CLIMA 1979
clima-2> - temas recorrentes – temas de fundo – dossiês do silêncio – antologia de publicados
A GUERRA CLIMÁTICA CONTRA A HUMANIDADE(*)
27/3/1979 - O acto de se ter realizado no Algarve (Aldeia das Açoteias), num dos futuros desertos portugueses, portanto, a conferência preparatória da ONU sobre desertificação, dá ensejo a que se fale de um assunto raramente ventilado na imprensa e, mesmo entre especialistas da eco-geografia, sistematicamente silenciado, distraído do nosso campo de preocupações.
O deserto é, de facto, um assunto incómodo, dado que se aproxima de nós a passos largos e nada o poderá deter, a não ser uma reviravolta total no nosso sistema de crescimento e desenvolvimento económico.
O deserto é obra e graça do crescimento exponencial ou logarítmico. Querer combatê-lo é um convite a que se desista desse modelo de crescimento e se adopte outro...menos desertógeno.
No entanto, o deserto é ainda, para muito boa gente, o Sara, não tendo nós, aqui na Europa, nada a ver com esse fenómeno dos países áridos, com camelos e tuaregues.
A desertificação - note-se - é por outro lado um eufemismo usado pela ONU, de modo a que se evite falar de uma coisa muito mais real e bombástica que é a efectiva "guerra climática" movida pelos imperialismos aos países do Terceiro Mundo. Mas lá iremos...
Tal como a palavra "poluição" serviu de biombo aos tecnocratas para ocultar o Biocídio, Terceiro Mundo fora, assim a “desertificação” serve, como termo neutro, para evitar que se fale de guerra climática em particular ou de guerra ecológica em geral.
É ainda a ONU que comanda a ideologia governante nestas andanças e conferências. Atribuindo à Natureza mais este malefício - o deserto - pretendem os organismos internacionais do Ambiente (FAO e OMM, além de outros), na sua clássica política do avestruz, isentar de culpas o modelo de crescimento que, de facto, fabrica o deserto, como fabrica todos os outros tipos de destruição, genocídio, etnocídio e homicídio, destruindo, à escala planetária, todos os recursos naturais vivos.
POLUIÇÃO,ÓPIO DA ECOLOGIA
Sirva, ao menos, a palavra desertificação para desbloquear aquele status tão querido aos políticos do Ambiente e que consiste em fazer da poluição – unicamente da poluição – protagonista de uma festa onde entram dezenas de comparsas.
De facto, a poluição foi apenas uma forma hábil que os tecnocratas do Ambiente inventaram para, primeiro, minimizar a extensão da calamidade ecológica e, depois, servir de base à maior indústria do imperialismo galopante, que seria (a ter vingado) a indústria do antipoluente.
A poluição, afinal, entra apenas como um factor, entre muitos outros, de um plano mais vasto, maquiavelicamente cumprido, para a destruição do globo e seus recursos, pelo que a Ecopolítica é mil vezes mais, hoje, do que a simples luta antipoluição. A Ecopolitica será, entre outras coisas, a revolução tricontinental do Terceiro Mundo contra a pilhagem imperialista que sobre ele investe e desaba.
A luta antipoluição, aliás, deixa de fora, não só a desertificação mas outros responsáveis pelas alterações drásticas do equilíbrio planetário e do ecossistema Terra.
Indústria turística e desurbanistica;
Concentracionários urbanos e industriais;
Proliferação cancerígena do Plástico como símbolo do bioindegradável;
Assoreamento;
Erosão;
Caça e Pesca;
Eutrofização e jacinto-de-água;
Incêndios florestais criminosos e deflorestação em geral;
Inundações e secas em alternância caótica;
Culturas agrícolas industriais como cártamo, girassol, tabaco, algodão, eucalipto, etc
Queremos com esta lista incompletíssima de factores desertógenos, alertar o leitor para uma visão global e macroscópica que os problemas do globo terrestre, como o deserto, impõem.
É o sistema tecnoindustrial e o modelo de crescimento paranóico que fabrica o deserto, embora se continuem a contar histórias da carochinha sobre os "malefícios da Natureza" para embalar as crianças que são hoje os adultos manipulados pela sociedade de consumo.
