SEVESO 1976
seveso-1> datas do mundo – atenção: melhor meter isto no lixo do que voltar a publicar
VIVA A MORTE EM SEVESO(*)
11/9/1976 - O que aconteceu a Seveso, bairro-tentáculo de Milão, exemplifica no Norte industrial da Itália o que nos espera, em tempos próximos, a quantos vivemos em bairros e localidades que são subprodutos (dormitórios) das cidades concentracionárias como Lisboa.
Há muito, já, que Lisboa vem tentando imitar Milão, assim como Portugal irá imitar, depois do 25 de Abril, essa Itália pós-fascista que, de armadilha em armadilha, tem vindo, em nome da democracia pluralista, a instalar na Europa meridional uma das formas latinas de ditadura tecno-industrial mais aperfeiçoadas do Mundo.
O «boom» italiano, tão celebrado como o "boom" espanhol, significa afinal que ao fascismo tradicional (colonialista, racista, capitalista, tradicionalista, absolutista) se sucede (conforme os planos da guerra fria) um neo-fascismo (neo-capitalista, neo-colonialista, super-modernista e pluralista) que convém muito mais aos desígnios dos imperialismos agonizantes.
Seveso, com suas crianças queimadas pela dioxina, seus coelhos a estrebuchar, suas mulheres com fundas olheiras negras (um médico diagnosticaria, pela fotografia dos magazines, um alto teor de intoxicação crónica e uma forçada actividade renal através dos anos), Seveso e a sua população evacuada, seus guardas de cacetete e máscara antigás, seus letreiros garrafais com áreas interditas como nos romances de espionagem, foi o assunto ideal de jornalistas, seus abortos e nados-mortos, mortos por saciar a fome de exótico e de sensacional, de espectacular e de simiesco que nos roi e corroi sempre.
Um acidente, por sua natureza (acidental), dá notícia, dá fotografia, dá título a cinco colunas, dá capa de magazine a cores, dá sensação, dá frisson, dá volúpia óptico-sádica.
Depois de talco hexaclorofene, depois da Talidomida, depois de Minamata, depois das marés negras, depois de tanto espectáculo e sensação, tardava um Seveso. Era preciso um Seveso. A malta queria um Seveso. O sistema, mesmo, reclamava um Seveso para despolarizar a opinião pública mundial da outra exploração mais crónica, mais sistemática, menos acidental e menos espectacular.
E a célebre companhia suíça Hoffman-Roche, que também fabrica supositórios, fez a vontade e tanta gente junta: deu-nos a todos, para roermos e remordamos até ao sabugo, mais um caso Seveso. Custou-lhe algumas indemnizações, pagas de imediato às vitimas, mas logo essa verba foi incluída nas despesas de representação e propaganda. Viva a Roche, multinacional caridosa que logo indemniza as vítimas, coitadinhas, da nuvem venenosa.
Vamos a ver se me explico. Depois do médico, do engenheiro, do burocrata e do vendedor de alcagoitas, o jornalista é um dos que melhor servem o sistema como o sistema quer. Basta ler a onda de artigos que Seveso provocou na Imprensa. O jornalista que se preza pode lá perder o "escândalo" do acidente e o acidente do escândalo! Vivemos disso, nós, torpes jornalistas ao serviço do sistema. O acidental é uma das válvulas de escape mais poderosas que o sistema usa para institucionalizar o crime. Neste caso concreto, o crime contra o ambiente, ou ecocídio.
Com um Seveso de vez em quando e os jornalistas todos, à compita, debicando nos cadáveres, pretende o sistema fazer esquecer o subtil, o gradual, o irreversível e o que progressivamente vai constituindo a bancarrota ecológica deste País e deste Mundo.
A degradação mais profunda e a mais profunda destruição não se mostra com arames farpados e armada de matracas, defensora dos fracos, velhos e crianças. A subtil degradação do sistema exponencial, do apoplético "crescimento económico", não se revela por lances espectaculares, por parangonas de jornais, por telexs e telefotos nervosos difundidos em catadupa e em pormenor.
De vez em quando, as Hoffman-Roche deste Mundo têm que provocar um Seveso qualquer, senão rebentam. Além disso:
1 - Compete às multinacionais do tecnoterror manter um estado contínuo de guerra de nervos, para o qual contribui um Seveso dia-sim, dia-não.
