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*DEEP ECOLOGY - NOTE-BOOK OF HOPE - HIGH TIME *ECOLOGIA EM DIÁLOGO - DOSSIÊS DO SILÊNCIO - ALTERNATIVAS DE VIDA - ECOLOGIA HUMANA - ECO-ENERGIAS - NOTÍCIAS DA FRENTE ECOLÓGICA - DOCUMENTOS DO MEP

2006-03-15

MEP 1976

76-03-15-ie=ideia ecológica esquerda-1-ie

15-3-1976

CARTA À ESQUERDA 
SOBRE ALGUMAS (SUAS) FALTAS DE ATENÇÃO EVENTUALMENTE GRAVES

Só há uma maneira de defender este texto , enquanto texto: considerá-lo um rascunho, por vezes ilegível, de um esboço de qualquer coisa de ambicioso e utópico que ac queria defender – nem o ano em que foi escrito pode justificar ou perdoar a insistência na terminologia gonçalvista do tempo

Esta, é uma crítica de Esquerda à Esquerda: descartam-se, portanto e à partida, as insinuações de que o militante ecológico não se define claramente e anda sempre por águas turvas.
Subestimar o inimigo  parece ser, mais uma vez, o pecado político mais habitual da Esquerda, mesmo na esquerda menos triunfalista. Daí que menos preze os aspectos de "ficção cientifica" que têm hoje algumas das agressões imperialistas mais frequentes: a guerra ecológica, biológica, climatológica e psicológica que o imperialismo move aos povos de todo o Mundo.
Se é um facto quase inédito, o movimento de massas verificado em Ferrel, a 15 de Março de 1976, em que a população se organizou e mobilizou para embargar os trabalhos preliminares à instalação da central nuclear, por encomenda da C.P.E., não é esta, porém, a primeira vez (nem será a última) que se verifica oposição popular a um tal tipo de empreendimentos industriais e de "progresso"

COM OU SEM ESQUERDA A LUTA É UM FACTO

Se só agora a esquerda portuguesa mostrou sensibilidade a essa luta - luta que com propriedade podemos considerar inserida numa mais lata luta ecológica - isso não significa que ela não tenha vindo a travar-se, "malgré la gauche" e, às vezes, quando Deus tem querido, contra “la gauche".
(Estou falando daquela esquerda que, apesar dos tombos, costuma estar atenta aos problemas e que seja suficientemente lúcida para distinguir entre um ovo e um espeto. Quer dizer: aquela esquerda capaz de distinguir entre a mobilização efectiva do poder popular e a manipulação ou instrumentalização partidária desse poder.)
De qualquer maneira, e relativamente ao desafio lançado há dois anos em Portugal pelo Movimento Ecológico Português (M.E.P.), o comportamento da esquerda - desde a direita à reformista e da reformista à revolucionária - foi uniformemente igual.
Não houve diferença, inclusive quanto às acusações lançadas contra o Movimento Ecológico. Esquerda reformista e esquerda revolucionária, de facto, quando se tratou de manifestar e arriscar posição frente à frente ecológica, comportaram-se de modo igual: a ignorância, o silêncio, a hostilidade, a calúnia.
Se só agora a esquerda falou, a pretexto ou a propósito de centrais nucleares, significará apenas que não quer perder o comboio , ou significará uma instantânea autocrítica e correcção de estratégia? Ou significará pura e simplesmente que quer vir pôr um remendo onde notou um buraco?

COM OS ATRASOS E HESITAÇÕES DA ESQUERDA QUEM GANHA É A DIREITA

Não vou culpar a esquerda, evidentemente, por só agora ter surgido um semanário como "Gazeta da Semana” que logo ao segundo número dedicou uma página à crítica das centrais nucleares, em apoio da oposição popular às ditas centrais e numa linha inequivocamente igual à que deverá ser a de um Movimento Ecológico.
Estas coisas acontecem quando têm de acontecer e se só agora estiveram reunidas as condições não só para que tal magazine surgisse mas para que, através dele, a posição da esquerda portuguesa ficasse nítida sobre o nuclear, é caso para a gente se regozijar e não para lastimações...
Na realidade dos factos, porém, o "atraso" da Esquerda tem ressonância imediata em outros pontos:

a) A onda eleitoral, com sua demagogia , veio dar um golpe profundo nas actividades da recém-nascida C.A.L.C.A.N. (Comissão de Apoio à Luta contra a Ameaça Nuclear), desmobilizando e arrefecendo o que estava a pique de ser, com a última semana de Março, uma grande frente de luta popular na frente anti-nuclear;

