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*DEEP ECOLOGY - NOTE-BOOK OF HOPE - HIGH TIME *ECOLOGIA EM DIÁLOGO - DOSSIÊS DO SILÊNCIO - ALTERNATIVAS DE VIDA - ECOLOGIA HUMANA - ECO-ENERGIAS - NOTÍCIAS DA FRENTE ECOLÓGICA - DOCUMENTOS DO MEP

2006-09-21

M. KUSHI 1978

1-6 -78-09-21-yy> - michio-2> 16488 caracteres - merge doc de um único file wri do mesmo nome - diário de um consumidor de medicinas

É TUDO AO CONTRÁRIO,MEUS SENHORES

Lisboa, 21/9/1978 - Não é a ciência universitária que vem examinar a íris dos macrobióticos, a dizer se servem, mas são os universitários - se quiserem - que terão de se reciclar, porque vão precisar disso quando chegar a hora H (fígado, diabetes e outras aflições muito domésticas, pouco universitárias) da medicina, em que a sua ciência acredita, os mandar para casa, acusando-os de incuráveis.
São os universitários que têm de baixar a arrogância e reciclar nomenclatura, não são os praticantes macro que têm de lhes fazer a vontade utilizando o calão tecnocrático.
Não é favor os órgãos de comunicação social falarem do fenómeno macro ou do fenómeno eco (ficando a gente babada de gratidão) mas é a macro e a eco, enquanto serviços de utilidade pública (e de salvação nacional...) que exigem a serviços, ministérios, direcções, governos e Estado que cumpram, perante o povo português, esse dever cívico: quer dizer, informar o País da verdade, para isso paga o contribuinte em geral e o da rádio e tv em particular.
Não somos nós, os marginais, coitadinhos, pior que ciganos (sic) a gemer no gueto a nossa singularidade de desintoxicados e reequilibrados; marginais são todos os que, drogados de farinhas brancas, de cereal refinado, de margarinas e óleos saturados, de vacinas e antibióticos, de todo o tóxico, aditivo, corante, veneno ou desalimento físico - que afinal provoca um quadro físico perfeitamente patológico e anormal - melhor merecem o epíteto de alienados a uma sociedade de consumos alienatórios.
Não é a medicina que tem de dizer amen às eco-terapêuticas e medicinas naturais; é a medicina natural - e a medicina do yin yang em especial - quem tem de fazer greve geral à medicina da doença.
Não sou eu que tenho de pedir desculpa do meu shiatsu, do meu yoga, do meu arroz integral, do meu yin-yang, da minha bionergia, nem sou eu que tenho de usar eufemismos e mudar a nomenclatura para não desagradar ao engenheiro e ao professor catedrático; são eles, se quiserem, que têm de pedir desculpa do lapso e licença para entrar, à porta do templo, deixando os sapatos no corredor...
Com desculpa de vocelências, mas eu cá por mim já não faço mais pedagogia cívica e não concordo nada com os objectivos expansionistas de propaganda que animam hoje os dirigentes das hostes macrobióticas.
É bom crescer - e para isso se nasce - mas no tempo devido. Injecções de adubo potássico não estão dentro da lei do Princípio Único do Yin-Yang.
Com desculpa de vocelências mas vou parar por aqui a campanha de alfabetização de adultos que mantenho desde 1974: sózinho - com a ajuda de alguns bons amigos - paguei do meu bolso a campanha de alfabetização ecológica deste país e só tenho é desgostos. O meu amigo José Leal, director deste jornal, aconselhou-me até a resolver o problema pela raiz, com um tiro nos miolos.
Não dou mais informação, agora se quiserem vão comprá-la à livraria.


COMER FRANGO

E isto, porquê?

