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2006-03-20

NUCLEAR 1977

mep-1> os dossiês do silêncio – inédito, obviamente


ENQUANTO O M.E.P. REPOUSA EM PAZ...- CADA JUVENTUDE TERÁ O QUE MERECE (*)

20/3/1977 - Cómico não é que o governo socialista, eleito por maioria de cidadãos portugueses no livre uso do seu direito à Asneira, se prepare para plantar oito reactores até ao ano 2.000 num território onde nem um reactor cabe.

Cómico não é que decisões como essa estejam a ser tomadas sem consulta à população, quando a consulta já foi feita por várias vezes (eleições) e a população disse que queria este governo que nos vai meter oito centrais atómicas no buxo, este governo que admitiu e consentiu Sines, que ficou encantado com Alqueva, que estimula o eucaliptismo, que desenvolverá as indústrias venenosas e pesadas, que, enfim, rendido aos alemães ou aos americanos vendedores de centrais, não tem outra opção que não seja aceitar o que vier em troca.

Cómico não é que um governo eleito pelo povo, faça tudo o que entende dever fazer contra esse povo por força desse mesmo mandato que desse mesmo povo recebeu.

Cómico, bastante cómico ( e sintomático do nosso risonho futuro ) é que a C.A.L.C.A.N., Comissão de Apoio à Luta Anti-Nuclear, tivesse, desde que foi fundada, em 1 de Abril de 1977, observado o mais prudente e atómico silêncio radioactivo.

Cómico é que os partidos estejam todos de acordo em partilhar com as grandes potências atómicas o que resta deste território afonsino para as potências atómicas aqui virem dejectar tudo quanto não querem dejectar nos países delas: plutónio, mercúrio, sulfuretos, seja o que seja, porco, tóxico, venenoso ou radioactivo.

Cómico é que o Movimento Ecológico Português não tivesse conseguido levantar cabeça porque andava tudo muito ocupado com reivindicações urgentes e, afinal, defender o povo da hecatombe nuclear e do crime atómico era para eles - partidos, sindicatos, serviços, etc. - coisa de loucos. Coisa de fascistas, chegaram a dizer-me os revisionistas -estalinistas.

Cómico é que os cadernos "Ecologia e Sociedade" tivessem promovido uma reunião em Lisboa, entre os seus 75 assinantes, e tivessem comparecido umas quinze pessoas, das quais umas cinco tinham ido ali por engano e estavam constantemente a olhar para o relógio: era sábado e um fim de semana, além de sagrado, não se pode deitar fora.

Cómico é que 80 dos assinantes do jornal "Frente Ecológica", a quem foi enviado, após dois anos de confiança absoluta, o primeiro titulo de cobrança da assinatura, mais de quarenta (500) tivessem devolvido o recibo com que se procurava liquidar os 10 números já enviados e, portanto, já recebidos por esses mesmo que devolveram o recibo.

Cómico é que "Frente Ecológica", após campanha de fomento e difusão, após artes e artimanhas, após ter-se a gente esfarrapado todos, por aqui, em nome da Pátria e da luta ecológica pela sobrevivência do povo português, conte neste momento pouco mais de 250 assinantes.

Cómico é que, num país com 8 milhões (8 milhões de quê?), a defesa ecológica tenha 250 mânfios que levam a sério esta brincadeira de resistir à maciça destruição do que nos resta.

Cómico não é, pois, que o relatório italiano sobre a visita do Ministro Mário Soares, dê como aprovado o projecto da primeira central nuclear, quando, por aqui, do lado de dentro, se diz que o projecto ainda vai "subir" à Assembleia (diz-se) da República.

Cómico não é que se tenha deixado os Estados Unidos a mamar na chucha, a roer no osso, para irmos agora desembolsar os 33 milhões de contos ao reactor da República Federal da Alemanha, quando afinal havia outros que preferiam, mais democraticamente, a caminho do socialismo, que os desembolsássemos à URSS, ou, outros ainda, ao Canadá.

Cómico não é que o II Encontro Nacional de Política Energética, subsidiado pela Companhia Eléctrica concessionária das centrais, tenha sido preparado pluralisticamente para dar o amen às decisões de cúpula: se o II Encontro foi financiado pelo secretário de Estado da Energia e Minas, eng.. Rocha Cabral, chefe do Grupo do Plano Nuclear, (ainda recentemente um dos maiores cérebros da Ex-C.P.E.), e pela própria Ex-C.P.E., agora sob a capa de empresa única nacionalizada dita E.D.P., cómico não é que o II Encontro vá ao encontro dos que o propiciaram financiando.