b) Entretanto, e enquanto os opositores se têm vindo a queixar de que a C.P.E. esteve ausente, apesar de convidada, de algumas manifestações públicas, eis que a mesma C.P.E., aproveitando o interregno das eleições, em que todo o espaço dos jornais é pouco para os partidos, manda publicar uma série de  artigos no "Jornal do Comércio", cujo balanço se pode prever qual seja: apologia integral e total do nuclear, através de uma aparente neutralidade informativa, estatística, técnica; "refutação" dos argumentos económicos até agora dados como irrefutáveis; e a conclusão, óbvia, de que devemos não só embarcar no suicídio nuclear como devemos embarcar quanto antes.
Era isto, claro, o que se previa do "amplo debate sobre energia nuclear". Tal como nas eleições, quem ganha é quem tem mais dinheiro para controlar os aparelhos de manipulação pública.
A C.P.E., com seus grandes meios financeiros , pode investir o que quiser numa "larga campanha de informação", que não só já começou como vai ter aspectos subliminares, ínvios, indetectáveis à vista desarmada para que não seja detectada como propaganda, directamente inspirada, pela empresa, a propaganda que pela empresa concessionária é fornecida .

MOSTRAR A LÓGICA DO ILÓGICO: FUNCÃO DA "CAMPANHA INTOX"

Podem inserir-se na já referida "campanha informativa" dois artigos de Jaime Costa Oliveira, insertos n'A Luta, artigos em que aparentemente se dá o flanco a certas críticas já feitas sobre o ruinoso carácter anti-económico de uma central nuclear, mas apenas para "dar mais força" à seguinte apologia da mesma central.
Note-se que a C.P.E. não só tem uma estratégia ardilosa de "lavagem ao cérebro" bem programada, como se socorre de todo o arsenal de sofismas que os servidores do Diabo  costumam manipular, sem grande espanto ou protesto crítico da esquerda inteligente, lúcida e crítica, diga-se de passagem.

Quem já se ocupou a desmontar os mecanismos, aliás primários, com que os sofistas tornam "lógico", "lícito", "plausível", "aceitável" e perfeitamente "defensável" o que nós, os leigos sabíamos de antemão intuitiva ser "ilógico", "ilícito", "não plausível", "inaceitável" e perfeitamente "indefensável"?
Transformar o preto no branco e dizer que o quadrado é redondo - sem pestanejar -, é a grande arte da sofística , agora em pleno uso da sua técnica de lavagem ao cérebro nesta campanha intox a favor das centrais.
Na impossibilidade de os esgotar, enunciemos alguns truques dessa sofística:
a) Desde que se aceite o debate, nos termos em que o técnico o coloca, ele ficará com todos os trunfos: a terminologia cifrada que só ele pode de-cifrar; os dados estatísticos a que só ele tem acesso e só ele pode controlar; as previsões de que só ele (e Deus, ou Herman Kahn) sabem o fundamento;
b) "Se os outros países admitiram o nuclear, porque raio não há-de Portugal admiti-lo também? "
"Se o outro tem" é o truque de efeitos sempre seguros em populações preparadas para invejar sempre os progressos técnicos, económicos, científicos dos "evoluídos", dos avançados; diga-se que nesta mitologia muita esquerda tem colaborado e não só agora.
Contra essa mitologia, emanada das OCDE e arredores, que Esquerda é capaz de se mostrar?
c) É certo e sabido que os gráficos impressionam a malta; falar em megavátios, unidades produtoras, "encargos variáveis de exploração", custos directos, é meio caminho andado para domesticar o ignorante destas foscas terminologias.
Quem denuncia a terminologia que trai a ideologia?
A C.P.E. tem uma estratégia bastante ardilosa, diga-se em abono da verdade e em elogio de quem a preparou: o mesmo já não podemos dizer em relação à esquerda, nem ao poder popular, nem ao Movimento Ecológico, nem aos abaixo-assinados e comités de luta, nem à C.A.L.C.A.N., que - apanhados de surpresa - não têm uma estratégia contra-ofensiva, nem estão em condições de unidade para a criar já.
Este atraso é o que o militante ecológico lamenta e censura numa esquerda para quem a luta ecológica não foi até agora encarada sequer como tópico para meditação dominical...
Se se reconhece (João Martins Pereira, in "Gazeta da Semana”, 8 de Abril de 1976) "o debate sobre a central nuclear politicamente riquíssimo", essa afirmação enche de júbilo um ecomilitante e o peitinho de gratidão. Mas vem tarde, caramba! Entretanto, o que o militante foi recebendo da esquerda limitou-se quanto muito a uns sorrisos trocistas e a insinuações de que a luta ecológica corria muito o risco de se confundir com a direita.

