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2006-03-21

ECOLOGIA 1981

lumpen-2> os dossiês do silêncio

ECOLOGIA, LUTA DO POVO(*)

21/3/1981 (in «A Capital») - Defender a vida e o meio ambiente onde se habita, é quase sempre defender a principal das prioridades humanas: a comida, o alimento, a subsistência primária.
O exemplo, recente, vem dos antípodas, mas serve de incentivo, aqui e agora, à nossa luta concreta por um habitat mais saudável, por um ambiente mais livre e limpo.
Notícias de Camberra, dizem que os sindicatos australianos acabam de aderir, em força, à luta dos aborígenes do Oeste da Austrália, que nos últimos tempos têm tentado boicotar a passagem do uma companhia petrolífera disposta a começar, na terra deles, a prospecção desse produto, indispensável à chamada "civilização".
Note-se que, nesta região inóspita do sexto Continente do Mundo, os naturais alimentam-se quase exclusivamente de uns lagartos gigantes, chamados "grandes iguanas", com dois metros de comprimento, alimento que certamente será destruído com as sondagens petrolíferas que a companhia "Amex" ali quer realizar, com a conivência do governo central australiano.
Note-se ainda que estes aborígenes têm a sua própria civilização do deserto, construída há milénios sobre uma secreta sabedoria obtida no contacto com um meio ambiente de incrível hostilidade. Eles, no entanto, têm conseguido sobreviver: e quem vai agora ameaçá-los, após séculos de existência, são os instrumentos e as armas de uma sociedade que se diz civilizada.
O que está em causa, no Ocidente Australiano, e o que motivou a solidariedade total de todos os sindicatos, é evidentemente este facto central: se as prospecções forem por diante, é mais um genocídio e um etnocídio de um povo que esta civilização de petróleo e da morte terá de averbar no seu curriculum...mortem.
Na luta dos aborígenes, estão empenhados também muitos brancos australianos e muitos pastores protestantes.
Afinal, a defesa da vida não compete apenas aos ecologistas. Quando as pessoas decidem tomar em suas mãos essa luta e essa defesa, os ecologistas não têm lá nada que fazer. E ficam a descansar, que bem precisam...
I
OS ÍNDIOS DE MATO GROSSO

Caso idêntico ao que está em curso na Austrália, acaba também de estalar no Brasil, estado de Mato Grosso, por causa da estrada que pretende ligar Brasília a Manaus, esmagando o território índio onde vivem ainda algumas tríbus que os brancos não conseguiram totalmente dizimar. Encontram-se em pé de guerra as tríbus dos índios suia, juruna, caiabi e txucarramos, tendo esta última desencadeado um ataque onde foram mortos onze brancos.
Também neste caso, em que os índios brasileiros não cedem às exigências, ambições e pilhagens do chamado "progresso”, são as forças da igreja que com eles se solidarizam, nomeadamente o Bispo Dom Pedro Casal da Liga, acusado, pelos poderosos fazendeiros, de ajudar os índios na sua resistência contra os cortes de árvores seculares que continuam a fazer-se na região.
Também neste caso, os índios e os bispos que os apoiam, não precisaram dos ecologistas para defender o seu território, a sua floresta, as suas raízes, enfim, a sua cultura ancestral e, mais concretamente, a base da sua subsistência alimentar, da sua vida.

Também os índios de Mato Grosso resolveram, finalmente, não suportar mais as agressões ao seu meio ambiente, enquanto os fazendeiros, que limpam as armas à espera do ataque, vão dando a opinião que têm do povo índio. "Indio é cão" - diz Moacir Prata Ferreira – “Índios são todos escravos, ladrões preguiçosos, agressores: prefiro as minhas galinhas”, acrescenta o rico fazendeiro do centro oeste do Brasil.
Só faltou insultar os índios de serem também, hoje, os grandes militantes ecologistas da Humanidade.
Um banho de sangue pode assim ocorrer, a todo o momento, em S. Félix de Araguaia, onde se encontram reunidas as condições para isso. Mais ou menos condicionados no parque de Xingu pela FUNAI (Fundação Nacional do Índio), é bem possível que os índios estejam agora dispostos a rejeitar também o paternalismo desta organização, entrando na acção directa. Tudo isto, embora alguns guerreiros índios ainda suponham possível um acordo sobre o traçado da estrada Brasília-Manaus (a famosa BR-080) se lhes for concedida a propriedade "Agropexim" e se for previsto “um parque florestal ao longo do rio."
É este amor dos índios à sua floresta, ao seu rio e à sua terra, que os brancos ricos e poderosos principalmente não lhes perdoam. E por isso limpam armas, à espera da guerra...
A oposição frontal dos índios ao corte das árvores que orlam as margens do Rio Xingu, riquíssimas em caça, baseia-se exactamente nessa razão: se as árvores forem barbaramente cortadas, como se tem estado a fazer, a caça desaparece e os índios ficam sem a sua única fonte de sobrevivência.
Tal como na Austrália o "grande iguana'', a caça é aqui, entre os índios do Mato Grosso, a principal razão das suas inquietações ecológicas, e da sua tenaz oposição a mais um ramo da Transamazónia, essa autoestrada transcontinental que alguém já designou como a "estrada para o abismo planetário".
A luta dos índios, portanto, é pura e simplesmente pela sua sobrevivência, como são sempre aliás todas as lutas em defesa da Vida e da Natureza. Selvagem será quem isto não compreender. Canibal será o que não compreende a razão das outras civilizações diferentes da sua.

OS SINDICATOS BRITÂNICOS

Atitude igualmente assinalável e que demonstra haver uma íntima ligação entre relações de trabalho e defesa ecológica, acaba de ser tomada pelos sindicatos britânicos, através da sua poderosa central, a T.U.C., cuja Comissão Económica decidiu exercer pressão sobre o governo da senhora Thatcher no sentido de este proibir totalmente a importação de produtos derivados da baleia.
Há dois anos, a mesma comissão Económica hesitara nesta atitude, receando que semelhante proibição provocasse desemprego nas indústrias derivadas dos cetáceos. Considerando agora que já não há perigo de desemprego, a poderosa central sindical inglesa lança-se na defesa da baleia, ao lado dos ecologistas, provando assim que a luta pela vida não é incompatível com a luta contra o custo de vida e outras clássicas reivindicações sindicalistas.
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(*) Publicado no jornal «A Capital» (Crónica do Planeta Terra), 21/3/1981 e, provavelmente, no semanário «Voz do Povo» e no «Diário de Coimbra»
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