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2006-03-19

OZONO 1989

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LABORATÓRIOS DE ECOLOGIA HUMANA 1989 - O APOCALIPSE DO OZONO

18/Março/1989 - Se o rasgão do ozono estratosférico é mesmo a sério, como os cientistas finalmente asseguram, após 15 anos de desconfianças, reticências e adversativas, é evidente que a coisa não pode ficar só com os piedosos apelos da senhora Thatcher («salvemos a camada», discursou ela), nem algumas conferências mais em Viena, Monreal e Londres, nem fracas promessas de que os malditos clorofluorcarbonetos irão desaparecendo gradualmente do mercado.
Se o apocalipse do ozono está aí, e são os cientistas, os políticos, os industriais a dizê-lo (embora, por pudor, não usem a palavra apocalipse) então a hora da verdade e do ajuste de contas chegou.
Os biocidas, etnocidas, homicidas e ecocidas terão de responder perante a humanidade...
Para começar, o sistema admite, pela primeira vez, o fim do planeta Terra, ou pelo menos o fim da vida no planeta. Vida tornada insuportável a partir do momento em que o planeta se torne numa torradeira. É certo que o diz (ainda) entredentes, com medo do escândalo e do pânico, mas já o disse.
Pela primeira vez, também, a resposta do sistema não foi taco a taco, como sempre tem sido até hoje: ou seja, para poluente, antipoluente e meio; ou seja, não se tentou, mais uma vez, indrominar o zé povinho, fazendo o useiro e vezeiro contra-ataque da tecnologia que tudo resolve para debelar males da tecnologia que tudo destroi, no habitual regime de escalada que nos levou ao paroxismo do disparate em que estamos atolados.
Se o sistema tivesse reagido, desta vez, como sempre costuma reagir aos crimes que comete, ele teria dito: «ainda não temos a certeza, vamos estudar mais alguns anos, vamos arranjar uma nova tecnologia que nos defenda dos raios ultravioletas, que o sol agora nos irá atirar a jorros.»
Como se sabe, a resposta típica do sistema à hipótese de holocausto é do género «abrigo atómico» para uma «guerra nuclear».
Ninguém, desta vez, com o rasgão do ozono, quis correr o risco do ridículo, propondo «abrigos anti-ultravioletas» ou um antipoluente contra os clorofluorcarbonetos. Tiveram a coragem de sugerir a troca (gradual mas troca) dos malditos clorofluorcarbonetos por um produto de substituição.
Enfim - e isso é novidade absoluta - em vez de responder pela ponta, pelo sintoma, pelo efeito, tenta-se retirar a causa - os clorofluorcarbonetos - que provoca o efeito (rasgão de ozono), o que é nitidamente um progresso em relação à retórica sintomatológica e anti-causal com que nos maçam todos os políticos e políticas do ambiente.
Mas aceitar o «apocalipse do ozono» é aceitar toda a lógica de que ozono é a ponta de lança, a lógica da destruição e da pilhagem, a lógica ecocida, biocida, etnocida e homicida, a lógica anti-ecológica do sistema que vive de ir matando os ecossistemas.
Aceitar, após 15 anos de repetidos avisos e de relutâncias várias, que existe mesmo uma ameaça de amplitude planetária e que o fim do mundo é finalmente (já não era sem tempo) um facto histórico, todas as teses do realismo ecologista, sistematicamente caladas, estropiadas, aldrabadas, gozadas, acusadas de catastrofismo e outros mimos, quando não indecentemente recuperadas por verdes com interiores de melancia e arredores.
Aceitar o «rasgão de ozono» é aceitar, uma por uma, todas as teses radicais do eco-realismo, a sua estratégia de emergência in extremis, a sua resistência clandestina contra os crimes e criminosos do sistema.
«Salvemos a camada de ozono» - disse ela, mas não são as senhoras Thatcher do mundo que têm autoridade para proferir estes apelos da resistência e da clandestinidade ecologista.
Há mais de 15 anos, o eco-realismo disso - por causa do ozono e nem só - que era o momento de inflectir a marcha, ou mais tarde seria demasiado tarde: todos continuaram teimando no crescimento, nas metas de morte, nos mitos de merda, no progresso, nas conversas da modernização, nas febres, histerias, paranóias e psicoses do consumismo e do desenvolvimentismo. E chamando, sempre, pelo meio, «maluquinhos da frente ecológica» aos que lutam na resistência e na clandestinidade.
Já não dá, pois, para acreditar, hoje, na boa fé das proclamações «salvíficas», se elas não forem acompanhadas de medidas concretas, reais, urgentes, no sentido da esperança que é o sentido do desenvolvimento das tecnologias apropriadas e das ecoalternativas de vida (todas, desde as energias às medicinas).
Não é a retórica anti-poluição, as pias intenções conservacionistas, os hipócritas produtos de substituição, a tecnologia que tudo resolve depois da tecnologia que tudo destrói, que se impõem face à ameaça do «rasgão de ozono» e face às outras centenas de ameaças que o ecorealismo se tem dado ao cuidado de inventariar durante estes anos em que trabalhou na clandestinidade.
Ou o poder (político, económico, ideológico) radicaliza posições e abre um sector de desenvolvimento ecoalternativo na sociedade de morte, merda e mentira, ou ninguém acreditará nas suas proclamações, nos seus votos piedosos, na sua retórica, na sua demagogia, nos seus patéticos apelos «salvemos a camada de ozono».
Ou admite, pelo menos, 5 das 100 teses ecorealistas há muito compendiadas, ou mostra, na prática e já, a sua boa fé, ou que o apocalipse o consuma.
Um «futuro condicionado» como o que o rasgão de ozono prepara, é evidente que condiciona tuto no planeta Terra. As políticas nacionais, regionais ou internacionais, que não levarem em conta esse «futuro condicionado», esse «futuro a prazo», esse «futuro limitado», deixaram de ter qualquer sentido, são apenas manifestações de autismo e de sonambulismo.
Autistas e sonâmbulos, até agora, foram todos os políticos que não quiseram perceber o cerco, o sindroma do real apocalipse, que tem vindo a apertar-se, a real hipótese de estarmos numa imensa grelhadora, e não só no fim de um ciclo mas no minuto final das opções radicais e definitivas.
Face a este futuro sem futuro, é evidente que soam a ridículo todos os discursos que prometem amanhãs que cantam, modernizações, planos de desenvolvimento, industrializações aceleradas, centrais nucleares a granel, petroquímicas à discrição, explorações petrolíferas, gasodutos transeuropeus, enfim, a megalomania galopante, o triunfalismo cego dos desenvolvimentismos incuráveis.
É parvo, imbecil e pateta, continuar dizendo que se apaga o fogo com gasolina, ou que se enche um balde roto, as duas metáforas mais utilizadas nestas crónicas de sábado que vão fazer em Junho 11 anos.
Se o rasgão de ozono não levar, já, os estrategos da política, da economia, da indústria, das finanças, a estabelecer autênticas prioridades ecológicas aconselhadas pelo eco-realismo face ao perigo maior, ao último risco, à catástrofe das catástrofes, então é mesmo a hora de, no buraco de ozono, fazer a mortalha de uma humanidade condenada pelos seus algozes.
Amen. ☻

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