SOFÍSTICA 1974
1-7- biocracia-4-cc> = contra a ciência ordinária – os dossiês do silêncio – antecedentes da hipótese ortomolecular - chave87> inédito 26/2/1974 (ensaio longo) - (*) a fase polémica anti-tecnocracia em geral e antí-tecnocracia médica em particular (8/5/1997)
26-2-1974
O OPORTUNISMO POLÍTICO DAS TEORIAS CIENTÍFICAS
- As teorias científicas potencializam a vocação totalitária do mundo moderno
- Biocracia das ciências humanas
- A vocação teocrática da medicina moderna
COMO NASCERAM ALGUMAS ABERRAÇÕES DA "CIÊNCIA MODERNA" (OU IDEOLOGIA BIOCRÁTICA)
“Lendo uma história da Fisiologia, verifica-se que os seus pioneiros foram teólogos, padres, curas, bispos ou vigários.
"Parece assim explicada a vocação teocrática ou inquisitorial, da (chamada) Medicina Moderna.”
26/Fevereiro/1974 - Em 1944 era entre nós a época do "serviço cultural" prestado por livros enciclopédicos por diligentes editoras ao serviço da vulgarização científica. Célebre, neste contexto, foi a Biblioteca Cosmos dirigida pelo Prof. Bento de Jesus Caraça, de quem nunca será despropositado lembrar a célebre polémica travada, na revista Vértice, com António Sérgio.
A editorial Inquérito dava muita importância à difusão científica, na qual acreditava poder alicerçar-se uma mentalidade moderna e materialistas em oposição aos vícios mentais portugueses, vícios cujo principal analista já era nessa época o referido ensaísta António Sérgio. Muito activa ao serviço da cultura e da democracia, a Inquérito publicava na sua colecção "Biblioteca de Iniciação Médica" a obra de um medíocre autor italiano, A. Mosso, sobre "A Fadiga Intelectual e Física”.
Se a vou exumar numa breve e sumária análise de inventário, não é tanto pelo conteúdo mas porque exemplifica algumas "questões de método” interessantes e porque me parece conter, nessa perspectiva, alguns ingredientes típicos de uma mitologia que, vigente na época, ainda hoje é a ideologia dominante da ciência - a Sofistica - não só entre nós mas em vastas zonas do Mundo, incluindo Europa, colonizadas pelas academias e universidades europeias.
A FADIGA HUMANA
Para nos falar da fadiga humana, A. Mosso estende-se num longo e fastidioso intróito (que ocupa quase metade do volume) sobre o voo das aves (quando não sobre rãs estendidas na mesa de observações) , gabando-se do seu "laboratório", um terraço onde procedia a observações dessas aves. A columbofilia teria beneficiado imenso com as investigações do sábio.
Como se vê, essa observação "científica" parte de um princípio discutível, logo transformado em sofisma se o mantivermos sem discussão: A. Mosso estava persuadido de que as aves migradoras que vinham do Norte de África e de outro lugares afastados, haviam de chegar ali, ao seu terraço, "cansadas".
Aplicando às aves um conhecimento empírico do que sucede aos homens, não se sabe de onde tira ele este princípio, mas a verdade é que jamais o põe em discussão e lhe serve para toda a sua futura argumentação.
Veremos a seguir que , com o mesmo desplante, A. Mosso usará o princípio inverso: que é aplicar ao homem o conhecimento dos fenómenos observados em aves ou , de uma maneira geral, em animais. Mas mais completo ainda é quando a seguir verificarmos como esta vertente leva ainda a pontos de maior paroxismo: quando aplica ao homem princípios ou leis verificados no mundo inanimado.
Mas nessa época, tanto como na nossa, muita coisa era tabu e intocável no domínio da"ciência" : e muitos como ele, ontem e hoje, acreditam que o conhecimento do comportamento animal ou do mundo físico se pode aplicar, mutati mutandis, ao comportamento humano.
Típico vício metodológico de um positivismo bastante podre, é de princípios tecnocráticos" como esse animalismo que ainda estamos a viver(sic) hoje.
Outra peremptória asserção de A. Mosso diz respeito a uma obra que cita com grande unção religiosa:"De motu Animalium", de Afonso Borelli, obra onde se defendia a tese de que o animal é uma máquina,
(Desta tese, como se sabe, derivou aquela outra - hoje um axioma indiscutível, hoje um sofisma mais - de que "o corpo humano é uma máquina".)
Vangloria-se A. Mosso desta tese mecanicista:
"Creio não exagerar afirmando que as visões mecânicas que constituem a base da fisiologia moderna tiveram a sua primeira expressão na obra " De Motu Animalium" , do tal Borellí."
"Para o provar"- diz ainda A. Mosso - "basta lembrar a seguinte frase que se encontra na introdução desta obra: "As operações dos animais fazem-se por causas, instrumentos e razões mecânicas."
E conclui, vitorioso deste seu pan-mecanicismo: "Mesmo num livro moderno (sic), a concepção do mecanismo não poderia ter melhor expressão.”
A preocupação do moderno é patente no discurso de A. Mosso e a sua idolatria também. Tudo se subordina aos "avanços da ciência", a fisiologia divide-se rigidamente em moderna e antiga, enfim, há uma "Medicina de outrora" (atrasada, claro!) e a Medicina de Hoje (adiantada, de vanguarda, com maiúsculas ) .
