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2006-03-20

PRIORIDADES 1983

priorid1>diario83>linhas>manifest>-7216 caracteres - já emendado de gralhas este texto, que só no final tem interesse para retrovisor - temas reconhecidos anos depois - publicados ac

domingo, 19 de Janeiro de 2003

PRIORIDADES ECOLÓGICAS PARA A DEMOCRACIA

[Este texto não será importante pelo que afirma -- uma série de evidências que, no entanto, ainda o não eram em 1982 -- mas pelo que posteriormente já foi reconhecido como princípio correcto e que nessa altura era ainda motivo de chacota, censura e proibição. O facto de ter sido publicado, não sei se em «A Capital», permite provar que, afinal, alguém tinha razão antes do tempo: nesse aspecto, as alíneas finais é que são particularmente significativas e comprovam que ser precursor não é fácil: parte desses pontos, hoje, já são defendidos por algumas correntes, outros ainda não, mas de qualquer maneira é com estes raros e frágeis documentos que eu posso provar que não fui, ao longo de 20 anos, um alienado, um mentecapto, um provocador, um fascista, propondo o que propus e proponho... É uma circunstância rara e feliz que esse texto tenha sido publicado: de contrário, não poderia provar que a reciclagem já é hoje uma coisa democrática e civilizada]

19/Março/1983 - Que os ecologistas devem «meter-se na política» não oferece dúvidas a ninguém.
Como fazê-lo e com que meios, é o que parece neste momento estar a discutir-se, a partir de alguns documentos propostos para debate, nomeadamente pela associação «Amigos da Terra».
1 - Entre os grandes parâmetros que condicionam desde logo esse tipo de arrancada, um parece prioritário: nem o governo se pode substituir aos movimentos alternativos de cidadãos, propondo-se demagogicamente programas radicais e utopistas que só aos grupos e comités de cidadãos compete reivindicar; nem os movimentos de base deverão querer ser eles a usurpar funções que competem única e exclusivamente ao poder.
Dar o seu a seu dono, assumir cada qual a função que lhe cabe, coloca-se à cabeça das grandes orientações que devem reger um debate deste tipo.
2 -- Limitarem-se os movimentos alternativos à sua função específica implica, desde logo, que eles se tenham definido a si mesmos e para si mesmos. Que tenha havido debate interno. Ora essa parece ser a grande lacuna dos ecologistas portugueses, que têm rejeitado sistematica e acintosamente qualquer trabalho de aprofundamento e reflexão, votando mesmo ao ódio e ao ostracismo quem tente pensar e fazer das ideias sobre ecologismo o seu trabalho quotidiano.
Convém que o debate não omita esta deliberada casmurrice de tantos contra alguns. Porque enquanto o ecologismo não se definir, não disser o que é, o que quer e para onde vai, não poderá também saber o que vai exigir do poder. Esta a lacuna e os documentos agora divulgados com propostas bem o provam.
3 - Uma lista incaracterística de pequenas ou insignificantes reivindicações misturadas com outras que são fundamentais, não nos levará de facto a nada. Urgente é uma hierarquia de prioridades que, no entender do realismo ecológico, devem ser tomadas em conta por qualquer governo, não por força da sua simpatia ou antipatia pelas teses ecologistas mas pura e simplesmente por imposição de princípios constitucionais.
Urgente é que essas propostas de práticas e tácticas assumam a forma polarizada de campanhas-chave sobre pontos que, desde já, conciliam vantagens imediatas para a maioria da população e minimizam desvantagens.
Quer isto dizer que se devem evitar campanhas radicalizantes que, ao promover situações impopulares, afastam ainda mais as populações da ecologia em vez de as aproximar.
4 - Incidem sobre legislação pelo menos 15 dos 32 pontos que a associação «Amigos da Terra» apresentou no documento distribuído para debate. Deverá ser, porém, o reformismo legislativo a preocupação predominante dos independentes?
Relativamente às leis que existem ou devem existir, urgente é que os cidadãos não dispersem esforços lutando pontualmente por esta ou aquela lei avulsa, ou mesmo por grandes leis-quadro.
O problema neste momento em Portugal nem sequer é já, em muitos casos, falta de lei. O problema é que, mesmo existindo leis, elas não se cumpram.
