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2006-03-29

A. TOFFLER 1985

1-3 -toffler-1-ls> =leituras selectas - quarta-feira, 1 de Janeiro de 2003-scan
O TRUQUE DA «TERCEIRA VAGA» - À VELOCIDADE DA LUZ

[«Crónica do Planeta Terra», «A Capital», 30-3-1985]

Os poucos que em Portugal se atrevem , contra burocratas e tecnocratas , a trabalhar pelo advento da sociedade pós-industrial, têm motivos para ficar cheios de inveja com a recepção oficial prestada ao autor norte-americano Alvin Toffler, que sob a designação de "terceira vaga" procura fazer esquecer os horrores da Segunda.

Com os 4.000 contos por dia pagos ao famoso autor de «O Choque do Futuro», já os "alternativos" portugueses tinham a esta hora lançado os alicerces da sociedade em que muitos vão falando, por mimetismo, mas poucos construindo.

Ideias não nos faltam, o que nos falta é computadores para escrever, à velocidade da luz, os livros do senhor Toffler. O que nos falta a nós, os defensores da sociedade pós-industrial, é ser convidados para vir a Portugal fazer conferências...

O MUNDO DA LIBERDADE

O "sistema industrial" afunda-se, mete água por todos os lados e a ciência médica dá-lhe poucos anos de vida. Fala-se mesmo em Apocalipse.

Quando tantos ainda refocilam para tentar "segurar" esse barco, que mete água por todos os lados, é de notar que muitos outros, entretanto, já tomaram o partido do futuro, e já viram que não vale a pena continuar dando corda a um moribundo incurável, optando pelo "salto em frente" a que chamam estratégia pós-industrial.

É o que hoje, na realidade, fundamentalmente separa e divide as opiniões: a principal clivagem é entre os que defendem um mundo em putrefacção e os que já estão a trabalhar para um mundo vivo.

As três vagas de que fala Alvin Toffler seriam, segundo o autor, o Mundo Agrícola, o mundo do industrialismo e agora, já visível, o mundo da liberdade.

Evidencia ele de que maneira os nossos pensamentos, mesmo os que se consideram mais progressistas e voltados para o futuro, se encontram irremediavelmente ligados ao passado e são hoje anacrónicos.

Esse anacronismo sente-se - segundo Toffler - com particular acuidade nas ideologias marxistas, esclerosadas e cristalizadas em dogmas que degeneram em cancros mentais

A cavalgada dos factos aparece então como essa poderosa "terceira vaga" que vai deixando as ideologias, o blá-blá das ideologias, como detritos e restos de um mundo ultrapassado, à velocidade da luz.

O MODELO FABRIL

Algumas constantes sistematizadas e sintetizadas por Alvin Toffler têm vindo, nos últimos vinte anos, a ser matéria de análises parciais.

Os chamados "investigadores paralelos", já tinham intuído algumas das ideias-chave expostas por Alvin Toffler.

A sociedade industrial reproduz, a vários níveis e à maneira de um sistema de caixas chinesas, o modelo "fábrica" : muitos dos conflitos que se atribuem à "maldade humana" são produtos directos do sistema industrial, do modelo "fábrica", são a "luta de classes" levada a todos os campos da actividade humana.

Alvin Toffler chama-lhe a "Segunda Vaga" mas autores do realismo ecológico já lhe haviam chamado o "sistema que destroi os ecossistemas" , sistema comprovadamente totalitário na essência.

Toffler acredita que a "segunda vaga" está moribunda, e que só lhe resta estrebuchar nos últimos minutos da sua vigência, optimismo que muitos, vítimas de monopólios e totalitarismos da tal segunda vaga, dificilmente lhe perdoarão.

A marca concentracionária do industrialismo é descrita por Toffler em termos de bastante vigor, como a "época dos grandes encarceramentos" - o tempo em que os criminosos "eram" (?) apanhados e concentrados em prisões, os doentes mentais em manicómios e as crianças em escolas, exactamente como os "trabalhadores em fábricas".