É o critério "maratona de recordes", tão típico do Sistema e da sua mais querida, mais arreigada mitologia sofistica.
Mas A. Mosso é um belíssimo repositório dessa sofistica e vale a pena continuar debitando ao seu espólio, o que nele há já de literatura biocrática em estado puro, produto que já era de uma sociedade ideologicamente tão avançada como a Itália de Mussolini, a cujo governo ele agradece os favores prestados para as suas laboriosas investigações no terraço com aves...
Mas continuemos, que as cobaias e os bons espíritos encontram-se sempre.
BIOCRACIA E BIOCÍDIO
A transplantologia, os aditivos, os pesticidas, o hexaclorofene, os ciclamatos, os testes psicotécnicos, os adubos químicos, enfim, a tecnocratização da existência quotidiana não nasceram de um dia para o outro, não são de ontem nem de anteontem as suas raízes.
A mitologia do Biocídio (inseparável da da Biocracia), aceite hoje sem que ninguém pestaneje ou proteste, critique ou conteste, teve um longo processo de incubação, através de ilustres e eminentes precursores, vozes de assassinos que ainda talvez se ignorassem como tal mas que viriam a servir para pretexto e livro de texto dos que, não ignorando, imputam no entanto aos precursores e pioneiros as responsabilidades e as mãos sangrentas...
Porque não Borelli, que até faleceu, tão pia e cristãmente, "numa humilde cela de convento"?
Saber um pouco mais desse homem, a quem Mosso confia a responsabilidade da fisiologia mecanicista, pode ser bastante significativo a quem indague os princípios da arte e ciência de matar em que o século vinte é exímio.
Consultando uma Enciclopédia, é o tri-Larousse que nos tira de apuros:
" GIOVANNI Borelli - sábio italiano (Nápoles 1608 -Roma 1679). Eminente matemático, estudou a fisiologia do movimento (contracção muscular, voo das aves), a física (capilaridade) e a astronomia (noção da atracção universal).'"
Na sua singeleza, eis uma informação que nos diz muito de importante para o que aqui nos importa: indagar as raízes da Sofistica século XX.
Homem impregnado de matemática, de física, de capilaridade, de atracção universal e, ainda para melhor, de teologia cristã, Borelli aplicou-se também ao estudo da fisiologia. Tinha que ser ou não um ágil exterminador? Extrapolou, generalizou, abusou: tinha que ser ou não um esplêndido precursor da Sofística hodierna?
Outros vieram, seguindo sem crítica (a ciência é sagrada, por isso respeita-se e adora-se) as lucubrações de Borelli. Se todas as idolatrias da ciência têm que entronizar um padroeiro, porque não há-de ser Borelli – a quem nem sequer falta auréola de santidade - um deles nas idolatrias da fisiologia?
AMANHÃ É MELHOR
Quando procura fundamentos na antiguidade clássica, o Alopata vai quase sempre buscar Galeno, omitindo ou depreciando Hipócrates. Assim faz Mosso - o nosso autor -também aí não se afastando do que qualquer outro bom mosso da sofística moderna faria.
"Sabia-se já, no tempo de Galeno" - escreve - "que os nervos partem do cérebro e da medula espinal e , que à maneira de cordões, a substância branca põe o cérebro em comunicação com os músculos."
A tradução do livro que estou comentando vem assinada por Luís Carpinteiro, que se intitula médico, mas não deve ser à péssima qualidade do tradutor que se deve o esquematismo pueril daquela definição.
No auge de um cripto materialismo, Mosso não deixa de frisar os preconceitos que, porventura, tinham atribuído a causas "metafísicas" o voo das aves:
"Entretanto, rejeitou-se a hipótese de se tratar da actividade de uma faculdade imaterial, ou de espíritos aéreos; é necessário admitir que alguma substância material se transmite dos nervos aos músculos, ou que se comunica uma comoção, a. qual pode produzir a distenção dos músculos, num abrir e fechar de olhos."
A registar disto, sem falta, é a crença - tão viva no nosso autor - de que todo e qualquer sofisma que venha para substituir anacrónicas concepções metafísicas, é forçosamente bom e inquestionavelmente melhor.
A questão de método a sublinhar aqui é que, ontem como hoje, os ingredientes que vieram substituir as metafísicas, são quase sempre piores do que elas próprias. Eventualmente, mais metafísicas ainda são, regra geral, as pretensas anti-metafísicas como a do materialismo mecanicista.
Eis o que não deverá nunca esquecer-se, neste pântano que é a Sofistica Moderna,
O SENSORIAL É O MATERIAL
O sensorial confundido com o material ("só é matéria o que afecta os clássicos cinco sentidos") é como se sabe um conceito ainda hoje corrente nos melhores representantes da sofistica oficial (da "ciência moderna"), e as consequências que isso tem sobre o tratamento que o não material (não sensorial), que o humano recebe é, em resultado daquela arreigada doutrina, da ordem para-fascista mais pura.
Esquecendo-se que há outros sentidos além dos cinco, o referido materialismo peca não só por defeito mas também por excesso.
Conclusão a tirar: a doutrina que ontem se supunha menos reaccionária - simplesmente porque menosprezava o invisível, o impalpável, o não sensorial e apenas admitia a existência de cinco sentidos quando provavelmente o homem dispõe de uma boa dezena deles - viria a desembocar na mais virulenta manipulação fascista do humano.