A ASNEIRA A QUEM A PRODUZ

Não se confunde com a Direita, oh! prezados compatriotas de esquerda: o que a Direita já percebeu – antes da esquerda – é que podia recuperar a Ecologia. E tem-no tentado.
O P.D.C. inclui no seu programa eleitoral sobre Reforma Agrária "a defesa ecológica dos solos". Ora essa! vejam lá. Se eu fosse homem de sustos, lá ficava com um medo horrível das confusões, porque sucede ter escrito um livro sobre a Reforma Agrária onde preconizo, simultaneamente, a viragem Ecológica.
Quanto ao P.S. e ao P.C.P., preconizam naturalmente uma atenta luta antipoluição para obviar aos problemas de Ambiente e promover a importação de alguns objectos e artefactos anti-poluição. Ora toma e viva a independência nacional.
Quanto ao P.P.M., preocupado em ocultar numa capa de vanguardismo os seus handicaps ideológicos, tenta basear a propaganda eleitoral em certos aspectos que, embora conservadores, começam a ter certa tintagem de vanguarda, ao mesmo tempo que preconiza comunas rurais e outras coisas ecológicas mais, além de radicais.
Claro, tá-se mesmo a ver que um partido conservador não deixaria de tirar partido daqueles aspectos que, na vanguarda ecológica, podem ser facilmente recuperáveis pela direita, se não estiverem equacionados em função de uma rigorosa dialéctica , a qual escapa - evidentemente - aos adeptos da monarquia, ao P.P.M., aos conservadores da direita em geral.

A ESQUERDA TEM MEDO DE SER DIALÉCTICA

Mas o que é de imediato imputável à Esquerda - e continuará sendo, enquanto não apresentar um programa que totalmente conteste o do Movimento Ecológico ou totalmente o adopte - é o seu excesso de prudência; é que não quisesse correr este e outras riscos, expor-se a este e outros melindres.
A nossa esquerda tem pergaminhos e, acima de tudo, não quer confundir-se com a direita; acima de tudo, quer manter uma larga margem de tolerância; como a dialéctica é perigosa, eis que a Esquerda tem medo de ser dialéctica.
O risco de se aparentar momentaneamente à direita, o risco de cair em opções que, - aos olhos frívolos e superficiais e dogmáticos - são aparentemente conservadoras, é um risco inerente à dialéctica; ao salto qualitativo do Reino da Necessidade para o da Liberdade; é um risco inerente à definição politicamente correcta da Revolução Cultural.
Isto é que é imputável à Esquerda, ao seu comodismo, à sua excessiva cautela, à sua expectativa de cariz oportunista, até ao seu elitismo.
Houve muito compatriota de esquerda que, embora simpatizante em segredo do Movimento Ecológico, nunca nos deu a honra de ser nosso filiado!... É que na Esquerda, também há castas; os maus revolucionários e os bons-revolucionários.
Daí que os militantes do M.E.P. fossem, à priori, muito maus para alguns muito bons da nossa praça.

NEM SÓ CONTRA AS CENTRAIS VIVE A REVOLUÇÃO CULTURAL!

Também não é extraordinariamente lisonjeiro para a esquerda adoptar agora, de emergência, a luta ecológica, numa frente onde até sem óculos se vê que a razão e a justiça nos assiste. A vertigem do  nuclear mete-se pelos olhos dentro. É um tema antecipadamente popular. É uma luta antecipadamente vitoriosa (vitoriosa porque a ruína nuclear tal como a ruína capitalista é um facto histórico irreversível, o que não significa vermo-nos livres de uma e de outro tão cedo...)
Diga-se em abono da verdade que, em termos de partidos , só o P.S. (literalmente dividido a vários níveis ou escalões hierárquicos, mesmo assim) defende a Central. Os outros, unem-se como nunca se uniram em outras emergências menos nucleares.
Unem-se até os que nos deram caneladas ou nos atiraram piropos e calúnias quando em 1974 (Novembro), o José Carlos Marques lançou a campanha para uma moratória nuclear, no I Encontro do Movimento Ecológico em Portugal, realizado na Figueira da Foz.
Mais difícil, menos popular e exigindo outros riscos estratégicos (o supremo risco de nos confundirem com o P.D.C. ou com o P.P.M., por exemplo) é travar batalha contra os adubos, quando são os próprios trabalhadores socialistas a vir defender o fomento do seu fabrico "como um grande progresso (sic) para a classe operária e a economia do País."; mais difícil e menos popular é a batalha contra as vacinas, quando os mais respeitáveis organismos internacionais e sumidades "científicas" a recomendam; mais difícil e menos popular é a batalha contra a alfabetização, quando o consenso universal é de que alfabetizar é que é bom e de que basta para descolonizar o povo (quando a verdadeira alfabetização o que implica é precisamente a descolonização do povo em relação à cultura erudita).
Que a Esquerda, embora tarde, adopte a luta anti-nuclear, de acordo;  o que a gente precisa é de malta a trabalhar pró mesmo; mas que adopte também as lutas mais incómodas, desconfortáveis e subtis , eis o que não será também exigir muito.
Já é tempo, porém, de uma coisa: se não adoptarem essas outras lutas, ao menos não nos chaguem a paciência a nós, os da ecomilitância, chamando-nos reaccionários, afirmando que Portugal não tem problemas ecológicos, sustentando de que estamos, no Movimento Ecológico, ao serviço dos trusts antipoluição, e outras bojardas do mesmo quilate.
Ecopolítica em luta pela Revolução Total. Quer dizer: pela Revolução Ecológica.
Queremos portanto saber, de futuro, se alguma ecoestratégia está a ser preparada pela Esquerda.
E se, inclusive, no campo da preparação ideológica, a Esquerda estará disposta a fazer a sua minirevoluçãozinha cultural, tão importante a quem anda neste Aeiou da Ecologia.
Que batalhas está a Esquerda disposta a travar daquelas que mais ninguém quer?
Contra a caça, desporto tão popular, qual a esquerda capaz de lutar?
E contra as touradas?
E contra o tiro aos pombos?
E contra as batidas às raposas (ainda há semanas, a L.U.A.R. promoveu uma, na herdade de Torrebela).
E contra essa tão popular fábrica de psicoses e depressões que é o Ruído, qual será a Esquerda capaz de considerar prioritário e digno de luta o estado psicosanitário da população portuguesa?
Contra o escape ruidoso da popular motorizada, qual a esquerda capaz de se insurgir?