PORTUGAL NA CORRIDA PARA O DESERTO
Como se pode inferir na "Introdução Geográfico Sociológica à História de Portugal", de António Sérgio, já no tempo do Viriato a lusa Pátria tinha uma irresistível vocação para a aridez.
Neste momento, há três zonas mais particularmente carecas, onde o deserto já aparece a olho nu, sem máscaras nem eufemismos da ONU: Serra do Algarve, Bacia do Mondego e Nordeste transmontano são três zonas-desastre já reconhecidas pelos técnicos do Ambiente (até) como “as mais erosionadas do país”.
Á erosão junta-se, no caso do Mondego, o assoreamento. E a ambos junta-se a facúndia dos projectos hidroagrícolas que, com a colaboração de peritos alemães, "vão corrigir os erros e desmandos da Natureza" com desmandos ainda mais gritantes.
À erosão e ao assoreamento junta-se, no Rio Tejo, por exemplo, a recente praga do Jacinto-de-Água, como em outros rios e ribeiros (albufeiras ou lagos) se junta o flagelo da eutrofização.
Alterações no regime de chuvas (ora secas intermináveis, ora intermináveis invernos) é outro factor que se encadeia nestes já enunciados. A seca de 1976 (pespontada de bátegas de água destruidoras em pontos muito localizados), não foi uma partida da Natureza: somos nós que a temos ido fabricando, com persistência evangélica, com todos os erros ecológicos.
Como se não bastasse a colonização de eucaliptos nas serras do Alto Alentejo (um dos próximos desertos em marcha), como se não bastasse a cultura industrial do cártamo e do girassol no Baixo Alentejo, como se não bastasse a erosão (da indústria) turística do nosso litoral, como se não bastasse a razia de zonas verdes e terrenos agricultáveis pela concentração urbana e industrial, como se não bastasse a implantação de mastodontes megalómanos como Sines ou Barreiro, inaugurámos agora outra carreira para o deserto que se chama "cultura do tabaco". E já nos ameaçam com outra, o algodão.
O piolho-do-trigo que, em dois anos consecutivos, assolou as searas do Baixo Alentejo, é sintoma de que os desequilíbrios produzidos por monoculturas intensivas e extensivas conduzem à praga. E a praga é outro factor gerador de desertos. Ou aproveitador do deserto, como os gafanhotos do Norte de África.
DEPOIS DE LAMBER O SUL, O SARA SOBE PARA NORTE
A ecologia do Mediterrâneo é frágil. O desastre do Sahel, com centenas de milhares de mortos, prova de que o deserto avança milhares de quilómetros em pouco menos de uma década. Culturas monstruosas de amendoim e colza num solo também frágil como o africano, são, nessa zona ao Sul do Sara, directamente responsáveis pelo avanço do deserto para o Sul, pela maior catástrofe ecológica dos tempos modernos (o dilúvio é a única de que temos notícia, nos tempos antigos...).
A crise de Ambiente em que nos debatemos - crise que toma vários cambiantes conforme as conveniências do técnico - crise de energia, climática, de água, de recursos, de alimentos, de cereais, etc -é a crise do ecossistema Terra, incapaz de resistir por mais tempo à tecnodestruição.
Eles foram longe demais no uso e abuso de todos os factores desertógenos, que conduzem por um lado à pilhagem de recursos naturais e, por outro lado, a uma introdução de energia no ecossistema que o afoga por pletora e, por outro lado ainda, à destruição dos factores ecológicos (climáticos para começar) que permitem o nascimento, crescimento e desenvolvimento desses recursos.
A guerra ecológica trava-se, portanto, em duas frentes: a destruição de recursos por um lado; e a impossibilidade física de renovar esses recursos, por outro.
Duas frentes que convergem numa única: o deserto.
deserto que em breve serão países, continentes inteiros, se antes o dilúvio (a outra face dialéctica da seca) não nos engolfar a todos misericordiosamente, deixando apenas a salvo o cimo dos Himalaias, que repetirá o ciclo cósmico e perpetuará esta estranha espécie em vias de extinção.