Quando entre nós a Inquérito publicava um livro como o de Mosso - com o seu materialismo de carregar pela boca - a convicção era de que se estava a prestar um incalculável serviço à cultura progressista e democrática da Grei.
E no entanto... já na altura António Sérgio se envolvia em polémica a demonstrar que não, e que tal engano nos acabaria por sair ainda mais caro do que todos os outros.
VANTAGENS ENCICLOPÉDICAS DE BORELLI
Claro como água (suja) é o senhor Mosso quando indaga as vantagens enciclopédicas do senhor Borelli:
" Tendo reconhecido que todo o edifício da fisiologia tinha de ser refeito e que a velha (sic) medicina não tinha uma base cientifica, A. Borelli procurou dar-lhe um fundamento seguro com as matemáticas , a química, e a física experimental, porque - dizia ele, "a base das operações da natureza é a anatomia, a física e as matemáticas.”
Mas lá porque um senhor Borelli, vigário e prior, se lembra de o dizer, e outros Borelli subsequentes de o repetir como papagaios, não quer dizer que seja, ó alminhas bentas.
Era um insatisfeito o padre Borelli:
" Enquanto traduzia Euclides, descobre a lei da queda dos corpos e a teoria mais importante da atracção e repulsão; estuda a digestão nos animais, constrói o primeiro heliostato e começa estudos sobre a capilaridade."
De estômagos omnívoros como o seu é que nasceu esta pantagruélica, insaciável Sofística do século XX.
Happy end relatado por Mosso:
“Malpighi, que era já célebre nesta época, quis ser discípulo de Borelli, assim como Lorenzo Bellini."
E de discípulo em discípulo, foi a consagração da consumação da instauração
É o próprio Mosso que diz:
"Para nos servirmos de uma comparação grosseira, podemos dizer que os nervos são uma mecha ou como uma série de grãos de pólvora apertados uns contra os outros, desde o cérebro a té aos músculos.”
Grosseira não era só a metáfora, valha-nos são Pangloss, advogado dos que riem e de. todos os pobres de espírito. Grosseiro era o critério básico, que presidia às lucubrações de Mosso, que, para se tranquilizar, usava do relativismo, típico da sofistica para-científica:
“Esta concepção é aquela que, no estado actual da ciência, parece mais provável," (sublinhado meu).
O ALEATÓRIO
À conta do "estado actual da ciência" (que é sempre um estado, por definição, atrasado, em relação aos "grandes progressos" previstos para depois de amanhã à tarde) é que todos os erros, abusos e crimes têm sido admitidos.
Ainda estamos numa fase atrasada , ainda sabemos pouco, ainda não chegámos ao zénite,": e com este aleatório é que enriquecem as indústrias destinadas a explorá-lo como uma das maiores fontes de lucro, as indústrias destinadas a explorar o que de aleatório existe num sistema instaurado sobre o culto do provisório (do aleatório mesmo).
Outro pedacinho delicioso do nosso fisiologista:
" É notável que Borelli, afirmando uma coisa que não tinha visto, porque lhe faltavam os microscópios que nós temos hoje, se tenha aproximado tanto da verdade."
Esta gracinha é, no fundo, apenas o inverso da anterior mas funciona com. a mesma desenvoltura para cavar o fosso do aleatório: "nós temos hoje o aparelhinho que ontem não havia” é a fraseologia inversa desta outra: "nós hoje ainda não temos o famigerado aparelhinho que há-de aparecer amanhã fabricado por uma das muitas providenciais indústrias que estão cá para isso mesmo”.
A industriocracia tem aqui um dos seus pilares fundamentais.
Mas isso é o que nunca podem ver estas pobres cabecinhas de microscópio que confundem ampliação óptica com "saber mais" ou "mais ciência" !
EM PROL DA CIÊNCIA MODERNA
No discurso de Mosso em prol da "ciência moderna" não tarda o ídolo que acompanha sempre aqueles outros (o mecanicismo e o pseudo-materialismo sensorialïsta): o do experimentalismo.
Contra o saber teórico (como se houvesse e pudesse haver outro): os factos, os eventos .
Este eventicismo expressa-o Mosso quando proclama as preclaras virtudes de um outro investigador seiscentista, Nicolau Stenon, bispo, vigário apostólico e que morreu em cheiro de santidade:
"Os trabalhos de Stenon" - afirma o panegirista – distinguem-se dos seus precursores pela crítica severa e impiedosa que faz das doutrinas que não eram apoiadas em factos escrupulosamente observados."
Há lá coisa mais actual do que a "adoração dos factos":
O próprio Stenon, embora bispo, gabava-se do seu vezo "materialista" com jactâncias deste jeito:
"Alguns crêem que as causas dos nossos movimentos são espíritos animais, a parte mais subtil do sangue ou o seu vapor, ou o suco dos nervos; mas tudo isso são palavras e não experiências.” (sublinhado nosso ).
Bispos e não bispos, a palavra "experiência" empolgava este renascentismo seiscentista. É Mosso que acentua o "renascimento" das figuras desse século de luzes:
"Os homens célebres (sic) desta época diferenciaram-se dos sábios modernos sobretudo pela universalidade do seu saber e pela aptidão que mostravam em cultivar os ramos mais diferentes da ciência. Stenon, que escreveu um livro imortal sobre as glândulas e que foi um fisiologista e um zoologista, foi também um geólogo. Foi ele quem demonstrou experimentalmente que o cristal é a forma típica da matéria inorgânica e estabeleceu as primeiras leis da cristalografia."
