INFORMÁTICA 1984
1-3 - orwell-2> temas recorrentes – os dossiês do silêncio – o deus da informática – quanto me custa a classe científica – a ditadura informática – diário de um idiota
VIVA A BIOTRÓNICA OS IDIOTAS DO ANO 2000
[«A Capital» (Crónica do Planeta Terra), 22/9/1984] - Acalmem-se, não estou a elogiar ninguém.
Idiotas somos nós, os que temos apenas a arma das ideias para nos defender da nova ordem biotrónica e biocrática que avassala o Globo e promete tomar o Poder universal até ao ano 2000.
Resistir até desistir é o nosso lema de idiotas militantes, votados outrossim e segundo outra hipótese, a destino talvez mais higiénico e radical: o extermínio puro e simples da raça, em câmaras de gás, quando os Robôs do Ano 2000 tomarem definitivamente e totalitariamente o Poder.
Por enquanto, ainda não deixámos de ser, enquanto idiotas pagadores de impostos, a sua (deles) má consciência, espinha de safio atravessada nas goelas. Ainda não proibiram o 1984 de George Orwell e antes e empalmaram.
Tudo indica, como Orwell profetizou, que a Paz é o novo nome da Guerra.
Não sendo com vinagre que se apanham moscas, é óbvio que a nova ordem Burotrónica arranjará maneira limpa, eficaz e sem resíduos nem poluição (!!), de limpar a raça de idiotas que ainda prolifera sob formas mais ou menos disfarçadas, desde o jornalista pelintra aos pobres famigerados do Terceiro Mundo.
BIPOLARIZAR PARA REINAR
Hoje, no entanto, há esperança para o jantar. O banquete de canibais ainda não começou. Para bem das classes trabalhadoras ou laboriosas, a Bipolarização em Portugal acelera, o que só irá acelerar também a luta de classes e respectivo desfecho.
O Mundo, aqui, está cada vez mais dividido em duas metades, como preconizaria La Palice, nosso filósofo nacional: a metade dos irremediavelmente Bons e a dos incuravelmente Maus.
De um lado, os técnicos, do outro, os jornalistas. De um lado os sábios do Computador; do outro, os analfabetos da Era Informática. De um lado, os que condenam , do outro os condenados. De um lado os Médicos, do outro os doentes.
Etc., até ao infinito, nada escapa à Bipolarização, que substitui a Lepra e a Peste das Idades médias. Dividindo em duas partes a realidade, a luta de classes pode finalmente clarificar-se e a Revolução (informática) declarar-se. Sem necessidade de recorrer à guerra atómica.
Abolindo os termos intermédios, a dialéctica (que foi sempre o mito dos idiotas), as meias tintas, os factores de moderação e diálogo, o pluralismo, a democracia, os blocos centrais que só atrapalham, de novo se ouve, nítido, o crê ou morres de antigamente, o tudo ou nada, o preto ou branco.
Morrer ou ser morrido, caçar ou ser caçado, roubar ou ser roubado, não haverá mais hipótese de terceira via, nem de superação hegeliana pela síntese dos dois contrários antitéticos.
Bipolarização é antecâmara para sua excelência a ditadura. Quanto mais enfraquecer, até desaparecer, o grau intermédio ou amortecedor, mais violentos serão os choques, recontros e confrontos entre o Bem e o Mal.
No caso vertente dos idiotas que nós somos teimando em Resistir, o Bem é incarnado pela ditadura dos computadores e o Mal pelos que, apelando ao resto de rosto humano que ainda nos resta, querem resistir à Robotização, negando-se ajoelhar frente ao Deus Informática.
NÓS, ANALFABETOS DO ANO 2000
É neste contexto bipolar que regressa a velha querela contra o analfabetismo, que tantos complexos conseguiu criar a pessoas e povos por não terem ainda conseguido ascender à classe alfabeta, nem alinhar pelo sistema de organização comercial imposto à maioria pela minoria negociante.