Cómico não é, tão pouco, que técnicos da Junta de Energia Nuclear andem, em segredo, dizendo que sob todos os pontos de vista a central nuclear será, aqui, a maior catástrofe que pode desabar sobre o Povo Português, sem coragem de o vir dizer alto e por escrito ao País.
Cómico não é que falte coragem a esses técnicos, sob a ameaça de perder o emprego se falassem e dissessem o que sabem.

Cómico não é que o governo socialista se candidate a um belo suicídio, metendo-se numa aventura que lhe acarretará a maciça oposição do povo português, muito em especial o das zonas directamente afectadas pelas centrais. Tratando-se de oito centrais, será todo o povo português, potencialmente em protesto, incluindo os próprios mortos de todos os cemitérios de Portugal, que se levantarão dos túmulos para saudar Mário Soares e a sua política de cemitério.

Cómico não é que se esteja a preparar com esta brincadeira do reactor, a melhor cama para se instalar, sem cuidados, o respectivo vazio económico que uma tal política energética representa durante, pelo menos, 10 anos.

Cómico não é que se vá, com o nuclear, aprofundar a brecha cisionista dentro do Partido Socialista.

Cómico não é que um governo se ofereça, em holocausto, ao buraco sem fundo do Nuclear, sem que até agora, os que sabem disso e são seus conselheiros, tenham tido o cuidado de o avisar.

Cómico não é que os responsáveis deste Plano Megalómano de oito Façanhudos Reactores estejam a fazê-lo completamente às cegas prevendo largar os primeiros precisamente sobre a linha de fractura sísmica mais típica e conhecida do território português.

Cómico não é que esses responsáveis nem sequer tenham fingido que iam estudar a segurança.

Cómico é que se esteja, com isto, a dar o empurrão mais espectacular no Movimento Ecológico Português, adormecido desde que nasceu e embalado pelo desinteresse minoritário de um público que tem preferido, graças a Deus, outras alegrias, eleições e greves, de um público que maioritaiamente votou naquele governo que lhe dará oito (oito!) reactores nucleares de bandeja.

Cómico é que o portuguesinho tenha agora que pensar, queira ou não queira, e ainda que isso lhe azede a imperial, de pensar muito a sério no ninho de lacraus que meteu no peito e que está amamentando, e como irá desembaraçar-se dele.
Cómico é que talvez agora, três anos depois de tudo ter feito para liquidar um Movimento Ecológico Português, lhe fizesse muito jeito que houvesse um Movimento Ecológico Português, capaz de (uma vez mais!) decidir por ele.

Cómico é saber corno irá ser este choque perfeitamente bombástico entre a politica suicida de um governo decididamente auto-masoquista e o povinho, quando sentir que lhe estão apertando o gasganete aqueles que ele elegeu seus deuses.

Cómico é não que as gerações actualmente a manjar do banquete do erário público, a pôr e a dispor dos dinheiros, a administrar a crise económica e a decretar para os outros medidas de austeridade, estejam literalmente a comprometer a sobrevivência das gerações seguintes, que hoje estão nascendo.

Cómico não é que um velhadas como eu, de 44 anos, possa urrar de gozo por ver esmagada, sob oito centrais nucleares, a juventude de hoje, homens e pais de família amanhã.

Cómico é que a geração, amanhã literalmente esmagada sob o Nuclear, ou sob as mil manigâncias venenosas, tóxicas e radioactivas do "progresso industrial", não tenha hoje, nem pareça que vá ter, a mínima atitude, o mínimo gesto, a mínima revolta, o mínimo esforço.

Cómico é que o povo todo e, deste povo, a parte ou geração vítima desta bandalheira pró-nuclear, nem sequer chegue a 250 portugueses, tantos são os portugueses assinantes de "Frente Ecológica", angariados a ferros de 1975 até hoje Março de 1977.

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(*) Embora tivesse enviado este texto ao Rocha Barbosa, director do semanário «Gazeta do Sul», acho que nunca chegou a ser publicado e ainda bem. Acho também que não saiu no livro sobre o nuclear que publiquei
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