Estupendo. Este ecletismo do bispo é uma maravilha e os vários violões que tangia a prova do seu multímodo bojo de polígrafo talentoso. Se virmos melhor, é desse ecletismo, deste renascentismo à Leonardo da Vinci, que nascem outras tantas aberrações da Sofística Moderna.
O facto de dedilhar diferentes ciências pode parecer, numa primeira instância, susceptível de levar a uma compreensão mais vasta, universal, filosófica, ecuménica da ciência. Aquilo que hoje se denominaria um esforço "multidisciplinar" que contrariasse o especialismo, o tecnicismo e a visão parcelarizante da realidade.
Ai de nós, porém, que não foi isso mas coisa bem contrária e pior o que aconteceu. E o que sucedeu foi um senhor que era geólogo, ou cristalógrafo , levar para as ciências humanas (que em si mesmo e enquanto tal são outra aberração - mas isso é matéria para espremer noutra altura ) os conceitos adquiridos naquelas e que logo nestas se avinagrariam em preconceitos: quer dizer, em sofismas; um senhor que era zoólogo, querendo aplicar os mesmos princípios em uso com os animais; ou um senhor que era albardeiro e sapateiro, defrontando-se com os instrumentos do seu ofício perante os "coisas" humanas, eis aí porque estamos num estábulo em vez de num habitat humano.
Já de si discutíveis enquanto ciências "separadas", o que as "ciências humanas" estão hoje, para pior, é dominadas pelo geologismo ( dos senhores Stenon de ontem e de hoje), pelo zoologismo (dos senhores Borelli de ontem e de hoje).
Mais ou menos sob o rótulo de "positivismo", essa tendência fisiocrática para estudar o fenómeno humano tem sido timidamente criticada: o que não impede de esse «humano» continuar dominado pelos princípios anti-humanos da geologia, da zoologia, da matemática, da economia, e etc
LAVOISIER E HELMOHOLTZ:DOIS GRANDES SOFISMAS
26/Fevereiro/1974 - Num registo um pouco diverso, é ainda no livro de A. Mosso que vamos encontrar exemplificadas algumas outras circunstâncias em que a famosa "ciência moderna" se revelou ser, afinal, um montão de aldrabices e de caríssimas ilusões.
Com ênfase redobrado, lembra Mosso os dois "grandes" princípios em que se apoia a fisiologia, a química, a física e tutti quanti.
"O primeiro, estabelecido por Lavoisier, é o princípio da conservação da matéria: (...) A massa da matéria fica eternamente imutável.”
E Mosso prossegue: "O segundo princípio é o da conservação da energia. Estas leis são o fio de Ariana que guia a humanidade na investigação do desconhecido” - diz Mosso, em frase de rendilhado recorte metafórico.
E é impossível não induzir imediatamente tudo quanto efectivamente devemos a esses dois "grandes princípios", a esses dois monumentais sofismas: convencidos de que a matéria é inesgotável, estamos em 1974 à beira de ver esgotadas as matérias-primas de que fizemos gasto e desperdício, convencidos de que "a massa de matéria fica eternamente imutável"; convencidos também (segundo princípio) de que a energia é eterna, estamos em vias de ficar de tanga, por falta de energias clássicas e mui problemática exploração das não clássicas.
Claro que aqueles princípios apenas afirmam o teor quantitativo, mas o logro, na ordem prática, residiu precisamente em que se tomou esse quantitativo à letra, como se ao qualitativo se referisse a lei da imutabilidade. A massa de matéria não se perde: o que se perde é determinada matéria qualitativamente diferenciada de outra. Mas foi confiados naquele conceito quantitativo que nos devotámos a desperdiçar qualitativamente a matéria que para efeitos humanos tínhamos à disposição, qualificada desta e daquela maneira específica.
AINDA LAVOISIER
Se é verdade que foi Lavoisier o primeiro a afirmar que "a vida é uma função química" e todos os progressos (sic) da fisiologia vieram confirmar esta concepção, então a Lavoisier e seus capatazes temos de agradecer mais uma aberração da Medicina, da Biocracia dita moderna: o que a química fez, está fazendo e continuará a fazer para manipular e corromper o fenómeno humano, com o consentimento pleno - evidentemente - de todos os progressistas, amantes da ciência e de Lavoisier.
HARVEY HÁ 345 ANOS
O PRINCÍPIO DO FIM
Os ditirambos à santa ciência, têm ontem e hoje a mesma impertinência, e ler uma história d a ciência é agoniar-se a gente de hiperbólicas, indigestas catilinárias deste estilo: “ Na segunda metade do século XVII, a filosofia experimental tinha feito tais progressos (!), graças aos trabalhos de Galileu, que os seus discípulos conceberam a esperança de aplicar os princípios das ciências novas (sic) ao estudo de toda a Natureza (sic, sic). Esta época foi a mais bela da renascença científica, e com o livro de Harvey sobre a circulação do sangue, publicado em 1628, começa a Medicina Moderna."
Começa a Sofística Moderna. Inauguração de arromba, não haja dúvida, segundo "os princípios das ciências novas", que já vimos quais eram.
Mas quem disse a estas galinholas, a estes bisnetos de Galileu, que os "princípios das ciências novas”eram assim permutáveis, aplicáveis a qualquer careca? Quem?