Inopinadamente e apanhando muitos de nós descalços, aparecem os "novos analfabetos da Era informática", na frase expressiva do Dr. Morbey Rodrigues, vice-presidente da Associação Industrial Portuguesa, elemento da Comissão Organizadora do Seminário sobre Tecnologias de Informática e Desenvolvimento Económico.
A alfabetização clássica ( referimo-nos à Cartilha Maternal do João de Deus) foi uma necessidade imposta por esse desenvolvimento económico que, só vendo números, atirou para a berma da vida e da sociedade, com o anátema de analfabetos, todos quantos, tendo embora a sua cultura própria, não tinham a instrução da engrenagem negocista nem se encontravam aptos, com ABC, aritmética e História Pátria, a participar da nova Idade Económica exigida por governos e patrões urbi et orbi.
"Analfabeto", a partir de agora, e referindo ainda a expressiva metáfora de Morbey Rodrigues, "é o que não for capaz de dialogar com o micro-computador."
Exacto. E quem não for, levante um braço. Mas o anátema não acaba aqui. Além de analfabetos somos estúpidos, visto que ainda não soubemos alfabetizar-nos , nem pôr-nos em dia, com todos os "mass media" a metralha -nos, de manhã à ceia, as vinte e quatro horas do dia.
Mas, além de analfabetos e estúpidos - arre - somos ainda retrógrados, os poucos que, por inércia, recusam a robotização em que navegam já, satisfeitos e altivos, os luminares dos mais importantes organismos que nos governam.
O futuro luminoso - o "homem do Ano 2000" dizem - que os computadores nos preparam, é apenas e por enquanto empanado pela meia dúzia de idiotas George Orwell, bichos que ainda não tendo percebido os rumos da História, a Felicidade Totalitária, continuam a constituir, por entre corredores electrónicos e luzidios, as más consciências, as ovelhas ronhosas, os velhos do Restelo!
Enquanto esta geração de idiotas não for exterminada (de preferência sem dor, quer dizer, a computa-dor) são um empecilho na bem programada revolução , projecto verdadeiramente (inter)nacional que nos deve empolgar a todos, quer dizer, todos os que estiverem na onda, integrando-se nas novas exigências da alfabetização informática, computadores em todas as escolas.
ABAIXO MÉTODOS ARTESANAIS
A Informática conseguirá o que métodos artesanais não conseguiram: banir do caminho o factor humano do desenvolvimento económico, esse empecilho à robotização total e totalitária.
Mas a coisa agora vai, até porque aí os dois blocos rivais estão de acordo. Só resulta caricato que ainda se fale no "homem do Ano 2000", quando se deveria com propriedade falar de Robô do Ano 2000, ou do Boneco Biotrónico do futuro!
Pequenas contradições devidas à lógica artesanal aristotélica ainda em vigor, as quais irão também desaparecer, face à Lógica informática que começa e acaba por abolir a lógica artesanal antiga pela qual alguns idiotas ainda se guiam.
Como lembra Orwell, a lógica informática do Futuro dirá que "guerra é paz", "amor e ódio", "despotismo é liberdade", etc.
A enorme percentagem de analfabetos clássicos que todos os anos, por ordem da U.N.E.S.C.O., levam roda de "vergonha" ou "nódoa" nacional, a enorme percentagem destes marginais – o tema «iliteracia» provoca sempre orgasmos em toda a classe dirigente, em toda a elite bem pensante - , pode no entanto vir a ser a grande vantagem para os novos imperadores da Informática, pequenos e grandes empresários.
Escusam de ir aprender pela Cartilha Maternal do João de Deus. Não tendo que passar pela alfabetização ordinária e artesanal, pelo humilhante a-e-i-o-u, poderão finalmente, metidos no computador com uma lima de unhas - sem dor, portanto - passar logo à fase da alfabetização cibernética. C'u escafandro.
Não é, pois, problema como exterminar os novos analfabetos, atendendo a que os outros, os que não conseguiram aprender o a-e-i-o-u, já hoje fora de moda, podem perfeitamente servir para carne de canhão.
Vamos a isto, senhor Ministro da Educação.