Porque, de repente, os grandes senhores da informação gabam-se do grande favor que é dar um lugarzinho às práticas alternativas, neste caso a macrobiótica como alternativa ecológica à medicina química.
Antes e depois, o poderoso órgão despeja o spot publicitário incitando a malta a comer frango, massas alimentícias (sic), margarina que torna tudo mais apetitoso, ovos e outros concentrados puros de colesterol, enfim, a lista de bons conselhos que alienam, envenenam, intoxicam e poluem a cabeça dos contribuintes.
Mas escândalo por escândalo, misturar alhos com bugalhos, macro com frango, ecologia com mafus matadores, parece-me cebolada indigesta demais.
Macrobiótica não alimentará recordistas em estruturalismo. A menos que surja uma nova classe dirigente, os «tecno-burocratas da macrobiótica». Que os há, prontos a tomar de assalto a fortaleza.
Por enquanto, a Macrobiótica acontece a quem a merece. E de nada serve metê-la pela boca abaixo do telespectador que acabará então por comer arroz por lebre.
Modelo de fantasmagoria ideológica, rosário de sofismas e contra-sensos, exemplo do (pior) discurso economicista, produtivista e desenvolvimentista, foi a intervenção do Dr. Mário Baptista na já célebre Mesa Redonda da RTP sobre macrobiótica, dias 19, 20 e 21 de Setembro de 1978.
Se, como ele confessou, lera muito pouco sobre macrobiótica, que admira? A culpa, no fim de contas, não foi dele mas de quem o obrigou a preparar a lição tão à pressa.
Com que então a fome no Mundo, esse disco já tão partido?
Com que então os economistas do desperdício e da deseconomia estão muito preocupados?
Com que então a malta cresce e fornica cada vez mais de modo que (sic) «vai haver fome e da rija»?
Pois é: a fome que vai haver. Como se - pasmai - não houvesse já a fome que tem havido. Com o abono e cobertor dos economistas, agrónomos e fomocratas da FAO.
Pois é, a fome, o quadro que perturba os sonos destes infatigáveis zeladores da exploração do homem pelo homem, do terceiro Mundo pelos imperialismos.
Tantos milhões de criancinhas de barriga inchada.
O comovente quadro, que tanto comove os seus autores, colaboradores, coniventes, ideólogos e funcionários em geral - querem ver que são os macrobióticos os culpados disso tudo? Não foi a pílula já responsabilizada pelo cancro? E a hóstia? Pois é a altura de se meter também a macro em tribunal.
E quem terá autoridade para isso senão os que, há tantos e tantos anos, alimentam a fome mundial? Os que, com a ajuda das multinacionais adubeiras, não querem que a humanidade saia da escalada para a ruína, a miséria e a fome que é a tal Economia do Desperdício.
Querem ver que é a economia da Reciclagem e do bom senso, querem ver que é o proposto ecodesenvolvimento, querem ver que é a economia macrobiótica, baseada na economia budista em que fala Schumacher, quem terá de ajoelhar e pedir desculpa perante os senhores e autores do desperdício, da miséria, da fome e do ...crescimento industrial infinitos?
Isto já não é arroz com frango de aviário. Calma aí.
Isto é simplesmente a questão de fundo: a maré que sobe é uma consciência planetária que se apercebe do logro do Desperdício e começou já a praticar a economia económica (assim mesmo, pleonástica) do eco-desenvolvimento e das eco-práticas (macrobiótica na vanguarda).
Como defende Josué de Castro e ao contrário do que gritam a FAO e a ONU e etc, a causa primeira da explosão demográfica é a Fome.
Causa primeira da Fome: a exploração capitalista do Terceiro Mundo e a pilhagem imperialista sobre subdesenvolvidos e em vias de desenvolvimento.
Causa segunda da fome: o modelo de crescimento industrial e tecnológico dos povos, na exploração dos solos, matérias-primas, recursos naturais e mão de obra desses países que coloniza tecnologica e industrialmente.

ECONOMIA MACROBIÓTICA

Economia macrobiótica e ecodesenvolvimento coincidem neste ponto: desmistificar os mitos maltusianos com que nos intoxicam a paciência e, através de todas as práticas alternativas de carácter ecológico, multiplicar unidades de auto-suficiência energética e produtiva, capaz de ir safando os povos à ditadura do imperialismo militar, económico, cultural, político, etc., inclusive ir safando o campo à ditadura da cidade, a província à ditadura da capital.
Quem vai ganhar ou perder, pouco importa. Importa é saber se o caminho escolhido, leva à sobrevivência ou à catástrofe. Importa é saber se se caminha com os tecnocratas tresloucados do desenvolvimento imperial-expansionsta, de lógica exponencial e logarítmica, rebentando com todos os travões e limites ecológicos da economia ou se, em função desses limites, se produz uma prática e se pratica uma produção que, limitada, austera, racional, yin-yang em vez de logarítmica, é o caminho da sobrevivência da Terra, dos ecossistemas, da Vida.
Quer vá ou não vá a tempo de vingar, é o caminho certo que qualquer pessoa que seja uma pessoa seguirá.
Que a Fome do Terceiro Mundo impressione muito os seus ideólogos, autores e economistas encartados, não nos impressiona.
Importa é estar firme e dizer a todos: as práticas alternativas ecológicas são as únicas a poder resolver o problema e a quebrar os ciclos viciosos, os becos sem saída dos desenvolvimentos neo-maltusianos.
Acusações, se as há, aos adeptos da Macro, é à sua inércia relativamente àquilo em que acreditam. E de que se recusem ao trabalho de reflexão sobre os fundamentos económicos (porque ecológicos) da sua filosofia produtiva yin-yang. Filosofia que chega às mesmas conclusões da ecologia, sem que os macrobióticos o suspeitem. Ecologia e conclusões muito necessárias, quando salta à nossa frente um Dr. Mário Baptista, espécie de economista que eu julgava já extinta.
No plano mais comezinho, a Macro é prática de greve - por enquanto intermitente mas depois permanente quando atingir a auto-suficiência comunitária para que tende o movimento. Na medida em que sistematicamente reconverte os milhares de supérfluos em 5 ou 6 consumos fundamentais.