E porque havemos nós de estar ainda a pagar, 345 anos depois, as blenorragias mentais de todos os senhores Harvey e seguintes ?
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26-2-1974
O OPORTUNISMO POLÍTICO DAS TEORIAS CIENTÍFICAS
- As teorias científicas potencializam a vocação totalitária do mundo moderno
- Biocracia das ciências humanas
- A vocação teocrática da medicina moderna
COMO NASCERAM ALGUMAS ABERRAÇÕES DA "CIÊNCIA MODERNA" (OU IDEOLOGIA BIOCRÁTICA)
“Lendo uma história da Fisiologia, verifica-se que os seus pioneiros foram teólogos, padres, curas, bispos ou vigários.
"Parece assim explicada a vocação teocrática ou inquisitorial, da (chamada) Medicina Moderna.”
26/Fevereiro/1974 - Em 1944 era entre nós a época do "serviço cultural" prestado por livros enciclopédicos por diligentes editoras ao serviço da vulgarização científica. Célebre, neste contexto, foi a Biblioteca Cosmos dirigida pelo Prof. Bento de Jesus Caraça, de quem nunca será despropositado lembrar a célebre polémica travada, na revista Vértice, com António Sérgio.
A editorial Inquérito dava muita importância à difusão científica, na qual acreditava poder alicerçar-se uma mentalidade moderna e materialistas em oposição aos vícios mentais portugueses, vícios cujo principal analista já era nessa época o referido ensaísta António Sérgio. Muito activa ao serviço da cultura e da democracia, a Inquérito publicava na sua colecção "Biblioteca de Iniciação Médica" a obra de um medíocre autor italiano, A. Mosso, sobre "A Fadiga Intelectual e Física”.
Se a vou exumar numa breve e sumária análise de inventário, não é tanto pelo conteúdo mas porque exemplifica algumas "questões de método” interessantes e porque me parece conter, nessa perspectiva, alguns ingredientes típicos de uma mitologia que, vigente na época, ainda hoje é a ideologia dominante da ciência - a Sofistica - não só entre nós mas em vastas zonas do Mundo, incluindo Europa, colonizadas pelas academias e universidades europeias.
A FADIGA HUMANA
Para nos falar da fadiga humana, A. Mosso estende-se num longo e fastidioso intróito (que ocupa quase metade do volume) sobre o voo das aves (quando não sobre rãs estendidas na mesa de observações) , gabando-se do seu "laboratório", um terraço onde procedia a observações dessas aves. A columbofilia teria beneficiado imenso com as investigações do sábio.
Como se vê, essa observação "científica" parte de um princípio discutível, logo transformado em sofisma se o mantivermos sem discussão: A. Mosso estava persuadido de que as aves migradoras que vinham do Norte de África e de outro lugares afastados, haviam de chegar ali, ao seu terraço, "cansadas".
Aplicando às aves um conhecimento empírico do que sucede aos homens, não se sabe de onde tira ele este princípio, mas a verdade é que jamais o põe em discussão e lhe serve para toda a sua futura argumentação.
Veremos a seguir que , com o mesmo desplante, A. Mosso usará o princípio inverso: que é aplicar ao homem o conhecimento dos fenómenos observados em aves ou , de uma maneira geral, em animais. Mas mais completo ainda é quando a seguir verificarmos como esta vertente leva ainda a pontos de maior paroxismo: quando aplica ao homem princípios ou leis verificados no mundo inanimado.
Mas nessa época, tanto como na nossa, muita coisa era tabu e intocável no domínio da"ciência" : e muitos como ele, ontem e hoje, acreditam que o conhecimento do comportamento animal ou do mundo físico se pode aplicar, mutati mutandis, ao comportamento humano.
Típico vício metodológico de um positivismo bastante podre, é de princípios tecnocráticos" como esse animalismo que ainda estamos a viver(sic) hoje.
Outra peremptória asserção de A. Mosso diz respeito a uma obra que cita com grande unção religiosa:"De motu Animalium", de Afonso Borelli, obra onde se defendia a tese de que o animal é uma máquina,
(Desta tese, como se sabe, derivou aquela outra - hoje um axioma indiscutível, hoje um sofisma mais - de que "o corpo humano é uma máquina".)
Vangloria-se A. Mosso desta tese mecanicista:
"Creio não exagerar afirmando que as visões mecânicas que constituem a base da fisiologia moderna tiveram a sua primeira expressão na obra " De Motu Animalium" , do tal Borellí."
"Para o provar"- diz ainda A. Mosso - "basta lembrar a seguinte frase que se encontra na introdução desta obra: "As operações dos animais fazem-se por causas, instrumentos e razões mecânicas."
E conclui, vitorioso deste seu pan-mecanicismo: "Mesmo num livro moderno (sic), a concepção do mecanismo não poderia ter melhor expressão.”
A preocupação do moderno é patente no discurso de A. Mosso e a sua idolatria também. Tudo se subordina aos "avanços da ciência", a fisiologia divide-se rigidamente em moderna e antiga, enfim, há uma "Medicina de outrora" (atrasada, claro!) e a Medicina de Hoje (adiantada, de vanguarda, com maiúsculas ) .
É o critério "maratona de recordes", tão típico do Sistema e da sua mais querida, mais arreigada mitologia sofistica.