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(*)Este texto de Afonso Cautela foi publicado no jornal «A Capital» (Crónica do Planeta Terra), 22/9/1984
VIVA A BIOTRÓNICA OS IDIOTAS DO ANO 2000
[«A Capital» (Crónica do Planeta Terra), 22/9/1984] - Acalmem-se, não estou a elogiar ninguém.
Idiotas somos nós, os que temos apenas a arma das ideias para nos defender da nova ordem biotrónica e biocrática que avassala o Globo e promete tomar o Poder universal até ao ano 2000.
Resistir até desistir é o nosso lema de idiotas militantes, votados outrossim e segundo outra hipótese, a destino talvez mais higiénico e radical: o extermínio puro e simples da raça, em câmaras de gás, quando os Robôs do Ano 2000 tomarem definitivamente e totalitariamente o Poder.
Por enquanto, ainda não deixámos de ser, enquanto idiotas pagadores de impostos, a sua (deles) má consciência, espinha de safio atravessada nas goelas. Ainda não proibiram o 1984 de George Orwell e antes e empalmaram.
Tudo indica, como Orwell profetizou, que a Paz é o novo nome da Guerra.
Não sendo com vinagre que se apanham moscas, é óbvio que a nova ordem Burotrónica arranjará maneira limpa, eficaz e sem resíduos nem poluição (!!), de limpar a raça de idiotas que ainda prolifera sob formas mais ou menos disfarçadas, desde o jornalista pelintra aos pobres famigerados do Terceiro Mundo.
BIPOLARIZAR PARA REINAR
Hoje, no entanto, há esperança para o jantar. O banquete de canibais ainda não começou. Para bem das classes trabalhadoras ou laboriosas, a Bipolarização em Portugal acelera, o que só irá acelerar também a luta de classes e respectivo desfecho.
O Mundo, aqui, está cada vez mais dividido em duas metades, como preconizaria La Palice, nosso filósofo nacional: a metade dos irremediavelmente Bons e a dos incuravelmente Maus.
De um lado, os técnicos, do outro, os jornalistas. De um lado os sábios do Computador; do outro, os analfabetos da Era Informática. De um lado, os que condenam , do outro os condenados. De um lado os Médicos, do outro os doentes.
Etc., até ao infinito, nada escapa à Bipolarização, que substitui a Lepra e a Peste das Idades médias. Dividindo em duas partes a realidade, a luta de classes pode finalmente clarificar-se e a Revolução (informática) declarar-se. Sem necessidade de recorrer à guerra atómica.
Abolindo os termos intermédios, a dialéctica (que foi sempre o mito dos idiotas), as meias tintas, os factores de moderação e diálogo, o pluralismo, a democracia, os blocos centrais que só atrapalham, de novo se ouve, nítido, o crê ou morres de antigamente, o tudo ou nada, o preto ou branco.
Morrer ou ser morrido, caçar ou ser caçado, roubar ou ser roubado, não haverá mais hipótese de terceira via, nem de superação hegeliana pela síntese dos dois contrários antitéticos.
Bipolarização é antecâmara para sua excelência a ditadura. Quanto mais enfraquecer, até desaparecer, o grau intermédio ou amortecedor, mais violentos serão os choques, recontros e confrontos entre o Bem e o Mal.
No caso vertente dos idiotas que nós somos teimando em Resistir, o Bem é incarnado pela ditadura dos computadores e o Mal pelos que, apelando ao resto de rosto humano que ainda nos resta, querem resistir à Robotização, negando-se ajoelhar frente ao Deus Informática.
NÓS, ANALFABETOS DO ANO 2000
É neste contexto bipolar que regressa a velha querela contra o analfabetismo, que tantos complexos conseguiu criar a pessoas e povos por não terem ainda conseguido ascender à classe alfabeta, nem alinhar pelo sistema de organização comercial imposto à maioria pela minoria negociante.
Inopinadamente e apanhando muitos de nós descalços, aparecem os "novos analfabetos da Era informática", na frase expressiva do Dr. Morbey Rodrigues, vice-presidente da Associação Industrial Portuguesa, elemento da Comissão Organizadora do Seminário sobre Tecnologias de Informática e Desenvolvimento Económico.
