos slogans acusatórios postos a circular pela absoluta falta de imaginação tecnocrática. Sempre acompanhada à guitarra da má fé.
Rousseau e o mito do bom selvage servem então de paradigma para crucificar o ecologista a todos os séculos XVIII dos obscurantismos pré e pós medievais. Um ver se te avias.
Não notam estes moedeiros falsos que é demasiado carregado o traço da caricatura e que a natureza romântica de Goethe, Garrett ou Rousseau tem pouco a ver com a Natureza massacrada e em agonia dos posteriores «séculos das luzes».
É que a exaltação romântica da Natureza tem mais a ver, hoje, com um elegia de Pascoaes do que com um Hino ao Sol de S. Francisco de Assis. E que a Joaninha dos Olhos Verdes já foi nas enxurradas diluvianas de um Ribatejo inundado pelos crassos erros ecológicos perpetrados sobre todo o território português em geral e sobre as bacias hidrográficas em particular.
A floresta negra dos contos hoffmanianos é hoje uma monocultura industrial de eucaliptos, esse pepino celulósico , esse «fascista dos campos» como me dizia um camponês em Casebres (Alcácer do Sal).
«CIVILIZAÇÃO» OU BARBÁRIE TECNOLÓGICA?
A fraternidade universal com laivos de promiscuidade comunitária ( quiçá comunista) é outra caricatura tentada pelos artistas da tecno-asneira.
Nós, ecologistas, seríamos (a esta lupa) os monges trapistas do século XX, coisa que a mim não me ofende nada, antes pelo contrário, que historicamente é uma fantasia ou falsidade mas que na boca deles significa um escarro de insulto mortal.
Se a Ordem dos Mateiros sonhada por Antero de Quental veio a ter expressão no moderno comunitarismo da não violência gandhiana e se muito tem o ecologismo a aprender (cozinha e nem só) com os monges zen budistas e das ordens iniciáticas tibetanas, ou mesmo com os monges das mais austeras ordens religiosas da Europa, é porque o neo-tribalismo da ecologia pobre, hoje, aponta para uma arte de viver comunitária, de austeridade ecológica é certo mas que por isso mesmo desmente os arrobos românticos, utopistas e anarco-individualistas com que nos querem rotular.
Se tecnocrata soubesse ler, aconselhava-o a que se informasse junto do filósofo Gary Snider a sua interessante tese sobre neo-tribalismo. Mas creio mais acertado aconselhar-lhe alcagoita e futebol ao domingo.
Por mais caricaturas , portanto, ora a carvão ora a nuclear, que eles pintem por essas paredes, não há hipótese de colocar o ecologismo , enquanto corrente de sensibilidade, enquanto dialéctica, enquanto movimento de opinião, enquanto diástese de infinitas reacções em cadeia, fora do seu lugar historicamente irreversível na evolução cósmica do homem e da terra, lugar que é o de vanguarda , coração e motor daquela evolução.
Chopin, tossindo, queixar-se-ia em dó menor dos seus males de amor. A queixa, hoje, é pela Terra que spofre. A doença, o absinto, o vício, o desregramento dos instintos (Rimbaud) e outras marcas da sensibilidasde decadentista, podem surghir hoje entre alguns ecologistas, ainda confusos (alienados?) entre a doença do Ego e a Doença da Natureza.
Ao marcar posição face às hecatombes modernas ( indústria nuclear, apocalipse climático, toxicomania generalizada crónica, endemias sócio-psíquicas, guerra de nervos a cargo das multinacionais, férreas escravaturas a tecno-estruturas ou burocracias kafkianas, mistificação sistemática do facto em vez de informação pedagógica, lavagens gigantescas ao cérebro com todos os detergente da publicidade comercial e partidária, etc.) o ecologista não recua para nenhuma etapa histórica da sensibilidade estética ou do pensamento, da tecnologia, da indústria ou da ciência. Exige e preconiza, face à tecno-barbárie, as tecnologias civilizadas, evoluídas, alternativas e solares da próxima idade do Aquário.
NA LINHAGEM DOS PROFETAS
Traçar da evolução humana uma linha recta linear de zero a infinito e fazer do homem europeu o umbigo do Universo é que é de macaco darwiniano. Todos sabem, hoje, que as civilizações nascem e morrem, tem havido muitas, há subida , apogeu e declínio, enfim, a imagem é de linhas sinusoidais e não de curva exponencial única.