Mas A. Mosso é um belíssimo repositório dessa sofistica e vale a pena continuar debitando ao seu espólio, o que nele há já de literatura biocrática em estado puro, produto que já era de uma sociedade ideologicamente tão avançada como a Itália de Mussolini, a cujo governo ele agradece os favores prestados para as suas laboriosas investigações no terraço com aves...
Mas continuemos, que as cobaias e os bons espíritos encontram-se sempre.
BIOCRACIA E BIOCÍDIO
A transplantologia, os aditivos, os pesticidas, o hexaclorofene, os ciclamatos, os testes psicotécnicos, os adubos químicos, enfim, a tecnocratização da existência quotidiana não nasceram de um dia para o outro, não são de ontem nem de anteontem as suas raízes.
A mitologia do Biocídio (inseparável da da Biocracia), aceite hoje sem que ninguém pestaneje ou proteste, critique ou conteste, teve um longo processo de incubação, através de ilustres e eminentes precursores, vozes de assassinos que ainda talvez se ignorassem como tal mas que viriam a servir para pretexto e livro de texto dos que, não ignorando, imputam no entanto aos precursores e pioneiros as responsabilidades e as mãos sangrentas...
Porque não Borelli, que até faleceu, tão pia e cristãmente, "numa humilde cela de convento"?
Saber um pouco mais desse homem, a quem Mosso confia a responsabilidade da fisiologia mecanicista, pode ser bastante significativo a quem indague os princípios da arte e ciência de matar em que o século vinte é exímio.
Consultando uma Enciclopédia, é o tri-Larousse que nos tira de apuros:
" GIOVANNI Borelli - sábio italiano (Nápoles 1608 -Roma 1679). Eminente matemático, estudou a fisiologia do movimento (contracção muscular, voo das aves), a física (capilaridade) e a astronomia (noção da atracção universal).'"
Na sua singeleza, eis uma informação que nos diz muito de importante para o que aqui nos importa: indagar as raízes da Sofistica século XX.
Homem impregnado de matemática, de física, de capilaridade, de atracção universal e, ainda para melhor, de teologia cristã, Borelli aplicou-se também ao estudo da fisiologia. Tinha que ser ou não um ágil exterminador? Extrapolou, generalizou, abusou: tinha que ser ou não um esplêndido precursor da Sofística hodierna?
Outros vieram, seguindo sem crítica (a ciência é sagrada, por isso respeita-se e adora-se) as lucubrações de Borelli. Se todas as idolatrias da ciência têm que entronizar um padroeiro, porque não há-de ser Borelli – a quem nem sequer falta auréola de santidade - um deles nas idolatrias da fisiologia?
AMANHÃ É MELHOR
Quando procura fundamentos na antiguidade clássica, o Alopata vai quase sempre buscar Galeno, omitindo ou depreciando Hipócrates. Assim faz Mosso - o nosso autor -também aí não se afastando do que qualquer outro bom mosso da sofística moderna faria.
"Sabia-se já, no tempo de Galeno" - escreve - "que os nervos partem do cérebro e da medula espinal e , que à maneira de cordões, a substância branca põe o cérebro em comunicação com os músculos."
A tradução do livro que estou comentando vem assinada por Luís Carpinteiro, que se intitula médico, mas não deve ser à péssima qualidade do tradutor que se deve o esquematismo pueril daquela definição.
No auge de um cripto materialismo, Mosso não deixa de frisar os preconceitos que, porventura, tinham atribuído a causas "metafísicas" o voo das aves:
"Entretanto, rejeitou-se a hipótese de se tratar da actividade de uma faculdade imaterial, ou de espíritos aéreos; é necessário admitir que alguma substância material se transmite dos nervos aos músculos, ou que se comunica uma comoção, a. qual pode produzir a distenção dos músculos, num abrir e fechar de olhos."
A registar disto, sem falta, é a crença - tão viva no nosso autor - de que todo e qualquer sofisma que venha para substituir anacrónicas concepções metafísicas, é forçosamente bom e inquestionavelmente melhor.
A questão de método a sublinhar aqui é que, ontem como hoje, os ingredientes que vieram substituir as metafísicas, são quase sempre piores do que elas próprias. Eventualmente, mais metafísicas ainda são, regra geral, as pretensas anti-metafísicas como a do materialismo mecanicista.
Eis o que não deverá nunca esquecer-se, neste pântano que é a Sofistica Moderna,
O SENSORIAL É O MATERIAL
O sensorial confundido com o material ("só é matéria o que afecta os clássicos cinco sentidos") é como se sabe um conceito ainda hoje corrente nos melhores representantes da sofistica oficial (da "ciência moderna"), e as consequências que isso tem sobre o tratamento que o não material (não sensorial), que o humano recebe é, em resultado daquela arreigada doutrina, da ordem para-fascista mais pura.
Esquecendo-se que há outros sentidos além dos cinco, o referido materialismo peca não só por defeito mas também por excesso.
Conclusão a tirar: a doutrina que ontem se supunha menos reaccionária - simplesmente porque menosprezava o invisível, o impalpável, o não sensorial e apenas admitia a existência de cinco sentidos quando provavelmente o homem dispõe de uma boa dezena deles - viria a desembocar na mais virulenta manipulação fascista do humano.
Quando entre nós a Inquérito publicava um livro como o de Mosso - com o seu materialismo de carregar pela boca - a convicção era de que se estava a prestar um incalculável serviço à cultura progressista e democrática da Grei.