MESAS REDONDAS

A isto se chamou - na Mesa redonda da RTP - reconhecendo o óbvio, «racionalização» dos consumos.
Mas eu penso que o júri e muitos espectadores ficaram a pensar na famosa «alimentação racional», que tantas vítimas tem feito e que tantos adeptos tem trazido à macrobiótica, na sequência de naturismos e vegetarianismos tão folclóricos e reformistas como interesseiros.
É, no entanto, essa calamitosa «alimentação racional» que se propôs e ainda propõe como falsíssima alternativa ou eco-táctica ainda mais falsa à tirania dos consumos hiperenvilecidos do mercado comum.
Macro é outra coisa: é uma radicalização dos consumos e se «racionalidade» há - como tanto agradou ao Prof. Delgado Domingos reconhecer - é uma racionalidade em termos de economia e bioenergia.
Não é uma racionalização com base em guerra de miligramas, vitaminas, proteínas, sais, enzimas, percentis.
Aqui há também um salto qualitativo - e uma armadilha terminológica ... - que leva a Macro a distanciar-se mais da «alimentação racional» e das dietas «lacto-ovo-vegetarianas» do que das próprias dietas correntes.
Quer dizer: as dietas «racionais» são ainda reformas in extremis de um sistema que não quer perder o negócio de certos consumos e que para isso está disposto a reconvertê-los. Muda-se para ficar tudo na mesma ...
As dietas racionais, como todas as viragens do sistema para se recuperar a si próprio e sobreviver mais anos, são mais perigosas socialmente do que as próprias dietas irracionais, cuja irracionalidade já todos vão sentindo no corpo e nas doenças em série.
Além de Michio Kushi, ninguém na Macro se ocupa em definir o que talvez seja a sua função principal no Tempo-e-Mundo do Apocalipse: como nos vamos arranjar neste Planeta que treme por todos os lados e se esbarronda em todas as latitudes?
A resposta alternativa ao Apocalipse inclui a Macro - mas não se limita a ela - e é disso que se trata. Aviar a resistência e a imunização (à Dor, à Doença, ao Sofrimento, à Alienação) a este mundo onde a guerra entre potências é apenas o biombo (chinês) para tapar a profunda e verdadeira guerra santa que as potências coligadas, em coexistência e em santa aliança, movem contra a Humanidade em geral, Terceiro e Quarto Mundo em especial.
É Terceiro e Quarto Mundo (povos, espécies, rios, ecossistemas, culturas, etnias, países em vias de extinção) quem tem de preparar a defensiva a esta ofensiva do imperialismo das potências, nucleares e nem só.
Para este trabalho de resistência, tal como o povo vietnamita na sua resistência às bombas ianques - não se pode evidentemente comer carne e beber vinho. Só a classe exploradora tem acesso e poder de compra para esses luxos supérfluos, para os prazeres da carne e as delícias do álcool.
A resistência, a luta, a contra-ofensiva ao invasor exige rijeza física e lucidez de reflexos: condições que a Macro resolve.
Buda vem ajudar a justa luta dos povos pela emancipação e envia-nos Oshawa, instrumento nas mãos de uma providente Previdência.
Mas é a Buda que eu devo gratidão e satisfações. Se errar, é Buda que me perdoará e a quem eu devo explicações. Não é aos emproados senhores doutores da Universidade: que isto fique claro e que não me obriguem a calar que sou budista, para não escandalizar os senhores doutores, vendilhões e fariseus que invadindo estão o Templo.
Não é um Torquemada que me obrigará a ser cristão novo.

