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*DEEP ECOLOGY - NOTE-BOOK OF HOPE - HIGH TIME *ECOLOGIA EM DIÁLOGO - DOSSIÊS DO SILÊNCIO - ALTERNATIVAS DE VIDA - ECOLOGIA HUMANA - ECO-ENERGIAS - NOTÍCIAS DA FRENTE ECOLÓGICA - DOCUMENTOS DO MEP

2006-02-23

DEEP ECOLOGY 1979

<79-02-24-di> = diário de ideias - ecos da capoeira

LER O MUNDO À LUZ DAS PROFECIAS

24/2/1979 (In «A Capital»?)- Antes que o Carnaval venha, com farras e máscaras, ferrinhos e línguas de sogra - provando afinal que nós, portugueses, precisamos de boa disposição - há quem teime em continuar reflectindo sobre os maus momentos que o país viveu, para tentar retirar desta crise climática as lições que ela comporta. Aprender com esta para, no futuro, enfrentar outras idênticas ou piores.
É fatalidade dos ecologistas preocuparem-se com o lado negativo da realidade. Não pelo gosto ao negro e ao pessimismo, mas porque entendemos a missão de estar no mundo como escola permanente que nunca fecha, mesmo no Carnaval.
O lado triste, trágico ou satânico (crise, cheias, tragédias) do mundo está cá para nos ensinar o que de outra maneira nunca aprenderemos, o que a nossa frivolidade de ocidentais, ao longo de séculos, tem persistido em ignorar: tudo se paga, tudo tem um preço e a uma causa segue-se sempre necessariamente um efeito.
O caso está que quando vemos o efeito jamais nos lembramos que fomos nós a provocar a causa.
Os povos pagãos convencionaram o carnaval pata tirar a barriga de misérias. Vale tudo menos tirar olhos.
A visão oriental, no entanto, difere desta frívola filosofia pagã. Se temos o que merecemose se a dor, o sofrimento, a morte, a doença, a privação, as tragédias, fomos nós, nesta vida ou ao longo de outras vidas, gerações e reincarnações , que as criámos, não é por sado-masoquismo que o ecologista olha a dor, a tragédia, a fome, as aldeias evacuadas, as culturas perdidas, o gado boiando num mar de desolação: é porque tudo isso está aí para nós fazermos a leitura, directa ou translacta, do que tudo isso significa.
O ecologista (quase sempre com uma ponta de profeta) acredita que os acontecimentos são um livro aberto. Grandes sábios e textos sagrados o têm repetido. O mundo hoje é um livro que temos de ler à luz das profecias ... de todos os tempos.
O ecologista tenta perceber em que medida esta grande provação nacional acabada de sofrer, é um aviso, um sinal, um sintoma, uma mensagem. Uma lição. Uma linha torta por onde Deus escreve direito.
Por isso irá reflectir, muito, sobre o que aconteceu e o significado, eso ou exotérico, do que aconteceu.