E no entanto... já na altura António Sérgio se envolvia em polémica a demonstrar que não, e que tal engano nos acabaria por sair ainda mais caro do que todos os outros.
VANTAGENS ENCICLOPÉDICAS DE BORELLI
Claro como água (suja) é o senhor Mosso quando indaga as vantagens enciclopédicas do senhor Borelli:
" Tendo reconhecido que todo o edifício da fisiologia tinha de ser refeito e que a velha (sic) medicina não tinha uma base cientifica, A. Borelli procurou dar-lhe um fundamento seguro com as matemáticas , a química, e a física experimental, porque - dizia ele, "a base das operações da natureza é a anatomia, a física e as matemáticas.”
Mas lá porque um senhor Borelli, vigário e prior, se lembra de o dizer, e outros Borelli subsequentes de o repetir como papagaios, não quer dizer que seja, ó alminhas bentas.
Era um insatisfeito o padre Borelli:
" Enquanto traduzia Euclides, descobre a lei da queda dos corpos e a teoria mais importante da atracção e repulsão; estuda a digestão nos animais, constrói o primeiro heliostato e começa estudos sobre a capilaridade."
De estômagos omnívoros como o seu é que nasceu esta pantagruélica, insaciável Sofística do século XX.
Happy end relatado por Mosso:
“Malpighi, que era já célebre nesta época, quis ser discípulo de Borelli, assim como Lorenzo Bellini."
E de discípulo em discípulo, foi a consagração da consumação da instauração
É o próprio Mosso que diz:
"Para nos servirmos de uma comparação grosseira, podemos dizer que os nervos são uma mecha ou como uma série de grãos de pólvora apertados uns contra os outros, desde o cérebro a té aos músculos.”
Grosseira não era só a metáfora, valha-nos são Pangloss, advogado dos que riem e de. todos os pobres de espírito. Grosseiro era o critério básico, que presidia às lucubrações de Mosso, que, para se tranquilizar, usava do relativismo, típico da sofistica para-científica:
“Esta concepção é aquela que, no estado actual da ciência, parece mais provável," (sublinhado meu).
O ALEATÓRIO
À conta do "estado actual da ciência" (que é sempre um estado, por definição, atrasado, em relação aos "grandes progressos" previstos para depois de amanhã à tarde) é que todos os erros, abusos e crimes têm sido admitidos.
Ainda estamos numa fase atrasada , ainda sabemos pouco, ainda não chegámos ao zénite,": e com este aleatório é que enriquecem as indústrias destinadas a explorá-lo como uma das maiores fontes de lucro, as indústrias destinadas a explorar o que de aleatório existe num sistema instaurado sobre o culto do provisório (do aleatório mesmo).
Outro pedacinho delicioso do nosso fisiologista:
" É notável que Borelli, afirmando uma coisa que não tinha visto, porque lhe faltavam os microscópios que nós temos hoje, se tenha aproximado tanto da verdade."
Esta gracinha é, no fundo, apenas o inverso da anterior mas funciona com. a mesma desenvoltura para cavar o fosso do aleatório: "nós temos hoje o aparelhinho que ontem não havia” é a fraseologia inversa desta outra: "nós hoje ainda não temos o famigerado aparelhinho que há-de aparecer amanhã fabricado por uma das muitas providenciais indústrias que estão cá para isso mesmo”.
A industriocracia tem aqui um dos seus pilares fundamentais.
Mas isso é o que nunca podem ver estas pobres cabecinhas de microscópio que confundem ampliação óptica com "saber mais" ou "mais ciência" !
EM PROL DA CIÊNCIA MODERNA
No discurso de Mosso em prol da "ciência moderna" não tarda o ídolo que acompanha sempre aqueles outros (o mecanicismo e o pseudo-materialismo sensorialïsta): o do experimentalismo.
Contra o saber teórico (como se houvesse e pudesse haver outro): os factos, os eventos .
Este eventicismo expressa-o Mosso quando proclama as preclaras virtudes de um outro investigador seiscentista, Nicolau Stenon, bispo, vigário apostólico e que morreu em cheiro de santidade:
"Os trabalhos de Stenon" - afirma o panegirista – distinguem-se dos seus precursores pela crítica severa e impiedosa que faz das doutrinas que não eram apoiadas em factos escrupulosamente observados."
Há lá coisa mais actual do que a "adoração dos factos":
O próprio Stenon, embora bispo, gabava-se do seu vezo "materialista" com jactâncias deste jeito:
"Alguns crêem que as causas dos nossos movimentos são espíritos animais, a parte mais subtil do sangue ou o seu vapor, ou o suco dos nervos; mas tudo isso são palavras e não experiências.” (sublinhado nosso ).
Bispos e não bispos, a palavra "experiência" empolgava este renascentismo seiscentista. É Mosso que acentua o "renascimento" das figuras desse século de luzes:
"Os homens célebres (sic) desta época diferenciaram-se dos sábios modernos sobretudo pela universalidade do seu saber e pela aptidão que mostravam em cultivar os ramos mais diferentes da ciência. Stenon, que escreveu um livro imortal sobre as glândulas e que foi um fisiologista e um zoologista, foi também um geólogo. Foi ele quem demonstrou experimentalmente que o cristal é a forma típica da matéria inorgânica e estabeleceu as primeiras leis da cristalografia."