AGRICULTURA DINÂMICA

A propósito de compostagens e de energia cósmica na agricultura biodinâmica, o Prof. Delgado Domingos criticou a nomenclatura usada pelos macrobióticos e convidou-nos a falar em termos mais «legais». Quer dizer: científicos. Quer dizer: mais à vontade da ciência que ele, professor, representa e da qual ciência a Macro, enquanto sistema de Sabedoria, representa a rebelião e uma das alternativas radicais.
Quer dizer: a revolução tem que pedir licença à contra-revolução para entrar.
Quer dizer: a subversão tem que se camuflar com a linguagem e as aparências do establishment.
Quer dizer: não é suficiente para o júri catedrático que examinou a menina macrobiótica, termos feito a revolução alimentar e biológica, já.
Ainda temos que adaptar a nossa linguagem às exigências da ciência oficial, entre as quais ciências está a medicina que mata para (pasme-se!) não escandalizar doutores, professores e outros representantes da ditadura científica. Nós é que temos de nos adaptar àquilo que subvertemos e iremos subverter.
Tem sua piada esta exigência termodinâmica.
Mas enquanto o dr Mário Baptista, por exemplo, usa e abusa dos chavões economicistas e desenvolvimentistas clássicos, enquanto repete sofismas e cripto-factos de inspiração OMS, FAO, UNESCO, MIT, ninguém do júri lhe exige que recicle a linguagem e actualize (ao menos) a nomenclatura anacrónica.
Eu não digo que certa linguagem da macrobiótica não deva ser limada e reelaborada. Mas é com vista a um rigor e a uma coerência interna, não é para agradar aos forasteiros e paraquedistas ou a senhores universitários de um jurado.
Quando falo de energia cósmica ou Bionergia, sei muito bem do que falo, escusam os termodinâmicos de me vir emendar o dicionário.
Escusam de exigir que mude o yin-yang para um termo mais ocidental e «científico»: a lei da simetria , querem ver?
Desiludam-se dessa. Se o yin-yang fosse traduzível em toda a subtileza e dinamismo era sinal - linguagem trai ideologia - de que havia equivalente na ciência ocidental: e não há. E não há porque toda a ciência ordinária - mesmo de tecnocrata competente - se baseia num dualismo canceroso que exclui o monismo dialéctico expresso pelo yin-yang, que é uma palavra só e não duas como eles julgam.
Usamos e usaremos yin-yang, sem concessões ao gostinho especial destes senhores que fazem o especial favor de nos examinar as tripas, mas tão pouco com as concessões ao exótico que estas chinesisses atraem.
Não será Einstein que me obrigará a emendar os tantras. Era o que faltava!

O SALTO DIALÉCTICO

Temos, entretanto, a dizer aos colegas macro que, por exemplo, a tradução feita em alguns autores do yin-yang para positivo-negativo é uma gigantesca asneira que está na origem de muitos equívocos que têm manchado as primícias da arte e da prática macrobiótica (hoje indústria como a RTP mostrou e talvez só por isso tivesse mostrado...).
Em nome da verdade e do rigor - que tudo no budismo exige - havemos de corrigir a língua, oh irmãos macro. Mas nunca para agradar a suas excelências que cultivam o positivo e o negativo na escala das dicotomias paranóicas a que o padrão cultural que servem os leva e sempre levou.
Mas porque o salto qualitativo da prática Yin-Yang passa por esta ultrapassagem da nomenclatura, armadilha que ainda engoda muita gente.
Mas não há-de ser nada e o arroz nos ajudará a ir des-cobrindo, pensando (pres) sentindo, intuindo em termos cada vez mais dialécticos - yin yang - e menos dualistas.
Sendo, ao fim e ao cabo a démarche iniciática - de que a Macro é só a basesinha dietética correspondente - não vamos já exigir que tudo esteja afinado. Mas convém ir evitando as fífias... especialmente se há universitários de palmatória de cinco olhinhos na mão, à espreita das nossas gagas fraquezas.
Desta vez a menina macrobiótica passou no exame. É preciso que das próximas não reprove.
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(*) Este texto de Afonso Cautela, foi publicado no «Jornal da Via Macrobiótica», em data que neste momento não posso exactamente identificar , sabendo apenas que foi em 1978
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