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2006-03-17

TECNOCRACIA 1973

73-03-17-ie> = ideia ecológica - quarta-feira, 4 de Dezembro de 2002-scan

A IMORALIDADE COMEÇA NA VIOLÊNCIA E A VIOLÊNCIA COMEÇA NA QUÍMICA(*)

(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado no livro edição do autor, «Contributo à Revolução Ecológica», 1976

17/Março/1973 - Como se não bastassem todas as "frentes" consuetudinárias onde a resistência defronta o Monstro - a Tecnocracia com seu mau cheiro, seu visco, seus dejectos químicos, seus tentáculos repressivos - aparece-nos diante, em outra esquina, um súbito e ocidentalizado representante da "ataraxia nirvânica". (Que de ataraxia e de nirvana, evidentemente, pouco tem).
Não sei mesmo se não aparecerá um iluminado discípulo de guru, ou de mahatma, exalando prédicas sobre o abandono dos bens deste mundo, enquanto viaja de jumbo-ject e se locomove num Rolls Royce provido de motorista fardado.
Se há uma coisa que a Resistência tem como dogma indiscutível é a necessidade e a licitude da via iniciática, tão largamente caluniada pelos funcionários da Tecnocracia, tão vilipendiada por todos quantos vêem numa verdadeira meditação, numa verdadeira vida espiritual, numa introspecção criadora, o diabo em figura de gente.
Se há coisas que a Resistência necessita e respeita e defende, é o ioga, o zen, a suspensão do raciocínio no momento próprio.
Mas isto não significa que a Resistência omita definitiva e permanentemente o raciocínio, sua única arma defensiva no meio de tantos atacantes.
Por muito que o Resistente admire e pratique o zen, o abstencionismo nirvânico, a verdadeira dialéctica ecológica, no momento em que defronta o Inimigo tem que ter desperto o sentido crítico, a arma da inteligência, o anticorpo da lógica antinómica.
De outra maneira dissolve-se como uma pretensa dialéctica, a última e única defesa do Resistente, ao pretender seguir, numa fase de luta, os princípios da meditação.
Ponho um exemplo.
O ruído constitui, para quem quer preservar algo da sua vida espiritual, uma faina de Resistência diária. Como agressão perpétua, como impedimento à necessidade de meditação e de enriquecimento pessoal, como obstáculo à qualificação da existência quotidiana, o Ruído é um permanente oposto. 0 Ruído e, evidentemente, toda a forma de Poluição produzida por um habitat que, se não está feito para homens, nem sequer para cães está feito.
De repente, vem um iluminado fabricado à pressa pela varinha mágica de qualquer guru e começa a perorar:

"O ruído é a tua obsessão. Deves encarar todos os opostos como necessários. A lama existe para que exista o lótus. Etc.."

Quer dizer: o convite à desistência de uma atitude crispada de contra-ataque, contra o que (nos) ataca.
Foi isto o que chamei a outra e inusitada frente da Resistência. Já não nos bastava o ataque sistemático, a agressão contínua da Química e seus sequazes. Faltava-nos agora o pseudo místico de beatice cristã, acenando com a dialéctica, a dizer-nos que todo o mal é bom e que o devemos suportar estoicamente sem um gemido.

DESISTÊNCIA DA RESISTÊNCIA

É urgente interpelar esta errónea interpretação da dialéctica nirvânica que nos aconselha desistência da Resistência. E por uma razão, que não é moral, nem filosófica, nem teórica, mas concreta, material, causal, ecológica: a Resistência, o protesto, a revolta, é a única arma que o Resistente possui para conseguir continuar a manter alguma sanidade mental no meio de um habitat de alienados: não só produtor de loucos, de esquizofrénicos, de neuróticos e psicóticos, mas perfeitamente inabitável.
Só o que reage, protesta, muge, ruge, grita contra o absurdo da Agressão - o que Resiste - tem alguma chance de não se deixar submergir pela onda de colectiva sandice.
E não há via iniciática, nirvana místico, dialéctica criadora, vida espiritual, paz interior, etc., sem essa base de sanidade.
A Resistência e não a desistência é condição sine qua non de toda e qualquer experiência de cariz iniciático ou iluminístico.

A DIALÉCTICA DOS CONTRÁRIOS

Ainda quanto à necessidade de continuar resistindo à invasão homicida, há que proclamar, sublinhar e acentuar o principio inamovível de toda a ética ou axiologia ecológica: a vida e o respeito pela vida.
Dentro da vida e do que vive, de acordo: a lama é necessária ao desabrochar do lótus, a noite é inevitável para que a madrugada rompa, a vida não existe sem a morte, o amor sem o ódio, a esperança sem o desespero, a prática sem a teoria, o sacrifício sem a covardia.

Sim, universalmente, a ética ecológica manda amar tudo quanto vive, excepto... Excepto o que mata tudo quanto vive. E que por se situar fora da cadeia viva é a personificação de um possível princípio do Mal de um possível maniqueismo.
Sim, talvez só existisse Bem (quer dizer, Vida) sobre a Terra, se não existisse, por exemplo, a Química que mata. Uma vez que a química já fez a sua erupção sobre a Terra depois de Buda, há que actualizar Buda.

É assim que talvez houvesse agora a fazer uma rectifição à terminologia metafórica normalmente usada: quando, por exemplo, se fala de "onda excrementícia" para designar em grande parte o rio da porcaria tecnocrática, não se está a ser justo, nem, de um ponto de vista ecológico, exacto.

O MAL ESPECÍFICO DA TECNOCRACIA

Admito. Excremento, dejecto, não são termos próprios, nem seus sinónimos, para designar o Mal especifico da Tecnocracia. De qualquer modo, o estrume biológico é ainda fonte de terra e de vida. O biodegradável contém-se dentro do ecossistema, é um elo de vida. Mais correcto para designar o Mal absoluto, o oposto irredutível (porue há o oposto complementar), o verdadeiro e irreconciliável inimigo é a expressão hecatombe química, homicídio, ecocídio, biocídio.
Admito que a terminologia "excrementícia" cai sob a alçada da mesma crítica que se faça à palavra "poluição" como cómodo biombo para ocultar a verdadeira palavra: biocídio.
O excremento ainda é moral. A imoralidade começa na Química.
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(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado no livro edição do autor, «Contributo à Revolução Ecológica», 1976
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