- - - - -
(*) Publicado no semanário «Voz do Povo», 27/3/1979
***
A GUERRA CLIMÁTICA CONTRA A HUMANIDADE(*)
27/3/1979 - O acto de se ter realizado no Algarve (Aldeia das Açoteias), num dos futuros desertos portugueses, portanto, a conferência preparatória da ONU sobre desertificação, dá ensejo a que se fale de um assunto raramente ventilado na imprensa e, mesmo entre especialistas da eco-geografia, sistematicamente silenciado, distraído do nosso campo de preocupações.
O deserto é, de facto, um assunto incómodo, dado que se aproxima de nós a passos largos e nada o poderá deter, a não ser uma reviravolta total no nosso sistema de crescimento e desenvolvimento económico.
O deserto é obra e graça do crescimento exponencial ou logarítmico. Querer combatê-lo é um convite a que se desista desse modelo de crescimento e se adopte outro...menos desertógeno.
No entanto, o deserto é ainda, para muito boa gente, o Sara, não tendo nós, aqui na Europa, nada a ver com esse fenómeno dos países áridos, com camelos e tuaregues.
A desertificação - note-se - é por outro lado um eufemismo usado pela ONU, de modo a que se evite falar de uma coisa muito mais real e bombástica que é a efectiva "guerra climática" movida pelos imperialismos aos países do Terceiro Mundo. Mas lá iremos...
Tal como a palavra "poluição" serviu de biombo aos tecnocratas para ocultar o Biocídio, Terceiro Mundo fora, assim a “desertificação” serve, como termo neutro, para evitar que se fale de guerra climática em particular ou de guerra ecológica em geral.
É ainda a ONU que comanda a ideologia governante nestas andanças e conferências. Atribuindo à Natureza mais este malefício - o deserto - pretendem os organismos internacionais do Ambiente (FAO e OMM, além de outros), na sua clássica política do avestruz, isentar de culpas o modelo de crescimento que, de facto, fabrica o deserto, como fabrica todos os outros tipos de destruição, genocídio, etnocídio e homicídio, destruindo, à escala planetária, todos os recursos naturais vivos.
POLUIÇÃO,ÓPIO DA ECOLOGIA
Sirva, ao menos, a palavra desertificação para desbloquear aquele status tão querido aos políticos do Ambiente e que consiste em fazer da poluição – unicamente da poluição – protagonista de uma festa onde entram dezenas de comparsas.
De facto, a poluição foi apenas uma forma hábil que os tecnocratas do Ambiente inventaram para, primeiro, minimizar a extensão da calamidade ecológica e, depois, servir de base à maior indústria do imperialismo galopante, que seria (a ter vingado) a indústria do antipoluente.
A poluição, afinal, entra apenas como um factor, entre muitos outros, de um plano mais vasto, maquiavelicamente cumprido, para a destruição do globo e seus recursos, pelo que a Ecopolítica é mil vezes mais, hoje, do que a simples luta antipoluição. A Ecopolitica será, entre outras coisas, a revolução tricontinental do Terceiro Mundo contra a pilhagem imperialista que sobre ele investe e desaba.
A luta antipoluição, aliás, deixa de fora, não só a desertificação mas outros responsáveis pelas alterações drásticas do equilíbrio planetário e do ecossistema Terra.
Indústria turística e desurbanistica;
Concentracionários urbanos e industriais;
Proliferação cancerígena do Plástico como símbolo do bioindegradável;
Assoreamento;
Erosão;
Caça e Pesca;
Eutrofização e jacinto-de-água;
Incêndios florestais criminosos e deflorestação em geral;
Inundações e secas em alternância caótica;
Culturas agrícolas industriais como cártamo, girassol, tabaco, algodão, eucalipto, etc
Queremos com esta lista incompletíssima de factores desertógenos, alertar o leitor para uma visão global e macroscópica que os problemas do globo terrestre, como o deserto, impõem.
É o sistema tecnoindustrial e o modelo de crescimento paranóico que fabrica o deserto, embora se continuem a contar histórias da carochinha sobre os "malefícios da Natureza" para embalar as crianças que são hoje os adultos manipulados pela sociedade de consumo.
