NATURISMO 1973
1-4 - 73-02-10-IE> = ideia ecológica - quinta-feira, 5 de Dezembro de 2002-scan
O NATURISMO PRECURSOR(*)
[(*) Este texto de Afonso Cautela, a que não retiro hoje uma vírgula, foi publicado no livro edição do autor, «Contributo à Revolução Ecológica», Paço de Arcos, 1976 ]
10/Fevereiro/1973 - Creio que, sem falsa modéstia, todos os naturistas, de longa ou de fresca data, se podem felicitar por serem os precursores da ciência que no entender de muitos (e no meu também) é a mais importante ciência do nosso tempo, aquela de que todas as outras (tudo e todos) dependem: a Ecologia.
Os naturistas previram (ou profetizaram) o tempo em que o ambiente se tornaria um problema de escala planetária, tão importante como a fome, o desarmamento e a guerra da Indochina.
Os naturistas previram, primeiro do que ninguém, as agressões cada vez mais frequentes e intensas que viriam a perpetrar-se contra o ambiente e sentiram essas agressões como verdadeiros crimes que os códigos estão em vias de sancionar.
Para os naturistas, tal como hoje para toda a gente, a conservação da Natureza foi sempre um caso de vida ou de morte para o próprio homem, lei fundamental da Ecologia.
Os naturistas foram e são os verdadeiros precursores do movimento ecológico que tem vindo a intensificar-se em progressão geométrica. Todos falam de poluição, agora. Mas, sem falar dela, era dela que os naturistas sempre falavam.
Alguns jornais, puxando ao sensacionalismo do tema que até se pode tornar inócuo - tudo está na habilidade sofística do jornalista - procuram apenas a superfície, em vez de se lhe dedicarem em profundidade. A poluição tanto serve para discursos demagógicos de candidatos a eleições como para alarmes apocalípticos dos que se encontram desejosos de acabar com o resto de fé, de esperança e de caridade que teima em existir no coração dos homens e que liga a humanidade a si própria.
Claro que nem todos os naturistas se aperceberam do alcance que a sua doutrina pode ter, quando enquadrada numa perspectiva ecológica e a necessidade que há desse enquadramento para que o naturismo seja efectivamente uma posição capaz de se apresentar em qualquer circunstância sem vergonha nem medo de paralelos. As terapêuticas naturais obtêm o seu mais sólido apoio teórico numa visão causal do meio ambiente e só essa visão as torna indiscutíveis.
Não é raro ouvir naturistas raciocinar ainda em termos de Sintomatologia que são, exactamente, o contrário da visão ecológica.
O EXEMPLO DA ARGILA
Não há dúvida que a argila, por exemplo, concorre para curas interessantes, como adjuvante de outras terapêuticas, alimentares e de agentes físicos, conduz a resultados positivos, se fizer parte de uma cadeia causal a que todo o processo de terapêutica natural tem que estar submetido.
Há, porém, quem "receite" a argila com a mesma mentalidade com que a alopatia receita medicamentos. Completamente desligada do conjunto a que toda a naturopatia tem de referir-se continuamente, eu diria, tentando a síntese, que a perspectiva ecológica é o esforço constante de referir sempre tudo a tudo, as partes à totalidade, o particular ao geral, o local ao universal. A Ecologia, com efeito, reafirma e parafraseia em termos modernos aquele axioma da sabedoria tradicional esotérica que diz: "tudo se liga a tudo". Ou o que está em baixo é igual ao que está em cima, o microcosmos é o espelho do macrocosmos. Já alguém disse que a Ecologia é apenas a versão moderna da Astrologia. Sou dos que aceitam essa definição.
Mas voltando ao equívoco da argila. Se não se mudam os hábitos do doente, nem o seu ambiente, nem as relações recíprocas entre eles, a argila aplica-se pura e simplesmente como panaceia. Como tratamento e não como cura. Medicamento e não terapêutica. Se as causas profundas permanecem sem alteração, é porque falta uma visão científica, ecológica, não sintomatológica a essa terapêutica, falsamente então assim designada.
Com este exemplo da argila queria sublinhar que a Ecologia é o fundamento teórico e prático do naturismo. A ciência que autoriza qualquer de nós a ocupar-se e a preocupar-se com a sua própria saúde. A base factual que racionaliza uma doutrina porventura pouco racional em certos dos seus representantes, em alguns mística e em outros zoófila, mesmo espiritista.
CEREAIS COMPLETOS
Há outro aspecto em que o naturismo não pode desligar-se da Ecologia e dos problemas de Ambiente.
Recomenda-se, por exemplo, o consumo de cereais completos. Mas o naturista logo verifica, na prática, que está cercado por todos os lados de cereais incompletos e que muito terá de andar para os conseguir em termos. Quando o consegue, verifica ainda que esses cereais, contra o principio básico do naturismo, foram cultivados com produtos químicos. Verifica, aliás, que a maior parte dos alimentos à venda no mercado são contra as leis básicas do naturismo. Ou porque estão refinados e deveriam ser integrais, ou porque recorrem a aditivos e conservantes, e deveriam ser puramente biológicos. Ou porque resultam de ambientes contaminados sistematicamente (DDT) ou por acidente (águas de rios poluídas por fábricas).