Estupendo. Este ecletismo do bispo é uma maravilha e os vários violões que tangia a prova do seu multímodo bojo de polígrafo talentoso. Se virmos melhor, é desse ecletismo, deste renascentismo à Leonardo da Vinci, que nascem outras tantas aberrações da Sofística Moderna.
O facto de dedilhar diferentes ciências pode parecer, numa primeira instância, susceptível de levar a uma compreensão mais vasta, universal, filosófica, ecuménica da ciência. Aquilo que hoje se denominaria um esforço "multidisciplinar" que contrariasse o especialismo, o tecnicismo e a visão parcelarizante da realidade.
Ai de nós, porém, que não foi isso mas coisa bem contrária e pior o que aconteceu. E o que sucedeu foi um senhor que era geólogo, ou cristalógrafo , levar para as ciências humanas (que em si mesmo e enquanto tal são outra aberração - mas isso é matéria para espremer noutra altura ) os conceitos adquiridos naquelas e que logo nestas se avinagrariam em preconceitos: quer dizer, em sofismas; um senhor que era zoólogo, querendo aplicar os mesmos princípios em uso com os animais; ou um senhor que era albardeiro e sapateiro, defrontando-se com os instrumentos do seu ofício perante os "coisas" humanas, eis aí porque estamos num estábulo em vez de num habitat humano.
Já de si discutíveis enquanto ciências "separadas", o que as "ciências humanas" estão hoje, para pior, é dominadas pelo geologismo ( dos senhores Stenon de ontem e de hoje), pelo zoologismo (dos senhores Borelli de ontem e de hoje).
Mais ou menos sob o rótulo de "positivismo", essa tendência fisiocrática para estudar o fenómeno humano tem sido timidamente criticada: o que não impede de esse «humano» continuar dominado pelos princípios anti-humanos da geologia, da zoologia, da matemática, da economia, e etc
LAVOISIER E HELMOHOLTZ:DOIS GRANDES SOFISMAS
26/Fevereiro/1974 - Num registo um pouco diverso, é ainda no livro de A. Mosso que vamos encontrar exemplificadas algumas outras circunstâncias em que a famosa "ciência moderna" se revelou ser, afinal, um montão de aldrabices e de caríssimas ilusões.
Com ênfase redobrado, lembra Mosso os dois "grandes" princípios em que se apoia a fisiologia, a química, a física e tutti quanti.
"O primeiro, estabelecido por Lavoisier, é o princípio da conservação da matéria: (...) A massa da matéria fica eternamente imutável.”
E Mosso prossegue: "O segundo princípio é o da conservação da energia. Estas leis são o fio de Ariana que guia a humanidade na investigação do desconhecido” - diz Mosso, em frase de rendilhado recorte metafórico.
E é impossível não induzir imediatamente tudo quanto efectivamente devemos a esses dois "grandes princípios", a esses dois monumentais sofismas: convencidos de que a matéria é inesgotável, estamos em 1974 à beira de ver esgotadas as matérias-primas de que fizemos gasto e desperdício, convencidos de que "a massa de matéria fica eternamente imutável"; convencidos também (segundo princípio) de que a energia é eterna, estamos em vias de ficar de tanga, por falta de energias clássicas e mui problemática exploração das não clássicas.
Claro que aqueles princípios apenas afirmam o teor quantitativo, mas o logro, na ordem prática, residiu precisamente em que se tomou esse quantitativo à letra, como se ao qualitativo se referisse a lei da imutabilidade. A massa de matéria não se perde: o que se perde é determinada matéria qualitativamente diferenciada de outra. Mas foi confiados naquele conceito quantitativo que nos devotámos a desperdiçar qualitativamente a matéria que para efeitos humanos tínhamos à disposição, qualificada desta e daquela maneira específica.
AINDA LAVOISIER
Se é verdade que foi Lavoisier o primeiro a afirmar que "a vida é uma função química" e todos os progressos (sic) da fisiologia vieram confirmar esta concepção, então a Lavoisier e seus capatazes temos de agradecer mais uma aberração da Medicina, da Biocracia dita moderna: o que a química fez, está fazendo e continuará a fazer para manipular e corromper o fenómeno humano, com o consentimento pleno - evidentemente - de todos os progressistas, amantes da ciência e de Lavoisier.
HARVEY HÁ 345 ANOS
O PRINCÍPIO DO FIM
Os ditirambos à santa ciência, têm ontem e hoje a mesma impertinência, e ler uma história d a ciência é agoniar-se a gente de hiperbólicas, indigestas catilinárias deste estilo: “ Na segunda metade do século XVII, a filosofia experimental tinha feito tais progressos (!), graças aos trabalhos de Galileu, que os seus discípulos conceberam a esperança de aplicar os princípios das ciências novas (sic) ao estudo de toda a Natureza (sic, sic). Esta época foi a mais bela da renascença científica, e com o livro de Harvey sobre a circulação do sangue, publicado em 1628, começa a Medicina Moderna."
Começa a Sofística Moderna. Inauguração de arromba, não haja dúvida, segundo "os princípios das ciências novas", que já vimos quais eram.
Mas quem disse a estas galinholas, a estes bisnetos de Galileu, que os "princípios das ciências novas”eram assim permutáveis, aplicáveis a qualquer careca? Quem?
E porque havemos nós de estar ainda a pagar, 345 anos depois, as blenorragias mentais de todos os senhores Harvey e seguintes ?
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