PORTUGAL NA CORRIDA PARA O DESERTO
Como se pode inferir na "Introdução Geográfico Sociológica à História de Portugal", de António Sérgio, já no tempo do Viriato a lusa Pátria tinha uma irresistível vocação para a aridez.
Neste momento, há três zonas mais particularmente carecas, onde o deserto já aparece a olho nu, sem máscaras nem eufemismos da ONU: Serra do Algarve, Bacia do Mondego e Nordeste transmontano são três zonas-desastre já reconhecidas pelos técnicos do Ambiente (até) como “as mais erosionadas do país”.
Á erosão junta-se, no caso do Mondego, o assoreamento. E a ambos junta-se a facúndia dos projectos hidroagrícolas que, com a colaboração de peritos alemães, "vão corrigir os erros e desmandos da Natureza" com desmandos ainda mais gritantes.
À erosão e ao assoreamento junta-se, no Rio Tejo, por exemplo, a recente praga do Jacinto-de-Água, como em outros rios e ribeiros (albufeiras ou lagos) se junta o flagelo da eutrofização.
Alterações no regime de chuvas (ora secas intermináveis, ora intermináveis invernos) é outro factor que se encadeia nestes já enunciados. A seca de 1976 (pespontada de bátegas de água destruidoras em pontos muito localizados), não foi uma partida da Natureza: somos nós que a temos ido fabricando, com persistência evangélica, com todos os erros ecológicos.
Como se não bastasse a colonização de eucaliptos nas serras do Alto Alentejo (um dos próximos desertos em marcha), como se não bastasse a cultura industrial do cártamo e do girassol no Baixo Alentejo, como se não bastasse a erosão (da indústria) turística do nosso litoral, como se não bastasse a razia de zonas verdes e terrenos agricultáveis pela concentração urbana e industrial, como se não bastasse a implantação de mastodontes megalómanos como Sines ou Barreiro, inaugurámos agora outra carreira para o deserto que se chama "cultura do tabaco". E já nos ameaçam com outra, o algodão.
O piolho-do-trigo que, em dois anos consecutivos, assolou as searas do Baixo Alentejo, é sintoma de que os desequilíbrios produzidos por monoculturas intensivas e extensivas conduzem à praga. E a praga é outro factor gerador de desertos. Ou aproveitador do deserto, como os gafanhotos do Norte de África.
DEPOIS DE LAMBER O SUL, O SARA SOBE PARA NORTE
A ecologia do Mediterrâneo é frágil. O desastre do Sahel, com centenas de milhares de mortos, prova de que o deserto avança milhares de quilómetros em pouco menos de uma década. Culturas monstruosas de amendoim e colza num solo também frágil como o africano, são, nessa zona ao Sul do Sara, directamente responsáveis pelo avanço do deserto para o Sul, pela maior catástrofe ecológica dos tempos modernos (o dilúvio é a única de que temos notícia, nos tempos antigos...).
A crise de Ambiente em que nos debatemos - crise que toma vários cambiantes conforme as conveniências do técnico - crise de energia, climática, de água, de recursos, de alimentos, de cereais, etc -é a crise do ecossistema Terra, incapaz de resistir por mais tempo à tecnodestruição.
Eles foram longe demais no uso e abuso de todos os factores desertógenos, que conduzem por um lado à pilhagem de recursos naturais e, por outro lado, a uma introdução de energia no ecossistema que o afoga por pletora e, por outro lado ainda, à destruição dos factores ecológicos (climáticos para começar) que permitem o nascimento, crescimento e desenvolvimento desses recursos.
A guerra ecológica trava-se, portanto, em duas frentes: a destruição de recursos por um lado; e a impossibilidade física de renovar esses recursos, por outro.
Duas frentes que convergem numa única: o deserto.
deserto que em breve serão países, continentes inteiros, se antes o dilúvio (a outra face dialéctica da seca) não nos engolfar a todos misericordiosamente, deixando apenas a salvo o cimo dos Himalaias, que repetirá o ciclo cósmico e perpetuará esta estranha espécie em vias de extinção.
- - - - -
(*) Publicado no semanário «Voz do Povo», 27/3/1979
***
<< Home