2 - Compete às multinacionais avisar povos como o português, o italiano, o espanhol, o grego, o galego, de que têm a faca e o queijo na mão, quer dizer, que têm dinheiro para nos emprestar e, logo ou antes disso, indústrias para nos envenenar.
3 - Compete a países pobres como o nosso abrir as pernas para cá meterem as indústrias venenosas que já não querem lá nas pernas deles.
4 - Um Seveso a tempo e horas até promete publicitariamente o desfolhante que de superbombardeiro no Vietname passou a bombardeiro de bolso para "progresso da agricultura europeia" e, claro, para manter em respeito populações porventura revoltosas, insurrectas, anti-sociais-democratas como as da Itália democrata cristã e as de Portugal pós-gonçalvista...
5 - Enquanto se produz um Seveso, despolariza-se a opinião mundial do que subterrânea e subtilmente vai minando os últimos equilíbrios do ecossistema Terra; posta a área de quarentena, faz-se crer ao Mundo que o resto do Mundo está imune; ilude-se, com este estratagema, um estado afinal total e totalitário, mundial e sistemático de guerra ecológica, de crime já tornado costume e hábito quotidiano.
Episódios como o de Seveso são apenas consolo para que todos nos habituemos a suportar diária e sistematicamente limiares de merda e de veneno logo abaixo dos limiares que tornaram Seveso zona interdita à navegação.
O próspero comerciante de tóxicos e venenos não desistirá de fabricar dioxina e desfolhantes, cloranfenicol e antibióticos, adubos e superfosfatos, celuloses e centrais nucleares, supositórios e gelados para as criancinhas coitadinhas, açúcar e farinhas refinadas, glutamatos e paratiões, fibras têxteis e plásticos, cianetos singelos e cianetos à décima potência, uísques e LSD, plutónio e cancros em escala industrial.
Se o pilriteiro dá pilritos, o criminoso o que é que há-de dar?
Que tudo isto é para progresso do País, só cegos não vêm e só o militante da Ecologia ainda não percebeu. Que todos, inclusive o jornalista, devem continuar a fazer frete ao sistema, também muito bem. Que os industriais da dioxina & arredores se encontram não só em plena liberdade para continuar implantando importantes complexos industriais como o fazem credenciados por uma opinião pública que se deixará matar por eles mas que perseguirá até ao linchamento o militante ecológico, também parece mais do que evidente.
Não há nisto pessimismo.
Realista é reconhecer em que mundo imundo estamos, e que manicómio em autogestão não é só Portugal (quintal e esgoto deles) mas principalmente o mundo das multinacionais que nos governam.
Viva, portanto, Seveso. Viva a poluição! Vivam os criminosos e assassinos da Natureza. Vivam os cangalheiros da nave especial Terra. Vivam carniceiros e técnicos seus assessores. Viva o progresso no matar e no esfolar crianças vivas. Vivam os carrascos!
Mas viva também a ordem do universo e a lei imutável das leis da Natureza. Tudo será pago. A contabilidade será posta em dia. Os mortos acordarão e os vivos irão para as fossas de ratazanas de onde por engano saíram. Enquanto, dormentes, os criminosos dormem, a humanidade nova do militante ecológica acorda.
Militante ecológico é o que acorda deste pesadelo e deste tempo de assassinos. E o que vai aprender em dois dias as técnicas de autodefesa, de autolibertação, de autocura, de autocontrole e de autoimunização contra os legionários da destruição.
Militante é o que se recusa a enfiar barretes. Militante é o que convida os fabricantes de merda e comê-la. Diplomaticamente. Delicadamente.
Militante é o aprendiz da mais antiga sabedoria que no planeta cá deixaram os irmãos da Galáxia: a ordem do universo não admite excepções, e tudo se paga.
O militante prepara o caminho estreito por onde a humanidade, evacuada de Seveso, acoçada de todos os Seveso, irá penetrar na Era do Aquário, da Liberdade, da Justiça, da Alegria, da Vida e da Felicidade.
Segundo notícias da Reuter, o Paraíso estará fechado aos porcalhões da Roche que continuam matando inocentes, com todos os Pilatos deste Mundo lavando as porcas mãos.
Todos os pilatos da ciência, da técnica, do progresso!
