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2006-03-23

APOCALIPSE 1980

terror-1-na> = notícias do apocalipse - os dossiês do silêncio

TERROR E SUSPENSE EM SESSÕES CONTÍNUAS - O AMANHECER DOS VAMPIROS (*)

(*)Este texto de Afonso Cautela foi publicado no jornal «A Capital», (Crónica do Planeta Terra), 23/3/1980

23/3/1980 - Os grandes dirigentes do Mundo aprenderam com Alfredo Hitchcok, mestre do "suspense", autor de tantos filmes de sucesso que nos fizeram roer a unha até ao sabugo.
Mas o mestre hoje está ultrapassado. As duas superpotências, pelo menos, reafirmam diariamente o seu gosto pelo folhetim de terror, em que nenhum ingrediente falta.
Quando vejo anunciada fita de Frankenstein, herói da minha infância, já não vou: tenho agora melhor e mais barato, basta ligar Rádio ou TV, basta abrir jornal e o Drácula de caninos pontiagudos surge, em catadupa, no écran, na tele-foto, no tele-filme.
Terror, pois, tenha àvondo com este quotidiano, escuso de mais peripécias e desastres em estereofonia 60mm. Pornografia, então, nem se fala. É aos montes, sem comprar bilhete. Potências dão espectáculo a todas as horas, ora travesti, ora «streap-tease», ora dança do ventre, ora (não digo, censura, corta).

SESSÃO CONTÍNUA

Fanfarronadas entre grandes potências - mestras no terror barato - não cessam, ameaças vão em escalada. Guerra que se veja com mísseis balísticos, porém, estamos à espera. Muita parra e pouca uva, casa daqui, descasa dacoli.
E o filme de "suspense" corre em sessão contínua. Macaco já não sabe se dá pra acreditar ou se é tudo fita. Elas andam nisto há qu'anos Todos os dias começa a guerra - terceira e última. Mas nem o pai morre, nem a gente almoça.
Todos os dias vai gente para campos de treino (e concentração). Todos os dias jornais necessitam manchete de 1ª página e agências noticiosas quando não há notícias, inventam.
Qual é, então, o papel do civil nesta brincadeira, neste jogo de vampiros, abutres , chacais e frankensteins, nesta película a cores de sub-Hitchcoks com gripe?

O COMPUTADOR DAS COSTAS LARGAS

Em 8 de Novembro do ano passado, a piada do "falso alarme nuclear", dada por computador que se meteu demasiado nos uísques, foi tomada a sério mesmo por jornais que não gostam nunca de brincar. Foi considerada, por alguns de má memória, facto sucedido pela 1ª vez.
Mentira.
Recorde-se que as agências noticiosas davam pormenores: o "alerta antecipado" teria provocado a descolagem de 10 caças interceptores, antes que a Pentágono apurasse que o alarme era falso...
Moral deste (mais um) filme de suspense: a fita deu-se, telexs telexaram para que todo a Mundo soubesse que caças descolam da base. E que, tão lépidos, nem sequer dão tempo à malta de escavar os tais abrigos subterrâneos, modelo made in China, URSS ou EUA.
Como a 8 de Novembro se estava no auge da crise dos reféns (outra fita que Hitchcok não precisou rodar) o Pentágono esclarecia que "incidente do computador (avariado) dando alarme falso, era mera coincidência e não tinha nada a ver com reféns... "Qualquer semelhança com figuras da vida real..." - dizem as fitas, no genérico.

ARQUIVOS DO TECNO-TERROR ACUSAM

Convém lembrar que computador "avaria" sempre que coexistência pacífica esquenta. Recorrendo aos meus arquivos do Terror, não era difícil adivinhar em que outra data da história mundial recente a fita do computador embriagado se teria repetido.
Ligámos à crise de Cuba (circuito 8976-LM-.79), no mostrador aparece 1962 e a resposta veio, em segundos, dada pela nosso querido computador Gervásio da Câmara.
Dizia ela naquela voz aprendida do Jean Luc Godard (Alphaville)
1) Bernard Lovell, director do observatório de Jodrell Bank, revela em Fevereiro de 1968 (seis anos mais tarde) que um satélite soviético, explodindo em órbita durante a crise de Cuba (1962) fizera os computadores americanos acreditar num "ataque maciço de mísseis continentais".