EM MENOS DE UM SEGUNDO, VOLTAMOS ÀS CAVERNAS

A rede de abastecimento eléctrico esteve por um triz.
Não nos podemos eximir a imaginar o que teriam sido as coisas, se essa distância de um cabelo tivesse sido galgada, como o foi no que respeita ao abastecimento de água para Lisboa, às linhas telefónicas para Lisboa e aos transportes um pouco (ou muito ) por toda a parte.
Sem televisão, lá se ia «O Astro»... Sem jornais, era o reforço do isolamento e da incomunicabilidade. Era o cerco. Talvez só os postos de rádio-amadores e os receptores a pilhas ficassem como alternativas sobreviventes do grande sistema a que, nas inaugurações, se costuma chamar «grande progresso das comunicações».
Veríamos então como o «século das luzes» se apaga com facilidade. Demasiada facilidade. E quando apaga, não deixa alternativas. Talvez nem velas de cera. Talvez nem um candeeirinho de azeite. Talvez nem a petróleo. Vai tudo na enxurrada, porque o progresso, como enxurada, quando inundou o mundo destruiu tudo o que era antigo e primitivo.
Porquê e em nome de quê manter este sistema absurdo? Porquê depender de uma só torneira de energia e combustível? Porquê aceitar o centralismo de uma rede de abastecimentos tão concentracionária como a cidade que serve? Que cérebros efectivamente providentes conceberam tal tipo de progresso e de engrenagem? Como se pode chamar progresso a um sistema que, ao mínimo safanão, nos faz retrogradar às cavernas?
Como não é ainda proibido sonhar, estou a ver daqui, num qualquer ano 2000, o governo suficientemente prospectivo que constitua uma comissão, um ministério ou algo assim pomposo e com folgado orçamento, para investigar absurdos desta ordem de grandeza.
OK, de acordo: a grande electricidade de Portugal é que nos dá a luz e a vida. Mas o (desconfiado) o portuguesinho começa a desconfiar de que, na primeira altura, a célebre estação do Pocinho dispara por tudo e por nada, deixando o país às escuras (especialmente quando politicamente mais convém).
Como seria progressivo, inteligente, airoso haver governos de salvação nacional que pensassem numa rede alternativa a este perigoso sistema tipo «dinossauro» , como ele curiáceo, surdo a críticas e de sobrevivência duvidosa. Tente-não-caias.
Muitos insectos ainda hoje saltitantes, já eram espécies contemporâneas dos monstros pré-diluvianos... o ecologista «torce» pela mobilidade articulada do insecto, contra a elefantíase patológica dos macro-sistemas com pés de barro e sem ofensa para os elefantes que têm o peso esteticamente exacto.

VIVER COM O POUCO QUE TEMOS: AUSTERIDADE ECOLÓGICA

Contradição pouco profunda mas curiosa: nunca teria passado pela cabeça da população sofrer «falta de água» com o país inundado ... Foi mais lógica a sede na seca de 1976.
Mas que a hipótese de vir a suceder isto não tivesse passado pelos cérebros que, engenheiralmente, administram as tubagens e manigâncias dos abastecimentos à cidade, já nos parece imprevisão e imprevidência a mais.
Como podem estar sujeitos a uma infiltração de água os centros motores de captação que abastece 1 milhão e picos de almas?
Dar dois milhões de contos é espectacular, por parte de qualquer governo. Mas não resolve absolutamente nada, quanto a eventualidades futuras, dos prejuízos causados por semelhantes imprevidências e imprevisões.
Com estas imprevisões do tecnocrata, a população aprende sem querer: que bem inestimável é a água, por exemplo. Que bens inestimáveis são os recursos básicos da vida e da terra. Ao lado disto, nada são afinal as mil e uma embalagens de supérfluos ou fantasias de supermercado.
Obrigar a distinguir o essencial do acessório - eis a crise e a calamidade a valer por mil escolas e professores de educação ecológica...
Os xafarizes permitem outra reflexão.
Sempre que o sistema implanta as suas engrenagens triunfalistas - do tipo Companhia das Águas de Lisboa - eis que, para melhor impor o monopólio, as anteriores e seculares formas ou tecnologias de abastecimento sofrem um processo de aviltamento.
Xafarizes, mal a mal como elemento decorativo da cidade dos buracos: se resto, não houve nada que não se inventasse para proclamar que os xafarizes não prestam, estão antiquados, são velharias inúteis. A beleza de alguns tem evitado que o progresso (monopólio) das Epais os arrase de vez. Mesmo o aqueduto, não fosse estar tão agarrado e já teria ido pela pia abaixo na onda de progresso urbanístico.
Mas vem a crise climática de Fevereiro e o triunfalismo fica com a tripa à mostra: não só não prevê nem precavê coisa nenhuma , como corta as retiradas e as alternativas, como arrota de sobresuficiência e arrogância.
Poços, cisternas e depósitos de captação, veio afinal a saber-se que alguns hospitais, no auge da aflição, ainda foi o que lhes valeu para lá dos bem-aventurados bombeiros, esse anjos da água e do fogo.
Veio a crise e mostrou o triunfalismo balofo destas engrenagens onde nos metem para na primeira altura nos mandarem, com um chuto, ver se já chove e buscar água àquela banda ou lavar a cara no próprio chichi.
Austeridade desta, assim, à pancada e de surpresa, não. Queríamos, sim, que em vez de triunfalismos arrogantes nos habituassem a viver parca e serenamente com o pouco que ainda temos. Só.
Bonito slogan com que há tempo nos embalavam: «Viver com o que temos». Mas como, se estão todos de bicos de pé a querer trepar para a Europa dos Nove?
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