(*) Publicado no semanário «Gazeta do Sul», 11/9/1976
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VIVA A MORTE EM SEVESO(*)
11/9/1976 - O que aconteceu a Seveso, bairro-tentáculo de Milão, exemplifica no Norte industrial da Itália o que nos espera, em tempos próximos, a quantos vivemos em bairros e localidades que são subprodutos (dormitórios) das cidades concentracionárias como Lisboa.
Há muito, já, que Lisboa vem tentando imitar Milão, assim como Portugal irá imitar, depois do 25 de Abril, essa Itália pós-fascista que, de armadilha em armadilha, tem vindo, em nome da democracia pluralista, a instalar na Europa meridional uma das formas latinas de ditadura tecno-industrial mais aperfeiçoadas do Mundo.
O «boom» italiano, tão celebrado como o "boom" espanhol, significa afinal que ao fascismo tradicional (colonialista, racista, capitalista, tradicionalista, absolutista) se sucede (conforme os planos da guerra fria) um neo-fascismo (neo-capitalista, neo-colonialista, super-modernista e pluralista) que convém muito mais aos desígnios dos imperialismos agonizantes.
Seveso, com suas crianças queimadas pela dioxina, seus coelhos a estrebuchar, suas mulheres com fundas olheiras negras (um médico diagnosticaria, pela fotografia dos magazines, um alto teor de intoxicação crónica e uma forçada actividade renal através dos anos), Seveso e a sua população evacuada, seus guardas de cacetete e máscara antigás, seus letreiros garrafais com áreas interditas como nos romances de espionagem, foi o assunto ideal de jornalistas, seus abortos e nados-mortos, mortos por saciar a fome de exótico e de sensacional, de espectacular e de simiesco que nos roi e corroi sempre.
Um acidente, por sua natureza (acidental), dá notícia, dá fotografia, dá título a cinco colunas, dá capa de magazine a cores, dá sensação, dá frisson, dá volúpia óptico-sádica.
Depois de talco hexaclorofene, depois da Talidomida, depois de Minamata, depois das marés negras, depois de tanto espectáculo e sensação, tardava um Seveso. Era preciso um Seveso. A malta queria um Seveso. O sistema, mesmo, reclamava um Seveso para despolarizar a opinião pública mundial da outra exploração mais crónica, mais sistemática, menos acidental e menos espectacular.
E a célebre companhia suíça Hoffman-Roche, que também fabrica supositórios, fez a vontade e tanta gente junta: deu-nos a todos, para roermos e remordamos até ao sabugo, mais um caso Seveso. Custou-lhe algumas indemnizações, pagas de imediato às vitimas, mas logo essa verba foi incluída nas despesas de representação e propaganda. Viva a Roche, multinacional caridosa que logo indemniza as vítimas, coitadinhas, da nuvem venenosa.
Vamos a ver se me explico. Depois do médico, do engenheiro, do burocrata e do vendedor de alcagoitas, o jornalista é um dos que melhor servem o sistema como o sistema quer. Basta ler a onda de artigos que Seveso provocou na Imprensa. O jornalista que se preza pode lá perder o "escândalo" do acidente e o acidente do escândalo! Vivemos disso, nós, torpes jornalistas ao serviço do sistema. O acidental é uma das válvulas de escape mais poderosas que o sistema usa para institucionalizar o crime. Neste caso concreto, o crime contra o ambiente, ou ecocídio.
Com um Seveso de vez em quando e os jornalistas todos, à compita, debicando nos cadáveres, pretende o sistema fazer esquecer o subtil, o gradual, o irreversível e o que progressivamente vai constituindo a bancarrota ecológica deste País e deste Mundo.
A degradação mais profunda e a mais profunda destruição não se mostra com arames farpados e armada de matracas, defensora dos fracos, velhos e crianças. A subtil degradação do sistema exponencial, do apoplético "crescimento económico", não se revela por lances espectaculares, por parangonas de jornais, por telexs e telefotos nervosos difundidos em catadupa e em pormenor.
De vez em quando, as Hoffman-Roche deste Mundo têm que provocar um Seveso qualquer, senão rebentam. Além disso:
1 - Compete às multinacionais do tecnoterror manter um estado contínuo de guerra de nervos, para o qual contribui um Seveso dia-sim, dia-não.