Que totalitarismo este do europocêntrico. E aviado estava o Mundo se só tivesse havido Europa e seus colonizadores. Grande chatice seria esta vida.
O ECOLOGISTA SENTE A DOENÇA DA MÃE TERRA COMO SE SUA FOSSE
Se a decadentistas, niilistas, existencialistas – e outras portas que o ateísmo positivista fechou na nossa cara – era a doença individual que os obcecava e se disso fizeram as suas obras mais ou menos primas , muitas épocas das artes e das letras, o ecologista vibra com a doença , a crise de toda a natureza.
E esse diagnóstico não nasceu do nada (embora ao Nada tivesse conduzido quase todas as correntes estéticas, que no último século se foram sucessivamente auto-suicidando com grande gáudio das plateias...) .
Convulsões estéticas do dadaísmo ao futurismo, do surrealismo ao realismo fantástico, do cubismo ao abstracto são peças do mesmo puzzle auto-crítico, proeza com que André Malraux se excitava muito, ao afirmar que só a cultura europeia tinha esse mérito de se auto (corroer) criticar.
Sintomas da mesma doença, sinais da mesma crise, desembocam todos no estuário podre, poluído, eutrofizado e pantanoso do mundo industrial actual. Mas há uma linha ininterrupta que, na história estética do pensamento, liga pré-socráticos, heresias, feiticeiros da Idade Média, alquimistas, românticos, decadentistas, surrealistas, existencialistas, realismo fantástico, contra-cultura juvenil, contestação estudantil, Maio 68, ovnilogismo...
Se tentarmos um denominador comum na linha da heresia, talvez seja este: o sistema mais ou menos em choque com os ecossistemas.
Para lá das manifestações sectoriais, das lutas e polémicas, dos casos específicos ou regionais, dos micro-climas virados do avesso, dos lagos eutrofizados e dos rios-cloaca, para lá do litoral ameaçado pela invasão oceânica das marés negras e do interior colonizado por monoculturas gigantescas de eucalipto, cártamo, girassol, tomate e (agora também) tabaco ou (daqui a nada) beterraba e algodão, para lá da água que falta (e do ciclo hídrico baldeado) ou da que por estar a mais provoca enxurrada, erosão e assoreamento numa soma de factores que nos pode levar ao dilúvio em dois minutos, para lá da poluição alimentar e da doce demagogia anti-poluição ou defesa do consumidor que engordam (ainda mais) os poluidores, para lá da recuperação, em forma, que o capitalismo está fazendo das tecnologias solares e das eco-alternativas energéticas em geral (porque o socialismo dorme a sono solto quanto a alternativas) para lá dos equívocos ambientalistas, conservacionistas, proteccionistas, etc.
Para lá da má fé deliberada ou da ignorância fanfarrona (que mete os ecologistas na pia do regressismo passadista) , a corrente ecologista é, enquanto vaga de fundo da evolução cósmica, essa herdeira recente de uma linhagem (nobre) de profetas, alquimistas, feiticeiros, iniciados, místicos e monges, artistas e filósofos panteístas.
«Prever as grandes linhas do futuro na leitura dos factos do presente à luz das profecias do passado.”
Não há outra maneira de definir ecologismo, por mais caricaturas que eles pintem, por esses tecno-bordéis fora...
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(*) Este texto de Afonso Cautela, de que peço muita desculpa, foi publicado no jornal «A Capital», «Crónica do Planeta Terra», 15-12-1979
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CARICATURAS DO ECOLOGISMO E CRISE DO AMBIENTE(*)
[(*) Este texto de Afonso Cautela, de que peço muita desculpa, foi publicado no jornal «A Capital», «Crónica do Planeta Terra», 15-12-1979]
As tentativas de caricaturar o ecologismo não têm obtido grande êxito intelectual: pelo menos entre artistas e pessoas de sensibilidade ou imaginação, as teses «caricatas» que o tecnocrata (quer de esquerda, quer de direita) insiste em manter sobre o ecologista, não logram grande audiência, talvez pela deformante grosseria do traço.
