H. PASSEBECK 1994
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Lisboa, 5/Agosto/1994
CARTAS A FRANCINE - I
Vou reler - e aumentar o meu défice em radiestesia - Passebecq, editado em português pela Verbo, e logo que me diga a data, porei na agenda do jornal a visita dele a Portugal. Algum jornalista de «A Capital», competente, irá fazer o serviço: duvido que me mandem a mim. Ser eu a propor o serviço é mesmo o melhor caminho para que ele não se faça.
E APROPÓSITO DE PASSEBECQ...
Como um nome tão bonito - Passebecq - pode gerar reacções tão contraditórias no meu Ego mental! De facto, ele pertence a um passado (memória) em que acreditei nas dietas, no naturismo, no naturo-vegetarianismo, nas medicinas doces, na macrobiótica, na alquimia alimentar (a que a ciência moderna chama metabolismo). Agora que, aos 61 anos, me seria dada a oportunidade de entrevistar tão ilustre figura do meio naturopático francês, encontro-me completamente desautorizado e desactivado, exactamente porque fui queimado, no jornal e nem só, por defender alternativas de vida e uma vida alternativa, no meio de um sistema mediático totalitário de morte (espiral logarítimica produzir-consumir-morrer, Etienne dixit). No jornal, de facto, o lugar que me cabe é o caixote do lixo e o direito a esse estatuto ganhei-o por causa da ecologia humana, do naturismo, das doces medicinas, das desintoxicações e profilaxias por meios naturais, das metabolic medecine, etc., etc.. Antes e depois da Radiestesia, o enrolo é o mesmo: preso por ter cão e preso por não ter. Com um pé no mundo antigo e o outro no ar sem o poder assentar no novo mundo. Nem para um lado nem para o outro. No jornal, só se vê cifrões. E mesmo das doces terapias, só se fazem notícias se venderem papel. A óptica sob a qual sou visto, ali, é se sirvo (ainda) para fazer vender papel ou não. E após 35 anos de brilhante carreira jornalística, chegaram à conclusão de que não sou suficientemente rentável, nem os temas a que me dedico - vida alternativa - servem para vender papel. Classificam-me dentro de uma categoria psiquiátrica - provavelmente esquizofrenia - e olham-me de soslaio porque me dedico a superstições tão primitivas e perigosas como o pêndulo e a radiestesia. Olham-me como se olha um débil mental. Deixaram de me dar serviços de responsabilidade. Quem estuda radiestesia, não merece confiança. Mas - hélas, bon dieu! - nas aulas de radiestesia também não sou de confiança, porque estou sempre a fazer perguntas do espaço-tempo linear, a falar de metabolismo, de alquimia alimentar, de macrobiótica, de minerais e oligoelementos, de profilaxia alimentar do cancro e ninguém, dos ilustres terapeutas (nem o Guillé!) quer saber dessas ninharias metabólicas para nada (a única coisa que verdadeiramente estudei ao longo da vida foi alquimia alimentar mas isso diz respeito ao SV e agora o que interessa é o EV). Sei que tenho uns altos «remparts» de cimento armado e que o acesso ao continente perdido me está vedado, entre outros motivos porque penso demais, porque raciocino demais, porque não tenho memória, porque me alimento de intuições, porque não tenho aptidões para a matemática (para os cifrões). De repente e no entanto, dizem-me que só pela matemática e pela geometria puras se chega ao continente perdido. Sempre, a mesma caricata situação: preso por ter cão e preso por não ter. Fui marginalizado, no jornal, por causa dos temas marginais, por não estar suficientemente inserido no espaço-tempo linear e agora sou marginalizado na radiestesia por causa de ter sido marginalizado (recalcado) por me dedicar a temas marginais, lunáticos, extra-terrestres, etc., etc.
Concorde, Cher Francine, que é um bocado chato ter que gerir esta chatice toda. E fica a saber como um nome tão bonito - Passebecq - de um homem interessante e corajoso, que na Universidade de Paris VII tentou desmistificar a sida - provoca nos meus egos todos uma reacção em cadeia, provando-me que, de facto, estou atado de pés e mãos, preso da cabeça aos pés, entalado entre o velho mundo podre e a luz do novo, mas já sem tempo para colher e gozar das primícias do novo. Os meus egos ficaram inchados com os seus elogios: sei que escrevo menos mal, sei que sou mais ou menos inteligente, mas tudo isso - como a Francine sabe - só me cria «refoulements», a palavra que a Francine usou para designar a causa freudiana dos meus «remparts» que não me deixam nem deixarão ver a Luz branquíssima. De um lado a radiestesia incita-me a vender todos os livros e autores em que tentei acreditar, incluindo os do budismo tibetano, incluindo os da alquimia alimentar (os livros de Passebecq, por exemplo, já foram todos na enxurrada). Mas, por outro lado, a radiestesia não chega para me conduzir ao continente perdido. E quando pergunto se há meios metódicos para lá chegar, a Patrice me diz, com ar de censura: «Des recettes!!!????». Não sei ainda quantas peles terei de arrancar, possivelmente até a propriamente dita, para poder estar ao nível das exigências da voraz radiestesia. Sempre tive para mim que a vida é uma interminável chatice. Antes e depois da radiestesia, vejo que continua a ser a mesma interminável e inenarrável chatice. Só que desta vez é eterna, e dantes era apenas efémera. Nunca sei estar do lado certo: e para onde quer que me vire - irra! - estou sempre do lado errado. Por isso fumo e hei-de fumar. E não haverá nenhum Passebecq que me faça desfumar. Só se tiver um produto qualquer de substituição.