2) Há alguns anos, Pentágono recebeu ordem de alerta. O que era, o que não era, radares que cobrem linha de segurança dos E.U. acabavam de assinalar objecto que avançava sobre o País.
Parâmetros do "OVNI" foram comunicados aos computadores de serviço à caserna e a sua resposta veio, categórica: "Objecto detectado pelos feixes electrónicos dos radares é pura o simplesmente a lua..."

3) Em 20 de Fevereiro de 1970 foi dado falso alarme nuclear nos Estados Unidos, devido à distracção de um funcionário do Centro Nacional de Alerta, implantado na cidadela subterrânea (é mania) dos montes Cheyenne ( é etnocídío) do Colorado.
Milhões de americanos pensaram que acabara de rebentar a terceira guerra mundial. Tratava-se, afinal, de erro na manipulação de cartões perfurados....

Destas brincadeiras (bebedeiras) de computador, ou dos cérebros perfurados que lhe deram "vida", haveria mil lições a tirar. Por agora basta acentuar:
Em cada crise de Cuba, há sempre um computador para o mundo saber que, suspenso, só lhe resta obedecer aos impérios que da nossa vida e sobrevivência decidem;
A infalível tecnologia electrónica falha sempre que haja conveniência nisso e mesmo quando não seja conveniente;
A gente fia-se no computador a acorda...molhado;
A guerra, a dar-se, será como manda a honra da casa: científica.. Mal de nós se computador boceja ou tem qualquer desabafo fisiológico normal. Pode ser o Fim.

Sobre esta brincadeira toda de falsos alarmes que são verdadeiros (e vice-versa) quando convém acirrar a guerra de nervos, mais do que a quente, só resta rir;
A honrosa consolação que nos fica, quando Humanidade for monte de estrume radioactivo, é que foi a mais alta e sofisticada tecnologia quem comandou operações. Irra! Ditosa humanidade que tais computadores tem e cérebros perfurados!

CONSTRUÇÃO ANTI-SÍSMICA

Em crónica passada, tentámos esboçar trabalho de construção (civil) de abrigos anti-atómicos. Construção anti-sísmica também é muito conveniente que venha seminário da UNESCO (OCDE ou CEE) ensinar português valente, pra gente praticar nos fins de semana em que eles brincam aos sismos das bombas deles.
A que iremos nós, hoje, brincar para passar o tempo, distrair das golpadas em que eles, incansáveis, dia a dia mergulham a Humanidade?
Meu jogo preferido é pensar. Peço desculpa, já sei que pensar é entre nós um caso de polícia (crime de lesa Pátria), temos catedráticos que pensam por nós, exaustivamente, as 48 horas do dia, mas como não sei fazer mais nada, aguento. É como aqueles infelizes que só sabem trabalhar.
De maneira que me divirto, analisando este xadrez em que - dizem abalizados cronistas - as potências continuam "brincando com o fogo". "Fogo dos deuses", com certeza, só esse digno de que tais superimpotências
Mas - e é logo a 1ª coisa que, pensando, não dá pra entender - : se a Fim está por horas, com data marcada na agenda, a que propósito vemos continuar o delírio dos projectos para futuro. Se o Globo dá breve o bafo, porque nos andam a cantar os amanhãs que cantam e a chorar os amanhãs que choram? Porque gastam tanta saliva e mau hálito a dizer que Portugal há-de entrar, custe o que custar, no Mercado em 1983? Que frenética actividade vai por esta jaula de tecno-adivinhos e futurólogos e planistas (bruxos!) de médio-longo prazo, todos a gritar que vamos gastar milhões de megavátios, pelo que rápido é preciso, já, construir centrais nucleares, arrumadinhas à fronteira e claro, em anexo, com vinte assoalhadas, enormes e modernos hospitais para internar os milhões de cancerosos a mais devido à mais valia radioactiva?
Se da guerra ninguém escapa, nem os que carregam o botão fatal, porque andam papás a fazer conta bancária prós filhotes, políticos a dizer que vão salvar pátria finais década 80?

PENSAR E SOFRER...