Quer dizer: o naturista preconiza os alimentos em termos, mas não os tem. E para os ter, é necessário modificar todo o ambiente onde se cultivam ou manipulam.
Momentaneamente, porém, vamos supor que, por um milagre, o naturista consegue os seus cereais por cultura biológica. Ele tem, no entanto, que continuar a respirar o ar da Rua do Alecrim (que decididamente não cheira nada a alecrim), ele tem que beber água verdunizada no seu chá de hipericão, ele tem que descascar peros carregados de pesticidas, ele tem que consumir nata ou derivados do leite com percentagens de DDT bastante inquietantes, ele tem que passar os dias alarmado à espera que um sismo abane Lisboa, porque as experiências nucleares francesas não cessam e não cessa o crime universal que dessas e doutras resulta para o equilíbrio geofísico do planeta, ele tem que suportar, em casa, na rua, no trabalho, todos os ruídos de aviões, cães, escapes, claxons, construção civil que todos quiserem fazer à sua volta, no ambiente que é propriedade colectiva mas de que apenas alguns tomam o monopólio, não se importando nesga com o vizinho, ele tem que suportar, numa sala de congressos, num transporte público, no local de trabalho, o ambiente viciado pelas chaminés fumegantes dos cigarros dos outros.
Quer dizer: não basta ser naturista, nem basta ao naturista dizer que come a sua couvinha (porque a couvinha pode vir de uma terra queimada de DDT) ou comer a sua fruta, ou cozinhar o seu spaguetti: imediatamente se choca com os problemas de ambiente e é a partir destes que tudo o mais tem que ser formulado. Inexoravelmente.
Eis, pois, em resumo: o naturista é, por visão profética, um precursor da Ecologia Humana; mas, às vezes, tal como outros sectores reaccionários da sociedade, ele assume visões anti-ambiente que não abonam em nada os seus princípios.
Agora que os técnicos e especialistas, depois de poluírem o Mundo até à garganta, são os únicos a julgarem-se com direito a falar do Meio Ambiente, o naturista deve reivindicar o seu papel de precursor e o título de amigo (o mais consciente) do ambiente, e seu intransigente defensor.
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(*) Este texto de Afonso Cautela, a que não retiro hoje uma vírgula, foi publicado no livro edição do autor, «Contributo à Revolução Ecológica», Paço de Arcos, 1976
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O NATURISMO PRECURSOR(*)
[(*) Este texto de Afonso Cautela, a que não retiro hoje uma vírgula, foi publicado no livro edição do autor, «Contributo à Revolução Ecológica», Paço de Arcos, 1976 ]
10/Fevereiro/1973 - Creio que, sem falsa modéstia, todos os naturistas, de longa ou de fresca data, se podem felicitar por serem os precursores da ciência que no entender de muitos (e no meu também) é a mais importante ciência do nosso tempo, aquela de que todas as outras (tudo e todos) dependem: a Ecologia.
Os naturistas previram (ou profetizaram) o tempo em que o ambiente se tornaria um problema de escala planetária, tão importante como a fome, o desarmamento e a guerra da Indochina.
Os naturistas previram, primeiro do que ninguém, as agressões cada vez mais frequentes e intensas que viriam a perpetrar-se contra o ambiente e sentiram essas agressões como verdadeiros crimes que os códigos estão em vias de sancionar.
Para os naturistas, tal como hoje para toda a gente, a conservação da Natureza foi sempre um caso de vida ou de morte para o próprio homem, lei fundamental da Ecologia.
Os naturistas foram e são os verdadeiros precursores do movimento ecológico que tem vindo a intensificar-se em progressão geométrica. Todos falam de poluição, agora. Mas, sem falar dela, era dela que os naturistas sempre falavam.
Alguns jornais, puxando ao sensacionalismo do tema que até se pode tornar inócuo - tudo está na habilidade sofística do jornalista - procuram apenas a superfície, em vez de se lhe dedicarem em profundidade. A poluição tanto serve para discursos demagógicos de candidatos a eleições como para alarmes apocalípticos dos que se encontram desejosos de acabar com o resto de fé, de esperança e de caridade que teima em existir no coração dos homens e que liga a humanidade a si própria.
Claro que nem todos os naturistas se aperceberam do alcance que a sua doutrina pode ter, quando enquadrada numa perspectiva ecológica e a necessidade que há desse enquadramento para que o naturismo seja efectivamente uma posição capaz de se apresentar em qualquer circunstância sem vergonha nem medo de paralelos. As terapêuticas naturais obtêm o seu mais sólido apoio teórico numa visão causal do meio ambiente e só essa visão as torna indiscutíveis.
Não é raro ouvir naturistas raciocinar ainda em termos de Sintomatologia que são, exactamente, o contrário da visão ecológica.