Com toda a gratidão pela sua atenção,
Afonso
***
Lisboa, 5/Agosto/1994
CARTAS A FRANCINE - I
Vou reler - e aumentar o meu défice em radiestesia - Passebecq, editado em português pela Verbo, e logo que me diga a data, porei na agenda do jornal a visita dele a Portugal. Algum jornalista de «A Capital», competente, irá fazer o serviço: duvido que me mandem a mim. Ser eu a propor o serviço é mesmo o melhor caminho para que ele não se faça.
E APROPÓSITO DE PASSEBECQ...
Como um nome tão bonito - Passebecq - pode gerar reacções tão contraditórias no meu Ego mental! De facto, ele pertence a um passado (memória) em que acreditei nas dietas, no naturismo, no naturo-vegetarianismo, nas medicinas doces, na macrobiótica, na alquimia alimentar (a que a ciência moderna chama metabolismo). Agora que, aos 61 anos, me seria dada a oportunidade de entrevistar tão ilustre figura do meio naturopático francês, encontro-me completamente desautorizado e desactivado, exactamente porque fui queimado, no jornal e nem só, por defender alternativas de vida e uma vida alternativa, no meio de um sistema mediático totalitário de morte (espiral logarítimica produzir-consumir-morrer, Etienne dixit). No jornal, de facto, o lugar que me cabe é o caixote do lixo e o direito a esse estatuto ganhei-o por causa da ecologia humana, do naturismo, das doces medicinas, das desintoxicações e profilaxias por meios naturais, das metabolic medecine, etc., etc.. Antes e depois da Radiestesia, o enrolo é o mesmo: preso por ter cão e preso por não ter. Com um pé no mundo antigo e o outro no ar sem o poder assentar no novo mundo. Nem para um lado nem para o outro. No jornal, só se vê cifrões. E mesmo das doces terapias, só se fazem notícias se venderem papel. A óptica sob a qual sou visto, ali, é se sirvo (ainda) para fazer vender papel ou não. E após 35 anos de brilhante carreira jornalística, chegaram à conclusão de que não sou suficientemente rentável, nem os temas a que me dedico - vida alternativa - servem para vender papel. Classificam-me dentro de uma categoria psiquiátrica - provavelmente esquizofrenia - e olham-me de soslaio porque me dedico a superstições tão primitivas e perigosas como o pêndulo e a radiestesia. Olham-me como se olha um débil mental. Deixaram de me dar serviços de responsabilidade. Quem estuda radiestesia, não merece confiança. Mas - hélas, bon dieu! - nas aulas de radiestesia também não sou de confiança, porque estou sempre a fazer perguntas do espaço-tempo linear, a falar de metabolismo, de alquimia alimentar, de macrobiótica, de minerais e oligoelementos, de profilaxia alimentar do cancro e ninguém, dos ilustres terapeutas (nem o Guillé!) quer saber dessas ninharias metabólicas para nada (a única coisa que verdadeiramente estudei ao longo da vida foi alquimia alimentar mas isso diz respeito ao SV e agora o que interessa é o EV). Sei que tenho uns altos «remparts» de cimento armado e que o acesso ao continente perdido me está vedado, entre outros motivos porque penso demais, porque raciocino demais, porque não tenho memória, porque me alimento de intuições, porque não tenho aptidões para a matemática (para os cifrões). De repente e no entanto, dizem-me que só pela matemática e pela geometria puras se chega ao continente perdido. Sempre, a mesma caricata situação: preso por ter cão e preso por não ter. Fui marginalizado, no jornal, por causa dos temas marginais, por não estar suficientemente inserido no espaço-tempo linear e agora sou marginalizado na radiestesia por causa de ter sido marginalizado (recalcado) por me dedicar a temas marginais, lunáticos, extra-terrestres, etc., etc.
Concorde, Cher Francine, que é um bocado chato ter que gerir esta chatice toda. E fica a saber como um nome tão bonito - Passebecq - de um homem interessante e corajoso, que na Universidade de Paris VII tentou desmistificar a sida - provoca nos meus egos todos uma reacção em cadeia, provando-me que, de facto, estou atado de pés e mãos, preso da cabeça aos pés, entalado entre o velho mundo podre e a luz do novo, mas já sem tempo para colher e gozar das primícias do novo. Os meus egos ficaram inchados com os seus elogios: sei que escrevo menos mal, sei que sou mais ou menos inteligente, mas tudo isso - como a Francine sabe - só me cria «refoulements», a palavra que a Francine usou para designar a causa freudiana dos meus «remparts» que não me deixam nem deixarão ver a Luz branquíssima. De um lado a radiestesia incita-me a vender todos os livros e autores em que tentei acreditar, incluindo os do budismo tibetano, incluindo os da alquimia alimentar (os livros de Passebecq, por exemplo, já foram todos na enxurrada). Mas, por outro lado, a radiestesia não chega para me conduzir ao continente perdido. E quando pergunto se há meios metódicos para lá chegar, a Patrice me diz, com ar de censura: «Des recettes!!!????». Não sei ainda quantas peles terei de arrancar, possivelmente até a propriamente dita, para poder estar ao nível das exigências da voraz radiestesia. Sempre tive para mim que a vida é uma interminável chatice. Antes e depois da radiestesia, vejo que continua a ser a mesma interminável e inenarrável chatice. Só que desta vez é eterna, e dantes era apenas efémera. Nunca sei estar do lado certo: e para onde quer que me vire - irra! - estou sempre do lado errado. Por isso fumo e hei-de fumar. E não haverá nenhum Passebecq que me faça desfumar. Só se tiver um produto qualquer de substituição.
Com toda a gratidão pela sua atenção,
Afonso
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