Esquerda atenta e activa?
Contra o pão industrial, contra os enlatados, contra os conservantes e corantes, - fábrica das mais variadas moléstias degenerativas - qual a Esquerda que tem um programa de ataque?
E contra a transplantologia, quem mia? Contra os medicamentos, as vacinas, os antibióticos, quem pia? Contra a slogonmania, o cartaz, a inflação de papel propagandístico, e desperdício de floresta que tudo isso provoca, qual a Esquerda pronta a denunciar o facto?
E as doenças do trabalho? Como descalça a Esquerda essa bota? Como conseguirá, ao mesmo tempo, condenar a silicose e defender a continuação do trabalho mineiro?
Como pode condenar o Ruído e as doenças do Ruído, se continuar defendendo a indústria pesada que o produz em doses letais para o trabalhador?
Como concilia a Esquerda a ideologia do trabalho com o mínimo de exigência ecológica?
Além do adaptacionismo que sempre foi o da Medicina do Trabalho,  que resposta  tem a esquerda portuguesa para as condições de trabalho e para a chamada "assistência médico-sanitária ao trabalhador? "
E contra os mitos da Sofística ? Contra o mito das proteínas, das vitaminas, dos micróbios, qual a esquerda há aí capaz de se insurgir?
Contra a OMS., a F.A.O., a Unesco?
E a corrida espacial, quem denuncia?

Qual a Esquerda capaz de explicar que a Cosmologia taoísta não é religião nem ópio do povo mas um poderoso instrumento de autolibertação e de autosuficiência para o corpo humano?
Qual a esquerda capaz de se preocupar com a descolonização do corpo, com a descolonização das minorias ou com a descolonização do lumpen-proletariat?
Qual a esquerda capaz de combater o concentracionário urbano e preconizar o "regresso à Natureza", às alternativas comunitárias, à Bioagricultura, a uma reconversão total de consumos, a uma ética que fundamente a praxis humana numa noção dialéctica de entropia/energia, entendendo esta energia na sua forma suprema de bioenergia ou energia KI?
Que esquerda é capaz de adoptar hoje o mais maldito do maldito Wilhelm Reich?

Qual a Esquerda que já se debruçou sobre as agressões hoje tão correntes do imperialismo modificando climas, pilhando águas subterrâneas, engendrando epidemias (guerra bacteorológica disfarçada), praticando a guerra geológica, provocando sismos com explosões nucleares ditas pacíficas e sobre as quais a URSS e os EUA estabelecem amigáveis acordos?
São estas contradições no seio da estrutura industrial, aliás, que criam hoje problemas melindrosos , a uma Ecologia de Esquerda.
A Ecologia radical vem pôr basicamente em questão, não já e não só a apropriação dos bens de produção, mas as técnicas e tecnologias usadas nessa produção, mostrando que a luta de classes passa não só pela exploração salarial do homem pelo homem, mas pela manipulação (alienação) do homem pelo homem que aquelas tecnologias, técnicas e energias implicam.
Posto o problema da alienação, onde está a resposta (necessariamente ecológica) da esquerda ?
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(*) Este texto, longo e chato, de ac foi publicado no jornal (por ele dirigido) «Frente Ecológica», Julho de 1976
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