2 - Compete às multinacionais avisar povos como o português, o italiano, o espanhol, o grego, o galego, de que têm a faca e o queijo na mão, quer dizer, que têm dinheiro para nos emprestar e, logo ou antes disso, indústrias para nos envenenar.
3 - Compete a países pobres como o nosso abrir as pernas para cá meterem as indústrias venenosas que já não querem lá nas pernas deles.
4 - Um Seveso a tempo e horas até promete publicitariamente o desfolhante que de superbombardeiro no Vietname passou a bombardeiro de bolso para "progresso da agricultura europeia" e, claro, para manter em respeito populações porventura revoltosas, insurrectas, anti-sociais-democratas como as da Itália democrata cristã e as de Portugal pós-gonçalvista...
5 - Enquanto se produz um Seveso, despolariza-se a opinião mundial do que subterrânea e subtilmente vai minando os últimos equilíbrios do ecossistema Terra; posta a área de quarentena, faz-se crer ao Mundo que o resto do Mundo está imune; ilude-se, com este estratagema, um estado afinal total e totalitário, mundial e sistemático de guerra ecológica, de crime já tornado costume e hábito quotidiano.
Episódios como o de Seveso são apenas consolo para que todos nos habituemos a suportar diária e sistematicamente limiares de merda e de veneno logo abaixo dos limiares que tornaram Seveso zona interdita à navegação.
O próspero comerciante de tóxicos e venenos não desistirá de fabricar dioxina e desfolhantes, cloranfenicol e antibióticos, adubos e superfosfatos, celuloses e centrais nucleares, supositórios e gelados para as criancinhas coitadinhas, açúcar e farinhas refinadas, glutamatos e paratiões, fibras têxteis e plásticos, cianetos singelos e cianetos à décima potência, uísques e LSD, plutónio e cancros em escala industrial.
Se o pilriteiro dá pilritos, o criminoso o que é que há-de dar?
Que tudo isto é para progresso do País, só cegos não vêm e só o militante da Ecologia ainda não percebeu. Que todos, inclusive o jornalista, devem continuar a fazer frete ao sistema, também muito bem. Que os industriais da dioxina & arredores se encontram não só em plena liberdade para continuar implantando importantes complexos industriais como o fazem credenciados por uma opinião pública que se deixará matar por eles mas que perseguirá até ao linchamento o militante ecológico, também parece mais do que evidente.
Não há nisto pessimismo.
Realista é reconhecer em que mundo imundo estamos, e que manicómio em autogestão não é só Portugal (quintal e esgoto deles) mas principalmente o mundo das multinacionais que nos governam.
Viva, portanto, Seveso. Viva a poluição! Vivam os criminosos e assassinos da Natureza. Vivam os cangalheiros da nave especial Terra. Vivam carniceiros e técnicos seus assessores. Viva o progresso no matar e no esfolar crianças vivas. Vivam os carrascos!
Mas viva também a ordem do universo e a lei imutável das leis da Natureza. Tudo será pago. A contabilidade será posta em dia. Os mortos acordarão e os vivos irão para as fossas de ratazanas de onde por engano saíram. Enquanto, dormentes, os criminosos dormem, a humanidade nova do militante ecológica acorda.
Militante ecológico é o que acorda deste pesadelo e deste tempo de assassinos. E o que vai aprender em dois dias as técnicas de autodefesa, de autolibertação, de autocura, de autocontrole e de autoimunização contra os legionários da destruição.
Militante é o que se recusa a enfiar barretes. Militante é o que convida os fabricantes de merda e comê-la. Diplomaticamente. Delicadamente.
Militante é o aprendiz da mais antiga sabedoria que no planeta cá deixaram os irmãos da Galáxia: a ordem do universo não admite excepções, e tudo se paga.
O militante prepara o caminho estreito por onde a humanidade, evacuada de Seveso, acoçada de todos os Seveso, irá penetrar na Era do Aquário, da Liberdade, da Justiça, da Alegria, da Vida e da Felicidade.
Segundo notícias da Reuter, o Paraíso estará fechado aos porcalhões da Roche que continuam matando inocentes, com todos os Pilatos deste Mundo lavando as porcas mãos.
Todos os pilatos da ciência, da técnica, do progresso!
(*) Publicado no semanário «Gazeta do Sul», 11/9/1976
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