MÃOZINHA DE COMPUTADOR

Outra confirmação feita neste livro é a famosa "divisão do trabalho" que as análises marxistas atribuíram ao capitalismo.

Aliás, muitas das análises marxistas aplicaram ao capitalismo juízos que mais cientificamente deviam ser aplicados ao industrialismo. Ainda hoje, quando está suficientemente claro que é o desenvolvimento que gera o subdesenvolvimento, ainda há quem queira atribuir ao capitalismo, stritu senso, as culpas exclusivas no fabrico da miséria, culpas que inteiramente cabem ao modelo industrial de sociedades, criando o mundo "concentracionário" das cidades e gerando aí, necessariamente, os anéis do "lumpen-proletariado", resultado das crises cíclicas do mercado e das economias de mercado.

Ao pretender salvar o industrialismo culpando o capitalismo, a análise marxista aparece hoje, nomeadamente com o livro de Toffler, em todo o seu anacronismo, conivente num estado de coisas que estruturalmente o marxismo também não pretende mudar.

Mas que hoje , no mundo, há milhões de pessoas a quererem mudar.

Aparece claro que a estandartização e a taylorização são um produto do industrialismo, assim como a alienação do trabalhador à cadeia de montagem, a divisão do trabalho e até a divisão chamada "luta de classes" , cujo único desfecho lógico, como já tivemos ocasião de referir nesta crónica ( 9 de Julho de 1983) é o holocausto nuclear.

A virtude de Toffler sobre os outros críticos do industrialismo como Ivan Illich, é não só a carga histórica exaustiva que compila para ilustrar a tese (e onde deve andar mãozinha de computador) , como a clareza da exposição e a pouca ou nenhuma interferência filosófica na descrição, aparentemente neutra e objectiva, dos factos.

Esta última característica, que transforma alguns textos de Illich em charadas só acessíveis a raros, está logicamente ausente do livro de Toffler, que tem a vantagem de vulgarizar e popularizar, em linguagem jornalística, acessível a todos, as críticas ao industrialismo já feitas por outros autores, mas ainda não "ouvidas" pelo grande publico.

E NÒS, TERCEIRO MUNDO?

Na sua ultrapassagem do industrialismo à velocidade da luz, Alvin Toffler diz cobras e lagartos dessa fase infeliz que a Humanidade teve que atravessar.

No gozo da ultrapassagem, quase se esquece de fazer o costumado e solene elogio às qualidades que o industrialismo , afinal, e bem vistas as coisas, até tem...

Comparado às pestes terríveis da Idade Media, as chamadas "maravilhas da Técnica" , as "pestes modernas" e as "doenças da civilização" não deixam de constituir argumento sempre pronto a impressionar as massas e a servir de escudo quando o sistema industrial do Biocídio se encontra, sem apelo nem agravo, no banco dos réus, a responder por crime de alto genocídio contra a Humanidade e o Planeta Terra.

Aliás, se tem assim tantas virtudes, porque está aí a terceira vaga a querer entrar e a ver-se livre da segunda, senhor Toffler?

Aliás, o autor também não explica onde vai a sociedade industrial despejar os remanescentes, poluições, armas, venenos, produtos, porcarias, consumos cancerígenos e etc, quando chegarem as bem-aventuranças da terceira vaga pós-industrial.

É uma dúvida lícita que os do Terceiro Mundo como Portugal devem fazer, inquietos por saberem já como os produtos deterioriados costumam marchar, em directo, para os mercados subdesenvolvidos que os papam, consomem e anunciam, pingue-pingue nas televisões. Para onde irão, por exemplo, as centrais nucleares que os E.U. do senhor Toffler já não querem?
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(*) Este texto de Afonso Cautela, 5 estrelas, foi publicado na «Crónica do Planeta Terra», «A Capital», 30-3-1985
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