A alfabetização clássica ( referimo-nos à Cartilha Maternal do João de Deus) foi uma necessidade imposta por esse desenvolvimento económico que, só vendo números, atirou para a berma da vida e da sociedade, com o anátema de analfabetos, todos quantos, tendo embora a sua cultura própria, não tinham a instrução da engrenagem negocista nem se encontravam aptos, com ABC, aritmética e História Pátria, a participar da nova Idade Económica exigida por governos e patrões urbi et orbi.
"Analfabeto", a partir de agora, e referindo ainda a expressiva metáfora de Morbey Rodrigues, "é o que não for capaz de dialogar com o micro-computador."
Exacto. E quem não for, levante um braço. Mas o anátema não acaba aqui. Além de analfabetos somos estúpidos, visto que ainda não soubemos alfabetizar-nos , nem pôr-nos em dia, com todos os "mass media" a metralha -nos, de manhã à ceia, as vinte e quatro horas do dia.
Mas, além de analfabetos e estúpidos - arre - somos ainda retrógrados, os poucos que, por inércia, recusam a robotização em que navegam já, satisfeitos e altivos, os luminares dos mais importantes organismos que nos governam.
O futuro luminoso - o "homem do Ano 2000" dizem - que os computadores nos preparam, é apenas e por enquanto empanado pela meia dúzia de idiotas George Orwell, bichos que ainda não tendo percebido os rumos da História, a Felicidade Totalitária, continuam a constituir, por entre corredores electrónicos e luzidios, as más consciências, as ovelhas ronhosas, os velhos do Restelo!
Enquanto esta geração de idiotas não for exterminada (de preferência sem dor, quer dizer, a computa-dor) são um empecilho na bem programada revolução , projecto verdadeiramente (inter)nacional que nos deve empolgar a todos, quer dizer, todos os que estiverem na onda, integrando-se nas novas exigências da alfabetização informática, computadores em todas as escolas.
ABAIXO MÉTODOS ARTESANAIS
A Informática conseguirá o que métodos artesanais não conseguiram: banir do caminho o factor humano do desenvolvimento económico, esse empecilho à robotização total e totalitária.
Mas a coisa agora vai, até porque aí os dois blocos rivais estão de acordo. Só resulta caricato que ainda se fale no "homem do Ano 2000", quando se deveria com propriedade falar de Robô do Ano 2000, ou do Boneco Biotrónico do futuro!
Pequenas contradições devidas à lógica artesanal aristotélica ainda em vigor, as quais irão também desaparecer, face à Lógica informática que começa e acaba por abolir a lógica artesanal antiga pela qual alguns idiotas ainda se guiam.
Como lembra Orwell, a lógica informática do Futuro dirá que "guerra é paz", "amor e ódio", "despotismo é liberdade", etc.
A enorme percentagem de analfabetos clássicos que todos os anos, por ordem da U.N.E.S.C.O., levam roda de "vergonha" ou "nódoa" nacional, a enorme percentagem destes marginais – o tema «iliteracia» provoca sempre orgasmos em toda a classe dirigente, em toda a elite bem pensante - , pode no entanto vir a ser a grande vantagem para os novos imperadores da Informática, pequenos e grandes empresários.
Escusam de ir aprender pela Cartilha Maternal do João de Deus. Não tendo que passar pela alfabetização ordinária e artesanal, pelo humilhante a-e-i-o-u, poderão finalmente, metidos no computador com uma lima de unhas - sem dor, portanto - passar logo à fase da alfabetização cibernética. C'u escafandro.
Não é, pois, problema como exterminar os novos analfabetos, atendendo a que os outros, os que não conseguiram aprender o a-e-i-o-u, já hoje fora de moda, podem perfeitamente servir para carne de canhão.
Vamos a isto, senhor Ministro da Educação.
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(*)Este texto de Afonso Cautela foi publicado no jornal «A Capital» (Crónica do Planeta Terra), 22/9/1984
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