O EXEMPLO DA ARGILA
Não há dúvida que a argila, por exemplo, concorre para curas interessantes, como adjuvante de outras terapêuticas, alimentares e de agentes físicos, conduz a resultados positivos, se fizer parte de uma cadeia causal a que todo o processo de terapêutica natural tem que estar submetido.
Há, porém, quem "receite" a argila com a mesma mentalidade com que a alopatia receita medicamentos. Completamente desligada do conjunto a que toda a naturopatia tem de referir-se continuamente, eu diria, tentando a síntese, que a perspectiva ecológica é o esforço constante de referir sempre tudo a tudo, as partes à totalidade, o particular ao geral, o local ao universal. A Ecologia, com efeito, reafirma e parafraseia em termos modernos aquele axioma da sabedoria tradicional esotérica que diz: "tudo se liga a tudo". Ou o que está em baixo é igual ao que está em cima, o microcosmos é o espelho do macrocosmos. Já alguém disse que a Ecologia é apenas a versão moderna da Astrologia. Sou dos que aceitam essa definição.
Mas voltando ao equívoco da argila. Se não se mudam os hábitos do doente, nem o seu ambiente, nem as relações recíprocas entre eles, a argila aplica-se pura e simplesmente como panaceia. Como tratamento e não como cura. Medicamento e não terapêutica. Se as causas profundas permanecem sem alteração, é porque falta uma visão científica, ecológica, não sintomatológica a essa terapêutica, falsamente então assim designada.
Com este exemplo da argila queria sublinhar que a Ecologia é o fundamento teórico e prático do naturismo. A ciência que autoriza qualquer de nós a ocupar-se e a preocupar-se com a sua própria saúde. A base factual que racionaliza uma doutrina porventura pouco racional em certos dos seus representantes, em alguns mística e em outros zoófila, mesmo espiritista.
CEREAIS COMPLETOS
Há outro aspecto em que o naturismo não pode desligar-se da Ecologia e dos problemas de Ambiente.
Recomenda-se, por exemplo, o consumo de cereais completos. Mas o naturista logo verifica, na prática, que está cercado por todos os lados de cereais incompletos e que muito terá de andar para os conseguir em termos. Quando o consegue, verifica ainda que esses cereais, contra o principio básico do naturismo, foram cultivados com produtos químicos. Verifica, aliás, que a maior parte dos alimentos à venda no mercado são contra as leis básicas do naturismo. Ou porque estão refinados e deveriam ser integrais, ou porque recorrem a aditivos e conservantes, e deveriam ser puramente biológicos. Ou porque resultam de ambientes contaminados sistematicamente (DDT) ou por acidente (águas de rios poluídas por fábricas).
Quer dizer: o naturista preconiza os alimentos em termos, mas não os tem. E para os ter, é necessário modificar todo o ambiente onde se cultivam ou manipulam.
Momentaneamente, porém, vamos supor que, por um milagre, o naturista consegue os seus cereais por cultura biológica. Ele tem, no entanto, que continuar a respirar o ar da Rua do Alecrim (que decididamente não cheira nada a alecrim), ele tem que beber água verdunizada no seu chá de hipericão, ele tem que descascar peros carregados de pesticidas, ele tem que consumir nata ou derivados do leite com percentagens de DDT bastante inquietantes, ele tem que passar os dias alarmado à espera que um sismo abane Lisboa, porque as experiências nucleares francesas não cessam e não cessa o crime universal que dessas e doutras resulta para o equilíbrio geofísico do planeta, ele tem que suportar, em casa, na rua, no trabalho, todos os ruídos de aviões, cães, escapes, claxons, construção civil que todos quiserem fazer à sua volta, no ambiente que é propriedade colectiva mas de que apenas alguns tomam o monopólio, não se importando nesga com o vizinho, ele tem que suportar, numa sala de congressos, num transporte público, no local de trabalho, o ambiente viciado pelas chaminés fumegantes dos cigarros dos outros.
Quer dizer: não basta ser naturista, nem basta ao naturista dizer que come a sua couvinha (porque a couvinha pode vir de uma terra queimada de DDT) ou comer a sua fruta, ou cozinhar o seu spaguetti: imediatamente se choca com os problemas de ambiente e é a partir destes que tudo o mais tem que ser formulado. Inexoravelmente.
Eis, pois, em resumo: o naturista é, por visão profética, um precursor da Ecologia Humana; mas, às vezes, tal como outros sectores reaccionários da sociedade, ele assume visões anti-ambiente que não abonam em nada os seus princípios.
Agora que os técnicos e especialistas, depois de poluírem o Mundo até à garganta, são os únicos a julgarem-se com direito a falar do Meio Ambiente, o naturista deve reivindicar o seu papel de precursor e o título de amigo (o mais consciente) do ambiente, e seu intransigente defensor.
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(*) Este texto de Afonso Cautela, a que não retiro hoje uma vírgula, foi publicado no livro edição do autor, «Contributo à Revolução Ecológica», Paço de Arcos, 1976
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