Acusar, como fazem certos tecno-primatas, o ecologista de querer «regressar às cavernas» só porque rejeita ou analisa criticamente a barbárie do crescimento económico infinito, só porque denuncia mitos, sofismas, crimes da ciência, da tecnologia e da indústria coligadas, é uma dessas caricaturas só possíveis de circular nos meios ordinários da tecno-pornografia.
Outra caricatura com grande chance de convencer pessoas inteligentes e com alguma sensibilidade artística, é a que traça o ecologisamo inserido em correntes anacrónicas e recuadas da sensibilidade humana: «utopia romântica» seria um dos slogans acusatórios postos a circular pela absoluta falta de imaginação tecnocrática. Sempre acompanhada à guitarra da má fé.
Rousseau e o mito do bom selvage servem então de paradigma para crucificar o ecologista a todos os séculos XVIII dos obscurantismos pré e pós medievais. Um ver se te avias.
Não notam estes moedeiros falsos que é demasiado carregado o traço da caricatura e que a natureza romântica de Goethe, Garrett ou Rousseau tem pouco a ver com a Natureza massacrada e em agonia dos posteriores «séculos das luzes».
É que a exaltação romântica da Natureza tem mais a ver, hoje, com um elegia de Pascoaes do que com um Hino ao Sol de S. Francisco de Assis. E que a Joaninha dos Olhos Verdes já foi nas enxurradas diluvianas de um Ribatejo inundado pelos crassos erros ecológicos perpetrados sobre todo o território português em geral e sobre as bacias hidrográficas em particular.
A floresta negra dos contos hoffmanianos é hoje uma monocultura industrial de eucaliptos, esse pepino celulósico , esse «fascista dos campos» como me dizia um camponês em Casebres (Alcácer do Sal).
«CIVILIZAÇÃO» OU BARBÁRIE TECNOLÓGICA?
A fraternidade universal com laivos de promiscuidade comunitária ( quiçá comunista) é outra caricatura tentada pelos artistas da tecno-asneira.
Nós, ecologistas, seríamos (a esta lupa) os monges trapistas do século XX, coisa que a mim não me ofende nada, antes pelo contrário, que historicamente é uma fantasia ou falsidade mas que na boca deles significa um escarro de insulto mortal.
Se a Ordem dos Mateiros sonhada por Antero de Quental veio a ter expressão no moderno comunitarismo da não violência gandhiana e se muito tem o ecologismo a aprender (cozinha e nem só) com os monges zen budistas e das ordens iniciáticas tibetanas, ou mesmo com os monges das mais austeras ordens religiosas da Europa, é porque o neo-tribalismo da ecologia pobre, hoje, aponta para uma arte de viver comunitária, de austeridade ecológica é certo mas que por isso mesmo desmente os arrobos românticos, utopistas e anarco-individualistas com que nos querem rotular.
Se tecnocrata soubesse ler, aconselhava-o a que se informasse junto do filósofo Gary Snider a sua interessante tese sobre neo-tribalismo. Mas creio mais acertado aconselhar-lhe alcagoita e futebol ao domingo.
Por mais caricaturas , portanto, ora a carvão ora a nuclear, que eles pintem por essas paredes, não há hipótese de colocar o ecologismo , enquanto corrente de sensibilidade, enquanto dialéctica, enquanto movimento de opinião, enquanto diástese de infinitas reacções em cadeia, fora do seu lugar historicamente irreversível na evolução cósmica do homem e da terra, lugar que é o de vanguarda , coração e motor daquela evolução.
Chopin, tossindo, queixar-se-ia em dó menor dos seus males de amor. A queixa, hoje, é pela Terra que spofre. A doença, o absinto, o vício, o desregramento dos instintos (Rimbaud) e outras marcas da sensibilidasde decadentista, podem surghir hoje entre alguns ecologistas, ainda confusos (alienados?) entre a doença do Ego e a Doença da Natureza.