Pelo que a reivindicação forte dos ecologistas deverá ser: um Estado que faça cumprir as leis e uma Assembleia da República capaz de fazer cumprir as leis e uma Assembleia da República capaz de fazer as obviamente necessárias. Até porque muitas delas terão que ser obrigatoriamente elaboradas por pressão da CEE.
Por estas ou por outras razões, os ecologistas não podem pôr no legalismo a tónica da sua luta e das suas reivindicações. É a ordem de prioridades, também no campo legal, o que nos cumpre exigir e propor. De contrário, colabora-se na grande manobra de distracção que é, com a quantidade, sempre esmagar a qualidade. Afogando-nos em leis, é que muitos políticos nos têm intoxicado.
5 - Propor prioridades, no campo legislativo ou qualquer outro, implica uma estratégia muito clara por parte dos ecologistas, até agora afogados num mar de pequenas tácticas pontuais. Implica que se faça uma selecção muito rigorosa dos problemas, uma análise correcta da situação global e que se indiquem as linhas mestras das políticas a cumprir. Legislação avulsa mais do que abundante já existe numa série de áreas relacionadas com a qualidade de vida, sem que no entanto se pratique uma política minimamente coerente em cada uma delas. O problema é ainda que as leis não se cumprem, não há quem as mande executar e quem fiscalize.
6 -- Indicam-se exemplos de campanhas que não só podem reunir o máximo consenso das «forças democráticas» mas que podem também ser mais simpáticas à opinião pública:
a) Campanha para a construção de pequenas barragens, exigindo os ecologistas um serviço expressamente votado ao planeamento e execução de um sistema de pequenas barragens em lugares de urgência prioritária;
b) Campanha pelas 38 horas de trabalho semanais, simpática por um lado a quem trabalha e por outro capaz de ser aceite pelos que se preocupam com os problemas do desemprego;
c) Ligada com esta prioridade anuncia-se uma outra: autoorganizar os desempregados numa força social. Já foi sugerido num jornal português um «sindicato de desempregadops». A fórmula é para descobrir, o que interessa é pôr em prática o princípio; congratulemo-nos por já não ser heresia o que Ivan Illich profeticamente propôs em «Le Chômage créateur» e Michel Bosquet re-glosou no artigo de «Le Nouvel Observateur», «Quand les Chomeurs seront heureux».
d) Uma política de reciclagem coerente e sistemática é, no actual contexto de crise e desperdício, uma das que melhor podem obter o apoio das populações;
e) Uma escola de tecnologias e energias apropriadas é o que de momento se afigura como reivindicação-chave e primeira prioridade no campo de uma didáctica intensiva; a criação de unidades de produção artesanal a caminho da autarcia é de uma urgência dramática, mas a falta de preparação técnica dos que quiserem integrar essas unidades de autosuficiência pode comprometer a sua viabilidade e imagem, junto do público; não é difícil criar ciclos, cursos rápidos e práticos, ou mesmo escolas-piloto de autoorganização de grupos e de ofícios práticos artesanais;
f) Intimamente ligada a esta reivindicação, é a de parcelas de terreno cedidas pelo Estado a quem nelas quiser realizar experiências de agricultura biológica; não se obriga a ir para o campo quem «gosta» de viver no pesadelo da cidade; mas exige-se que o governo ajude os que, fartos da cidade, preferem ir para o campo ser produtivos e mais úteis ao País do que parasitas na cidade;
g) A reconversão dos padrões de consumo não é um objectivo tão utópico como alguns economistas têm dito. Bastava que os políticos dessem atenção aos vários organismos e associações de consumidores (nomeadamente no campo alimentar), incentivando-os em vez de os perseguir, para aí se alargar um sector de reconversão de consumos que esses movimentos têm, na resistência e quase na clandestinidade, feito progredir;
h) A ignorância dos políticos e governos em relação aos movimentos que têm por função criar a futura democracia ecológica é a mais deplorável das miopias e deve portanto constituir reivindicação prioritária que os governos deixem de ser, constitucionalmente, tão estúpidos.
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