Se no meio desta "sessão contínua" (Marx chamou-lhe alienação e meteram-lhe os manuscritos da juventude no baú) há bicho que pensa, tem que se interrogar sobre tão toscas, grotescas contradições em que este sistema mundial de correlação de forças entre Blocos - chamado Equilíbrio do Terror - é fértil. É mesmo uma cadela a parir.
Mas como não ganha nada em perguntar, porque ninguém dá conta das suas incoerências, só (nos) resta brincar, como dizem os ecologistas ao lançar a moda para a próxima Primavera: vai haver grande Festival a 22 e 23 de Março, palavra de ordem (e de honra): BRINCAR É PRECISO.
Mas ainda aqui pensar é doloroso (cronista sofre): porque vemos como esse slogan afinal, revela nosso medo, a lavagem ao cérebro a que, pelo menos desde Descartes, os "civilizados" ficaram sujeitos.
"Só nos resta brincar" é a versão profana pós-anarquista ("Deus morreu" disseram elas... ) do estribilho " Só nos resta rezar" que definia, outrora, a grande perplexidade religiosa face aos vários apocalipses que o Mundo já teve.
Devidamente ateu, o ecologista, hoje, como espectador lúcido da confusão da fusão nuclear , não se atreve a proclamar o slogan eterno "Só resta rezar" e substitui por "Só resta brincar". Vai dar ao mesmo. Acto sagrado por excelência, é quando Sua "Excelência a Criança Brinca”. Se ecologista conseguir a mesma pureza de alma e a mesma Alegria da Criança, pode dizer que brinca, porque está dizendo que reza. É a mesmíssima coisa, gente!
E de facto, se eles premirem a botão da guerra, é o que resta. Rezar. Brincar. Pensar.
Cronista reza, brinca, pensa.

SÓ RESTA REZAR?

Tanta vez vai computador à fonte, que lá quebra a cantarinha.
E se a enfusa quebrar há que tomar medidas preservativas.
Segundo os técnicos em Protecção Civil e Defesa do Território, o pânico deve ser evitado. Qualquer dia, vai haver seminário da UNESCO „Como evitar o Pânico a Mascar Amendoim".
A população civil deve civicamente encontrar-se munida de "panómetros”, aparelhos da mais moderna tecnologia para medir o grau de medo que lhe provocará primeiro aviso de ataque atómico.
À falta de computador Geiger, pode ser utilizado termómetro, desses que medem febre em centígrados Fahreneit.
Técnicos da Protecção costumam advertir construtoras para deixar áreas desocupadas junto edificações industriais. Quando uma complexo (uma central nuclear) explode,
convém que haja , pela menos, uns cem metros em redor de "zonas verdes" e muito ajardinadas,
Evacuação de eventuais sinistrados (pelo medo, claro, não pelas radiações) é constante nestes manuais que o civil deve ter sempre à mesa de cabeceira, por cima ou por baixo da Bíblia, procurando seguir instruções à risca.
Se contar até 10, evita pânico e as radiações afastam-se como por encanto.
Telefonar para as companhias de seguros (nacionalizadas, nossas) não adianta. Seguras que são, estas tranquilizadoras empresas, nãofazem apólices nem para as centrais pacíficas nem para as bombas ainda mais pacíficas.
O morador que se sentir mais aflito, tenta chamar o "monitor de segurança", que lhe dará instruções adequadas: como afivelar máscara, como evacuar, como descer pela pia abaixo em caso da casa não ter cave, etc.
O melhor é o eleitor prevenido e que, portanto, vale por dois, munir-se de dois monitores, não vá um ficar-se no primeiro ataque a não ter sido previamente vacinado contra as radiações. A ciëncia prevê tudo e a medicina pensa muito a sério em lançar no mercado a vacinam contra radiações.

Governo deve providenciar para que sejam fornecidos rádios portáteis a todas as famílias, que assim armadas poderão transmitir entre si os resultados do totobola e a chegada das primeiras nuvens de radioactividade. Podem mesmo apostar quem vai ficar mais irradiado que o vizinho. Aposta mútua desportiva.
Que diz a malta a isto? Temos ou não protectores?
Vale ou não a pena ser sangue de tanto vampiro que esvoaça, lábil, ao amanhecer? ...

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(*) Este texto de Afonso Cautela foi publicado no jornal «A Capital», (Crónica do Planeta Terra), 23/3/1980
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