Ao marcar posição face às hecatombes modernas ( indústria nuclear, apocalipse climático, toxicomania generalizada crónica, endemias sócio-psíquicas, guerra de nervos a cargo das multinacionais, férreas escravaturas a tecno-estruturas ou burocracias kafkianas, mistificação sistemática do facto em vez de informação pedagógica, lavagens gigantescas ao cérebro com todos os detergente da publicidade comercial e partidária, etc.) o ecologista não recua para nenhuma etapa histórica da sensibilidade estética ou do pensamento, da tecnologia, da indústria ou da ciência. Exige e preconiza, face à tecno-barbárie, as tecnologias civilizadas, evoluídas, alternativas e solares da próxima idade do Aquário.
NA LINHAGEM DOS PROFETAS
Traçar da evolução humana uma linha recta linear de zero a infinito e fazer do homem europeu o umbigo do Universo é que é de macaco darwiniano. Todos sabem, hoje, que as civilizações nascem e morrem, tem havido muitas, há subida , apogeu e declínio, enfim, a imagem é de linhas sinusoidais e não de curva exponencial única.
Que totalitarismo este do europocêntrico. E aviado estava o Mundo se só tivesse havido Europa e seus colonizadores. Grande chatice seria esta vida.
O ECOLOGISTA SENTE A DOENÇA DA MÃE TERRA COMO SE SUA FOSSE
Se a decadentistas, niilistas, existencialistas – e outras portas que o ateísmo positivista fechou na nossa cara – era a doença individual que os obcecava e se disso fizeram as suas obras mais ou menos primas , muitas épocas das artes e das letras, o ecologista vibra com a doença , a crise de toda a natureza.
E esse diagnóstico não nasceu do nada (embora ao Nada tivesse conduzido quase todas as correntes estéticas, que no último século se foram sucessivamente auto-suicidando com grande gáudio das plateias...) .
Convulsões estéticas do dadaísmo ao futurismo, do surrealismo ao realismo fantástico, do cubismo ao abstracto são peças do mesmo puzzle auto-crítico, proeza com que André Malraux se excitava muito, ao afirmar que só a cultura europeia tinha esse mérito de se auto (corroer) criticar.
Sintomas da mesma doença, sinais da mesma crise, desembocam todos no estuário podre, poluído, eutrofizado e pantanoso do mundo industrial actual. Mas há uma linha ininterrupta que, na história estética do pensamento, liga pré-socráticos, heresias, feiticeiros da Idade Média, alquimistas, românticos, decadentistas, surrealistas, existencialistas, realismo fantástico, contra-cultura juvenil, contestação estudantil, Maio 68, ovnilogismo...
Se tentarmos um denominador comum na linha da heresia, talvez seja este: o sistema mais ou menos em choque com os ecossistemas.
Para lá das manifestações sectoriais, das lutas e polémicas, dos casos específicos ou regionais, dos micro-climas virados do avesso, dos lagos eutrofizados e dos rios-cloaca, para lá do litoral ameaçado pela invasão oceânica das marés negras e do interior colonizado por monoculturas gigantescas de eucalipto, cártamo, girassol, tomate e (agora também) tabaco ou (daqui a nada) beterraba e algodão, para lá da água que falta (e do ciclo hídrico baldeado) ou da que por estar a mais provoca enxurrada, erosão e assoreamento numa soma de factores que nos pode levar ao dilúvio em dois minutos, para lá da poluição alimentar e da doce demagogia anti-poluição ou defesa do consumidor que engordam (ainda mais) os poluidores, para lá da recuperação, em forma, que o capitalismo está fazendo das tecnologias solares e das eco-alternativas energéticas em geral (porque o socialismo dorme a sono solto quanto a alternativas) para lá dos equívocos ambientalistas, conservacionistas, proteccionistas, etc.
Para lá da má fé deliberada ou da ignorância fanfarrona (que mete os ecologistas na pia do regressismo passadista) , a corrente ecologista é, enquanto vaga de fundo da evolução cósmica, essa herdeira recente de uma linhagem (nobre) de profetas, alquimistas, feiticeiros, iniciados, místicos e monges, artistas e filósofos panteístas.
«Prever as grandes linhas do futuro na leitura dos factos do presente à luz das profecias do passado.”
Não há outra maneira de definir ecologismo, por mais caricaturas que eles pintem, por esses tecno-bordéis fora...
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(*) Este texto de Afonso Cautela, de que peço muita desculpa, foi publicado no jornal «A Capital», «Crónica do Planeta Terra», 15-12-1979
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